domingo, 23 de outubro de 2016

CRIANÇAS, TRABALHO, PROFESSORES E FUTURO NA TERRA DE "GERMINAL"

Um dos filmes mais impactantes e despojados dos últimos anos é o francês Quando tudo começa (Ça commence aujourd'hui, 1999), de Bertrand Tavernier. Estruturado como diário de jornada, acompanha a lida e os desafios de Daniel Lefebvre (Philippe Torreton), professor e diretor de jardim de infância em Hernaing, norte da França. O lugar, histórico e pujante centro minerador, palco de decisivas campanhas em prol do reconhecimento da dignidade do proletariado, serviu de cenário e inspiração para Émile Zola escrever um dos mais importantes romances do realismo: Germinal. Porém, o tempo passou. Atualmente, a região vive a decadência da mineração. Cerca de 34% da mão de obra ativa está desempregada. Os que mais sofrem com a situação são as crianças, principalmente os alunos entre dois a seis anos matriculados na escola administrada por Daniel. Além disso, seguidos cortes no orçamento, em virtude da contemporânea fragilização das políticas de bem estar, atingem duramente as famílias pobres. As consequências são dramáticas. Diante do panorama de ameaça ao futuro, Daniel Lefebvre vai além do esperado às suas funções. Recusa a postura da indiferença. Move mundos e fundos para garantir alguma margem de dignidade e esperança às crianças. Desafia autoridades, famílias e a tendência à conformação social. Quando tudo começa é uma das realizações fílmicas que melhor dignificam o trabalho dos professores. Além do mais, ganha visível atualidade no Brasil de agora, diante das ameaças excludentes que pairam sobre a educação básica e o mundo do trabalho. A apreciação a seguir foi escrita em 2012.


Dedico a publicação especialmente à professora Olímpia de Oliveira, colaboradora e incentivadora deste blog, professora do ensino fundamental em Vassouras/RJ/Brasil. É profissional que faz a diferença, apesar de remar contra a corrente. Também presto reverências às também professoras Maria Del Socorro Duarte, de Mexicali/Baixa Califórnia/México, e Carmen Cardeñosa Moreno, de Pozuelo de Alarcon/Madri/Espanha. Ambas são mestras em educação infantil e escritoras. 






Quando tudo começa
Ça commence aujourd'hui

Direção:
Bertrand Tavernier
Produção:
Alain Sarde, Frédéric Bourboulon
Canal+, Les Films Alain Sarde, Little Bear, TF1 Films Production
França — 1999
Elenco:
Philippe Torreton, Maria Pitarresi, Nadia Kaci, Véronique Ataly, Nathalie Bécue, Emmanuelle Bercot, Françoise Bette, Christine Citti, Christina Crevillén, Sylviane Goudal, Didier Bezace, Betty Teboulle, Gérard Giroudon, Marief Guittier, Daniel Delabesse, Jean-Claude Frissung, Thierry Gibault, Philippe Meyer, Gerald Cesbron, Michelle Goddet, Stefan Elbaum, Nathalie Desprez, Françoise Miquelis, Frédéric Richard, Johanne Cornil-Leconte, Sylvie Delbauffe, Lambert Marchal, Kelly Mercier, Mathieu Lenne, Rémi Henneuse, Corinne Aghte, Dominique Bouchard, Benoît Constant, Patrick Courteix, Véronique Dargent, Valérie Dermagne, Lilyane Discret, Leila Duhem, Yamina Duvivier, Séverine Fernand, Catherine Gorosz, Christophe Guichet, Nadia Ikisse, Marie-Madeleine Langlois, Nelly Larachiche, France Leroy, Claude Liénard, Marcelle Loutre, Jacky Meunier, Cécile Montagnon, Michèle Niewrzeda, Vincenza Orologio, Marie-Françoise Prette, Linda Prudhomme, Monique Quivy, Claude Ronnaux, Françoise Sage, Pascale Verdière.



O diretor Bertrand Tavernier, à esquerda, com os atores Maria Pitarresi e Philippe Torreton


Quando tudo começa é despojado, forte e simples. Mira a dignidade do homem. Valoriza um aspecto fundamental: as crianças em formação. Destaca a importância da educação escolar em seu papel de alçá-las à condição de seres sociais autônomos, moralmente responsáveis. Não é filme desprovido de contexto, como se emitisse discurso de ordem geral, válido a qualquer tempo e espaço. Apesar disso, nos dias que correm, os problemas e conclusões que levanta podem ser universalizados sem maiores riscos. Não narra uma história em sentido clássico, feita de início, meio e fim. Os motivos deflagradores da encenação estão previamente dados e anunciados por um particular cenário político e econômico forjado pela globalização e legitimado pelas instâncias de arbitragem social fincadas no livre movimento dos mercados. Estes, na contemporaneidade mais presente, emanciparam-se dos freios estatais e os esmagaram. Assiste-se, em decorrência, a uma franca e sentida desvalorização dos princípios gerados pela modernidade, que forneciam significado e horizonte à ação de atores políticos apoiados em suas premissas na afirmação dos direitos individuais tidos como indispensáveis à cidadania e ao reforço dos laços comunitários. Uns e outros estavam amparados pela centralidade do Estado nacional. Este, com suas instituições, bancava ações essenciais para assegurar, ao menos minimamente, as prerrogativas que conferiam legitimidade aos cidadãos. Nesse quadro ganhavam prevalência a educação básica, a proteção ao trabalho e a rede de seguridade social.



Acima e abaixo: as crianças ocupam o centro das atenções de Quando tudo começa


Quando tudo começa se empenha em apresentar a vida como ela é ou parece ser. Seja como for, é inegável a força do seu realismo. O cenário é a cidade de Hernaing, norte da França, antigo centro de mineração, berço de lutas operárias e sindicais em prol do reconhecimento da dignidade do proletariado e redução da jornada de trabalho. Serviu de palco para Émile Zola escrever um de seus mais fortes romances de inspiração realista: Germinal. Inclusive, segundo consta, o autor absorveu o contexto e levantou dados sobre a verdade local valendo-se da metodologia da pesquisa participante: empregou-se, durante dois meses, como operário na extração do carvão. Nesse tempo, conviveu com mineiros e seus familiares. A obra, forte, é um dos testemunhos-chave do surgimento da moderna classe operária e das lutas sociais que a destacaram no afã de civilizar o capitalismo.


No final do século XX a cidade e toda a região circundante amargam a decadência da mineração. O desemprego atinge 34% da população ativa. Pais não têm como prover o sustento das famílias. Desesperados e envergonhados, sem possibilidades de inserção em postos de trabalho cada vez mais raros, entram em crise de autoestima. Abandonam as famílias ou se entregam ao álcool e à violência contra esposas e filhos. As crianças chegam a ser sexualmente abusadas. O prefeito (Giroudon) é do Partido Comunista. Porém, nada pode fazer de objetivo. Não dispõe de forças para se defrontar com a nova realidade política e econômica. Ajustou-se à conjuntura e simplesmente a administra, como pode. Tem o apoio de assistentes sociais que, via de regra, consideram o cenário pelas lentes da abstração, como se fosse algo plenamente ajustável aos imperativos de normas e princípios tornados insustentáveis. O lema da gestão municipal se resume, inclusive, à negação do passado: "Esqueça Germinal!". Mas contra tudo e todos se eleva o consciente e preocupado Daniel Lefebvre (Torreton), diretor e professor de um jardim de infância. Tem plena ciência de como as crianças chegam às aulas dia após dia: sujas, abusadas, famintas, doentes, conduzidas por mães no limite do desespero, impossibilitadas de fazer frente às despesas alimentares, de aluguel e energia, incluídos aí os custos com a calefação doméstica, tão essencial ao inverno europeu.



Acima e abaixo: o professor Daniel Lefebvre (Philippe Torreton) em atividade com as crianças


Incapaz de fazer vista grossa ao estado dos petizes, ao desespero dos pais e à inoperância do poder público, Daniel Lefebvre ultrapassa os limites que lhe cabem como diretor e professor. Indispõe-se com autoridades e famílias pouco compreensivas. O sistema escolar passa a vê-lo com desconfiança: um provocador e criador de casos. Tem a posição e competência profissional postas em risco pelos avaliadores de desempenho. Mesmo assim, não se abate, ainda mais quando a conjuntura joga com a sorte dos pequenos. Autor de textos militantes, em prosa e verso, chama a atenção para a história local e as lutas dos antepassados que puseram a região no mapa. Seu próprio pai (Constant) — mineiro aposentado e enfermo devido à toxidade aspirada no interior das minas —, homem marcado pela dureza no tratamento da família, principalmente do filho, é, apesar de tudo, lembrado e reverenciado em escritos que comunicam as campanhas pretéritas com o presente estagnado ao qual se busca saída. Por isso, a importância das crianças: são o começo de tudo, principalmente dos esforços focados na construção do futuro.


Assim se expressa Daniel, ao unir com sua prosa enxuta, contextualizada e poética, o ontem e o agora: "Há coisas que não se arrancam. Estão na carne. Estão na terra. Montes de pedrinhas dispostas uma a uma. São as mãos de nossos pais e avós. Toda a paciência acumulada resistindo à chuva no horizonte, juntando pequenas poças para guardar a luz da lua, para ficar de pé, inventar montanhas e escorregar de trenó. Acreditar que tocou as estrelas. Vamos contar aos nossos filhos, dizer que não foi fácil. Vamos contar quem eram os senhores, nossos pais. E que deles herdamos montes de pedrinhas. E, juntos, a coragem de carregá-las".


A pré-produção de Quando tudo começa se iniciou em âmbito doméstico. Bertrand Tavernier ouviu do genro, Dominique Sampiero — casado com Tiffany Tavernier e professor primário com muita experiência em localidades pobres do norte da França —, relatos acerca do cotidiano em sala de aula. O trio se uniu para escrever o roteiro. O suporte dramático e o realismo estavam garantidos pelas experiências de Sampiero. Faltavam os personagens. Também deveriam ser verdadeiros. Esculpi-los não foi difícil. Os testemunhos do professor forneceram linha e compasso. O resultado é uma peça que rompe maravilhosamente com as armadilhas do panfletarismo fácil e redutor. Daí nasceu um filme político na justa medida, não no sentido de ser partidário ou defender este ou aquele ponto de vista, mas pela clareza e seriedade da mensagem veiculada; por se posicionar vigorosamente contra as políticas sociais adotadas na França, que afetam sobremaneira o mundo do trabalho e o futuro das crianças mais pobres diante da atual desvalorização do sistema de ensino.


Daniel Lefebvre (Philippe Torreton) é uma construção do professor primário Dominique Sampiero, roteirista de Quando tudo começa e genro do diretor Bertrand Tavernier


Quando tudo começa fez jus, merecidamente, a uma bateria de láureas. Ganhou o Prêmio do Público no Festival de San Sebastian, 1999. Em 2000, júri e público o elegeram Melhor Produção Estrangeira pelo Turia Awards. Conseguiu idênticas honrarias por Fotogramas de Plata e Sant Jordi Awards. Bertrand Tavernier recebeu premiações da Federação Internacional dos Críticos de Cinema (FIPRESCI), do Júri Ecumênico e a Menção Honrosa no Festival de Berlin, 1999. Nesse ano também levou o prêmio do Júri Ecumênico no Festival Internacional do Filme da Noruega. Philippe Torreton, por Melhor Atuação, foi agraciado em 2000 com os prêmios Saint Jordi (para ator estrangeiro) e Lumiére. A realização logrou, nesse ano, indicações a Melhor Filme Estrangeiro do Círculo de Escritores de Cinema da Espanha e concorreu ao Goya na categoria de Melhor Película Europeia. Também foi indicada aos prêmios da Sociedade do Cinema Político dos Estados Unidos em 2001. Em 1999, Bertrand Tavernier teve nominação ao Urso de Ouro como Melhor Diretor no Festival de Berlin e Philippe Torreton concorreu ao European Film Award como Melhor Ator Europeu.


Quando tudo começa acompanha a batalha de Daniel ao longo de um ano. É estruturado como diário de jornada, sem espaços para idealizações e pontos de vista românticos sobre a atividade professoral e o cotidiano de uma escola que recebe crianças na faixa dos dois aos seis anos. Importam as condições do desenvolvimento da atividade docente, em particular os desafios lançados aos professores; as dificuldades enfrentadas pelos pequenos — nem sempre aptos a verbalizá-las —, via de regra nos lares e que os afetam na socialização e no aprendizado; e os entraves econômicos que sobrecarregam os pais. Portanto, não são problemas especificamente relacionados ao ensino ou à pedagogia. Mesmo assim, não deixam de afetá-los sobremaneira. Neste particular, Quando tudo começa rende homenagens à coragem e ao compromisso de mestres excepcionais, bem representados por Daniel e colegas. Recusam-se a cruzar os braços ou a fazer o jogo da indiferença, mesmo no enfrentamento de dificuldades alheias aos seus campos de atuação. Inclusive porque, para a maioria dos petizes, o lado lúdico da vida é fornecido unicamente pela escola, enquanto o convívio familiar é quase sempre um pesadelo diante da situação de pais açoitados pelo desemprego e impossibilitados de garantir alimentação, vestuário, medicamentos, atenção afetiva e aquecimento.


Como um Don Quixote travando o bom combate, Daniel se levanta contra cortes seguidos no orçamento e a imposição de regulamentações governamentais que fecham os olhos aos mais pobres. Enfrenta pais e assistentes sociais. As famílias estão impossibilitadas de contribuir minimamente com os fundos ordinários de manutenção da escola. A luta diária do protagonista, mais que um embate político, é uma clara e incondicional declaração de decência moral — é impossível fechar os olhos à situação — e de amor às crianças. Fora da escola os problemas do protagonista se desdobram na atenção devotada aos próprios pais, já idosos, e no difícil relacionamento com Rémy (Marchal), filho adolescente do primeiro casamento da companheira, a artista plástica Valeria (Pitarresi). As frentes de combate são tantas a ponto de Daniel se julgar negligente nas questões amorosas e domésticas. Porém, tudo seria pior se não fossem os apoios prestados por Valeria e Samia (Nadia Kaci), uma assistente social de temperamento forte, praticamente a versão feminina do professor, capaz de enfrentar a burocracia e conseguir algo de concreto, nem que seja um auxílio apenas pontual.


Daniel Lefebvre (Philippe Torreton) é "enquadrado" pelo avaliador de desempenho (Didier Bezace)


Daniel é educador criativo, ativo, lúcido e lúdico, capaz de sentir profundamente a dor do outro e de se indignar diante da impassibilidade. Empatia e disposição não lhe faltam. Avança além das próprias limitações profissionais e pessoais. É o indivíduo de qualidades, inserido politicamente no meio social que o acolhe. Por isso, faz a diferença ao recusar a postura do egoísmo individualista, tão nefasta ao universo público no ocidente contemporâneo. Não fechou os olhos ao passado e tem nítida percepção das lutas sociais como decorrências de um processo de matriz histórica. Outros, diversamente, vivem de naturalizar os traços do presente, como as autoridades administrativas simplesmente conformadas. O protagonista conta com a boa vontade e disposição do time que coordena. Mesmo assim, qual avis rara, é o único sindicalizado de toda a congregação.


Daniel Lefebvre (Philippe Torreton) e a companheira Valeria (Maria Pitarresi)


Apesar de incansável, é um personagem paradoxal, como todo ser humano. A disposição e a fortaleza que o enformam terão também um instante de abatimento com resultados fatais. Jamais se perdoará por isso. Diante da pressão recebida das autoridades, descuidou na atenção ao chamamento da Senhora Henry (Teboulle) — pobre mãe desesperançada, que teve todos os benefícios cortados. Sem ter como se manter e aos filhos, com o marido (Cesbron) distante, tentando o sustento em condições de subemprego, ela se trancará em casa e cometerá suicídio após provocar a morte dos filhos famintos. Para repulsa de Daniel, as autoridades, em gesto marcado pelo oportunismo, acercam-se desse cenário de dor e oferecem às vítimas todas as pompas de um funeral de primeira qualidade, bancado pela municipalidade, evento do qual se recusa a comparecer.


Após a tragédia com os Henry, começam os preparativos ao encerramento do ano letivo. Um festival é organizado na escola. Crianças e professores se reúnem para colorir o ambiente. É preciso dar vida ao ambiente, acentuar as diferenças sociais e, ao mesmo tempo, irmaná-las em torno de um objetivo comum: revigorar o convívio após as mortes tão sentidas de membros da comunidade. Será um gesto inútil que se esgotará em apenas mais uma celebração? Não se sabe! Disso, como Daniel tem ciência, se encarregará o processo social alimentado de lutas e decisões cotidianas. Não se pode é ficar parado. É preciso garantir o futuro a cada dia que começa. Não para menos o final aberto é exemplar, com a câmera se aproximando do rosto sorridente, ao mesmo tempo questionador, de uma criança.


A construção de Quando tudo começa obedece a um plano simples, fincado no realismo. Nada há de muito chamativo em termos formais ao longo de toda a narrativa. Se algo merece destaque especial é o trabalho de câmera por conta do diretor de fotografia Alain Choquart. É digno do artesão, principalmente com respeito ao enquadramento das crianças. Tavernier não tentou transformá-las em atores mirins. Melhor que isso, aproveitou-as no que são, em seus momentos de espontaneidade, estimuladas pela equipe e atores adultos, ou quando se ofereciam desatentas, em risos, fazendo prospecções e brincando. Junto a elas, sempre presente e apoiado por uma steadicam, Choquart esperava pelo melhor momento, como o mais paciente documentarista dos fenômenos da natureza. É cinema não ensaiado. A fotografia é impessoal, às vezes áspera. A ausência de cores berrantes realça o cotidiano, sempre cercado de apreensão.


Daniel Lefebvre (Philippe Torreton) em interação com as crianças


Poucas obras com a pretensão de recriar a realidade são tão envolventes e cheias de alma como Quanto tudo começa. É um comovente tributo aos professores que se recusam a entregar os pontos, apesar de toda a atmosfera contrária da contemporaneidade — a cercear o caráter libertário da educação, ainda mais quando o pleno emprego e a inserção social digna deixaram de figurar no horizonte. As esperanças estão em professores como Daniel Lefebvre, como a todo momento Bertrand Tavernier faz questão de ressaltar. Também não deixa de ser um filme devastador, ainda mais para aqueles que amam o ensino nestes tempos de utopias mortas ou interrompidas. Porém, não importando se é esperançoso ou avassalador, é uma realização que se põe contra a perda de sensibilidade e propõe uma resposta à banalização e à reificação. É um chamamento à ação com argumentação forte, firme e apaixonada, como o cinema poucas vezes viu.


Algumas das principais qualidades do filme, em sua proposta de revitalizar as relações sociais, são a generosidade que irradia e o espelho voltado para o outro, às suas angústias e sofrimentos. Como a dizer que as alternativas que se esgotam nas saídas individualistas nada resolverão. Tavernier, por meio de Daniel, advoga que as tribulações e sofrimentos de um dizem respeito a todos. Os pais desempregados não devem penar sozinhos por faltas que não decorrem exclusivamente deles, mas de um sistema desumanizador que transforma problemas reais, concretos, em meras estatísticas ou em dados abstratos. Apesar de ser um drama localmente situado, as questões postas por Quando tudo começa são de âmbito global. A depauperada Hernaing, que um dia interessou isoladamente a Émile Zola, é hoje um retrato do mundo cada vez mais controlado pelo sistema de produção de mercadorias, pela despersonalização, indiferença e exclusão dos elos mais frágeis da cadeia social. Compaixão é outro termo bem definidor da realização, qualidade essencial que não falta a Daniel Lefebvre — um desempenho de entrega total, comovente, de Phillipe Torreton. Tanto o personagem como o filme, nestes tempos que conspiram contra os professores e a escola, incentivam as missões às quais se entregam os bons mestres mundo afora. Obrigam a uma justa e urgente revalorização dos papéis atribuídos aos educadores escolares, ainda mais quando se trata não apenas de formar crianças, mas de assisti-las, socializá-las e diferenciá-las. É mais que essencial perseverar, mesmo que se vá contra a corrente. Desistir ou se conformar seria terrível e insuportável. Os primeiros planos dos rostos das crianças, introspectivas ou sorridentes, convocam à união de forças para dar combate a todas as perspectivas e circunstâncias sombrias que ameaçam um futuro mais justo e acolhedor com o fantasma desumanizador da reificação.


A assistente social Samia Damouni (Nadia Kaci) e o professor Daniel Lefebvre (Philippe Torreton)


Roteiro: Dominique Sampiero, Bertrand Tavernier, Tiffany Tavernier. Música: Louis Sclavis. Direção de fotografia (Panavision, cores) e operador de câmera: Alain Choquart. Montagem: Sophie Brunet. Direção de arte: Thierry François. Figurinos: Marpessa Djian. Penteados: Beya Gasmi. Maquiagem: Agnès Tassel. Assistentes de gerente de unidade de produção: Jean-Louis Bergamini, Sébastien Coulet, Olivier Lagny, Henry Le Turc. Gerente de unidade de produção: Benoît Charrie. Gerente de produção: François Hamel. Primeiros assistentes de direção: Pierre Abela, Tiffany Tavernier. Assistentes de direção: Sylvie Confolent, Fanny Etienne. Aquisições para contrarregra: Denis Bourgier. Primeiro assistente de decoração: François Decaux. Contrarregra: Paul Decaux. Chefe de pintura: Sylvie Grand d'Esnon. Gerente de construções: Gabriel Passajou. Assistente de som: Jean-Michel Chauvet. Som: Michel Desrois. Assistente de ruídos de sala: Judith Guittier. Mixagem da regravação de som: Gérard Lamps. Engenheiro de som: Didier Lizé. Ruídos de sala: Laurent Lévy. Edição de som: Elisabeth Paquotte. Assistente da edição de som: Alain Primot. Áudio da pós-produção: Christian Riffard. Mixagem de som: Eric Tisserand. Eletricistas: Éric Alirol, Alain Martigny. Segundo assistente de câmera: Christophe Asselin. Assistentes de câmera: Albert Bonomi, Marc Casi, Arnaud Desbuquois, Xavier Tauveron (segunda unidade). Eletricistas-chefes: Philippe Deneau, Christian Inizan. Primeiro assistente de câmera: Philippe Renaud. Fotografia de cena: Jürgen Vollmer. Confecção de figurinos: Valérie Le Hello. Coordenação da pós-produção: Florence Dard. Uniformização da cor: Olivier Fontenay, Isabelle Julien. Estagiário em assistência de montagem: Guillaume Lebel. Assistente de montagem: Sophie Mandonnet. Músicos: Jean-François Canape (trumpete e corneta), Bruno Chevillon (contrabaixo), Christophe Marguet (tambores), François Raulin (piano), Yves Robert (trombone), Louis Sclavis (clarinete e saxofone). Chefe da orquestra: Jean Pepeck. Administração da produção: Sylvie Chevereau-Marchais. Groupman: Lucilio Da Costa Pais. Publicidade: Phil Hall. Administração geral: Agnès Le Pont. Secretaria da produção: Florence Loubeau. Continuidade: Zoe Zurstrassen. Tempo de exibição: 117 minutos.


(José Eugenio Guimarães, 2012)

10 comentários:

  1. Hola Eugenio.
    Hoy traes a uno de los grandes cineastas europeos que recientemente ha inaugurado la sección Zabaltegui, del Festival de San Sebastián con el documental 'Las películas de mi vida', un evento al que está unido desde que recibió el Premio a esta película que hoy nos analizas con dedicación y esmero.

    Podríamos hablar de un cine social y comprometido con las injusticias sociales especialmente en el terreno educativo, que di bien tienen como referencia en la cinta a Francia podría valer para muchos otros países por el capitalismo salvaje que deja en la cuneta a los más pobres.

    Bonito homenaje a los maestros y feliz recuerdo a Carmen Cardeñosa y a María del Socorro por su dedicación a la tarea de enseñar los mejores valores a los más pequeños.

    Un abrazo Eugenio y felicitaciones por el gran y completo trabajo presentado.

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    1. Gracias, Miguel.

      Bertrand Tavernier, antes de ser um excelente diretor, foi também um dos melhores críticos de cinema da França. Tive a oportunidade de ler muita coisa boa que ele escreveu. Como cineasta, é dos mais sensíveis e antenados aos problemas da contemporaneidade. O filme "QUANDO TUDO COMEÇA" é impecável, um dos melhores que pude ver a respeito das atuais crises da escola e do setor educacional diante das crescentes ameaças de exclusão do capitalismo globalizado. O Brasil está para vivenciar dias muito ruins com esta escalada avassaladora. Quanto a Carmen Cardeñosa e Maria Del Socorro Duarte, são plenas merecedoras de todas as homenagens. Neste blog há uma apreciação a outro filme de Tavernier, o também impactante e atualíssimo "A MORTE AO VIVO" ("La mort en direct'/"Death watch"/"Death watch - Der gekaufte tod', 1980), um dos últimos trabalhos da atriz Romy Schneider.

      Grande abraço.

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  2. O que um toque agradável!. "Obrigado amigo Eugenio!!!
    Graças também ao Miguel Pina pela sua menção.
    Beijos e abraços :)

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    1. Querida Carmen;

      Você é uma grande professora e merece muito mais. Continue inovando e relatando as suas experiências.

      Grande abraço.

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  3. Precisamente esta pelicula es la que más fama le ha dado a este gran director francés, que en el Festival de Berlín de 1999 fue aplaudida y ovacionada más de 30 minutos y obtuvo el Premio de la Fipresci, una Mención de Honor, y el Premio del Jurado Ecuménico.
    Tampoco cae en la tentación del pesimismo fácil y su película anima a mejorar las cosas aunque se den condiciones adversas o muy complejas.

    Como antes ha comentado Miguel Pina, este gran cineasta europeo ha inaugurado este año, a mediados del mes de septiembre, la 64 edición del festival de cine de San Sebastían, con su fantástico documental "Las películas de mi vida", un personal tributo a la humanidad, emoción y exigencia.

    La película usa ciertas técnicas similares al documental para presentarlo como denuncia social. Hace evidente la falta de atención por parte de las autoridades e instituciones públicas con respecto a la educación infantil, es decir, falta de apoyo a las familias más necesitadas, por lo que al final acaban pagando los niños.

    Todo un precioso homenaje a la labor que tantos profesionales de la enseñanza, como también es mi caso y el de otras buenas amigas: Carmen Cardeñosa, Mª del Socorro Duarte, David López Moncada o Ana C.L. por nombrar a los que ahora me vienen a la memoria, todos colegas de educación Primaria, excepto yo que he sido profesora de Instituto.

    Te felicito por tu extraordinario esta completa y amena reseña cinematográfica y permíteme que también te agradezca, amigo Eugenio, tus espontáneos e interesantes comentarios en mi blog.

    Saludos y abrazos.

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    1. Gracias, por la contribución, Estrella Amaranto!

      No sabía que también es profesora. Sabía de David López Moncada, pero acabé por olvidarlo. Está sumido David. Nunca más lo vi en el territorio de la G+. Infelizmente, no conozco a Ana C. L. Siéntase también alcanzada por la dedicatória de esta apreciación, Estrella. Otra buena película del director, conforme informé a Miguel, es la también impactante y atualíssima "A MORTE AO VIVO" ("La mort en direct'/"Death watch"/"Death watch - Der gekaufte tod', 1980), uno de los últimos trabajos de la actriz Romy Schneider.

      Abrazos y saludos.

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  4. Voy a buscar esta película, la narración y los comentarios resultan muy alentadores. Empezar la Vida con Educación o Fornacion es Indispensable, y se ha convertido en un Obstáculo en Todo el mundo!

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    1. Sí, María Magdalena Sánchez Bedolla, está quedando cada vez más complicado. La forma más cruel de eliminar extractos sociales enteros es barrar el acceso al aprendizado, al saber, a la educación. En Brasil, en el actual momento, el futuro de muchos está amenazado.

      Muchas gracias por su aporte. Abrazos y saludos.

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  5. Gracias por la mención querido Eugenio,creo ambos nos identificamos en la preocupación de la educación de nuestro pueblo,tanto en los niños como en los jóvenes,un honor estar en la dedicatoria de esta entrada que ya la agregué para difundirla y compartirla en nuestra colección de Miguel Pina y J.E.Guimaraes,besitos...infinitos...!!!

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    1. Obrigado, Maria Del Socorro.

      Esta apreciação está pronta desde 2012. Ainda nem conhecia você na ocasião. Porém, quando foi sorteada para o blog, pensei de imediado no trabalho desenvolvido por você, Carmen e pela Olímpia, a minha revisora, aqui no Brasil. Daí, preparei uma introdução dedicando-as a vocês três. Olímpia, particularmente, enfrenta condições de trabalho muito adversas na educação básica de crianças do ensino público. Pouca atenção é direcionada pelo Estado a este setor. No Brasil há claramente uma política de exclusão social demandada pelas elites mais estúpidas que já existiram, não importa o lugar.

      Quanto ao "Tinta Indeleble del Séptimo Arte", foi uma das melhores coisas que me aconteceram em redes sociais. Estou em muito boa companhia com você na coordenação e Miguel Pina como companheiro de viagem.

      Beijos, abraços e saludos.

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