Joe Pendleton (Robert Montgomery), bom moço e boxeador em
ascensão, estava cotado como próximo campeão "peso pesado". Porém,
acidentou-se gravemente no comando do próprio avião. Colhida de imediato pelo anjo
da guarda (Edward Everett Horton), sua alma chega ao céu. De tanto protestar, recebe
do gerente Mr. Jordan (Claude Rains) o direito de conferir os arquivos
celestiais. É praticamente o começo de divertida e despretensiosa comédia
dirigida pelo pouco valorizado Alexander Hall. Que espere o céu (Here
comes Mr. Jordan, 1941) inaugurou o filão de filmes que brinca com os
temas da vida após a morte e dicotomia céu-inferno. Após, vieram — apenas no
cinema estadunidense: O diabo disse não (Heaven
can wait, 1943), de Ernst Lubitsch; Dois no céu (A guy
named Joe, 1944), de Victor Fleming; Quando os deuses amam (Down
to Earth, 1945), de Alexander Hall; Eu e o Sr. Satã (Angel
on my shoulder, 1946); de Archie Mayo; e mais recentemente O céu
pode esperar (Heaven can wait, 1978), de Warren
Beatty e Buck Henry. A realização resiste bravamente à passagem do tempo. O
roteiro de Sidney Buchman e Seton I. Miller, extraído da peça Halfway
to heaven, é uma joia do bom humor abrilhantada por elenco afinado, com
destaque para o veterano James Gleason no papel do treinador Max. A apreciação
a seguir data de 1983.
Que espere o céu
Here comes Mr. Jordan
Direção:
Alexander
Hall
Produção:
Columbia
Pictures Corporation
EUA — 1941
Elenco:
Robert
Montgomey, Claude Rains, Edward Everett Horton, James Gleason, Evelyn Keyes, Rita
Johnson, John Emery, Donald MacBride, Don Costello, Halliwell Hobbes, Benny
Rubin e os não creditados Warren Ashe, Lloyd Bridges, Eddie Bruce, Ken Christy,
Chester Conklin, Heinie Conklin, Joe Conti, Maurice Costello, Joseph Crehan,
Mary Currier, Billy Dawson, Edmund Elton, William Forrest, Tom Hanlon, Joe
Hickey, John Ince, Selmer Jackson, John Kerns, Bobby Larson, William Newell,
Gerald Pierce, John Rogers, Abe Roth, Douglas Wood, Bert Young, James Carlisle,
Theresa Harris, Carl M. Leviness, Max Linder, Philo McCullough, Hans Moebus,
Sol Murgi, Jack Perry, Cyril Ring, Scott Seaton, Charles Seel, Larry Wheat.
O diretor Alexander Hall |
Clássico da
comédia fantástica sobre a vida após a morte, conduzido por Alexander Hall — realizador
talentoso, dono de fino e sutil senso de humor. Nunca teve a oportunidade de
alçar voos mais elevados. Antes de estrear na direção, em 1932, contratado pela
Paramount, dedicou-se a várias atividades no cinema, principalmente como ator e
assistente. A partir de 1938, estabeleceu-se na Columbia, onde realizou seus
principais trabalhos: Eu sou a lei (I am the law, 1938), Solteiras
à solta (My sister Eileen, 1942), Quando os deuses amam (Down
to Earth, 1945) e Que espere o céu — provavelmente o
melhor de todos.
Imagem promocional: Robert Montgomery, intérprete de Joe Pendleton, entre Evelyn Keyes e Rita Johnson, responsáveis, respectivamente, pelos papéis de Bette Logan e Julia Farnsworth |
O grande sucesso
de Que
espere o céu levou Hall a revisitar o tema quatro anos depois em Quando
os deuses amam. O assunto ainda motivou abordagens da parte de diferentes
realizadores: Ernst Lubitsch — O
diabo disse não (Heaven can wait, 1943); Victor
Fleming — Dois no céu (A guy named Joe, 1944);
Archie Mayo — Eu e o Sr. Satã (Angel
on my shoulder, 1946). Por fim, Warren Beatty e Buck Henry fizeram O céu
pode esperar (Heaven can wait, 1978)[1],
refilmagem com pequenas variações de Que espere o céu.
Julia Farnsworth (Rita Johnson), Joe Pendleton (Robert Montgomery) e Mr. Jordan (Claude Rains) |
O Senhor Jordan
(Rains) do título original é pura e simplesmente o gerente de uma sucursal
celeste parecida a um centro de triagem. Orienta as almas que lá passam rumo ao
destino final. Hall reescalou Rains para o mesmo papel em Quando os deuses amam. O
ator também marca presença em Eu e o Sr. Satã, mas como alguém
diametralmente oposto ao celestial Senhor Jordan: o demônio.
Mr. Jordan (Claude Rains) e Joe Pendleton (Robert Montgomery) |
No ano em que o
Oscar esnobou Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941), de Orson
Welles, Que espere o céu concorreu às estatuetas nas indicações de
Melhor Diretor, Melhor Ator Coadjuvante (James Gleason) e Melhor Filme. Venceu
nas categorias de Melhor Argumento Original e Melhor Roteiro Adaptado.
Joe Pendleton (Robert Montgomery) e Julia Farnsworth (Rita Johnson) |
Que espere o céu costumava ser
reprisado, até há pouco tempo, pela televisão, nas últimas sessões da
madrugada, com título ligeiramente invertido: Que o céu espere. Resiste
bravamente à passagem do tempo. É sempre um prazer rever sua história ingênua, simples e dinâmica, ainda
mais nestes tempos bicudos dominados pela razão instrumental — quando a
implacável secularização desencantou todas as nossas mais caras fantasias e
ilusões a respeito do “outro mundo”.
Messenger 7013 (Edward Everett Horton) e Joe Pendleton (Robert Montgomery) |
Joe Pendleton
(Montgomery) — apelidado de Soco Voador — é o protagonista. É moço boa praça,
saxofonista amador e boxeador em ascensão — candidato certo a campeão na
categoria de “pesos pesados”. Acidenta-se quando pilotava o próprio avião. Escaparia
com vida, mas... Falece devido à intervenção desastrada do Messenger 7013
(Everett Horton), anjo por demais benevolente. A entidade celeste acreditava
que assim o pouparia de desnecessárias dores e sofrimentos. Perplexa, a alma de
Joe chega às repartições do Senhor Jordan, pronta a embarcar para a definitiva
morada. Entretanto, o desencarnado não aceita a situação. De tanto esbravejar ganha
direito a uma conferência. Descobre-se o engano. Pendleton ainda viveria saudáveis
50 anos. Deve ter a alma devolvida ao corpo, imediatamente. É quando começam os
problemas.
Messenger 7013 (Edward Everett Horton), Joe Pendleton (Robert Montgomery), Mr. Jordan (Claude Rains) e um figurante |
Os restos mortais
não são encontrados nos destroços do avião. Acompanhado do mensageiro trapalhão,
procura o treinador Max (Gleason). As notícias são as piores: o corpo foi
cremado. E agora? A grave situação obriga a pronta intervenção pessoal do
Senhor Jordan.
Mr. Jordan (Claude Rains) e Joe Pendleton (Robert Montgomery) |
Como milagres são
relativos, mesmo para os poderes celestiais, a solução é encontrar novo corpo
para Joe, um recém-desencarnado de físico perfeito — conforme as exigências do aturdido
boxeador. Começam as buscas. Surge o corpo de Bruce Fransworth — milionário assassinado
pela esposa (Johnson) em conluio com o secretário particular Tony Abbott (Emery).
Porém, Joe não chega a esquentar lugar na nova condição. Também será
assassinado. Reviverá em Ralph Murdock — boxeador baleado enquanto lutava. Com
isso a procura chega ao fim. Porém, enquanto a busca durou Pendleton descobriu
o amor de Bette Logan (Keyes), reembolsou investidores enganados nas negociatas
cometidas pelas empresas Fransworth, contribuiu com a polícia para esclarecer o
assassinato do milionário — sua segunda morte, diga-se — e refez a parceria com
o aturdido Max. Este por pouco não foi à loucura ao ouvir o pupilo (como Bruce)
falar do Senhor Jordan (invisível aos vivos), recuperar lembranças (que somente
ele e Joe conheciam) e com a fantástica história de morrer para reviver na pele
de outro.
O aparvalhado Max (James Gleason) diante do pupilo Joe Pendleton (Robert Montgomery) |
Que espere o céu é comédia cheia
de imprevistos inusitados, resolvidos em diálogos e observações precisos. Os
atores se saem muito bem, principalmente o aparvalhado personagem de James
Gleason — tantas vezes visto em comédias do período, inclusive nas de Frank
Capra. Com seu semblante impassível — mas não assustador, ao contrário de
comentários críticos à época do lançamento —, Claude Rains confere ao Senhor
Jordan todo um ar de onipotência divina — a expressão é modificada por alguns discretos
sorrisos, típicos de alguém imune a qualquer surpresa, como seria conveniente a
um autossuficiente ser do outro mundo.
Max (James Gleason), Joe Pendleton (Robert Montgomery) e Mr. Jordan (Claude Rains) |
Na refilmagem de
1978 o boxeador foi substituído por um jogador de rugby.
Roteiro: Sidney Buchman,
Seton I. Miller, com base na peça Halfway to heaven, de Harry Segall. Direção
de fotografia (preto-e-branco):
Joseph Walker. Montagem: Viola
Lawrence. Direção de arte: Lionel
Banks. Assistente de direção:
William Mull. Costumes: Edith Head. Música: Friedrich "Frederick Hollander"
Hollaender, Sidney Cutner (não creditado), Paul Schoop (não creditado). Direção musical: Morris W. Stoloff. Maquiagem: Robert J. Schiffer (não
creditado). Som: George Cooper (não
creditado). Marcação para Robert
Montgomery: Tommy Garland (não creditado). Sistema de mixagem de som: Western Electric Mirrophonic Recording. Tempo de exibição: 94 minutos.
(José Eugenio Guimarães, 1983)
[1] Apesar de coincidentes nos
títulos originais, o filme de Lubistch é totalmente diferente da refilmagem de
Warren Beatty e Buck Henry e, logicamente, da peça homônima de Harry Segall que
serviu de base ao roteiro que Sidney Buchman e Seton I. Miller escreveram para
o original de Alexander Hall.
Como sempre, um excelente texto...
ResponderExcluirGrande filme e grande interpretação do velhinho James Gleason, que rouba o filme.
Abraços, Eddie Lancaster.
É certo, Edivaldo. James Gleason é um ladrão de cenas.
ExcluirAbraços.
Eugenio,
ResponderExcluirNão conheço a pelicula mas, pelo lido me parece ser dona de muitos bons ingredientes para se reger uma comédia agradável.
Não cheguei a ver qualquer trabalho do Montgomery ou do diretor Hall. Porém, constam de meus alfarrábios muitas fitas onde o Rains atuou e sempre com sua mesma e inalterada classe.
Por acaso a fita do Kapra, A Felicidade Não Se Compra, que podemos intercalar neste rol de fitas imortais e dentro também do tema (vida/morte)e que, embora a fita tenha uma abordagem diferente, trata-se de uma jóia que todo cinéfilo deve ter em sua cinemateca.
De todas as versões do filme em pauta eu vi o do Warren que, pelo que termino de ler, não alcança qualquer comparação com Que o Céu Espere.
Sinceramente não compreendo o que a Globo faz com tantas joias que possui e que nos eram apresentadas vez em quando nas madrugadas.
O próprio canal Viva/ 35, da SKY, que nasceu para este fim, limita-se a reprisar com insistencia minisséries e novelas mais lá de tras, enquanto grandes obras primas do cinema mofam em suas prateleiras.
Será que não são capazes de assimilar ou saber que ainda existe muito público para seu magnifico acervo?
jurandir_lima@bol.com.br
O filme de Buck Henry e Warren Beatty possui muitas qualidades,Jurandir. Quanto ao mais, a TV encontrou o seu caminho que é o da mediocrização em regra. Se as TVs por assinatura não guardam mais compromisso algum com a qualidade, por quais razões as mais comerciais TVs abertas as teriam? Está tudo nivelado por baixo. Pior dos mundos.
ExcluirAbraços.