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John Ford |
A direção de
fotografia aos cuidados de Winton C. Hoch é um dos trunfos de O céu
mandou alguém. A respeito, tento relembrar as exatas palavras utilizadas
por Sérgio Augusto em matéria dedicada ao título, publicada em alguma edição da
revista Isto É do começo dos anos 80. Sempre atento ao significado a extrair
do visual de seus filmes, Ford pedia a Hoch: "Faça como Remington"
— Frederick Sackrider Remington, pintor, ilustrador e escritor especializado na
descrição de temas relacionados ao Oeste dos Estados Unidos no terço final do
século 19. "E Remington fazia". Além de O céu mandou alguém, Hoch
é responsável pelas imagens de outras três obras da fordiana, os também
coloridos Legião invencível (She wore a yellow ribbon, 1949), Depois
do vendaval (The quiet man, 1952) e Rastros
de ódio (The searchers, 1956). Pelo sabido, também manteve fidelidade à
ótica remingtoniana nas realização de
1949 e 1956.
O céu mandou
alguém é refilmagem do igualmente fordiano Homens marcados (Marked
men, 1919), um dos muitos trabalhos perdidos da fase inicial da
carreira do diretor. Protagonizam-no Harry Carey, Joe Harris e Ted Brooks. Com
algumas modificações, Ford retomou a história em 1921, em outra obra desaparecida:
Ação
enérgica (Action). São realizações extraídas da novela de sucesso The three
godfathers, de Peter B. Kyne, publicada em 1913. Foi levada às telas
por Edward J. Le Saint — The three godfathers (1916) —,
Wylliam Wyler — Os três padrinhos (Hell's heroes, 1929) —, Richard
Boleslawski — Três padrinhos (Three godfathers, 1936) — e John Badhan
— O
afilhado (The godchild, 1974), realizado para a TV. O mais recente Tokyo
godfathers (2003), animação japonesa a cargo de Satoshi Kon e Shôgo
Furuya, é livremente inspirado no texto de Peter B. Kyne.
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Cartaz do desaparecido Homens marcados (Marked men), dirigido por Ford em 1919 |
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Publicidade para Ação enérgica (Action, 1921), outro filme perdido de John Ford |
Além da redenção
e do autossacrifício, O céu mandou alguém exalta a
camaradagem e, complementarmente, a amizade — temas caríssimos ao cinema de
Ford. A história é desenvolvida como um conto moral desenrolado sobre o pano de
fundo da adversidade. Diante de momento extremo, a exigir rápida tomada de decisão,
os personagens são postos à prova. No limite, revelam-se maiores e melhores do
que aparentam ser.
Nas vésperas de
Natal os fora da lei Robert Marmaduke Sangster Hightower (John Wayne), Pedro
Roca Fuerte (Pedro Armendáriz) e William "The Abilene Kid" Kearney
(Harry Carey Jr.) escapam após assalto a banco. Não enfrentam boas condições.
Kearney está ferido, o estoque de água se perdeu e são perseguidos pela patrulha
liderada pelo xerife Perley "Buck" Sweet (Ward Bond). As vias à fuga foram
bloqueadas e o trio não tem como se abastecer. Resta a opção de enfrentar a
aridez do deserto. O ferimento de Kearney infecciona; os cavalos são
extraviados durante tempestade de areia. Quando tudo parecia perdido, as
trampas do destino acodem os fugitivos, transformando-os em peregrinos ou
improváveis alegorias dos Reis Magos. Encontram um carroção coberto abandonado.
Em seu interior, bastante exaurida, uma grávida (Mildred Natwick) solitária está
para dar à luz. O marido inexperiente pereceu no deserto, tentando encontrar
água. O que fazer?
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Harry Carey Jr., John Wayne e Pedro Armendáriz nos respectivos papéis de William Kearney, Robert Marmaduke Sangster Hightower e Pedro Roca Fuerte |
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A mãe moribunda (Mildred Natwick) e o assustado Robert Hightower (John Wayne) |
Ora, é Natal e três
homens desesperados estão diante da maior e inesperada provação de suas vidas.
Graças a eles nasce a criança. A mãe, aliviada, falece após batizá-la com
partes dos nomes dos três parteiros elevados à condição de padrinhos: Robert
William Pedro. Agora, devem salvá-la, conforme juraram à moribunda. Há leite em
pó entre os provimentos. Com lentidão e dificuldade extraem água dos cactos em
volta. Nova Jerusalém, cidade mais próxima, é a meta a atingir. Será alcançada ao
custo de penosa caminhada, com o xerife no encalço. Porém, a luz da redenção, emitida
por estrela como a de Belém, foi anunciada desde o início do filme. Guiará e
acolherá os novos peregrinos como representação que rende homenagem ao
protagonista de Homens marcados, a quem Ford, generoso, dedica O céu
mandou alguém: "À memória de Harry Carey, estrela brilhante no jovem
céu do Oeste".
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O tom de elegia de um momento tipicamente fordiano: os três padrinhos na sepultura da mãe |
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Os três padrinhos a caminho de Nova Jerusalém |
Rodado em 32
dias, O céu mandou alguém tem exteriores obtidos em locações californianas:
Parque Nacional do Vale da Morte, Deserto de Mojave, Estrada de Ferro
Carson-Colorado em Owens Valley, Alabama Hills, Lone Pine, e RKO Encino Ranch. As
armadilhas sentimentais que sempre cercam histórias semelhantes, às vezes
arrastando-as à pieguice, foram sabiamente evitadas por Ford, graças ao seu
habitual senso de humor — fundamental para temperar momentos dramaticamente
mais carregados e humanizar os personagens. É impagável a cena na qual untam o
recém-nascido com graxa de roda de carroça, diante da falta de creme protetor
para a pele. Também é cômico ver Robert Hightower embalar a criança, sentado em
uma cadeirinha. John Wayne, com expressão tão desolada e desconfortável, passa
a impressão de ser motivo de troça para o mundo inteiro.
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John Wayne como o desconfortável padrinho Robert Hightower ladeado pelos companheiros Pedro Roca Fuerte (Pedro Armendáriz) e William Kearney (Harry Carey Jr.) |
(José Eugenio Guimarães, 1982)
Eugenio,
ResponderExcluirPor uma coincidência, fiz pouco tempo atrás uma critica em um outro blog exatamente sobre esta fita.
O Ford tem uma extensa corrente de criações e da qual o filme em tópico não é uma das melhores coisas que fez.
Tenho quase convicção de que ele, o diretor, depois de ver seu filme pronto andou se contestando por ali faltar algo.
O que poderia ter dado errado? Tenho também convicção que ele desconfiava o que ocorrera pois, tinha uma boa historia nas mãos, escavacara cenários perfeitos para a realização de sua nova produção e era assessorado por uma boa equipe técnica.
Então o que derrapou por ali? Claro que ele sabia.
Sabia mas não podia fazer nada ou expor sua sabedoria, afinal o Duke, que é um interprete fraco por demais, e ele sabia disso, arrebentou seu filme exatamente no ápice da mesma quando cambaleava naquele espaço árido, com o Robert William Pedro nos braços, despejando terriveis caretas e caminhando trôpega e grosseiramente em busca de salvação para o pequeno.
Jamais vi cena tão deselegante, mal feita, má interpretada em todos os filmes do Duke que, diga-se de passagem, não deveria tentar fazer o que não sabe, além de não ser esta sua primeira vez em derrapagem semelhante.
Esteve bem em O Ultimo Pistoleiro, mas tinha muito pouco a fazer quanto a interpretar. Balançou muito em Rastros de Ódio/56, (podem atinar para isto). Caminhou sob a sombra do magnifico Holden no formidável Marcha de Herois/58, um dos melhores feitos do mestre Ford.
E esteve muito pior em maõs de A.V. McLaglen em Jamais Foram Vencidos e Quando Um Homem é Homem. Ali, bem...nem vou por comentários.
Talvez o Ford o deixasse muito à vontade, porque o Mark Rydell soube tirar dele o que não tinha em Os Cawboys, assim como o Hawks em Rio Vermelho naquele mesmo ano.
O Ridell criou uma fita de alta qualidade em todos os aspectos, embora ela tenha muita correlação com Rio Vermelho/48, do formidável Hawks.
Marcha de Herois, fita que considero uma das obras primas de Ford, é uma fita de qualidade alta demais, com uma densidade extraordinária, um espetáculo de realização do bom artesão. Mas com o Holden segurando o desequilibrio interpretativo do Duke e, enfim, proporcionando ao diretor criar um filme muito bom e que amaria ver numa postagem.
Lamento expor de forma tão explicita para os leitores deste blog a minha percepção sobre a qualidade interpretativa de um Heroi do Cinema, um nome amado por tantos e onde aí estou incluso.
jurandir_lima@bol.com.br
Jurandir,
ExcluirVou discordar de você, inclusive em relação do Duke. Desde sempre apreciei a simplicidade desta fita e a sinceridade com que Ford a ela se entregou. Leia as biografias e entrevistas muitas que ele concedeu ao longo da vida. Ademais, como ele mesmo confessou diversas vezes, é um dos trabalhos que sempre preferiu a muitas outros consideradas melhor realizadas. John Wayne pode ser até fraco, mas há dois ou três momentos em que ele se supera exatamente neste filme. Quando está com o bebê no colo, sentado numa cadeirinha diante do carroção - dando a impressão muito engraçada de que o mundo todo olha para ele -, no interior da carroção, com a mãe moribunda e nos momentos em que o personagem de Harry Carey Jr. falece. Sempre prestei atenção nos momentos em que Wayne se supera, pois ele os tinha e não eram poucos. Ademais, sempre gostei dele - só discordava de seus posicionamentos políticos de extrema direita que sempre me enojaram e nos punham em campos diametralmente opostos no espectro ideológico. Duke é grande, em toda a sua simplicidade e naturalidade. Ofereceu um dos melhores desempenhos de toda a tela como Ethan Edwards em RASTROS DE ÓDIO, o que unanimemente reconhecido; como Thomas Dunson em RIO VERMELHO e como o capitão Nathan em LEGIÃO INVENCÍVEL. Ainda há RIO BRAVO, de Hawks e, deste mesmo diretor, ELDORADO nos quais está muito bem. Ainda há o seu papel de sargento durão em IWO JIMA, O PORTAL DA GLÓRIA. O ÚLTIMO PISTOLEIRO, lembrado por você, tem um Duke muito comovente, praticamente escrevendo a própria biografia nas telas. É um ator emocionalmente frágil, por que teve a autoconfiança abalada devido ao promissor começo de carreira, com o filme THE BIG TRAIL, de Walsh, que infelizmente fracassou nas bilheterias e, por isso, ele foi condenado ao pior dos mundos num monte de filmes classe Z ao longo de 9 anos até ser resgatado por Ford em STAGECOACH, em 1939. Tenho olhos mais generosos para o Duke pois estou sempre atento aos momentos em que ele nos surpreende. E uma das coisas que mais se lamenta, atualmente, foi a falta de indicação dele ao Oscar por seu melhor e mais absoluto desempenho em RASTROS DE ÓDIO. Nesse filme ele compreendeu exatamente o que Ford queria e nos ofereceu um desempenho cheio de sombras e nuanças do complexo personagem. Foi sem tirar nem por o seu melhor papel.
Tenho reservas, estratégicas, para ficar apontando defeitos de forma muito radical em atores para não ficar cego e perder de vista os momentos em que podem nos surpreender. E John Wayne nos surpreendeu muitas vezes. Precisamos ter a generosidade e a nobreza de reconhecer isto.
Estou em dividas com o blog do Paulo Telles como com vários outros. Mas ainda irei lá para ver o que ele escreveu, um pouco depois de mim, sobre este O CÉU MANDOU ALGUÉM do qual tanto gosto, inclusive do Duke. Aqui, neste texto, sequer me dei ao trabalho de escrever um comentário crítico. Apenas enderecei, conforme o título, algumas palavras sobre o filme que sempre me foi muito comovente. Como ainda é.
Abraços.
Eugenio,
ResponderExcluirConforme disseste em outra resposta a um comentário meu, talvez não nas palavras que citarei, mas citaste que são as divergencias que nos move a falar de cinema como falamos.
Super natural e acima de saudável este bem estar de divergencias de opiniões.
Abração
jurandir_lima@bol.com.br
Abraços, Jurandir! Ainda conto com você dando uma segunda chance a '3 GODFATHERS'.
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