Há alguns anos, numa madrugada insone, deparei-me na TV com
It:
o terror que vem do espaço (It! The terror from beyond space,
1958), do praticamente obscuro Edward L. Cahn, diretor que nunca ultrapassou o
umbral do padrão 'B'. A realização, paupérrima, não me devolveu ao desejado
estado de letargia. À medida que avançava, fui notando semelhanças entre a
história roteirizada por Jerome Bixby com peças cinematográficas mais contemporâneos,
elaboradas com aportes financeiros mais generosos, em particular o misto de
ficção científica e terror Alien, o oitavo passageiro (Alien,
1979), de Ridley Scott. Os elementos centrais desse filme, concebidos pelo
roteiro de Dan O'Bannon, estão todos na obra de Edward L. Cahn. Aqui, uma
misteriosa e letal criatura espacial se oculta nos dutos de ar de uma
espaçonave que ruma de Marte para a Terra. Logo, começa a eliminar membros da
tripulação. O bicharoco, de um ridículo atroz, fica muitos anos-luz atrás do
elaborado e assustador monstro de saliva ácida concebido por H. R. Giger para o
filme de Scott. Mas ao fim fiquei a pensar em quantas dívidas as produções 'A'
— algumas tidas como originais — não teriam a quitar com obscuros e esquecidos
filmes de categoria 'B'.
It: o terror que vem do espaço
It! The terror from beyond space
Direção:
Edward L. Cahn
Produção:
Robert E. Kent, Edward Small (não
creditado)
Vogue Pictures, Robert E. Kent
Productions
EUA — 1958
Elenco:
Marshall
Thompson, Shawn Smith, Kim Spalding, Ann Doran, Dabbs Greer, Paul Langton,
Robert Bice, Richard Benedict, Richard Hervey, Thom Carney, Ray Corrigan e os
não creditados Bert Stevens, Pierre Watkin.
O diretor Edward L. Cahn |
Tudo bem, há quem
goste deste filme. Felizmente (ou infelizmente, sei lá!), não me incluo no
time. Espero ser desculpado. As realizações de ficção científica, em especial
as rudimentares produções ‘B’ da década de 50, têm apreciável e empedernido
número de admiradores. Com It: o terror que vem do espaço — rebatizado para
Ele! O terror que vem do espaço nas programações
da TV — não é diferente. Quando lançado nos cinemas brasileiros, tinha por título A ameaça do outro mundo.
Acima e abaixo: o monstro marciano vivido por Ray Corrigan |
Nos dizeres do
povo da Zona da Mata de Minas, “O filme é ruim demais da conta, sô!”. As
interpretações são risíveis. O monstro que faz os exploradores espaciais de
gato e sapato é de um ridículo atroz. Dando vida à criatura está o ator Ray
Corrigan, enfiado numa inacreditável fantasia de borracha, para lá de fuleira. Mais
uma vez, deve-se conferir ao produtor Val Lewton o título de sábio. No cinema, certas
coisas não devem ser vistas, ainda mais se não há recursos suficientes e
adequados para concebê-las com o mínimo de credibilidade — teria afirmado.
Então, é melhor que sejam simplesmente sugeridas, principalmente quando
pertencem às zonas desconhecidas, habitadas pelo sobrenatural e pelo
fantástico. Algumas produções de Lewton como Sangue de pantera (Cat people, 1942), de Jacques Tourneur, e Maldição do sangue de
pantera (The curse of the cat people, 1944), de
Gunther von Fritsch e Robert Wise, estão à disposição para lhe confirmar a tese.
Não pense o fã
ardoroso que não aprecio ficção científica, produções ‘B’ ou abaixo disso e
filmes trash. Como cinéfilo, vejo filmes os mais variados, incluídos numa faixa de amplo
espectro. Sou generoso com as temáticas envolvendo o sobrenatural e o
fantástico, incluindo realizações que o tempo tornou ridículas. Porém, tudo tem
limites. It: o terror que vem do espaço os ultrapassou
além da conta.
Começo da história: a nave decola de Marte rumo à Terra |
Estamos
praticamente quatro décadas à frente de 1973. Segundo o roteiro de Jerome
Bixby, nesse ano uma missão espacial tripulada aterrissou em Marte. A ficção
científica sempre se arriscará a falhar nas previsões e datações, notadamente
quando os exemplares do gênero são realizados em épocas de franco otimismo com
os avanços da ciência. As antecipações podem desandar em produções ruins, como
esta, ou nas obras de excelência qual 2001 — Uma odisseia no
espaço (2001: a space odyssey, 1968), de
Stanley Kubrick. Então, está tudo bem com isso. Por outro lado, a corrida
espacial havia começado em 1957, um ano antes da realização de It: o terror que vem do espaço, com os russos enviando a cadela Laika à
órbita da Terra no Sputnik 2. Em 1961 os cães deram primazia aos humanos: o
russo Yuri Gagarin, a bordo da Vostok 1, foi o primeiro homem a circundar o
planeta. A rápida conquista de Marte, logo após a da Lua, fazia parte de
previsões otimistas.
Depois do pouso em
Marte, a nave comandada pelo Coronel Edward Carruthers (Thompson), avariada,
não consegue voltar. Para piorar, toda a tripulação é dizimada misteriosamente,
com exceção do comandante. Segundo ele, um alienígena fulminou seus homens um
após outro. Na Terra, ninguém acredita na história. Outra missão é enviada,
para buscar Carruthers, aprisioná-lo e enviá-lo à corte marcial por assassinato.
Nesse ponto o filme começa. A nave de resgate, aos cuidados do Coronel Van
Heusen (Spalding) levanta voo trazendo o acusado.
Algo estranho à bordo da nave sobressalta a tripulação |
Porém, algo mais
está a bordo. Não tardará para Carruthers merecer crédito da pior forma. Dois
tripulantes desaparecem, apresados por estranha criatura oculta nos dutos de ar
da nave. As tentativas para eliminá-la fracassam, desde tiros com armamento
comum passando por eletrocussão, chamas, granadas e explosivos atômicos. O
bicharoco resiste a tudo. O mais incrível, particularmente para os dias de
hoje, é a nave também passar incólume por tudo isso. A criatura continua
ameaçando os sobreviventes, apesar de isolada nos níveis inferiores do veículo.
Vem de Carruthers a ideia salvadora: a despressurização. Os tripulantes protegidos
por trajes especiais, devidamente oxigenados e atados às partes sólidas e fixas
da nave, estariam protegidos enquanto a criatura fosse expelida junto com o ar do
interior. O plano é posto em prática com sucesso. Alívio, principalmente para
Carruthers, preservado em sua reputação.
O espectador
antenado às realizações de ficção científica não tardará a perceber semelhanças
entre os argumentos de It: o terror que vem do espaço e Alien, o oitavo passageiro (Alien, 1979), de Ridley
Scott. Ambos contam basicamente a mesma história. As diferenças se devem aos
recursos envolvidos, além dos talentos reunidos à frente e atrás das câmeras,
todos mais favoráveis ao filme de Scott. Este teve na criatura — imaginada por
Dan O’Bannon e cinematograficamente materializada graças às concepções do
artista H. R. Giger e pela junção de arrojados efeitos especiais com iluminação
mais poder de sugestão — um dos maiores trunfos no campo do cinema fantástico.
Além de legião
formada por incontáveis e aguerridos fãs, It: o terror que vem do
espaço conta com admiradores ilustres, como o cineasta John Carpenter.
Segundo ele, Edward L. Cahn e equipe concluíram as filmagens no tempo recorde
de seis dias. Pelos resultados em tela, deve ser verdade.
Apesar da falta de
recursos, o diretor, se mais criativo, poderia atenuar o lado tosco da
realização desenvolvendo a sensação de claustrofobia no interior da nave, que
se tornou mais elevada com a tripulação ganhando certeza de que transportava algo
estranho. Mas essa possibilidade sequer foi arranhada. Parece até que
Carruthers e companhia estavam simplesmente às voltas com uma infestação corriqueira
de ratos e baratas, dada a aparente apatia de todos.
A apática tripulação |
O diretor Edward
L. Cahn foi, nos anos 20, profissional ativo no setor de montagem da Universal.
Estreou na direção em 1931, construindo carreira firmada na realização de
várias produções ‘B’, nas quais proliferam filmes de terror, westerns de
ocasião, criminais e ficção científica. Seu primeiro filme, Homicid squad, tem codireção de George Melford. Até o encerramento da
carreira, em 1962, com Beauty and the beast, trouxe à luz 125
títulos[1].
Dentre seus trabalhos dignos de nota, segundo Jean Tulard, há “um brilhante
western”[2]:
Law and order (1932), sobre Wyatt Earp e o célebre
tiroteio no OK Corral.
A criatura se apodera de mais uma presa |
Por fim, há o comentário que se pretende definitivo sobre o planeta
vermelho, pronunciado no epílogo de It: o
terror que vem do espaço: “O nome de Marte deveria
ser Morte”. Em português até que não soa mal, apesar de ser risível.
Roteiro: Jerome Bixby. Música: Paul Sawtell, Bert Shefter. Direção de
fotografia (preto-e-branco): Kenneth Peach. Direção
de arte: William Glasgow. Decoração: Herman N. Schoenbrun. Maquiagem: Lane Britton. Assistente de direção: Ralph E. Black. Contrarregra: Arthur Wasson. Planejamento do set: Jerome Bixby (não creditado). Edição de
efeitos sonoros: Robert G. Carlisle. Som: Al Overton. Concepção da criatura: Paul Blaisdell (não creditado). Guarda-roupa: Jack Masters. Supervisão de montagem: Grant Whytock. Continuidade: George Rutter. Assistente para Paul
Blaisdell (não creditado): Bob Burns. Companhia
de serviços sonoros: Ryder Sound Services. Tempo
de exibição: 69 minutos.
(José Eugenio Guimarães, 2012)
[1] EDWARD L. Cahn. Disponível em http://www.imdb.com/name/nm0128715/#Director.
Acessado em 25 nov. 2012.
[2] TULARD, Jean. Dicionário de cinema. Porto
Alegre: L&PM, 1996. p. 110.
Eugenio,
ResponderExcluirVi esta fita há muitos anos atrás e deleapouco recordo. Porém, seguindo a carreira do Cahn, verifiquei que outras peliculas dirigidas pelo mesmo eu também assisti.
E recordo que quase todas elas eram fitas criadas com alguma pequena qualidade, isto muito mais pela época feita, onde os recursos técnicos eram menos qualificados que os de momento.
PS; já havia emitido um comentário para esta postagem, que observo não constar nesta página.
jurandir_lima@bol.com.br
Caro Jurandir,
ExcluirEstranhamente, o comentário ao qual fez referência não deu entrada na página. Provavelmente, está extraviado. Observo que não é a primeira vez que isso acontece. Vez ou outra, o sistema do Blogger apresenta alguma instabilidade. No último sábado, tal aconteceu comigo, como pude bem comprovar. As formatações constantes do texto de REINADO DE TERROR não foram aceitas e tive que dar conta de todas, manualmente. Lamento pelo ocorrido. É muito chato isso.
Conheço pouquíssima coisa do Edward L Cahn. Talvez, apenas o filme motivo de apreciação.
Abraços.
¡¡¡Hola!!!! Es una película genial, me gusta mucha.
ResponderExcluirUn abrazo.
Hola, Marigem;
ExcluirQue bueno verla por acá. ¿Como está? Hace tiempo que no veo nuevas publicaciones de su blog! Bueno saber que usted le gusta esa película. Es el producto de una época y no deja de tener su valor.
Gran abrazo.