domingo, 14 de outubro de 2018

GEORGE C. SCOTT ESTREIA NA DIREÇÃO DE CINEMA

O reputado ator George C. Scott iniciou carreira em 1951, na televisão. Após oito anos, ganhou a primeira oportunidade no cinema ao representar George Grubb em A árvore dos enforcados (The hanging tree), de Delmer Daves, protagonizado por Gary Cooper. Daí em diante, como coadjuvante, marcou presença em filmes importantes: Anatomia de um crime (Anatomy of a murder, 1959), de Otto Preminger; Desafio à corrupção (The hustler, 1961), de Robert Rossen; e, entre outros, Dr. Fantástico (Dr. Strangelove or: how I learned to stop worrying and love the bomb, 1964), de Stanley Kubrick. Atingiu o ponto culminante da atuação como o ousado e controverso estrategista da Segunda Guerra Mundial General George S. Patton Jr. em Patton — rebelde ou herói? (Patton, 1970), de Franklin J. Schaffner, pelo qual recusou o Oscar de Melhor Ator. Estreou na direção de cinema com Fim de uma angústia (Rage, 1972). Não era propriamente um neófito na atividade. Em 1962, para o teatro, encenou a peça General Seeger. Oito anos depois rodou o aplaudido telefilme The Andersonville trial. Em Fim de uma angústia interpreta Dan Logan, típico representante do indivíduo padrão estadunidense. Fazendeiro, pai de um garoto de 12 anos, leva a vida indiferente às instituições estatais. Até ser acintosamente enganado e manipulado pelas forças armadas na sequência de descuidado, irresponsável e trágico teste de armas químicas. O roteiro de Philip Friedman e Dan Kleinman é problemático e poucas oportunidades ofereceu à direção. Gerou pouco envolvente e anticlimático thriller de vingança. Ao menos o Scott ator compensa, de certo modo, as fragilidades do diretor. Voltou ao métier no obscuro The savage is loose (1974), inédito comercialmente no Brasil. A apreciação a seguir, para Fim de uma Angústia, é de 1976.






Fim de uma angústia

Rage

Direção:
George C. Scott
Produção:
Fred Weintraub
Warner Bhroters, Getty & Fromkess Corporation
EUA — 1972
Elenco:
George C. Scott, Richard Basehart, Martin Sheen, Barnard Hughes, Nicolas Beauvy, John Dierkes, William Jordan, Paul Stevens, Kenneth Tobey, Robert Walden, Stephen Young, Dabbs Greer, Bette Henritze, Lou Frizzell,Ed Lauter, Terry Wilson, Fielding Greaves, Anna Aries, Phoebe Noel (não creditado).



De olho no visor, George C.  Scott na direção de Fim de uma angústia 


Ao contrário de afirmações apressadas da crônica cinematográfica nacional, George C. Scott não estreou na direção com Fim de angústia. Em 1962, para o teatro, o renomado ator encenou General Seeger. Oito anos após, para a televisão, rodou o aplaudido The Andersonville Trial — sobre os notórios crimes de guerra praticados por ordem do comandante sulista Henry Wirz em campo de prisioneiros da Georgia.


George C. Scott interpreta o fazendeiro Dan Logan


Fim de uma angústia parte de caso real ocorrido em 1968 nas proximidades de Salt Lake City, Utah: um veículo do exército lançou — acidentalmente, talvez — um recipiente de gás tóxico letal sobre um rebanho de ovelhas. Cerca de seis mil animais pereceram. A situação se agravaria se os ventos tomassem o sentido dos centros urbanos. O Pentágono tentou encobrir o caso. Porém, as provas levantadas pela imprensa eram contundentes. A credibilidade do alto comando das forças armadas dos EUA foi seriamente abalada junto à opinião pública. Se não houve dolo intencional, ocorreu clara negligência no “teste” interno de arma química destinada à Guerra do Vietnã.


O roteiro de Philip Friedman e Dan Kleinman apresenta o triste e fatal caso do fazendeiro e ovinocultor Dan Logan (Scott), do Wyoming. Acampou com o filho Chris (Beauvy), de 12 anos, junto ao rebanho em área distante da sede da propriedade. À noite, um helicóptero militar liberou gases sobre a área. Ao amanhecer, Logan se depara com vários animais mortos e o filho convulsionado, quase inconsciente. Às pressas, busca socorro hospitalar. O caso é grave. As causas da intoxicação são, em princípio, desconhecidas. Aos poucos, as autoridades militares em conluio com as civis bloqueiam a divulgação de informações. Tudo é encoberto pelo mistério. O médico particular dos Logan, generalista Roy Caldwell (Basehart), é afastado e substituído pelo Major Dr. Holliford (Sheen). O Departamento de Saúde Pública, aos cuidados do Dr. Spencer (Hughes), é posto sob intervenção e impedido de se manifestar à imprensa. Logo Dan Logan é internado, sedado e mantido em intensa observação. Não recebe informações sobre a morte do filho e do pouco tempo de vida que tem.


Dan Logan (George C. Scott) e o filho Chris (Nicolas Beauvy)

O começo da angústia: Dan Logan (George C. Scott) socorre o filho Chris (Nicolas Beauvy)

  
Aproximados 50 minutos da exibição são despendidos com a lenta abordagem dos procedimentos hospitalares e das maquinações burocráticas. A intenção dos roteiristas é clara, apesar de parcamente desenvolvida: apresentar Dan Logan como uma representação do homem comum que procura levar a vida da melhor maneira. De uma hora para outra é apanhado nas malhas das insondáveis circunstâncias armadas pelos poderes constituídos. Estes fazem o que bem entendem para preservar a reputação. Nessa conta, os cidadãos são tratados como meros objetos.


Dan Logan (George C. Scott) é atendido pelo Dr. Holliford (Martin Sheen) enquanto Chris (Nicolas Beauvy) é levado para exames.

Dr. Holliford (Martin Sheen) e Dan Logan (George C. Scott)


Isolado, entorpecido e vigiado, Logan demora a tomar pé da situação. Graças a um descuido, descobre o destino do filho: foi retalhado em autopsia não autorizada e abandonado no necrotério. Enfurecido, arregimenta as forças que lhe restam e escapa. Busca o Dr. Spencer. É informado sobre os efeitos do gás venenoso MX3 e de que está à beira da morte. Arma-se até os dentes e parte para as instalações militares que processaram a substância. Pretende uma vingança de grandes proporções. Ainda restam cerca de 30 minutos à história, que ganha desenvolvimento problemático. Afinal, a compreensível cólera do protagonista será direcionada sobre quem? Aos poderosos formuladores de políticas e tomadores de decisões? Estes são inatingíveis. Sobram meros cumpridores de ordens: oficiais de baixo escalão, serviçais e até animais de estimação. Porém, a irracionalidade da paixão e a morte iminente não lhe permitem avançar na operação. O exército também se prepara para imobilizá-lo.


Dan Logan (George C. Scott) confronta o Dr. Spencer (Barnard Hughes)

  
Pelo que se vê, Fim de uma angústia foi estruturado para ser apenas um thriller de vingança pouco satisfatório. A história, triste e sombria, não engrena. O roteiro raso não oferece boas possibilidades ao diretor. George C. Scott, na parte que lhe coube atrás das câmeras, rendeu-se totalmente às limitações do script. Na segunda parte, entregue às maquinações institucionais e rotinas hospitalares, a narrativa é rotineira e pouco envolvente. Os últimos momentos, reservados propriamente à fúria abarcada pelo título original, são anticlimáticos. Do início ao fim é um filme arrastado, sem imaginação, com atos rotineiros e uma edição que não empolga o espectador — nem mesmo quando a ação mais visceral, captada a uma impessoal distância, assume a primazia. Sequer há um bom trabalho de câmera. A objetiva, estática e contemplativa, empaca o dinamismo narrativo. Já o protagonista é simplesmente transformado em bólido furioso — compreensível, diante da devastadora perda sofrida —, pronto a dar vazão a procedimentos em tudo irracionais e de resultados injustificáveis.


George C. Scott se revela bom diretor de atores e artesão apto na captação de imagens atmosféricas e de preenchimento, atributos estes geralmente deixados sob a responsabilidade de assistentes de direção ou equipes de segunda unidade. Como ator, fornece atuação de primeira classe, discreta e intensa. O retrato do personagem amargurado, solitário e vilmente enganado pelas instituições que deveriam merecer a confiança dos cidadãos é plenamente convincente. Por isso, a rasa história de vingança contada em Fim de uma angústia só ganharia em profundidade se questões políticas acerca das relações entre indivíduos e instituições merecessem maior destaque na narrativa.


Dan Logan (George C. Scott) se arma para a vingança

O exército posicionado para imobilizar Dan Logan (George C. Scott)


De bom ainda há a belíssima direção de fotografia a cargo de Fred J. Koenekamp, a funcional trilha musical de Lalo Schifrin e a atuação — apesar de curta — de Nicholas Beauvy. O jovem, também em 1972 — um pouco antes de O fim de uma angústia — marcou presença como Dan, um dos garotos arregimentados por Will Andersen (John Wayne) em Os cowboys (The cowboys, 1972), de Mark Rydell.



  
Roteiro: Philip Friedman, Dan Kleinman. Direção de fotografia (cores): Fred J. Koenekamp. Música: Lalo Schifrin. Montagem: Michael Kahn. Mixagem da trilha musical: Dan Wallin (não creditado). Produção associada: Philip Friedman, Dan Kleinman. Produção executiva: Leon Fromkess, J. Ronald Getty. Produção de elenco: Steven R. Stevens. Direção de arte: Frank Paul Sylos. Decoração: Leonard A. Mazzola. Figurinos: Donald D. Dawson. Maquiagem: Del Acevedo. Gerente de produção: Francisco Day. Segundos assistentes de direção: William R. Lasky, Joseph E. Rickards. Assistente de direção: Peter R. Scoppa. Contrarregra: Dennis J. Parrish. Edição de som: Robert A. Biggart, Pat Somerset. Mixagem de som: Dennis L. Maitland. Combinação de sons: Francis J. Scheid. Som: Richard Weaver (não creditado). Efeitos especiais: Joe Lombardi, Paul J. Lombardi. Coordenação de dublês: Bill Hickman. Dublês: Jerry Brutsche (não creditado). Operador de câmera: Charles G. Arnold. Produção de elenco extra: Frank Kennedy (não creditado). Gerente de locações: Jack N. Young (não creditado). Edição musical: Eugene Marks. Coordenação da produção: Herbert G. Luft. Publicidade: Bob Frederick (não creditado). Marcação de cena para George C. Scott: Pat Zurica (não creditado). Tempo de exibição: 100 minutos.


(José Eugenio Guimarães, 1976)