Os fãs de Giorgio A. Tsoukalos e do programa que leva ao
ar pelo canal de assinatura History Channel, Alienígenas do passado (Ancient
aliens), são, certamente, leitores apaixonados dos livros de mistificação
e vulgarização do suíço Erich von Däniken: Eram os deuses astronautas?, De
volta às estrelas, O dia em que os deuses chegaram: 11 de
agosto de 3114 a.C., A história está errada, O
retorno dos deuses etc. O escritor defende a tese de que a herança inteligente da humanidade decorre do contato de nossos ancestrais de épocas
imemoriais com viajantes vindos das vastas regiões estelares. Ficaram
conhecidos como deuses e originaram os mais diversos cultos e crenças
religiosas. Em 1970 o cineasta austro-húngaro Harald Reinl — um dos principais
nomes do cinema popular alemão, responsável por transformar em filmes obras de Karl
May protagonizadas pelo guerreiro Winnetou — adaptou às telas, como
documentário, as primeiras teses de Däniken. O resultado é Eram os deuses astronautas?
(Erinnerungen
an die zukunft), apoiado num didatismo à base de perguntas e afirmações
ao gosto dos ouvintes mais empedernidos da velha Rádio Relógio Federal. Os
aficionados que me perdoem, mas... A apreciação a seguir, de 1974, passou por
alguns ajustes quinze anos depois.
Eram os deuses
astronautas?
Erinnerungen an die zukunft
Direção:
Harald Reinl
Produção:
Terra-Filmkunst GmbH
República Federal da Alemanha — 1970
Elenco:
Participam:
Heinz-Detlev Bock (narrador), Klaus Kindler (narrador), Christian Marschall (narrador), Hans Domnick, Thor
Heyerdahl, Aleksandr Kazantsev, Hermann Oberth, Erich von
Däniken.
O cineasta austro-húngaro Harald Reinl com a atriz alemã Karin Dor |
Harald Reinl
endossa literalmente as teses de Erich von Däniken, autor dos livros Eram
os deuses astronautas? (Erinnerungen an die zukunft) e De
volta às estrelas (Zurück zu den sternen)[1],
e assina este documentário tão frágil como a Teoria Difusionista que o embasa.
Com ardor religioso, diretor e autor sustentam: a Terra, em eras imemoriais,
serviu de porto privilegiado a seres de outras galáxias que aqui deixaram
marcas ainda intactas. Esses viajantes, intimamente chamados tanto nos livros
como no filme de astronautas e viajantes das estrelas, ganharam dos habitantes
do planeta, com os quais entraram em contato, o status de deuses. Desses encontros — sustentam
Däniken e Reinl — surgiram as mais diversas formas
de culto e adoração religiosa.
A tese, risível,
é apoiada em argumentação simplória. Para fundamentá-la a realização apresenta uma
tribo da Polinésia. A comunidade, que ainda parece viver no paleolítico, jamais
vira um avião até a Segunda Guerra Mundial, quando suas terras foram
transformadas em campo de pouso para a força aérea estadunidense em guerra com
o Japão. Findo o conflito, os aparelhos retornaram às bases. Nunca mais foram
vistos pelos nativos. Passado algum tempo, iniciaram novo culto materializado
por plataforma improvisada em pista de aterrissagem. Na extremidade da instalação
esculpiram em madeira e palha a réplica de um avião. Junto à representação os
polinésios passaram a se revezar, dia e noite, em interminável vigília, no
aguardo ao retorno dos deuses alados. Esse fato, que pode muito bem ilustrar um
caso particular, é generalizado imprudentemente para os agrupamentos humanos de
todo o mundo, das mais diversas épocas.
Acima, ao centro e abaixo: o mistificador e vulgarizador suíço Erich von Däniken |
Daí se conclui
que as torres e pináculos que invariavelmente existem em templos e palácios — formas que
parecem “simbolizar uma viagem aos céus”, conforme a narração — foram
construídos com o claro objetivo de atrair os deuses e estes seriam
“astronautas” extraterrestres. E afloram os disparates. Na Grécia, o terreno
que serve de base a um monumento da arquitetura clássica foi, devido ao seu
formato, provavelmente usado para decolagem de naves espaciais, argumenta sem
pudor a realização. Motivos celestes e alados de antigas gravuras e ilustrações
são, de maneira forçada, comparados a pilotos de naves espaciais que teriam
prolongamento lógico e natural em nossos astronautas. Em encosta do litoral sul
do Peru, estranho e gigantesco sinal aponta para o Platô de Nasca, no interior
do país, em cujo solo afloram desenhos em alta escala semelhantes a águias,
aranhas etc. Essas formas só ganham sentido quando divisadas do alto. Diante
disso, vem a pergunta: não seriam sinais para pilotos de espaçonaves? No mesmo local
inúmeros traçados retos se prolongam em distâncias consideráveis, em todas as
direções. Que finalidade teriam? A resposta: poderiam servir como pistas de
aterrissagem. O filme interroga: quem desenhou a águia, a aranha e riscou os
traçados retos? Ora, os deuses, os astronautas das galáxias que nos visitaram.
Claro, Däniken e Reinl, só poderiam ser eles, não é mesmo? — concordam os
espectadores boquiabertos, estupefatos e envergonhados, que só respondem
positivamente para não prolongar o filme e acabar de vez com a tortura. Alguns,
ao contrário do intransigente bonequinho que ilustra críticas cinematográficas
de O
Globo, jamais abandonam uma exibição no meio. Bem que deveriam! Eu que
o diga!
A tese do filme: em épocas imemoriais viajantes estelares entraram em contato com os humanos e estes registraram suas marcas |
As misteriosas linhas no platô de Nazca, Peru |
Outro dos gigantescos traçados no solo do platô de Nazca |
Em busca de
traços que confirmem a tese, ou de pistas à “evidente” passagem de alienígenas
na Terra, a produção faz um périplo por mais de 100 mil quilômetros através de
cinco continentes. Visita 40 diferentes lugares no Egito, México, Bolívia,
Índia, Iugoslávia, Iraque, Palestina, Turquia, Itália, Líbano, Saara, Ilha da
Páscoa, Austrália, Japão, Rússia e Guatemala, além dos referidos Polinésia,
Grécia e Peru. Mas o espectador não deve se iludir. Tanto a exposição como a
argumentação estão a serviço da péssima vulgarização da mais duvidosa ciência.
Alias, falar de ciência em se tratando de Erich von Däniken é brincadeira. O
autor e seus seguidores se mostram, isso sim, partidários do misticismo.
Constrangimento! Essa é a sensação que domina o incauto que cai na armadilha de
assistir a Eram os deuses astronautas?.
Stonehenge, na Inglaterra, não poderia faltar às teses levantadas pelos filme |
As bases para se compreender a argumentação de Däniken foram
fornecidas no século 19, por Schliemann. Entretanto, esse arqueólogo que
descobriu as ruínas de Troia não deve ser responsabilizado por nada. Porém, em
busca de vestígios que comprovassem a existência da lendária cidade, considerou
ao pé da letra os registros de Homero. Teve sorte. O problemático é ver Erich
von Däniken se basear nesse exemplo para resolver alguns dos maiores mistérios
da humanidade. Empreende leituras dogmáticas da Bíblia e de textos sacros das
mais diversas religiões. Promove, consequentemente, o empobrecimento da
História e das culturas. Da sua narrativa aflora um homem esvaziado, desprovido
de autonomia diante das possibilidades oferecidas pelo mundo, descrente de suas
capacidades. A produção humana e toda a linguagem se transformam em atributos
de deuses, dos navegantes das estrelas que tomaram a frente de tudo. A
humanidade nada fez, senão reverenciá-los da mesma maneira, com pequenas
variações aqui e ali. Um dos maiores recursos da comunicação, a metáfora — presente em
quase tudo a respeito dos deuses e do sagrado — não tem sentido
algum para Däniken; da mesma forma, os contextos nos quais afloraram as mais
diversas civilizações.
Ao longo dos 96
minutos de Eram os deuses astronautas? ouvem-se preciosidades dignas dos
bons tempos da Rádio Relógio Federal, em forma de perguntas e afirmações. Algumas:
há 50 milhões de estrelas na Via Láctea. Algumas teriam vida? Alguns habitantes
das estrelas teriam nos visitado? Ainda neste século o homem irá pousar em
Marte, depois Vênus. De que forma seremos recebidos? Como homens ou como
deuses? A mão de Deus que destruiu Sodoma e Gomorra de um só golpe foi, na
verdade, uma explosão atômica. A tampa da Arca da Aliança, de onde saía a voz
de Deus, poderia ser muito bem um tipo de alto-falante. La Paz, a 3 mil metros
acima do nível do mar, é a mais alta capital do mundo. O Lago Titicaca é o mais
alto do mundo. Em Tihauanaco está o mais antigo santuário do mundo. As múmias
foram copiadas de extraterrestres.
Eram os deuses astronautas? |
Quando se detém
no Egito, o filme tenta lançar luz sobre o mistério das pirâmides. A narração
informa sobre Queops: área de 53 metros quadrados, peso de 6,5 milhões de
toneladas (equivalente a 65 mil locomotivas), 137 metros de altura, 2,3 milhões
de blocos de pedra empilhados, cada qual com 2,5 toneladas. Depois, pergunta:
como foram transportados se não existiam guindastes nem caminhões? Se 20 mil
operários levassem e assentassem dez blocos por dia seriam necessários 660 anos
de construção. Quem transportou as pedras das pirâmides? Da mesma maneira, como
foram projetadas as outras pirâmides, a esfinge e as tortuosas passagens que
levavam ao interior das bem trabalhadas câmaras mortuárias do Vale dos Reis?
Ainda no Egito...
Os monumentos de Luxor, construídos há mais de 3 mil anos, transferidos para
local mais elevado na década de 50 quando da construção da represa de Assuam.
No esforço para salvá-los da inundação, várias nações atenderam ao chamado da
Unesco. As gigantescas peças foram retalhadas em 300 mil pedaços, transportados
e montados com as facilidades permitidas pelos mais modernos equipamentos motomecânicos.
Mesmo assim foram necessários três anos para completar a operação. Aí surge o
narrador (coitado!) com questão que aponta para uma resposta fincada nos
extraterrestres: como os egípcios agiram na época das construções se não
dispunham dos meios técnicos atuais? Na Planície de Gize, no Vale dos Reis e em
Luxor não havia as pesadas pedras que possibilitaram a construção dos
monumentos. Foram transportadas de locais distantes. Como, como, como? —
interroga o aborrecido filme. E o enorme obelisco inacabado de Assuam,
impossível de ser movido por qualquer guindaste? Ora, Däniken e Reinl, sabe-se
lá se os antigos egípcios pretendiam de fato movê-lo? Os mesmos mistérios do
Nilo cercam as pirâmides que astecas e maias ergueram no México e na América
Central, as gigantescas e silenciosas estátuas que miram o mar na Ilha da
Páscoa, as muralhas e labirintos de Cuzco. Quem fez tudo isso? Os deuses
astronautas; foram eles. Quem mais poderia ser? Däniken e Reinl, vão dormir
homens de Deus. Nós também queremos. Ai, ai, ai! Que filminho pretensioso!
Roteiro: Harald Reinl, baseado nos livros Eram
os deuses astronautas? (Erinnerungen an die zukunft) e De
volta às estrelas (Zurück zu den sternen), de Erich von
Däniken, com comentários de Utz Utermann — creditado como Wilhelm Roggersdorf. Direção de fotografia (Eastmancolor): Ernst Wild. Operadores de câmera da segunda unidade:
Claus Riedel, Richard R. Rimmel. Montagem:
Hermann Haller. Música: Wilhelm
Roggersdorf, Peter Thomas. Narrador:
Wilhelm Poggersdorf. Texto da narração:
Heins-Detlev Bock, Klaus Kindler, Christian Marschall. Assistente de direção: Charles M. Wakefield. Assistente de câmera: Ernst Stritzinger. Fotografia de cena: Timm Klose. Assistentes de montagem: Jutta Neumann, Verena Dauelsberg. Produção executiva: Manfred Barthel,
Günther Eulau. Coprodução: John C.
Mahon. Gerente de unidade de produção:
Franz Achter. Gerente de produção:
Konstantin Thoeren. Agradecimentos
da produção: Hans Domnick, Thor Heyerdahl, Alexander Kasantsew, Professor Hermann
Oberth, Messrs. G. Rodenstock, Wiatscheslav Saitsew. Tempo de
exibição: 96 minutos.
(José Eugenio Guimarães, 1974; revisto e ampliado
em 1989)
Olá to te seguindo e deixo meu blog aqui pra vc http://chefmarlenereceitas.blogspot.com.br/ Erich von Däniken, Eram os deuses astronautas? Lí o livro e vi o filme foi uma febre na época... sempre achei que tinha um fundo de verdade! :)
ResponderExcluirOlá, Marlene. Muito grato por seguir o blog e por seu comentário. Um abraço e sucessos com sua empreitada.
ExcluirFelicidades.
Eugenio,
ResponderExcluirNo inicio da década de 1970 eu assisti ao thriller do filme/documentário "Eram Os Deuses Astronautas".
Não sei porque não consegui ver o filme na semana vindoura. O que sei é que não o vi nesta época e nem nunca mais ele foi reprisado em Salvador ou mesmo passou em qualquer Canal de TV.
Sou um apaixonado pelo tema e sigo achando muitas verdades nas descobertas e/ou crenças do Daniken, tese minha que contraria o entender do postante desta matéria.
Porém, estas divergencias de aceitação é o que apimenta muitos temas, o que promove muitas conversas e terminam por se tornarem o pivor de longos e proveitosos diálogos e debates.
Fator que não existe nada de melhor, pois estas conversas e debates sempre terminam nos abrindo mais as mentes para absorções futuras.
Não consigo administrar como nada de tão irreal o que diz o Daniken ou o que ele considera como fato de muitas possibilidades.
Da mesma forma não consigo enxerga-lo como uma espécia de charlatão, exibicionista, irrealista ou mesmo como tudo demonstrado não passar de uma coincidência ou aproveitamento de situações para se atingir o topo de algum patamar na vida, no reconhecimento popular ou até na ciencia.
Possivelmente, como muitos outros mais, sou apenas um apreciador/crente de tudo que o homem diz ou sugere. Acho bonito e salutar o assunto e me integro a ele por sentir-me em assossiação com o que é posto.
Quanto ao diretor Harald Reine, possivelmente por sua nacionalidade ou época um tanto quanto fora da minha, o desconhecia totalmente. Mas gosto de apreciar seu gosto pelo que eu também aprecio.
jurandir_lima@bol.com.br
Não sei e nem ouvi falar de outro filme baseado em algum outro livro do escritor.
Respeito seu ponto de vista, Jurandir! Quanto a mim, francamente, o meu grau de secularização não permite que eu dê credibilidade a esse tipo de tese que tomei a liberdade de identificar como mistificação. Não que deixe de achar tudo isso muito curioso. Mas o que afronta os meus brios, de sujeito formado dentro dos limites da argumentação científica, é a platitude de se afirmar isso ou aquilo com ares de verdade, sem apresentar prova alguma - indispensável para a argumentação passar por científica -, mas apenas levantar um punhado de suposições e embalá-las de modo conveniente. Não tenho como levar a sério algo parecido. Claro que me divirto com programas como o filme, exibidos pelo inacreditável canal por assinatura History Channel, mas apenas por considerar as teses risíveis e, frente aos dados apresentados, muito pouco sustentáveis.
ExcluirPrecisamos de mais provas, plausíveis, concretas, que possam ser medidas, pesadas, consideradas, analisadas. É o que faz a ciência.O resto é religião ou mistificação, com todo o seu respeito que eu devoto a essas visões de mundo.
Abraços.
O sociólogo José Eugênio Guimarães construiu aqui um texto que sem nenhuma dúvida deve ser enquadrado no tipo Texto Argumentativo (Garcia, "Comunicação em Prosa Moderna").
Eivado de ironia, faz a Análise Crítica tanto dos textos literários quanto do filme deles derivado. Sua Análise Fílmica esmiúça os deslizes e a contrafação dos autores que intentam senão mentir ao menos simplificar um tema complexo diluído na comunicação fácil de massa.
Tema assaz perigoso que rola desde os tempos que assustou Galileu Galilei, passando pelo escritor Cyrano de Bergerac (diferente das versões mentirosas do Cinema) e literalmente queimou Giordano Bruno.
Guimarães usa e abusa da sua ferina ironia em sua argumentação que, convenhamos, ser a mais adequada escolha de forma de expressão. A falta de responsabilidade na difusão de falsos conhecimentos perpetrada pelos autores de Livros & Filme bem que mereceu a agudeza da língua afiada do crítico.
Paulo Braz Clemencio Schettino
Paulo Braz, meu caro;
ExcluirCreio que não há forma mais indicada para abordar temas como esses, tratados pelo Erich von Däniken. Não se fui socratiano na ironia. Mas tentei!
Abraços.