A transposição para o cinema do
livro Marooned, do piloto Martin Caidin, teria Frank Capra na
direção. Porém, abandonou a empreitada diante da impossibilidade de dar conta
de exigências da companhia produtora, a Columbia Pictures. Foi substituído por
John Sturges. Este, dadas as características dos filmes que fez, transformou Sem
rumo no espaço (Marooned, 1969) em obra à altura do próprio
talento — apesar das limitações do roteiro. Não demorou para o trabalho cair
nas boas graças da NASA por causa de uma contingência trágica: antecipou em
quatro meses após o lançamento o drama real dos astronautas da Apollo 13, quase
condenados à sepultura em pleno éter quando tiveram a nave seriamente afetada
por pane elétrica. Em Sem rumo no espaço há a nave Ironman
One, tripulada por Jim Pruett (Richard Crenna), Clayton Stone (James Franciscus)
e Buzz Lloyd (Gene Hackman). Após prolongado período acoplada a uma estação
orbital, perdeu a capacidade de ignição fundamental ao retorno. O trio é
largado à deriva, entre a vida e a morte, pressionado pela elevação da
temperatura ambiente e diminuição crítica dos níveis de oxigênio. Na central de
operações, em Houston, o responsável pela missão, Charles Keith (Gregory Peck),
lida com as possibilidades de uma operação de resgate enquanto as esposas dos
astronautas amargam a desconfortável situação de antecipar um provável estado
de viuvez. Hoje, Sem rumo no espaço pertence à galeria dos filmes esquecidos.
Foi superado pelo esfriamento da corrida espacial e progresso tecnológico da
ficção científica cinematográfica. Apesar de tudo, tem desenvolvimento
surpreendentemente racional e objetivo, com pouco apelo ao melodrama. Nos conturbados
anos da guerra fria, também permitiu insólita e alvissareira cooperação entre
potências adversárias na operação de salvamento. Segue apreciação escrita em
1974.
Sem rumo no espaço
Marooned
Direção:
John Sturges
Produção:
Mike J. Frankovich
Frankovich Productions, Columbia
Pictures
EUA — 1969
Elenco:
James Franciscus, Gene Hackman,
Gregory Peck, Richard Crenna, David Jansen, Lee Grant, Nancy Kovack, Mariette
Hartley, Scott Brady, John Carter, Craig Huebing, Frank Marth, Vincent van
Lynn, George Gaynes, Tom Stewart, Duke Hobbie, Walter Brooke, Dennis Robertson
e os não creditados Bill Couch, Matt Emery, John Forsythe, Mauritz Hugo, Kenner
G. Kemp, Mary Linda Rapelye, Bruce Rhodewalt, George R. Robertson, George
Smith.
O diretor John Sturges e o ator Steve McQueen quando da realização de Fugindo do inferno (The great escape, 1963) |
De início, Sem
rumo no espaço teria Frank Capra na direção. Credenciou-se ao posto
graças ao curta que produziu e realizou em 1964 para a Feira Mundial de Nova
York: Rendezvous in space, com 19 minutos. Desistiu da tarefa durante
a pré-produção, em maio de 1966, ao se perceber sem possibilidades de atender à
principal exigência da Columbia Pictures: fixar os custos orçamentários em três
milhões de dólares. Substituiu-o John Sturges, especializado em extrair tensão de
interiores e ambientes exíguos como comprovam os westerns Sem lei e sem alma (Gunfight
at the O.K. Corral, 1957) e Duelo de titãs (Last train from Gun Hill,
1959), o drama bélico Fugindo do inferno (The
great escape, 1963) e a aventura de espionagem da guerra fria Estação
Polar Zebra (Ice Station Zebra, 1968). Sem
rumo no espaço concentra a ação no minguado compartimento de um módulo
espacial — muito semelhante às naves do Projeto Apollo — e na central de controles
em Houston. Detalhe :
os custos da produção ultrapassaram em 5 milhões de dólares o montante
demarcado para Capra.
Sem rumo no
espaço é aventura de ficção científica sobre a complicada operação de
resgate de três astronautas à deriva no espaço. É baseado no romance Marooned,
escrito em 1964 pelo piloto Martin Caidin e vertido burocraticamente para o
cinema pelo roteirista Mayo Simon. Lançado comercialmente nos Estados Unidos em
11 de dezembro de 1969, logo deixou de ser um drama corriqueiro sobre tensa
missão de salvamento para se aproximar terrivelmente da realidade. Cerca de
quatro meses depois, em 11 de abril de 1970, a NASA enviou ao espaço a Apollo 13 com
os astronautas James Lovell, Fred Haise e John L. Swigert Jr. Era a sétima
missão tripulada da conquista da Lua; a terceira destinada a pousar no satélite.
A operação foi frustrada por pane elétrica seguida de explosão que danificou o
veículo, impediu a alunissagem e gerou falência praticamente generalizada dos equipamentos.
A temperatura ambiente se elevou além dos níveis críticos e comprometeu a renovação
de oxigênio. O retorno à Terra ficou impossibilitado. Os astronautas ficaram ao
léu por aproximados seis dias até o comando em Houston resolver o problema. Regressaram
após muito stress em 17 de abril de 1970. Sem rumo no espaço ganhou, assim, a
fama de obra profética e se converteu, na ocasião, em um dos filmes preferidos
do pessoal da NASA.
A realização tem
valores ancorados nos discretos, funcionais e simples efeitos visuais de
Lawrence W. Butler, Donald C. Glouner e Robie Robinson — premiados com o Oscar
da categoria — e no desempenho do elenco forçado a tirar veracidade de situações
marcadas pela tensão que impregna toda a narrativa. Enquanto os astronautas Jim
Pruett (Crenna), Clayton Stone (Franciscus) e Buzz Lloyd (Hackman) tentam
preservar a confiança, o bom humor e a sanidade, sabendo que nada podem
fazer no limitadíssimo ambiente da nave — proporcionalmente tão apertado como o
interior de um ovo —, o chefe da operação em Houston, Charles Keith (Peck),
esforça-se para equilibrar frieza e racionalidade com a urgência demandada pelo
imprevisto. Além de tentar solução realista diante da série de fatores
intervenientes a impossibilitar a operacionalização de urgente missão de
salvamento, terá a responsabilidade extra de fornecer notícias nada tranquilizadoras
ao trio quando os níveis de oxigênio se apresentam problemáticos à
sobrevivência geral. Ainda há questões de ordem íntima, proporcionadas pelas
esposas dos astronautas sempre presentes na central de comando: Celia Pruett
(Grant), Teresa Stone (Kovack) e Betty Lloyd (Hartley). Elas conferem os
elementos melodramáticos à história. Porém, mantiveram-se estoicas durante todo
o tempo — como boas e compreensíveis heroínas estadunidenses moldadas em acordo
com o figurino desenhado pelo cinema —, como se já estivessem antecipadamente
preparadas para o pior. Certamente, avaliando-se a situação pelo prisma mais humano,
estão demasiadamente contidas diante das possibilidades de uma tragédia que poderá
enviuvá-las a qualquer momento.
A nave Ironman One antecipa em quatro meses o drama real da Apollo 13 |
Os astronautas Clayton Stone (James Franciscus), Buzz Lloyd (Gene Hackman) e Jim Pruett (Richard Crenna) |
Ao centro, Gregory Peck como Charles Keith |
A história é
plausível, econômica e objetiva. Jim Pruett, Clayton Stone e Buzz Lloyd
integram a missão Ironman One. Foram levados ao espaço para uma temporada de
sete meses em estação espacial na órbita da Terra. Serão testados de forma
geral, principalmente quanto aos fatores de ordem física e emocional —
merecedores de fundamental consideração em permanências espaciais mais
prolongadas. Passados cinco meses, estavam no limite da fadiga. Diante disso, a
NASA interrompe a prova e prepara o retorno. Há energia suficiente para
desacoplar a nave da estação espacial. Porém, falha a ignição fundamental ao
retorno. Não há como regressar ao mais espaçoso e confortável ponto de origem. O
trio fica no mato sem cachorro, preso na Ironman One, na delicada e
desconfortável situação que separa a vida da morte.
Se inicialmente a
operação de salvamento parecia impossível, Charles Keith é praticamente forçado
a considerar alternativas após o próprio presidente dos Estados Unidos,
identificado pelo codinome Olympus (voz de John Forsythe), entrar na parada. Depois
de muitos contratempos, inclusive as péssimas condições meteorológicas, o
astronauta Ted Dougherty (Jansen) é lançado para o resgate em veículo
experimental da força aérea. Apesar do sacrifício de Jim Pruett, o final é
otimista por permitir uma ação de boa vontade entre URSS e EUA.
As esposas dos astronautas: Celia Pruett (Lee Grant), Betty Lloyd (Mariette Hartley) e Teresa Stone (Nancy Kovack) |
Gene Hackman no papel de Buzz Lloyd |
A nave estadunidense de resgate é posicionada para o lançamento |
Um cosmonauta
soviético (Bill Couch/não creditado) chega à nave danificada momentos antes de
Dougherty. Enquanto este cuida de Buzz Lloyd o outro ministra os primeiros
socorros a Clayton Stone. Em tempos marcados pela corrida armamentista tão
característica da guerra fria — quando os frágeis fios da paz mundial poderiam
se romper a qualquer momento —, russos e estadunidenses se uniram para incrível,
breve e promissor instante de solidariedade.
As naves estadunidense e russa a caminho do resgate |
Dentre as
qualidades de Sem rumo no espaço cabe destacar a opção de Sturges pelo realismo.
Sequer há trilha musical. Apesar de o som não se propagar no vácuo, permitem-se
temas incidentais para a identificação de naves e determinadas situações. O tom
da abordagem é, via de regra, laborioso e facilita o tratamento clínico do
empreendimento. Portanto, apesar dos aspectos dramáticos e da tensão, a
realização está longe de gerar emoção. A descompensação psicológica do
estressado e assustado Buzz Lloyd, manifestada ao se comunicar com a esposa na central
de controles, ofereceu o momento afetivamente mais carregado. Ainda assim, não
provoca frisson, desconforto e
lágrimas. Em linhas gerais, a correção e o profissionalismo perpassam a
narrativa do começo ao fim, inclusive nos apressados e descuidados momentos
finais dedicados ao resgate.
Roteiro: Mayo Simon, baseado em novela de Martin Caidin. Direção de fotografia (Panavision, Eastmancolor):
Daniel L. Fapp. Desenho de produção:
Lyle R. Wheeler. Montagem: Walter
Thompson. Produção associada: Frank
Capra Jr. Confecção de figurinos:
Seth Banks. Direção de segunda unidade:
Ralph E. Black. Efeitos visuais
especiais: Lawrence W. Butler, Donald C. Glouner, Robie Robinson. Consultores técnicos: Martin Caidin, George
Smith. Supervisão de script: John
Franco. Som: Les Fresholtz, Arthur
Piantadosi. Fotografia de segunda
unidade: W. Wallace Kelley. Supervisão
de vídeo: Hal Landaker. Assistente
de direção: Daniel J. McCauley. Gerente
de produção executiva: William J. O'Sullivan. Direção de diálogos: Norman Stuart. Decoração: Frank Tuttle. Fotografia
aérea: Nelson Tyler. Consultor
fotográfico: William Widmayer. Direção
de segunda unidade: Michael Daves (não creditado). Primeiro assistente de direção da segunda unidade: Mel Swope. Ilustrador da produção: Mentor Huebner
(não creditado). Coordenação de efeitos
especiais: Chuck Gaspar (não creditado). Miniaturas: Terence Saunders (não creditado). Dublês (não creditado): Bill M. Ryusaki, Buddy Van Horn. Operador de câmera: Val O'Malley (não
creditado). Fornecimento de gruas: Chapman/Leonard
Studio Equipment. Construção do centro
de lançamento e da estação de controle: Philco-Ford. Estúdios de som: Sunset Gower Studios. Sistema de mixagem de som: mono (cópias em 35mm), stereo 6 pistas
(cópias em 70mm). Tempo de exibição:
134 minutos.
(José Eugenio Guimarães, 1974)
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