domingo, 5 de novembro de 2017

ROBERT ALDRICH APRESENTA PODEROSO E INJUSTIÇADO FILME DE GÂNGSTER

Kansas City, Missouri, começo dos anos 30: a jovem socialite Barbara Blandish (Kim Darby) passa da situação de refém de uma gang a outra num piscar de olhos. O vigésimo segundo longa metragem de Robert Aldrich, Resgate de uma vida (The Grissom Gang, 1971), me apanhou desprevenido na poltrona do cinema em 1974, com potentes golpes no estômago. De início não esperava muito, devido a várias avaliações negativas que o lançaram na vala comum dos exercícios apelativos. Aos meus critérios é um dos melhores trabalhos do período de vacas magras do cineasta; um título no mínimo injustiçado. Claustrofóbico, com personagens tensos respirando intensamente pelos poros, é dos mais vigorosos e sombrios dramas de gângster do cinema moderno, desde Uma rajada de balas (Bonnie and Clyde, 1967), de Arthur Penn. A narrativa rascante, inteiramente despida de glamour, serve-se de diálogos realistas e ambientações das mais sórdidas — condizentes com a desesperança e brutalidade do período marcado pela Grande Depressão. O ponto de partida à encenação é a maldita novela best-seller de 1939, No orchids for Miss Blandish, de James Hadley Chase, imediatamente classificada como pornográfica. Com igual nome resultou em um dos filmes mais escandalosos do cinema inglês, dirigido por St. John Legh Clowes em 1948 e que pôs contra a parede o cioso British Board of Film Censors (BBFC), responsável por liberações e classificações etárias. Resgate de uma vida privilegia as relações pouco ortodoxas entre refém e algoz. Nesses papéis brilham Kim Darby e Scott Wilson apoiados por coadjuvantes de peso, principalmente Irene Dailey como a assustadora e implacável 'Ma' Gladys Grissom e Tony Musante na interpretação do sempre disposto a matar Eddie Hagan. É um filme visceral, como poucos, de um dos diretores mais ousados e dotados de luz própria do cinema estadunidense. Segue apreciação de 1974, revista e ampliada em 1980. 






Resgate de uma vida
The Grissom Gang

Direção:
Robert Aldrich
Produção:
Robert Aldrich
American Broadcasting Company, The Associates & Aldrich Company
EUA — 1971
Elenco:
Kim Darby, Scott Wilson, Tony Musante, Connie Stevens, Robert Lansing, Irene Dailey, Wesley Addy, Joey Faye, Hal Baylor, Matt Clark, Alvin Hammer, Dots Johnson, Don Keeffer, Elliott Street, Alex Wilson, Michael Baseleon, Raymond Guth, Mort Marshall, John Steadman, Ralph Waite, Dave Willock, Alex Wilson.



O diretor Robert Aldrich



Desde que se lançou inovadoramente na direção, no começo da década de 50, Robert Aldrich perseguiu com audácia e determinação a independência autoral. A carreira assumiu caráter ousado, questionador e marcadamente pessoal ― apesar dos riscos que essas qualidades sempre representaram para a linha de montagem do hollywoodiano sistema de estúdios. Colecionará vários atritos com produtores. Seus filmes, dos mais fracos aos vigorosos, passaram por dolorosos processos de saneamento. Os cortes atingiram seriamente as intenções de Pânico em Singapura (World for ransom, 1954), O último bravo (Apache, 1954), Colinas da ira (The angry hills, 1959), A dez segundos do inferno (Ten seconds to hell, 1959), O último pôr-do-sol (The last sunset, 1961), Sodoma e Gomorra (Sodom and Gomorrah, 1962) e O voo do Fênix (Flight of the Phoenix, 1965). Por isso, tentava avidamente se firmar como produtor. O intento foi logrado ao final dos anos sessenta, graças aos ganhos acumulados com os sucessos de bilheteria de O que aconteceu com Baby Jane (What ever happened to Baby Jane?, 1962) e, particularmente, Os doze condenados (The dirty dozen, 1967). A partir de 1968 a já existente Associates & Aldrich Company dispõe de recursos financeiros suficientes para garantir ao diretor pleno poder na escolha e no desenvolvimento dos próprios projetos.


Infelizmente, a liberdade durou pouco. Sobreveio uma sucessão de fracassos de público e crítica. Deficiências de roteiro prejudicaram A lenda de Lylah Clare (The legend of Lylah Clare, 1968) e o lesbianismo provavelmente afugentou os mais moralistas de Triângulo feminino (The killing of sister George, 1968) ― numa época em que o cinema estadunidense já estava preparado para tudo, como se acreditava. A falta de clareza e sentido, inclusive ausência de motivação dos personagens, tornou inexplicável a simplista abordagem da guerra pela guerra em Assim nascem os heróis (Too late the hero, 1970) ― logo para um diretor notabilizado pela crítica ao militarismo em Morte sem glória (Attack, 1956) e pelo viés irônico e cínico de Os doze condenados. Já o excelente e desmistificador A vingança de Ulzana (Ulzana's raid, 1972) pode ter sofrido as consequências da exposição árida e brutal das ações de brancos e índios no cenário do velho Oeste ― fato a lamentar diante da dessacralização que o western experimentava no período. Entre esses títulos figuram o nunca concluído The greatest mother of them all (1969) ― que consumiu quase todo capital de giro da produtora ― e Resgate de uma vida. Em 1973, a partir de O imperador do Norte (Emperor of the North Pole), a Associates & Aldrich Company estava falida e o diretor reconduzido à seara dos cineastas contratados.


Resgate de uma vida está entre as melhores realizações do período de vacas magras de Aldrich. No mínimo, é um título injustiçado. Trata-se de um dos mais vigorosos e sombrios filmes de gângster do cinema moderno ― desde Uma rajada de balas (Bonnie and Clyde, 1967), de Arthur Penn, portanto. A trama, localizada na desglamourizada e pobre zona rural de Kansas City, Missouri, nos primeiros anos da década de 30 ― auge da Grande Depressão ―, vale-se de diálogos realistas e ambientações das mais sórdidas — condizentes com a desesperança e brutalidade do período. Tais características foram enriquecidas com muitas doses de cinismo, niilismo, humor negro, ironia, violência e perversidade ― tudo o que se espera de realizações assim. Sem dourar pílulas, Aldrich conta a palo seco ― como de hábito ― tensa história de sequestro com ênfase nas relações entre refém e algoz.


O ponto de partida ao roteiro de Leon Griffiths é a novela best-seller No orchids for Miss Blandish, de James Hadley Chase, publicada em 1939 e imediatamente estigmatizada como pornográfica pelas brigadas puritanas. Com título idêntico foi levada ao cinema pela primeira vez em 1948, na Inglaterra, por St. John Legh Clowes. A liberação do filme, inicialmente na íntegra, despertou reação indignada de jornalistas e políticos. O instituto de censura inglês ― o British Board of Film Censors (BBFC) ―, duramente questionado, teve que rever a decisão. Recolhido, No orchids for Miss Blandish sofreu novo exame e vários cortes que o desfiguraram.


Kim Darby em surpreendente interpretação como a refém Barbara Blandish


Resgate de uma vida apresenta a jovem Kim Darby ― intérprete de Mattie Ross em Bravura indômita (True grit, 1969)[1], de Henry Hathaway ― como a garota Barbara Blandish, herdeira milionária de Kansas City. Chama a atenção de desastrada quadrilha de pés de chinelo por usar um valioso colar de diamantes. É sequestrada e o noivo assassinado. O caso ganha imediata repercussão. A polícia inicia as buscas com os bandidos ainda em fuga. Entretanto, outro grupo de foras da lei ― Slim Grisson (Wilson), Eddie Hagan (Musante), Woppy (Faye) e Mace (Waite) ― chefiado despoticamente por 'Ma' Gladys Grissom (Dailey), toma conhecimento da ação e assume a dianteira das operações. Elimina o bando rival e toma a refém. Além de ficar com o colar avaliado em 50 mil dólares, exige de John P. Blandish (Addy) a fortuna de um milhão de dólares pelo resgate da filha.


Irene Dailey como a implacável  'Ma' Gladys Grissom

  
Vestígios de compaixão e compreensão da quadrilha com Barbara não devem ser esperados. A começar por 'Ma', o grupo está disposto a tudo. Os bandidos estão cientes de sua situação em um contexto de crescente criminalidade e pouco valor à vida que não seja monetariamente quantificada. A crise econômica profunda desnudou aparências sociais e esfacelou valores. A abordagem realista de Resgate de uma vida não permite idealizações romanceadas, ambientes limpos, espaços arejados e palavras bonitas. Sobra uma história de nervos expostos, com muita depravação e perigo. Os Grissom não estão dispostos a correr riscos e, assim, não pretendem devolver a garota após recebimento do resgate. Quanto a isto, o direto e frio Eddie Hagan está ansioso para eliminá-la, como facilmente faz, sem dor de consciência, com qualquer um que ameace a segurança do grupo. Porém, surge um complicador: o filho carente, tenso, violento e limítrofe de 'Ma': Slim, em estupenda atuação de Scott Wilson[2]. Caiu de amores por Barbara. Apesar de inicialmente espezinhado por ela, resolve protegê-la. Para se impor, ameaça a mãe com a faca e confronta os comparsas. A herdeira Blandish deve permanecer viva, sustenta. Dessa necessidade imperiosa — é bom não contrariar o sempre imprevisível e desconfiado Slim — resulta a razão de ser de Resgate de uma vida. O sequestro e as negociações pouco importam, mas a ligação afetiva entre os personagens interpretados por Wilson e Darby. Principalmente, como ela agirá ao saber que a própria sobrevivência dependerá da sua boa vontade com o sequestrador apaixonado que nunca teve contato físico com uma mulher.


Scott Wilson como o perigoso, carente, imprevisível e limítrofe Slim Grissom

O frio e despachado Eddie Hagan (Tony Musante), sempre pronto a matar


Para começar a respeitar o "querido" Slim, Barbara sofre brutal corretivo de 'Ma'. Terá que controlar gritos, luxos, xingamentos e a gana de escapar. Termina acuada pelo limite praticamente instintivo de lutar pela vida com as armas que dispõe. A jovem de fino trato, egressa de família respeitável, terá que despencar alguns degraus nos padrões da moralidade e decência aos quais foi habituada. A queda será grande, ainda mais após tomar ciência de que o pagamento do resgate não implica necessariamente em libertação. Prossegue viva, em poder dos criminosos e submetida a Slim. Diante da demora, o pouco compreensível pai John P. Blandish põe em dúvida as boas virtudes da filha. Qual puritano zeloso, considera que a sobrevivência pouco importa quando as virtudes e o senso de decência são sacrificados. Chega o momento no qual ter filha maculada de volta é o que menos importa. As pistas obtidas pela investigação policial revelam: na tentativa de sobreviver a qualquer preço, Barbara avançou por caminhos diametralmente opostos às rigorosas determinações dos valores paternos.


Kim Darby está excelente em um papel que a obriga a ir muito além da jovem virtuosa e cheia de si vista em Bravura indômita. Agora é uma fera acuada, obrigada à mansidão, trancafiada em cômodos exíguos e abafados, iluminados artificialmente durante todo o tempo. O cabelo perde o viço, as roupas finas que usava se desfazem, a higiene corporal deixa de ser imperiosa. A condução de Aldrich e a direção de fotografia de Joseph F. Biroc — carregada de cores quentes, próximas do vermelho — conferem a Resgate de uma vida estado de permanente tensão ou latência próxima à explosão. Os personagens se derretem em suores, Slim e Barbara principalmente. Os aspectos viscerais da narrativa ganham a superfície. Robert Aldrich, seguro em seu campo, sabe o que faz. Lamentavelmente, é uma realização que fracassou por causa da avaliação moralista que mirou apenas a violência e apressadamente a relegou ao patamar dos filmes de exploração apelativa. Isto num ano que trouxe à luz realizações tão ou mais ousadas como Laranja mecânica (A clockwork orange), de Stanley Kubrick; Os demônios (The devils), de Ken Russell; Perseguidor implacável (Dirty Harry), de Don Siegel; Carter — O vingador (Get Carter), de Mike Hodges; e Sob o domínio do medo (Straw dogs), de Sam Peckinpah.


Barbara Blandish (Kim Darby)


A dubiedade narrativa se apresenta como companheira permanente de Resgate de uma vida. Impossível saber se Barbara de fato se entregou completamente a Slim, a ponto de se apaixonar. É certo que ultrapassou os limites, sem que a tanto fosse obrigada e por motivos os mais diversos: medo, carência, vontade de sobreviver, necessidade de se relacionar com alguém depois de cativeiro tão prolongado — quando percebeu a gentileza e a bondade por baixo da máscara do demente assassino que a vigia de perto. Provavelmente, ela apenas permitiu que germinassem sentimentos confusos e não controláveis diante das circunstâncias; uma mistura um tanto maternal de ternura e assimilação. Sabia, no entanto, que ele a amava, ao contrário do próprio pai que a rejeitou abertamente no violento e seco epílogo. O filme não termina bem e nem poderia. Sequer oferece a mínima possibilidade de redenção.


Em meio a tanta sordidez física e moral, somente o decaído detetive particular David Fenner tem pleno conhecimento do real estado de Barbara e de toda a ajuda que deverá ter para superar o prolongado trauma do cativeiro. Ele é o único vestígio de compaixão no dessacralizado Resgate de uma vida. Em termos de consciência, Fenner supera a desapiedada percepção de John P. Blandish — tomada pela indiferença com a sorte da filha.


Os atores estão muito bem ajustados a personagens verdadeiramente maravilhosos, no sentido de genuínos. Nenhum deles é plano ou estereotipado. No pobre e desolador cenário rural, sobre o pano de fundo da Grande Depressão, evocam um padrão de vida que chegou ao limite do caos ou do humanamente possível. Agora é guerra, sem mais tergiversações. A ordem é matar quem não cumpre com o riscado. A violência é inevitável.


Outras linhas podem ser acrescentadas aos desempenhos de Scott Wilson e Kim Darby: Slim é tão vulnerável e frágil quanto perigoso e imprevisível. Se a princípio parecia plenamente detestável, passa a merecer uma espécie de simpatia à medida que a história avança. Barbara é inteiramente crível em sua queda numa espécie de inferno humanizador. Começa como filhinha de papai protegida das mazelas do mundo e habituada às facilidades permitidas pelo dinheiro. Ao fim, parece que terminou um passeio ao inferno, patrocinado pelo próprio Diabo, ou às sendas nada glamourosas do real. Para o bem e o mal, tingiu-se de mundanidade até o fundo da alma. A interpretação cuidadosamente modulada de Kim Darby equilibra na justa medida perplexidade e certeza, fragilidade e sensação de superioridade, medo e determinação. Barbara é uma personagem intensa. Concebê-la exigiu sutileza. Incrivelmente, a atriz jamais mereceu outra chance igual.


Eddie Hagan (Tony Musante), Barbara Blandish (Kim Darby) e Slim Grissom (Scott Wilson)

  
Tony Musante está em seu melhor como Eddie Hagan, o gângster que não titubeia quando é preciso matar e o faz com prazer. Elegante e bem apessoado, exibe o liso cabelo pastoso, repleto de fixador, que tão bem combina com a frieza e humor perverso. Sempre que pode, provoca o mentalmente lento Slim — mesmo sabendo dos sérios riscos que corre. Aguarda com sofreguidão a hora em que pessoalmente tirará a vida de Barbara, e alardeia o desejo somente para espezinhar o filho dileto de 'Ma'. Acompanhado do bem humorado Woppy e do hesitante Mace, Eddie faz Musante se superar numa sequência magistral feita somente de sorrisos e comentários sardônicos direcionados pessoalmente a Slim. É quando o personagem vivido por Scott Wilson chega em casa vestindo um terno estalando de novo e carregado de presentes para Barbara. O momento é exemplarmente construído. Quatro talentosos atores parecem deixar de lado as figuras frias e prontas a matar que representam para preencher Resgate de uma vida com um bem vindo e salutar sopro de humor e humanidade.


Mace (Ralph Waite)


Irene Dailey lança 'Ma' Gladys Grissom no rol das mães referências do cinema no quesito perversidade. É uma matriarca autoritária, sinistra e disposta a tudo. Usa surrados vestidos de incansável dona-de-casa, tem o cabelo mal ajustado e ausência de modos ao sentar — quase sempre de pernas abertas — e falar. À aparência pouco encantadora foram acrescentados discretos pelos de um bigode somente percebido na contraluz. A performance propositalmente exagerada de Dailey transforma-a em alguém que parece saído diretamente das histórias em quadrinhos, como as dedicadas à turma de Ferdinando Buscapé — originalmente o Li'l Abner imortalizado pela pena de Al Capp. Vê-la enquadrando a família, agredindo Barbara e empunhando a metralhadora no último ato é impagável, ainda mais quando executa pelas costas o amante Doc (Keffer), que resolveu se evadir para cenários mais tranquilos quando a situação ficou perigosa demais para a quadrilha. Cinematograficamente, 'Ma' Gladys Grissom está na boa companhia de outras matronas masculinizadas, mandonas e assustadoras: 'Ma' Jarrett (Margaret Wycherly) da obra mestra Fúria sanguinária (White heat, 1949), de Raoul Walsh, e as igualmente "adoráveis" Wilma McClatchie (Angie Dickinson) e 'Ma' Kate Barker (Shelley Winters) respectivamente presentes nos pouco memoráveis A mulher da metralhadora (Big bad mama, 1974), de Steve Carver, e Os 5 de Chicago (Bloody mama, 1970), de Roger Corman.


'Ma' Gladys Grissom (Irene Dailey) pronta para o último ato

  
Connie Stevens oferece como a platinada cantora de cabaré Anna Berg, convertida em interesse amoroso de Eddie Hagan, um delicioso retrato de todas as mulheres do período que se miravam no mito Jean Harlow. Os demais destaques do elenco são David Fenner e Wesley Addy. O primeiro faz o decadente e cansado detetive Robert Lansing — homem que aparenta ter visto tudo o que há de ruim no mundo e ainda assim é capaz de crescer humanamente no contraponto ao desdenhoso pai John P. Blandish interpretado pelo bom Addy, tantas vezes visto em outras realizações de Aldrich: A morte num beijo (Kiss me deadly, 1955), A grande chantagem (The big knife, 1955), A dez segundos do inferno, O que aconteceu com Baby Jane?, Os quatro heróis do Texas (4 for Texas, 1963) e Com a maldade na alma (Hush...Hush, Sweet Charlotte, 1964).


Dentre os filmes de gângster que passam ao largo de facínoras vistosos em grandes centros urbanos, Resgate de uma vida é dos melhores. Posiciona-se muito bem junto a similares igualmente vigorosos e ambientados nas regiões mais pobres e devastadas dos Estados Unidos como Uma rajada de balas e os mais discretos e nem por isso menores Dillinger (Dillinger, 1973), de John Milius, e Renegados até a última rajada (Thieves like us, 1974), de Robert Altman. O roteiro preciso e mordaz de Leon Griffiths é trabalhado por Aldrich de forma a manter a respiração sempre no ponto da tensão. Também oferece um retrato evocativo e vivo do que foram os violentos e pouco aprazíveis Estados Unidos nos anos 30, ao menos nos setores onde as vidas de nada valiam. É um filme sombrio e brutal. Permite a catarse nas explosões de humor negro que parecem saídas das aventuras policiais narradas por revistas em quadrinhos ou pela literatura descartável das brochuras de bolso.


A direção de fotografia de Joseph F. Biroc é, desde o começo, convidativa. Após um fundo negro abre-se um grande plano geral, captado de posição relativamente elevada e revelador da paisagem ampla, semidesértica e ensolarada — ao som da canção I can't give you anything but love, de Dorothy Fields e Jimmy McHugh, pela voz de Rudy Vallee, sucesso de 1928 ao início dos anos 30. É uma tomada enganosa. Daí em diante quase todo o filme se passará no interior de ambientes fechados e escuros, de certo modo também transformados em soturnos e úmidos personagens e não em meros suportes ou fundos para a ação. Por sua vez, a trilha musical de Gerald Fried é das mais alegres e convidativas ao balanço. Além das composições exclusivas do filme, ouvem-se Ain't misbehavin', de Fats Waller, Harry Brooks e Andy Razaf, e I surrender dear, de Gordon Clifford e Harry Barris.


Anna Berg (Connie Stevens) e Eddie Hagan (Tony Musante)


Por fim, uma curiosidade: o perfeccionismo de Robert Aldrich exigiu um verdadeiro colar de diamantes para servir de motivo para o sequestro de Barbara Blandish. Durante as filmagens, a peça esteve sob vigilância constante de um agente especial da companhia de seguros posto a serviço da joalheria. Estava disfarçado de secretário da produção e fazia-se acompanhar de uma escolta armada sempre presente ao set. Arranjos especiais foram acertados com o xerife e uma agência bancária de Placerville, Califórnia — onde algumas tomadas foram obtidas — sempre que o colar era transportado — no começo e ao fim de um dia de filmagens — em carro blindado e acompanhado por batedores em motocicletas.





Roteiro: Leon Griffiths, com base na novela No orchids for Miss Blandish, de James Hadley Chase. Direção de arte: James Dowell Vance. Montagem: Michael Luciano, Frank J. Urioste. Música: Gerald Fried. Direção de fotografia (Metrocolor): Joseph F. Biroc. Figurinos: Norma Koch. Engenharia elétrica: Paul Gilbert (não creditado). Assistentes de câmera (não creditados): Gilbert Haimson, Robert Merry, Rik Nervik, Paul Schwake Jr. Produção associada: William Aldrich, Walter Blake. Produção de elenco: Lynn Stalmaster. Decoração: John Brown. Penteados: Jean Austin, William Turner. Gerente de produção: Fred Ahern. Assistente de direção: Malcolm R. Harding. Segundo assistente de direção: William A. Morrison. Coordenação de construções: John La Salandra. Pintura: Maurice Larson. Responsável por áreas verdes: Don Pringle. Contrarregra: Ygnacio Sepulveda. Som: Richard S. Church. Edição de efeitos sonoros: Van Allen James. Efeitos sonoros: Milo B. Lory. Gravação de som: George Malley. Supervisão de gravação: Harry W. Tetrick. Microfones: Morris Feingold (não creditado). Responsáveis por cabos (não creditados): Donald F. Johnson, Mickey Cureton. Efeitos especiais: Henry Millar Jr. Dublês (não creditados): Dick Durock, Paul Nuckles, Jesse Wayne. Operadores de câmeras: Joe Jackman, Orville Hallberg (não creditado). Fotografia de cena: Kenny Bell (não creditado). Eletricista-chefe: William Hanna II (não creditado). Guarda-roupa feminino: Lucia De Martino. Supervisão de guarda-roupa masculino: Charles E. James. Edição musical: Scott Perry Jr. Músico: Ethmer Roten (flauta/não creditado). Transportes: Pat Miller (não creditado). Continuidade: Robert Gary. Assistente de produção: Patricia Heade. Coreógrafo: Alex Romero. Supervisão de diálogos: Robert Sherman. Publicidade: Dave Davies (não creditado). Planejamento de créditos: Don Record (não creditado). Tempo de exibição: 128 minutos.


(José Eugenio Guimarães, 1974; revisto e ampliado em 1980)



[1] Pelo qual John Wayne ganhou o Oscar de Melhor Ator como Rooster Cogburn.
[2] Teve atuação brilhante como o assassino Dick em A sangue frio (In cold blood, 1967), de Richard Brooks.