domingo, 24 de janeiro de 2016

OS CÉUS PRESENTEIAM O CINEMA COM UMA PEQUENA JOIA DA COMÉDIA

Joe Pendleton (Robert Montgomery), bom moço e boxeador em ascensão, estava cotado como próximo campeão "peso pesado". Porém, acidentou-se gravemente no comando do próprio avião. Colhida de imediato pelo anjo da guarda (Edward Everett Horton), sua alma chega ao céu. De tanto protestar, recebe do gerente Mr. Jordan (Claude Rains) o direito de conferir os arquivos celestiais. É praticamente o começo de divertida e despretensiosa comédia dirigida pelo pouco valorizado Alexander Hall. Que espere o céu (Here comes Mr. Jordan, 1941) inaugurou o filão de filmes que brinca com os temas da vida após a morte e dicotomia céu-inferno. Após, vieram — apenas no cinema estadunidense: O diabo disse não (Heaven can wait, 1943), de Ernst Lubitsch; Dois no céu (A guy named Joe, 1944), de Victor Fleming; Quando os deuses amam (Down to Earth, 1945), de Alexander Hall; Eu e o Sr. Satã (Angel on my shoulder, 1946); de Archie Mayo; e mais recentemente O céu pode esperar (Heaven can wait, 1978), de Warren Beatty e Buck Henry. A realização resiste bravamente à passagem do tempo. O roteiro de Sidney Buchman e Seton I. Miller, extraído da peça Halfway to heaven, é uma joia do bom humor abrilhantada por elenco afinado, com destaque para o veterano James Gleason no papel do treinador Max. A apreciação a seguir data de 1983.






Que espere o céu
Here comes Mr. Jordan

Direção:
Alexander Hall
Produção:
Everett Riskin
Columbia Pictures Corporation
EUA — 1941
Elenco:
Robert Montgomey, Claude Rains, Edward Everett Horton, James Gleason, Evelyn Keyes, Rita Johnson, John Emery, Donald MacBride, Don Costello, Halliwell Hobbes, Benny Rubin e os não creditados Warren Ashe, Lloyd Bridges, Eddie Bruce, Ken Christy, Chester Conklin, Heinie Conklin, Joe Conti, Maurice Costello, Joseph Crehan, Mary Currier, Billy Dawson, Edmund Elton, William Forrest, Tom Hanlon, Joe Hickey, John Ince, Selmer Jackson, John Kerns, Bobby Larson, William Newell, Gerald Pierce, John Rogers, Abe Roth, Douglas Wood, Bert Young, James Carlisle, Theresa Harris, Carl M. Leviness, Max Linder, Philo McCullough, Hans Moebus, Sol Murgi, Jack Perry, Cyril Ring, Scott Seaton, Charles Seel, Larry Wheat.



O diretor Alexander Hall


Clássico da comédia fantástica sobre a vida após a morte, conduzido por Alexander Hall — realizador talentoso, dono de fino e sutil senso de humor. Nunca teve a oportunidade de alçar voos mais elevados. Antes de estrear na direção, em 1932, contratado pela Paramount, dedicou-se a várias atividades no cinema, principalmente como ator e assistente. A partir de 1938, estabeleceu-se na Columbia, onde realizou seus principais trabalhos: Eu sou a lei (I am the law, 1938), Solteiras à solta (My sister Eileen, 1942), Quando os deuses amam (Down to Earth, 1945) e Que espere o céu — provavelmente o melhor de todos.


Imagem promocional: Robert Montgomery, intérprete de Joe Pendleton, entre Evelyn Keyes e Rita Johnson, responsáveis, respectivamente, pelos papéis de Bette Logan e Julia  Farnsworth


O grande sucesso de Que espere o céu levou Hall a revisitar o tema quatro anos depois em Quando os deuses amam. O assunto ainda motivou abordagens da parte de diferentes realizadores: Ernst Lubitsch  O diabo disse não (Heaven can wait, 1943); Victor Fleming  Dois no céu (A guy named Joe, 1944); Archie Mayo  Eu e o Sr. Satã (Angel on my shoulder, 1946). Por fim, Warren Beatty e Buck Henry fizeram O céu pode esperar (Heaven can wait, 1978)[1], refilmagem com pequenas variações de Que espere o céu.


Julia Farnsworth (Rita Johnson), Joe Pendleton (Robert Montgomery) e Mr. Jordan (Claude Rains)


O Senhor Jordan (Rains) do título original é pura e simplesmente o gerente de uma sucursal celeste parecida a um centro de triagem. Orienta as almas que lá passam rumo ao destino final. Hall reescalou Rains para o mesmo papel em Quando os deuses amam. O ator também marca presença em Eu e o Sr. Satã, mas como alguém diametralmente oposto ao celestial Senhor Jordan: o demônio.


Mr. Jordan (Claude Rains) e Joe Pendleton (Robert Montgomery)


No ano em que o Oscar esnobou Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941), de Orson Welles, Que espere o céu concorreu às estatuetas nas indicações de Melhor Diretor, Melhor Ator Coadjuvante (James Gleason) e Melhor Filme. Venceu nas categorias de Melhor Argumento Original e Melhor Roteiro Adaptado.


Joe Pendleton (Robert Montgomery) e Julia Farnsworth (Rita Johnson)

  
Que espere o céu costumava ser reprisado, até há pouco tempo, pela televisão, nas últimas sessões da madrugada, com título ligeiramente invertido: Que o céu espere. Resiste bravamente à passagem do tempo. É sempre um prazer rever  sua história ingênua, simples e dinâmica, ainda mais nestes tempos bicudos dominados pela razão instrumental — quando a implacável secularização desencantou todas as nossas mais caras fantasias e ilusões a respeito do “outro mundo”.


Messenger 7013 (Edward Everett Horton) e Joe Pendleton (Robert Montgomery)


Joe Pendleton (Montgomery) — apelidado de Soco Voador — é o protagonista. É moço boa praça, saxofonista amador e boxeador em ascensão — candidato certo a campeão na categoria de “pesos pesados”. Acidenta-se quando pilotava o próprio avião. Escaparia com vida, mas... Falece devido à intervenção desastrada do Messenger 7013 (Everett Horton), anjo por demais benevolente. A entidade celeste acreditava que assim o pouparia de desnecessárias dores e sofrimentos. Perplexa, a alma de Joe chega às repartições do Senhor Jordan, pronta a embarcar para a definitiva morada. Entretanto, o desencarnado não aceita a situação. De tanto esbravejar ganha direito a uma conferência. Descobre-se o engano. Pendleton ainda viveria saudáveis 50 anos. Deve ter a alma devolvida ao corpo, imediatamente. É quando começam os problemas.


Messenger 7013 (Edward Everett Horton), Joe Pendleton (Robert Montgomery), Mr. Jordan (Claude Rains) e um figurante


Os restos mortais não são encontrados nos destroços do avião. Acompanhado do mensageiro trapalhão, procura o treinador Max (Gleason). As notícias são as piores: o corpo foi cremado. E agora? A grave situação obriga a pronta intervenção pessoal do Senhor Jordan.


Mr. Jordan (Claude Rains) e Joe Pendleton (Robert Montgomery)


Como milagres são relativos, mesmo para os poderes celestiais, a solução é encontrar novo corpo para Joe, um recém-desencarnado de físico perfeito — conforme as exigências do aturdido boxeador. Começam as buscas. Surge o corpo de Bruce Fransworth — milionário assassinado pela esposa (Johnson) em conluio com o secretário particular Tony Abbott (Emery). Porém, Joe não chega a esquentar lugar na nova condição. Também será assassinado. Reviverá em Ralph Murdock — boxeador baleado enquanto lutava. Com isso a procura chega ao fim. Porém, enquanto a busca durou Pendleton descobriu o amor de Bette Logan (Keyes), reembolsou investidores enganados nas negociatas cometidas pelas empresas Fransworth, contribuiu com a polícia para esclarecer o assassinato do milionário — sua segunda morte, diga-se — e refez a parceria com o aturdido Max. Este por pouco não foi à loucura ao ouvir o pupilo (como Bruce) falar do Senhor Jordan (invisível aos vivos), recuperar lembranças (que somente ele e Joe conheciam) e com a fantástica história de morrer para reviver na pele de outro.


O aparvalhado Max (James Gleason) diante do pupilo Joe Pendleton (Robert Montgomery)

  
Que espere o céu é comédia cheia de imprevistos inusitados, resolvidos em diálogos e observações precisos. Os atores se saem muito bem, principalmente o aparvalhado personagem de James Gleason — tantas vezes visto em comédias do período, inclusive nas de Frank Capra. Com seu semblante impassível — mas não assustador, ao contrário de comentários críticos à época do lançamento —, Claude Rains confere ao Senhor Jordan todo um ar de onipotência divina — a expressão é modificada por alguns discretos sorrisos, típicos de alguém imune a qualquer surpresa, como seria conveniente a um autossuficiente ser do outro mundo.


Max (James Gleason), Joe Pendleton (Robert Montgomery) e Mr. Jordan (Claude Rains)


Na refilmagem de 1978 o boxeador foi substituído por um jogador de rugby.





Roteiro: Sidney Buchman, Seton I. Miller, com base na peça Halfway to heaven, de Harry Segall. Direção de fotografia (preto-e-branco): Joseph Walker. Montagem: Viola Lawrence. Direção de arte: Lionel Banks. Assistente de direção: William Mull. Costumes: Edith Head. Música: Friedrich "Frederick Hollander" Hollaender, Sidney Cutner (não creditado), Paul Schoop (não creditado). Direção musical: Morris W. Stoloff. Maquiagem: Robert J. Schiffer (não creditado). Som: George Cooper (não creditado). Marcação para Robert Montgomery: Tommy Garland (não creditado). Sistema de mixagem de som: Western Electric Mirrophonic Recording. Tempo de exibição: 94 minutos.


(José Eugenio Guimarães, 1983)



[1] Apesar de coincidentes nos títulos originais, o filme de Lubistch é totalmente diferente da refilmagem de Warren Beatty e Buck Henry e, logicamente, da peça homônima de Harry Segall que serviu de base ao roteiro que Sidney Buchman e Seton I. Miller escreveram para o original de Alexander Hall.

4 comentários:

  1. Como sempre, um excelente texto...
    Grande filme e grande interpretação do velhinho James Gleason, que rouba o filme.
    Abraços, Eddie Lancaster.

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    1. É certo, Edivaldo. James Gleason é um ladrão de cenas.

      Abraços.

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  2. Eugenio,

    Não conheço a pelicula mas, pelo lido me parece ser dona de muitos bons ingredientes para se reger uma comédia agradável.

    Não cheguei a ver qualquer trabalho do Montgomery ou do diretor Hall. Porém, constam de meus alfarrábios muitas fitas onde o Rains atuou e sempre com sua mesma e inalterada classe.

    Por acaso a fita do Kapra, A Felicidade Não Se Compra, que podemos intercalar neste rol de fitas imortais e dentro também do tema (vida/morte)e que, embora a fita tenha uma abordagem diferente, trata-se de uma jóia que todo cinéfilo deve ter em sua cinemateca.

    De todas as versões do filme em pauta eu vi o do Warren que, pelo que termino de ler, não alcança qualquer comparação com Que o Céu Espere.

    Sinceramente não compreendo o que a Globo faz com tantas joias que possui e que nos eram apresentadas vez em quando nas madrugadas.

    O próprio canal Viva/ 35, da SKY, que nasceu para este fim, limita-se a reprisar com insistencia minisséries e novelas mais lá de tras, enquanto grandes obras primas do cinema mofam em suas prateleiras.

    Será que não são capazes de assimilar ou saber que ainda existe muito público para seu magnifico acervo?

    jurandir_lima@bol.com.br

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    1. O filme de Buck Henry e Warren Beatty possui muitas qualidades,Jurandir. Quanto ao mais, a TV encontrou o seu caminho que é o da mediocrização em regra. Se as TVs por assinatura não guardam mais compromisso algum com a qualidade, por quais razões as mais comerciais TVs abertas as teriam? Está tudo nivelado por baixo. Pior dos mundos.

      Abraços.

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