sexta-feira, 27 de abril de 2018

PRÊMIO "BLOGGER DE ORO V.I.P."

Meus agradecimentos aos membros da comunidade ZONA V.I.P. do G+ e, particularmente, à sua proprietária e animadora Maria Del Socorro Duarte, também responsável pela coleção TINTA INDELEBLE DEL SÉPTIMO ARTE que muito me honra pelo atento compartilhamento das postagens deste blog.







Texto de MARIA DEL SOCORRO DUARTE pela atribuição do prêmio:


"Siempre he dicho que G+ es Tierra de Nadie y tesoros de algunos y Eugenio es uno de esos grandes tesoros, su nivel catedrático no le quita la sencillez que posee y siempre dispuesto a compartir y apoyar, su página en Facebook con más de 2.000 seguidores, con su acertada y critica visión, ha rebasado ya las más de 200.000 visitas en su blog Eugenio em Filmes. Es por ello que en este Jueves de cine aprovecho la oportunidad para otorgarle el premio Blogger de Oro V.I.P. Un reconocimiento que nuestra comunidad Zona V.I.P. otorga a aquellos compañeros y/o compañeras que se han distinguido por la constancia y calidad de contenidos de su blog, Felicidades querido Eugenio, gracias por ser parte de nuestras vidas virtuales que a mi cada vez me parecen más reales...!!!".


Niterói/RJ, 27 de abril de 2018

domingo, 22 de abril de 2018

O IRREQUIETO EXPERIMENTADOR ABEL GANCE SAÚDA BEETHOVEN

Em geral, inclusive da parte de abalizados conhecedores de cinema, o francês Abel Gance é considerado apenas um realizador do período silencioso. Oficialmente, iniciou a carreira em 1911 com o curta La digue e atingiu o ápice em 1927, nos albores do filme sonoro, com o arrojado e mudo épico Napoleão (Napoléon vu par Abel Gance). Realizara, até então, 26 títulos. Merecem destaque, ao menos como curiosidades e pelo meu conhecimento, Les gaz mortels (1916), Mater dolorosa (1917), La zone de la mort (1917), A décima sinfonia (La dixième symphonie, 1918), Eu acuso! (J’accuse, 1919) e A roda (La roue, 1923). Gance era movido pela vontade de desafiar e levar adiante as possibilidades narrativas e formais da sétima arte. Essa vocação experimentadora prosseguiu após Napoleão. Manifesta-se no novo Mater dolorosa (1933), em Napoléon Bonaparte (1935) — versão sonora e reduzida da obra de 1927 —, Jérôme Perreau héros des barricades (1935) e Acuso! — Abaixo a guerra! (J’accuse!, 1938). De 1936 é um dos seus trabalhos mais desafiadores e inventivos: a cinebiografia Um grande amor de Beethoven (Un grand amour de Beethoven) protagonizada pelo exuberante Harry Baur na interpretação do compositor e representante maior do romantismo alemão. É um filme no qual o irrequieto cineasta procurou romper os limites e possibilidades expressivas do som para expor contra o pano de fundo da natureza os estados agônicos e extáticos de um compositor ferido na alma — pela impossibilidade do amor — e no corpo — pelo avanço irreversível da surdez. Ao tratamento criativo do som se une o ousado trabalho de câmera na combinação de belíssimos interlúdios musicais que comentam imagens de muita força dramática. Esteticamente, é realização da maior importância — ainda mais se especificamente avaliada na moldura temporal em que foi concebida. Não importa se, hoje, pareça datada ou superada pelo implacável e enigmático avanço dos anos. Segue apreciação escrita em 1996.






Um grande amor de Beethoven

Un grand amour de Beethoven

Direção:
Abel Gance
Produção:
Michel Kagansky (não creditado), Christian Stengel (não creditado)
Générales Productions
França — 1936
Elenco:
Harry Baur, Jean-Louis Barrault, Marcel Dalio, Jany Holt, Annie Ducaux, Jean Debucourt, André Nox, Gaston Dubosc, Jane Marken, Sylvie “Marjoleine” Gance, Georges Paulais, Georges Saillard, Jean Pâqui, André Bertic, Philippe Richard, Enrico Glori, Roger Blin, Dalméras, Lucas Gridoux, Yolande Laffon, Lucien Rozemberg, Paul Paulay e os não creditados Maurice Devienne, André Moreau, Nadine Picard, Gisèle Préville, Rika Radifé, Henri Richard, René Stern, Nadine Vogel.



O pioneiro e experimentador cineasta Abel Gance


Abel Gance, responsável pelo assombroso Napoleão (Napoléon vu par Abel Gance, 1927), afirmou: “O cinema é a música da luz”. Nisso apoiado, levou às telas a vida de Ludwig van Beethoven (Baur) — nome maior do romantismo alemão no plano musical. O compositor da Quinta sinfonia teve existência trágica: desilusões amorosas, avanço paulatino e irreversível da surdez e um difícil final. Morreu em estado de quase indigência e praticamente esquecido. Doente e humilhado, era explorado por Karl (Barrault) — sobrinho que tomou sob cuidados. Além de roubar o tio, abandonou-o quando necessitava de urgente socorro médico.


O roteiro, escrito por Gance em parceria com Steve Passeur, enfatiza o percurso afetivo e musical. Abrange o período entre 1801 e 1827, quando faleceu. A narrativa, como a obra, é acentuadamente romântica — o que lhe realça ainda mais o caráter trágico. Os personagens parecem joguetes nas mãos do imponderável. Sob essa perspectiva, Beethoven tem a vida tratada como peça programada pelo destino — contra o qual é impossível fugir e lutar. Está perfeitamente ajustado à situação. Por isso, resigna-se diante de percalços e aflições. Da mesma forma, a produção musical não surge unicamente como produto do gênio criador. Apresenta-se como resposta reativa às trampas da fatalidade. Basta ver as circunstâncias nas quais compõe Sonata ao luar: praticamente num relance, no contexto de uma decepção amorosa. A melodia brota por inteiro após Giulietta Guicciard (Holt) — a famosa “amada imortal” — comunicar matrimônio com o conde Robert Gallenberg (Debucourt).


Ludwig van Beethoven na representação de Harry Baur

Jany Holt como Giulietta Guicciardi, a "amada imortal"


Não é produção biográfica em sentido estrito. Da sensibilidade de Abel Gance nasce um filme experimental que procura tirar máximo partido das potencialidades sonoras do cinema da época. É praticamente um trágico e complexo poema musical. Revela o compositor envolvido pela criação, como se essa fosse um crescendo de decorrências incidentais adaptadas para a exposição de um percurso existencial à medida que os acordes ganham sentido. Muitas liberdades foram tomadas, ainda mais no plano afetivo-amoroso. Governado pelas paixões, Beethoven é um personagem profundamente emotivo, vitimado por constantes frustrações. A agonia e o êxtase o acompanham enquanto avança pelos anos como peça frágil e aleatoriamente arremessada por poderosas e incontroláveis forças, inclusive as naturais, que o moldam animicamente.


Exemplo desse estado é a longa e expressiva sequência que o toma perplexo, desesperado e, por fim, resignado com a percepção da surdez. Ao descontrole inicial advém desesperada tentativa de compreender a nova condição. Se a vida do compositor é feita de sons, que fazer diante da impossibilidade de ouvi-los? Resta-lhe apenas a memória de cantos, trinados, rumores, badaladas, atividades, brincadeiras, falas, vibrações, cantos, aragens... Poderá apenas imaginar a música como processo em formação, construção puramente mental. Senti-la empiricamente, não mais. Considera a possibilidade de suicídio ao mirar o rosto, qual premonitória máscara mortuária, nas águas do rio. O silêncio é cortante, desesperador. Não para menos a produção musical é, daí em diante, formada por expressivos acordes enfáticos e retumbantes, em sintonia com o romantismo que o envolve qual doloroso rompante de uma subjetividade ferida, magoada e compreensivelmente repleta de frustração e fúria.


A mãe enlutada do começo da história, interpretada p0r Marjolaine ou Sylvie Gance


Nas cenas iniciais, Um grande amor de Beethoven apresenta o personagem confiante, seguro e tomado pela certeza. Revela-se decidido na execução do consolo musical — uma peça para piano composta para a ocasião — que aplaca o desespero da jovem mãe (Marjolaine ou Sylvie Gance) diante do filho morto. A seguir é professor de música em interação com a pouco promissora Giulietta. Apesar disso, é atraído pela discípula. Dedica-lhe composições e cartas de amor, para desgosto do pai pouco afável e compreensivo — o conde Guicciardi (Rozemberg). Quando ela comunica a Beethoven, em 1803, o casamento com Robert Gallembert, nasce a belíssima e melancólica Sonata ao suar. O toque dramático maior vem com a celebração da união: o compositor se tranca na catedral, no aposento do órgão, e ilustra a ocasião — para desespero dos presentes — ao expor o próprio estado de alma: executa a Marcha fúnebre, opus 26 da Sonata para piano 12. Desiludido, fixa residência no rústico e isolado moinho de Heiligenstadt. Aí sente o início da surdez e parece receber das mãos do destino a inspiração para os primeiros acordes da Quinta Sinfonia, concluída em 1808. Ocasionalmente é tomado pela vontade suicida. A apaixonada e masoquista Thérèse Brunswick (Ducaux) se entrega a ele intensamente, qual esposa dedicada. Chega a imaginar que é a “amada imortal”. Logo se desilude. Apesar de agradecido e dependente, Beethoven jamais a amará verdadeiramente. No entanto, compõe para ela, em 1803, Eroica ou Terceira Sinfonia. Nesse contexto nascem a Sexta (Pastoral), Sétima e Oitava sinfonias. Enquanto isso, o casamento de Giulietta fracassa. Infelizmente, nada possa ser feito para reparar um antigo amor destroçado. A amada restará como lembrança incômoda, fantasmagoria sempre pronta a atormentar a alma nada pacífica do compositor.


Schuppanzigh (Paul Pauley), Thérèse Brunswick (Annie Ducaux) e Beethoven (Harry Baur)

  
A narrativa avança até o ano da decepção de 1826. Beethoven é rejeitado pelas cortes e plateias. Compositores considerados mais suaves e refinados tomam-lhe o lugar. O editor Steiner (Dalio) recusa as partituras da Nona e Terceira sinfonias. Velho, alquebrado, doente e reduzido à quase indigência, abriga-se com Thérèse nas dependências de um velho mosteiro. Tem os parcos recursos dilapidados pelo parasitário Karl. No leito de morte, em 1827, recebe a notícia de que seus trabalhos foram efusivamente recebidos na corte alemã. O reconhecimento chega demasiado tarde, faz questão de frisar: “A comédia terminou. Resta aplaudir”.


Ludiwig van Beethoven (Harry Baur) no leito de morte

  
Visto 60 anos após a realização, Um grande amor de Beethoven parece envelhecido. A concepção contribuiu para tanto. Não obstante — e isso parece importar —, foi ousado e inovador para a época. Menos não se esperaria do incansável experimentador Abel Gance. Permanece impactante o modo como as imagens comunicam os primeiros sintomas de perda de audição. Nesses momentos, todas as cenas que captam o ponto de vista do compositor são desprovidas de signos sonoros. Transmitem, ainda hoje, terrível e perturbadora sensação de angústia.


Giulietta Guicciardi (Jany Holt) e Thérèse Brunswick (Annie Ducaux)

Jean-Louis Barrault como o sobrinho Karl


Em termos propriamente biográficos, ainda assim repletos de liberdade, Abel Gance se concentra quase que totalmente nos aspectos pertinentes à vida romântica e indigência material de Beethoven. São elementos narrativos básicos, no sentido mais tradicional. Apesar de tais momentos merecerem ampla visibilidade, de tão aparentes, a direção alcança a grandeza na utilização da música que a tudo ilustra e comenta. No cerne do filme está a identidade romântica do personagem e a maneira desta filiação conflitar com seu gênio criativo e, inclusive, intensificá-lo. O ápice dramático da percepção da surdez gradual e intermitente não demora a entrar em cena e é o elemento fulcral dessa cinebiografia. Mereceu encenação intensa e brilhante. Como elemento meramente ilustrativo ou sem maior importância em algumas cenas, a música se reveste de intemporalidade com o objetivo de captar o dado emocional de episódios os mais diversos de uma acidentada e incomum trajetória. No conjunto, apesar do envelhecimento estético, Um grande amor de Beethoven sobrevive pela beleza e honestidade do tratamento. É realização importante no que pretendeu oferecer de experimental, principalmente como interação entre imagem e som com o objetivo de gerar uma obra ímpar — lograda com orçamento limitado — e que está longe de ser classificada como mestra.


Harry Baur como Ludwig van Beethoven

  
Felizmente, Abel Gance teve a sorte de contar com um ator repleto de possibilidades dramáticas. Harry Baur tem desempenho sublime, principalmente nos sofridos e longos momentos finais — coroados pela lenta transformação do semblante moribundo na antecipada máscara mortuária. Baur revela, sob o impacto de dores e agonias, um ser que desejava desesperadamente o amor e o reconhecimento — como qualquer homem que se preza. Apesar disso, resignou-se a uma triste condição de forma a mais realista. Incapaz de superar reveses físicos e afetivos, mobiliza forças sobre-humanas para seguir em frente — concentrado exclusivamente na produção musical. É algo que o cineasta parece ter compreendido muito bem. Tanto que há uma utilização praticamente apoteótica das composições, ainda mais quando a arrojada interpretação de Baur o projeta no cerne da irracional fúria dos elementos manifestados como vendavais, nuvens escuras e carregadas, ventania e o movimento algo fantasmagórico das pás do moinho.


Sob outro ponto de vista, Beethoven surge como claro produto de seu tempo, vivamente recortado pelo impulso transformador aberto pela Revolução Francesa e prolongado nas campanhas napoleônicas. O compositor é como uma fúria remodeladora numa Alemanha avessa ao sopro da modernidade revolucionária. Solitário e incompreendido, uniu seus poderosos acordes às forças que lhe pareciam disponíveis. Estas decorrem da natureza como ordem capaz de ser domada pela vontade de uma música pulsante e ardente, pronta a atribuir sentido e ordem ao universo que o rodeava. A natureza, no filme, é uma realidade panteísta. Impulsiona e inspira a composição sob chuva, vendavais e trovões. Alguns desses momentos são impressionantes e contribuem para retirar a realização de Gance do campo das biografias tradicionais. Remetem Um grande amor de Beethoven a um patamar que pode ser classificado de impressionista ou até surrealista. É cinema da inventividade.






Roteiro: Abel Gance, Steve Passeur. Diálogos: Steve Passeur. Operadores de câmera e direção de fotografia (preto e branco): Robert Lefebvre, Marc Fossard. Engenheiro de som: Georges Leblond. Decoração: Jacques Colombier. Montagem: Marguerite Beaugé, André Galitzine. Script girl: Paule Boutaut. Música: Franz Schubert (Marcha militar), Ludwig van Beethoven (Sonata ao luar, Melancolia, Sonata para piano 12, Quinta Sinfonia, Sexta Sinfonia, Oitava Sinfonia, Nona Sinfonia). Adaptação e apresentação musical: Louis Masson. Direção musical: Philippe Gaubert, regendo a Orchestre de la Sociète des Concerts du Conservatoire de Paris. Piano: Lucas. Órgão: Marcel Dupré. Direção de produção: Christian Stengel, Marc le Pelletier, Louis Daquin. Assistente de direção: Jean Arroy. Coordenação de efeitos especiais (não creditada): Paul Minine, Nicolas Wilcké. Tempo de exibição: 135 minutos.


(José Eugenio Guimarães, 1996)