domingo, 22 de março de 2015

"ALIEN", DE RIDLEY SCOTT, TEM ANTECEDENTES MARCIANOS E NO FILME 'B' DOS ANOS 50

Há alguns anos, numa madrugada insone, deparei-me na TV com It: o terror que vem do espaço (It! The terror from beyond space, 1958), do praticamente obscuro Edward L. Cahn, diretor que nunca ultrapassou o umbral do padrão 'B'. A realização, paupérrima, não me devolveu ao desejado estado de letargia. À medida que avançava, fui notando semelhanças entre a história roteirizada por Jerome Bixby com peças cinematográficas mais contemporâneos, elaboradas com aportes financeiros mais generosos, em particular o misto de ficção científica e terror Alien, o oitavo passageiro (Alien, 1979), de Ridley Scott. Os elementos centrais desse filme, concebidos pelo roteiro de Dan O'Bannon, estão todos na obra de Edward L. Cahn. Aqui, uma misteriosa e letal criatura espacial se oculta nos dutos de ar de uma espaçonave que ruma de Marte para a Terra. Logo, começa a eliminar membros da tripulação. O bicharoco, de um ridículo atroz, fica muitos anos-luz atrás do elaborado e assustador monstro de saliva ácida concebido por H. R. Giger para o filme de Scott. Mas ao fim fiquei a pensar em quantas dívidas as produções 'A' — algumas tidas como originais — não teriam a quitar com obscuros e esquecidos filmes de categoria 'B'.






It: o terror que vem do espaço
It! The terror from beyond space

Direção:
Edward L. Cahn
Produção:
Robert E. Kent, Edward Small (não creditado)
Vogue Pictures, Robert E. Kent Productions
EUA — 1958
Elenco:
Marshall Thompson, Shawn Smith, Kim Spalding, Ann Doran, Dabbs Greer, Paul Langton, Robert Bice, Richard Benedict, Richard Hervey, Thom Carney, Ray Corrigan e os não creditados Bert Stevens, Pierre Watkin.



O diretor Edward L. Cahn


Tudo bem, há quem goste deste filme. Felizmente (ou infelizmente, sei lá!), não me incluo no time. Espero ser desculpado. As realizações de ficção científica, em especial as rudimentares produções ‘B’ da década de 50, têm apreciável e empedernido número de admiradores. Com It: o terror que vem do espaço — rebatizado para Ele! O terror que vem do espaço nas programações da TV — não é diferente. Quando lançado nos cinemas brasileiros, tinha por título A ameaça do outro mundo.




Acima e abaixo: o monstro marciano vivido por Ray Corrigan


Nos dizeres do povo da Zona da Mata de Minas, “O filme é ruim demais da conta, sô!”. As interpretações são risíveis. O monstro que faz os exploradores espaciais de gato e sapato é de um ridículo atroz. Dando vida à criatura está o ator Ray Corrigan, enfiado numa inacreditável fantasia de borracha, para lá de fuleira. Mais uma vez, deve-se conferir ao produtor Val Lewton o título de sábio. No cinema, certas coisas não devem ser vistas, ainda mais se não há recursos suficientes e adequados para concebê-las com o mínimo de credibilidade — teria afirmado. Então, é melhor que sejam simplesmente sugeridas, principalmente quando pertencem às zonas desconhecidas, habitadas pelo sobrenatural e pelo fantástico. Algumas produções de Lewton como Sangue de pantera (Cat people, 1942), de Jacques Tourneur, e Maldição do sangue de pantera (The curse of the cat people, 1944), de Gunther von Fritsch e Robert Wise, estão à disposição para lhe confirmar a tese.


Não pense o fã ardoroso que não aprecio ficção científica, produções ‘B’ ou abaixo disso e filmes trash. Como cinéfilo, vejo filmes os mais variados, incluídos numa faixa de amplo espectro. Sou generoso com as temáticas envolvendo o sobrenatural e o fantástico, incluindo realizações que o tempo tornou ridículas. Porém, tudo tem limites. It: o terror que vem do espaço os ultrapassou além da conta.


Começo da história: a nave decola de Marte rumo à Terra


Estamos praticamente quatro décadas à frente de 1973. Segundo o roteiro de Jerome Bixby, nesse ano uma missão espacial tripulada aterrissou em Marte. A ficção científica sempre se arriscará a falhar nas previsões e datações, notadamente quando os exemplares do gênero são realizados em épocas de franco otimismo com os avanços da ciência. As antecipações podem desandar em produções ruins, como esta, ou nas obras de excelência qual 2001 — Uma odisseia no espaço (2001: a space odyssey, 1968), de Stanley Kubrick. Então, está tudo bem com isso. Por outro lado, a corrida espacial havia começado em 1957, um ano antes da realização de It: o terror que vem do espaço, com os russos enviando a cadela Laika à órbita da Terra no Sputnik 2. Em 1961 os cães deram primazia aos humanos: o russo Yuri Gagarin, a bordo da Vostok 1, foi o primeiro homem a circundar o planeta. A rápida conquista de Marte, logo após a da Lua, fazia parte de previsões otimistas.


Depois do pouso em Marte, a nave comandada pelo Coronel Edward Carruthers (Thompson), avariada, não consegue voltar. Para piorar, toda a tripulação é dizimada misteriosamente, com exceção do comandante. Segundo ele, um alienígena fulminou seus homens um após outro. Na Terra, ninguém acredita na história. Outra missão é enviada, para buscar Carruthers, aprisioná-lo e enviá-lo à corte marcial por assassinato. Nesse ponto o filme começa. A nave de resgate, aos cuidados do Coronel Van Heusen (Spalding) levanta voo trazendo o acusado.




Algo estranho à bordo da nave sobressalta a tripulação


Porém, algo mais está a bordo. Não tardará para Carruthers merecer crédito da pior forma. Dois tripulantes desaparecem, apresados por estranha criatura oculta nos dutos de ar da nave. As tentativas para eliminá-la fracassam, desde tiros com armamento comum passando por eletrocussão, chamas, granadas e explosivos atômicos. O bicharoco resiste a tudo. O mais incrível, particularmente para os dias de hoje, é a nave também passar incólume por tudo isso. A criatura continua ameaçando os sobreviventes, apesar de isolada nos níveis inferiores do veículo. Vem de Carruthers a ideia salvadora: a despressurização. Os tripulantes protegidos por trajes especiais, devidamente oxigenados e atados às partes sólidas e fixas da nave, estariam protegidos enquanto a criatura fosse expelida junto com o ar do interior. O plano é posto em prática com sucesso. Alívio, principalmente para Carruthers, preservado em sua reputação.


O espectador antenado às realizações de ficção científica não tardará a perceber semelhanças entre os argumentos de It: o terror que vem do espaço e Alien, o oitavo passageiro (Alien, 1979), de Ridley Scott. Ambos contam basicamente a mesma história. As diferenças se devem aos recursos envolvidos, além dos talentos reunidos à frente e atrás das câmeras, todos mais favoráveis ao filme de Scott. Este teve na criatura — imaginada por Dan O’Bannon e cinematograficamente materializada graças às concepções do artista H. R. Giger e pela junção de arrojados efeitos especiais com iluminação mais poder de sugestão — um dos maiores trunfos no campo do cinema fantástico.


Além de legião formada por incontáveis e aguerridos fãs, It: o terror que vem do espaço conta com admiradores ilustres, como o cineasta John Carpenter. Segundo ele, Edward L. Cahn e equipe concluíram as filmagens no tempo recorde de seis dias. Pelos resultados em tela, deve ser verdade.


Apesar da falta de recursos, o diretor, se mais criativo, poderia atenuar o lado tosco da realização desenvolvendo a sensação de claustrofobia no interior da nave, que se tornou mais elevada com a tripulação ganhando certeza de que transportava algo estranho. Mas essa possibilidade sequer foi arranhada. Parece até que Carruthers e companhia estavam simplesmente às voltas com uma infestação corriqueira de ratos e baratas, dada a aparente apatia de todos.




A apática tripulação


O diretor Edward L. Cahn foi, nos anos 20, profissional ativo no setor de montagem da Universal. Estreou na direção em 1931, construindo carreira firmada na realização de várias produções ‘B’, nas quais proliferam filmes de terror, westerns de ocasião, criminais e ficção científica. Seu primeiro filme, Homicid squad, tem codireção de George Melford. Até o encerramento da carreira, em 1962, com Beauty and the beast, trouxe à luz 125 títulos[1]. Dentre seus trabalhos dignos de nota, segundo Jean Tulard, há “um brilhante western”[2]: Law and order (1932), sobre Wyatt Earp e o célebre tiroteio no OK Corral.



A criatura se apodera de mais uma presa


Por fim, há o comentário que se pretende definitivo sobre o planeta vermelho, pronunciado no epílogo de It: o terror que vem do espaço: “O nome de Marte deveria ser Morte”. Em português até que não soa mal, apesar de ser risível.






Roteiro: Jerome Bixby. Música: Paul Sawtell, Bert Shefter. Direção de fotografia (preto-e-branco): Kenneth Peach. Direção de arte: William Glasgow. Decoração: Herman N. Schoenbrun. Maquiagem: Lane Britton. Assistente de direção: Ralph E. Black. Contrarregra: Arthur Wasson. Planejamento do set: Jerome Bixby (não creditado). Edição de efeitos sonoros: Robert G. Carlisle. Som: Al Overton. Concepção da criatura: Paul Blaisdell (não creditado). Guarda-roupa: Jack Masters. Supervisão de montagem: Grant Whytock. Continuidade: George Rutter. Assistente para Paul Blaisdell (não creditado): Bob Burns. Companhia de serviços sonoros: Ryder Sound Services. Tempo de exibição: 69 minutos.


(José Eugenio Guimarães, 2012)




[1] EDWARD L. Cahn. Disponível em http://www.imdb.com/name/nm0128715/#Director. Acessado em 25 nov. 2012.
[2] TULARD, Jean. Dicionário de cinema. Porto Alegre: L&PM, 1996. p. 110.