domingo, 17 de setembro de 2017

NELSON PEREIRA DOS SANTOS FALHA COM O CINEMA E O MELODRAMA

Cinema de lágrimas (1995), de Nelson Pereira dos Santos, é coprodução entre Brasil, Inglaterra e México. Integra o painel O século do cinema (The century of cinema), patrocinado e coordenado pelo British Film Institute (BFI) com o fim de comemorar o centenário da sétima arte. O esforço resultou em 16 produções levadas a termo por diversos cineastas. Expuseram, segundo critérios previamente definidos, balanços dos percursos cinematográficos de países (Inglaterra, Estados Unidos, França, Coreia do Sul, Nova Zelândia, Alemanha, Polônia, Austrália, Japão, China, Irlanda, Índia e Rússia), regiões (Escandinávia, América Latina) e um continente (África). Infelizmente, formações sociais com esquemas produtivos consolidados e diversificados sequer foram consideradas como realidades à parte segundo a discutível divisão do BFI. México e Brasil, por exemplo, ficaram de fora. Foram integrados ao amplo setor da América Latina, confiado à responsabilidade do diretor de Vidas secas (1963) e O amuleto de Ogum (1974). Cinema de lágrimas inaugurou a apresentação mundial de O século do cinema no Festival de Cannes de 1995. É, infelizmente, frustrante; um dos piores filmes de Nelson. O subcontinente foi considerado, praticamente, como território de apenas um gênero e país: o melodrama originário do México, sucesso de público no Brasil entre os anos 30 e 60. Ainda por cima, a realização não é propriamente um documentário, mas simples exposição visual de alguns filmes selecionados sem as devidas contextualizações. Tudo piora com a história de ficção criada pelo realizador, protagonizada por Raul Cortez e André Barros: uma tentativa constrangedora de reatualizar o melodrama segundo padrões e orientações da contemporaneidade. Por trás do balanço pretendido está o livro da pesquisadora Sílvia Oroz: Melodrama: o cinema de lágrimas da América Latina. A apreciação a seguir é de 1998.






Cinema de lágrimas

Direção:
Nelson Pereira dos Santos
Produção:
Roberto Feith, Alberto Clancy, Laura Imperiale
Arte, British Film Institute (BFI), Meta Video Produções, Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM)
Inglaterra, Brasil, México — 1995
Elenco:
Raul Cortez, André Barros, Christiane Torloni, Patrick Tannus, Jorge Luís Hidalgo (voz), Sílvia Oroz, Ivan Trujillo, Cosme Alves Neto.


O diretor Nelson Pereira dos Santos

Sílvia Oroz, autora do livro Melodrama: o cinema de lágrimas da América Latina - texto base da realização


Cinema de lágrimas é parte do painel O século do cinema (The century of cinema), patrocinado e coordenado pelo British Film Institute (BFI) com o objetivo de comemorar os cem anos da primeira exibição pública de um filme em tela. A projeção de A chegada do trem à estação (L'arrive du train en gare de la ciotat, 1895), dos irmãos franceses Louis e August Lumière, em 28 de dezembro daquele ano no Grand Café de Paris, marca o nascimento do cinema como ainda o conhecemos. A data é consensualmente comemorada no mundo inteiro, à exceção dos Estados Unidos que preferem creditar ao patrício Thomas Alva Edison a paternidade da invenção.


Para compor O Século do Cinema o BFI dividiu o planeta em 18 cinematografias consideradas representativas. Podem englobar um país (Inglaterra, Estados Unidos, França, Coreia do Sul, Nova Zelândia, Alemanha, Itália, Polônia, Austrália, Japão, China, Irlanda, Índia, Rússia), uma região (Escandinávia, Arábia, América Latina) e um continente inteiro (África). O mapeamento é polêmico, ainda mais pela não inclusão do Brasil no grupo dos países. A queixa não decorre de sentimento bairrista ampliado. Apesar de todos os problemas enfrentados pelo cinema brasileiro desde o nascimento, pode-se dizer que possui suficientes diversidade e volume de produção que lhe confirmam a representatividade no cenário internacional. Desde as primeiras realizações de caráter cinejornalístico das duas primeiras décadas do século, passando pelos vários ciclos regionais — a exemplo de Cataguazes, revelador de Humberto Mauro —, avançado pelas comédias populares da Atlântida, às tentativas de cinema "sério" da Vera Cruz, inovações do Cinema Novo e investidas no udigrudi, sem esquecer a pornochanchada, filmes dos mais variados matizes foram produzidos no Brasil. Além do mais, é um dos países que mais amealhou prêmios nos festivais de cinema mundo afora. Portanto, é no mínimo discutível a decisão do BFI de não criar um grupo específico para a cinematografia brasileira enquanto a Coreia do Sul — com produção menos visível que a nossa — gozou do privilégio. Tivemos que nos contentar com nossa inclusão no grande grupo "América Latina". Isso só ampliou a frustração — como se verá.


O BFI confiou a realização dos filmes a um seleto grupo de cineastas. Nelson Pereira dos Santos ficou responsável pela abordagem da América Latina. Seu Cinema de lágrimas inaugurou a apresentação mundial da série no Festival de Cannes de 1995. Os outros títulos, dentre os que tive oportunidade de ver, foram: Estados Unidos — Uma viagem pessoal através do cinema americano com Martin Scorsese (A personal journey with Martin Scorsese through American movies), de Martin Scorsese; França — Duas vezes cinquenta anos de cinema francês (100 ans de cinéma: deux fois 50 ans de cinéma français), de Jean-Luc Godard e Anne-Marie Miéville; Japão — Cem anos de cinema japonês (Nihon eiga no hyaku nen), de Nagisa Oshima; Coreia do Sul — Ensaio pessoal sobre o cinema da Coreia por Jang Sun-Woo (Gilwe-eui younghwa), de Jang Sun-Woo; Nova Zelândia — O cinema da inquietação: uma viagem pessoal de Sam Neill (Cinema of unease: a personal journey by Sam Neill), de Sam Neill e Judy Rymer; Alemanha — A noite dos cineastas (Die nacht der regisseure), de Edgar Reitz; Irlanda — Cinema Irlandês ‑ nós sozinhos? (Irish cinema: ourselves alone?), de Donald Taylor Black; Escandinávia (Noruega, Suécia, Islândia e Finlândia) — Sou curioso ‑ filme (Jagär nyfiken, film/Jeger nysgerrig, film/Jeger nysgjerrig/Olen utelias, filmi/Eger Forvitin, Kvikmynd), de Stig Björkman; e, Grã-Bretanha — Tipicamente britânico (A personal history of British cinema by Stephen Frears/Typically British), de Stephen Frears e Mike Dibb.


Pelo que sei, não foram exibidos nos cinemas e TVs do Brasil as realizações de Pavel Lozinski — 100 lat w kinie (Polônia); George Miller — 40,000 years of dreaming: a century of Australian cinema (Austrália); Stanley Kwan — Naamsaang-neuiseung (China); Mrinal Sen — And the show goes on: Indian chapter (Índia); Nikita Mikhalkov — Russkaya ideja (Rússia); e Jean-Pierre Bekolo — Le complot d'Aristote (África). Quanto às encomendas a Bernardo Bertolucci para a Itália e Mohamed Abderrahman Tazi com respeito à Arábia, não ganharam forma[1].


Dentre todos os componentes que pude ver de O Século do Cinema, o melhor, disparado — apesar da abordagem parcial em longuíssima duração (3h45min) —, é Uma viagem pessoal através do cinema americano com Martin Scorsese, amplo painel dividido em três partes. Aborda as várias facetas, segundo classificação do realizador, para um sistema de produção francamente industrial. O pior é o parcialíssimo e preconceituoso Cem anos de cinema japonês, de Nagisa Oshima. Com a exceção de Rashomon (Rashomon, 1950), relegou ao limbo toda a obra de Akira Kurosawa[2]. Dentre outros mestres nipônicos, considerou de forma rasteira Kenji Mizoguchi e Yasujiro Ozu. Dedicou-se a uma abordagem típica das comadres, ao tomar como prioritários os colegas de geração de Oshima, da Nouvelle Vague japonesa.


Cartazes de alguns melodramas mexicanos mostrados em Cinema de Lágrimas


Cinema de lágrimas é frustrante. Isso fica evidente logo no título — suficiente para dar conta da delimitação de Nelson Pereira dos Santos no enfoque do cinema latinoamericano. O que se vê não é um amplo e variado painel da produção cinematográfica ao sul do Rio Bravo. Toda a dimensão fílmica do subcontinente foi preterida para dar visibilidade apenas ao melodrama em seus perfis mexicano e argentino.


A princípio, parece, a realização não seria marcada pela onipresença do melodrama, embora os jornais divulgassem que o eixo principal giraria em torno do gênero — que foi, dos anos 30 ao começo dos 60, o mais significativo da produção latinoamericana. Haveria espaço para a inserção de imagens e comentários de outras cinematografias, como a cubana de Memórias do subdesenvolvimento (Memorias del subdesarrolo, 1968), de Tomás Gutiérrez Alea. O cinema pouco conhecido de Leopoldo Torre Nilsson compareceria pelo lado argentino. A cinematografia brasileira seria relembrada por produções melodramáticas como o raro e precioso Coração materno (1949), de Gilda de Abreu etc. Mas toda essa variedade ficou de fora, exceto por Deus e o diabo na terra do sol (1963), de Glauber Rocha, na representação do Cinema Novo e no instante do epílogo — com a tentativa de se estabelecer um contraponto estético que morreu na intenção.


Quem conhece a trajetória de Nelson Pereira dos Santos certamente estranhou a paradoxal opção pelo melodrama que tão duramente combateu como militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e cineasta dos mais representativos do Cinema Novo. As razões da aversão eram políticas e estéticas — o gênero propagava alienação e o mais absoluto mau gosto, alegava — e econômicas — arrastava multidões aos cinemas enquanto títulos destoantes de nossa produção lutavam por espaço no circuito exibidor.


María Félix como Angela em Dona Diabla (Doña Diabla, 1950), de Tito Davison

Santa (1932), de Antonio Moreno: Lupita Tovar no papel de Santa e Donald Reed como Marcelino

Pedro Armendáriz como Octavio e Andrea Palma no papel de Julieta em Distinto amanecer (1943), de Julio Bracho


Foi justamente a atração do melodrama sobre o público de todas as camadas sociais, indistintamente, que levou Nelson — numa posição de isenção e honestidade — a privilegiar o gênero. Em entrevistas, justificou-se: queria chamar a atenção para o período de florescimento de um cinema nitidamente popular na América Latina, verdadeiro fenômeno cultural e continental, com intensas ressonâncias no Brasil, Argentina, México — os países mais representativos da região  e Cuba. Por outro lado, a importância do melodrama aumenta ao se saber que durante seu auge foi possível montar e consolidar um parque de produção em moldes industriais, capaz de competir em pé de igualdade com Hollywood[3].


A isenção de Nelson e sua pouca familiaridade com o gênero levaram-no a procurar quem entendia do assunto. A tese de doutoramento da historiadora Sílvia Oroz, Melodrama: o cinema de lágrimas da América Latina[4], serviu de baliza com a autora atuando na consultoria. Segundo ela, o sucesso do melodrama se deve ao fato de o público se reconhecer nos filmes, principalmente por quatro valores básicos invariavelmente presentes nos enredos: "amor", "paixão", "incesto" e "mulher". A mulher funciona como invariável polo de atração nas narrativas: era mãe, esposa, amante, prostituta, filha — todas sofrendo e fazendo sofrer por amor nas suas mais diversas representações: maternal, sexual, platônico, religioso, possessivo, pecaminoso, impossível. Segundo Oroz, se o melodrama foi "elemento de unidade cultural da América Latina" — como pretendeu demonstrar — tal se deve ao papel subalterno representado pela mulher nos países líderes da produção e exibição dos filmes. Como a ela não era facilmente facultado o acesso ao espaço público, restava-lhe o universo privado como área de reconhecimento. O lar sequer era concebido como ambiente de trabalho — conceito sempre relacionado ao masculino. Também havia o bordel, cabaré, convento e a plantação nos quais completava a humanidade pelo amor a (ou de) alguém. Entretanto, com a entrada mais acentuada do elemento feminino no mercado de trabalho após a Segunda Guerra Mundial, seguida do surgimento dos contraceptivos e movimentos de liberação sexual, aqueles valores básicos começam a entrar em decadência. Esta situação provoca a ruína da estrutura básica do melodrama. Historicamente, o gênero — conforme se fazia conhecer — perdeu irremediavelmente o sentido[5].


Ao longo de 97 minutos o espectador toma contato com trechos das seguintes obras: do México — Santa (1931), de Antonio Moreno; La mujer del puerto (1933), de Arcady Boitler e Raphael J. Sevilla; História de um grande amor (História de un gran amor, 1942), de Julio Bracho; Distinto Amanecer (1943), de Julio Bracho; Divorciadas (1943), de Alejandro Galindo; Coração torturado (Bugambilia, 1944), de Emilio Fernández; As abandondas (Las abandonadas, 1944), de Emilio Fernández; 5 rostos de mulher (Cinco rostros de mujer, 1946), de Gilberto Martínez Solares; A deusa ajoelhada (La diosa arrodillada, 1947), de Roberto Gavaldón; Manchada pelo destino (Pueblerina, 1948), de Emilio Fernández; Dona Diabla (Doña Diabla, 1948), de Tito Davison; Vende caro o teu amor (Aventurera, 1949), de Aberto Gout; Vítimas do pecado (Víctimas del pecado, 1950), de Emilio Fernández; Camélia (Camelia, 1953), de Roberto Gavaldón; Escravos do rancor (Abismos de pasión, 1953), de Luis Buñuel; da Argentina — Madressilva (Madreselva, 1944), de Luis César Amadori; do Peru — Arminho negro (Armiño negro, 1951)[6], de Carlos Hugo Christensen; e, do Brasil — Deus e o diabo na terra do sol.


As abandonadas (Las abandonadas, 1945), de Emílio Fernández
Dolores Del Rio como Margarita Perez, Victor Junco no papel de Margarito e, abaixo, Pedro Armendáriz na interpretação de Juan Gómez

Amalia de los Robles (Dolores Del Rio) e Ricardo Rojas (Pedro Armendáriz) em Coração torturado (Bugambilia, 1945), de Emílio Fernández


Desfilam na tela atores até há pouco tempo conhecidos do público brasileiro: Lupita Tovar, Pedro Armendáriz, Columba Domínguez, Blanca del Castejón, Jorge Negrete, Dolores Del Rio, María Félix, Jorge Mistral, Arturo de Córdova, Victor Junco, Laura Hidalgo e muitos outros[7].


Cerca de 100 títulos foram pesquisados — quantidade significativa, reduzida, ao fim, para muito pouco. Não há observações, comentários, contextualizações e apreciações sobre as obras apresentadas. Chega a ser sintomático esse "desinteresse" ou "desconhecimento", quando não o reflexo de uma vontade de aparentar isenção. Sobra a impressão de que Nelson manifestou receio de emitir juízos sobre o melodrama; preferiu afastar da realização qualquer conotação de manifesto, presente nos demais componentes de O Século do Cinema. Dessa forma, Cinema de lágrimas está longe de ser uma exaltação apaixonada como a de Martin Scorsese. Muito menos formula um discurso crítico, como as contribuições de Jean-Luc Godard/Anne-Marie Mièville e Donald Taylor Black. Resultado: 0 que se vê é uma pesada seleção de imagens em formato que não restitui a vida ao melodrama. Cinema de lágrimas nega a subjetividade e também falha na objetividade. Fica a meio caminho de lugar algum.


Cartaz e imagens de Manchada pelo destino (Pueblerina, 1949), de Emílio Fernández
Columba Domínguez e Roberto Cañedo nos respectivos papéis de Paloma e Aurelio Rodríguez

Escravos do rancor (Abismos de pasíon, 1953), de Luís Buñuel
Adaptação mexicana de O morro dos ventos uivantes, livro de Emily Brontë
Jorge Mistral e Irasema Dilián nos papéis de Alejandro e Catalina 


De todos os diretores envolvidos no projeto O Século do Cinema, Nelson Pereira dos Santos foi único a não recorrer a uma abordagem puramente documental. Adotou um expediente original ou, segundo palavras próprias, homenageia o cinema latinoamericano na forma de um melodrama irônico e contemporâneo. Quer dizer: armou uma ficção, de profundo teor melodramático, na qual os personagens fazem a ligação entre o público com o tema e as imagens das produções selecionadas. Concebeu a conjugação de ficção e documento, uma ideia em princípio excelente e logo revelada como totalmente desastrosa.


Assim, há a história de Rodrigo (Cortez, adulto; Tannus, criança), diretor teatral em crise criativa. Aproveita o instante para se afastar temporariamente das atividades. Busca solucionar dúvida que o atormenta desde criança, há cerca de 50 anos. Sua mãe (Torlone), prostituta, assistiu a qual melodrama na noite em que cometeu suicídio? Após consultar Cosme Alves Neto (o próprio), curador da Cinemateca do Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio Janeiro, Rodrigo deixa o Brasil. Parte para pesquisar o acervo fílmico da Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM). Acompanha-o o jovem jornalista Ives (Barros), assessor do levantamento. Ao longo dessa história Nelson também supre, parcialmente, a ausência de títulos que não os melodramáticos em Cinema de lágrimas. Nos ambientes frequentados pelos personagens são vistos cartazes de obras fundamentais do cinema latinoamericano. Na UNAM a câmera se aproxima de salas de aula e capta as vozes de Sílvia Oroz e Ivan Trujillo em preleções acerca de questões gerais do cinema no subcontinente.


História de um grande amor (Historia de un gran amor, 1942), de Julio Bracho
Domingo Soller e Jorge Negrete nos papéis de Padre Trinidad e Rodrigo Venegas


No México — enquanto Rodrigo e Ives assistem aos filmes — Trujillo cumpre o papel de tecer comentários gerais sobre o melodrama do ponto de vista racional e acadêmico. Utiliza as pistas lançadas por Sílvia Oroz. Vale-se de um didatismo tão falso quanto aborrecido e enfadonho. O espectador estranha a fala do cineasta e pesquisador, posicionado no fundo da sala de projeção, enquanto Rodrigo busca as imagens vistas pela mãe no dia fatídico.


Raquel Serrano (María Félix) e Antonio Ituarte (Arturo de Córdova) em A deusa ajoelhada (La diosa arrodillada, 1947), de Roberto Gavaldón

Marcial (Enrique Abeledo) e María (Laura Hidalgo) em Arminho negro (Armiño negro, 1953), de Carlos Hugo Christensen


O pior está por vir: o melodrama dos anos 90 de Nelson. É uma história a consumir tempo que seria melhor aproveitado com o documental. O diretor resolve encenar a atração homossexual de Rodrigo por Ives. Aí, tudo degringola. A trama e o resultado deste subplot são constrangedores — não só para o espectador. Nota-se claramente que os atores não estão à vontade e disso se ressentem as interpretações. Do verde André Barros há pouco a dizer, a não ser que precisa melhorar muito. Mas a atuação do experiente e sempre convincente Raul Cortez é lamentável. Rosto e gestos não convencem na tentativa de Rodrigo para se aproximar de Ives. Também falta convicção quando o personagem manifesta incômodo e preocupação com os constantes e mal explicados desaparecimentos do rapaz.


Rodrigo (Raul Cortez) e Ives (André Barros)

  
Rodrigo retorna sozinho ao Brasil após provocar o afastamento do rapaz quando se abriu sentimentalmente para ele. Na Cinemateca do MAM recebe de Cosme Alves Neto carta e fita de vídeo da parte de Ives. A mensagem revela o filme visto pela mãe: Arminho negro. Também explica os eventos misteriosos no México: contaminado por AIDS, Ives tentava chegar aos Estados Unidos para se tratar. Por causa da doença evitou se aproximar de Rodrigo, como desejava. Agora está hospitalizado em estado crítico no Rio de Janeiro.


Cartaz e imagens de Deus e o diabo na terra do sol (1964), de Glauber Rocha

  
O personagem interpretado por Cortez exorciza o passado ao assistir a fita na sala de vídeo do MAM. Termina a sessão em lágrimas. Pensa no destino da mãe e na sorte de Ives. Próximo dali, a cinemateca exibe Deus e o diabo na terra do sol. Atraído pelo som da Bachiana número 3, de Villa-Lobos — que integra a trilha musical do filme —, Rodrigo entra na sala de projeção e se mistura à plateia. O rosto permanece em lágrimas. Provavelmente, continua lamentando os destinos da mãe e do amigo. Porém, também experimenta, entre a felicidade e o alívio, o prazer de estar em contato com as poderosas imagens concebidas por Glauber Rocha para outro tipo de cinema da América Latina.





Montagem: Luelane Corrêa. Som: Juaréz Dagoberto. Roteiro: Sílvia Oroz, Nelson Pereira dos Santos, com base no livro Melodrama: o cinema de lágrimas da América Latina, de Sílvia Oroz. Direção de fotografia (cores): Walter Carvalho. Música: Paulo Jobim. Decoração: Silvana Gontijo. Produção executiva: Hilton Kauffmann, Bob Last, Colin MacCabe. Músicos: Jacques Morelenbaum (cello), Zitto Abreu (percussão), Carlos Eduardo Tarcha (percussão). Gravação de som e mixagem sonora: Luis Guilherme D'Orey. Canção: Cinema novo, de Caetano Veloso, com Caetano Veloso e Gilberto Gil. Cenografia e figurinos: Silvana Gontijo. Assistente de direção: Dora Sverner. Direção de produção: Adolfo Carvalho. Continuidade: Márcia Bessa. Fotografia fixa: Vantoen Pereira. Assistentes de câmera: Marcelo Brasil, Pierre Vianna, Luis Gandelmann. Secretaria de produção: Valéria Gregório. Assistentes de produção: Ana Paula Sigmaringa Seixas, Marcelo Lisboa. Assistentes de cenografia: Jussara Perussolo, Liana Uderman. Produção de arte: Ana Valéria Velasquez, Andrea Penatiez. Trucagens: Movedoll. Letreiros: VeB Computação Gráfica. Assistente de figurinos: Luciana Guimarães. Material gráfico de cena: Maria Júlia Ferreira. Edição de som: Carlos Cox. Assistente de som: Paulo Gustaldi da Costa. Assistentes de montagem: Luis Guimarães de Castro, Gustavo Casançon, César Migliorin, Márcia Bessa. Segundo assistente de direção: Guilherme Sucena. Assistente de direção de arte: Anna Luiza Mello. Produção de elenco: Fernanda Ribas. Operador de vídeo tape: Ioussef Broitman. Estagiário de produção: Frederico Câufer. Cenotécnica: Samuel Marco. Maquiagem: Cacilda Fernandes da Silva. Maquinista: Paulo Paquetá. Eletricista: Paulo Brum, Widmilson Finizola, José Carlos da Silva Neto. Contrarregra: Sebastião de Oliveira Pinheiro, Carlos A. "Moreira" Lopes. Projecionista: José Carlos Cardoso. Boy: Eli Pereira de Andrade. Produção executiva para o BFI: Colin McCabe, Bob Last. Gerente de produção do BFI: Esther Johnson. Consultor para o BFI: Tony Rayns. Produção no México: Laura Imperiale, Alejandro Clancy. Assistente de produção no México: Martin Montes. Assistente de direção de arte no México: Juan Hernandez. Som direto no México: Miguel Sandoval, assistido por Ruben Gonzales. Maquiagem no México: Ester Alvarez. Camareira no México: Marcela Fernandez. Assistente de câmera no México: Aristeo Hernandez. Coordenação de figurinos no México: Alejandro Carlo. Ilustração de cartazes no México: Simon Guevara Aura. Reprodução de cartazes de arquivo no México: Santiago Croes. Produção na Argentina: Nene Lovera. Corte do negativo na Argentina: Elida Inês Ceberna, assistida por Stella Soñez. Sistema de mixagem de som: Stereo. Maquiagem: Maria da Conceição de Jesus, Cida Freitas. Tempo de exibição: 97 minutos.


(José Eugenio Guimarães, 1998)



[1] CENTURY OF CINEMA SERIES - The BFI Collection. https://www.hanwayfilms.com/caravaggio-1/. Acessado em 14 set. 1998.
[2] Não se deve esquecer que Kurosawa não é bem visto no Japão, onde o acusam de "ocidentalizado".
[3] Cf. CARVALHO, Mário César. Nelson Pereira filma cem anos de cinema. Folha de São Paulo. São Paulo, 5/jan./1995. Ilustrada. p. 1; e SUKMAN, Hugo. O melodrama é o próprio protagonista. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 7/jan./1995. Caderno B. p. 7.
[4] Publicado em 1992 com esse mesmo nome, pela Rio Fundo Editora, Rio de Janeiro.
[5] Cf. CARVALHO, Mário Cesar. Op. cit.
[6] Erroneamente considerado produção argentina nos créditos de Cinema de lagrimas.
[7] Pedro Armendáriz, Dolores Del Rio e Arturo de Cordova prolongaram a carreira no cinema estadunidense.