Na filmografia do coreógrafo e cineasta Bob Fosse possuem
maior relevância Cabaret (Cabaret, 1972), Lenny (Lenny,
1974) e O show deve continuar (All that jazz, 1979). Pouco se fala
do insosso Star 80 (Star 80, 1980), último dos cinco títulos
que realizou. E quanto ao primeiro, Charity, meu amor (Sweet
Charity, 1968)? Inovador e arrojado, foi concebido em época pouco
favorável aos cinemusicais. Estavam mortos e enterrados segundo avaliação
geral. Assim, a ousada e feérica transposição para Nova York do roteiro escrito
por Federico Fellini, Tullio Pinelli e Ennio Flaiano para o inesquecível As
noites de Cabiria (Le notti di Cabiria, 1956) resultou
em fragoroso fracasso comercial e de crítica. No entanto, Charity, meu amor está
entre os filmes que merecem a generosidade das segundas avaliações. Shriley
MacLaine refaz como Charity "Hope" Valentine a patética e generosa
Cabiria de Giulietta Masina. Bob Fosse voltaria ao universo de Fellini com O
show deve continuar, desta vez tomando por referência os delírios de 8 1/2
(8
1/2, 1963). A apreciação a seguir é de 1994.
Charity, meu amor
Sweet
Charity
Direção:
Bob Fosse
Produção:
Robert Arthur
Universal
EUA — 1968
Elenco:
Shriley
MacLaine, John McMartin, Richardo Montalban, Sammy Davis Jr., Chita Rivera,
Paula Kelly, Stubby Kaye, Barbara Bouchet, Suzanne Charny, Alan Hewitt, Dante DiPaolo,
Bud Vest, Ben Vereen, Lee Roy Reams, Al Lanti, John Wheeler, Leon Bing e os não
creditados Leon Alton, Richard Angarola, Marie Bahruth, Toni Basil, Henry
Beckman, Larry Billman, Carol Birner, Herman Boden, Donald Bradburn, Charles
Brewer, Chelsea Brown, Lonnie Burr, Jeff Burton, Ceil Cabot, Dee Carroll, Ray
Chabeau, Noble 'Kid' Chissell, Cheryl Christiansen, Linda Clifford, Kathleen
Cody, Dick Colacino, Bud Cort, John Craig, Bryan Da Silva, Marguerite DeLain, Alfred
Dennis, George DeNormand, Kathryn Doby, Jimmy Fields, Lynn Fields, John Frayer,
Dave Gold, Ben Gooding, Bick Goss, Ellen Halpin, Bill Harrison, Chuck Harrod, Buddy
Hart, Sharon Harvey, Tom Hatten, Carlton Johnson, Kirk Kirksey, Richard
Korthaze, Jennifer Laws, Nolan Leary, Lance LeGault, Diki Lerner, Buddy Lewis, Judith
Lowry, Trish Mahoney, Jerry Mann, Lynn McMurrey, Joseph Mell, Gloria Mills, Jackie
Mitchell, Ted Monson, April Nevins, Geraldine O'Brien, Maris O'Neill, Walter
Painter, Alma Platt, Maudie Prickett, Louise Quick, Frank Radcliffe, Leoda
Richards, Ed Robinson, Carroll Roebke, Sandy Rovetta, Charlene Ryan, Dom
Salinaro, Juleste Salve, Victoria Scruton, Paul Shipton, Patrick Spohn, Norman
Stevans, Chet Stratton, Walter Stratton, Kristoffer Tabori, Robert Terry, Bob
Thompson Jr., Roger Til, Jerry Trent, Tifni Twitchell, Renata Vaselle, Bonnie
G. West, Lorene Yarnell Jansson, Kay York, Adele Yoshioka.
O diretor e coreógrafo Bob Fosse ensaia com Shirley MacLaine os passos de Charity |
Cabiria dançou, e
muito bem. Mudou o nome para Charity "Hope" Valentine; trocou a paisagem
romana pela desumana, individualista e fria Nova York tomada de arranha-céus.
Conseguiu emprego no mal afamado Pompeii — clube noturno no qual se desdobra
como dançarina e garota de programa. Junto com as companheiras de infortúnio — mais
realistas e pragmáticas —, aguarda, esperançosa, a chegada de dias mais
promissores quando conseguirá trabalho "decente" e — melhor ainda —
se casará com moço bom, compreensivo, apaixonado e rico. Permanece a ingênua
sonhadora de otimismo patético. Acredita na humanidade e no poder de redenção
do amor. Mas será humilhada, roubada e abandonada por todos os homens pelos
quais se apaixona. Ainda assim, apesar de tudo, viverá “cheia de esperança,
para sempre”.
A personagem, na
mudança de ares, também substituiu o guia e conselheiro. Era Federico Fellini
quando se chamava Cabiria. Agora, como Charity, é Bob Fosse — dançarino com
pequenos papéis acumulados em filmes musicais: Dá-me um beijo (Kiss
me Kate, 1953), de George Sidney; Procura-se uma estrela (Give
a girl a break, 1953), de Stanley Donen; e Jejum de amor (My
sister Eileen, 1955), de Richard Quine[1].
Com Um
pijama para dois (Pajama games, 1954), estreou como
coreógrafo nos palcos da Broadway e recebeu o primeiro Tony. Essa peça e a
seguinte — Damn yankees — foram imediatamente convertidas ao cinema. A
primeira, em 1957, em versão insossa de mesmo nome estrelada por Doris Day sob
a batuta de Stanley Donen e George Abbot. Em 1958 a mesma dupla dirigiu a
segunda, exibida nas telas brasileiras com o nome de O parceiro de Satanás. Redhead,
de 1959, marca a estreia de Fosse na direção teatral. Nesse ano assistiu a As
noites de Cabíria (Le notti di Cabiria, 1956), de
Federico Fellini. Desde então, acalentou o desejo de adaptá-lo aos
palcos, o que foi concretizado com bastante sucesso em 1966. Daí para o cinema
foi um pulo.
Acima, ao centro e abaixo: Charity (Shirley MacLaine) com as amigas Helene (Paula Kelly) e Nickie (Chita Rivera) |
Charity, meu amor — roteiro de
Peter Stone a partir do livreto de Neil Simon, por sua vez baseado no roteiro de
Federico Fellini, Tullio Pinelli e Ennio Flaiano para As noites de Cabiria —
traz a encantadora e carismática Shirley MacLaine no papel originalmente confiado
a Giulietta Masina. Marca a estreia de Bob Fosse como cineasta, logo com um
retumbante fracasso comercial e de crítica que o afasta da direção até 1972,
quando retorna gloriosamente com Cabaret (Cabaret).
No fundo, tanto crítica
como público cometeram com Charity, meu amor — produção
estimada em 20 milhões de dólares — mais um daqueles tremendos erros de
avaliação somente corrigidos com o tempo. A realização foi vítima de
julgamentos apressados e errôneos dirigidos aos trabalhos pioneiros e
inovadores. É um conto de fadas ambientado em chão de asfalto, com coreografia
distribuída por alguns dos mais vigorosos e sensuais números musicais, como o
cinema jamais vira. Danças compassadas ao estalar de dedos, corpos estáticos
que num repente ganham movimento, agitação constante de braços e pernas,
destaque para o poder coreográfico de bocas e olhos. Poderia ter produzido
radical revolução no gênero, capaz de lhe dar maior sobrevida, não fossem as
apreciações obtusas que recebeu. Quando foi redescoberto e reavaliado,
principalmente depois do estrondoso sucesso de Cabaret, era tarde para
salvar os musicais. A coreografia de Charity, meu amor ainda permanece
como marca registrada de Bob Fosse.
Oscar (John McMartin) |
Charity (Shirley MacLaine) tenta a sorte com Oscar (John McMartin) |
Parte do elenco
que atuou na montagem teatral está no filme: John McMartin, a excelente Chita
Rivera e Paula Kelly. Shirley McLaine ocupa a vaga que, nos palcos, pertenceu a
Gwen Verdon — esposa do diretor. Os destaques vão para os números encenados no
Pompeii, particularmente O indiferente, O peso-pesado e O
grande final. Mas o melhor momento é Ritmo da vida com Sammy
Davis Jr. atuando como Big Daddy (Paizão) na companhia de numerosos dançarinos
que evoluem junto de sucata, ferramentas e pneus velhos.
Charity (Shirley MacLaine) com Big Daddy (Sammy Davis Jr.) |
Direção de fotografia (Panavision
70mm, Technicolor): Robert
Surtees. Direção de arte: Alexander
Golitzen, George C. Webb. Decoração:
Jack D. Moore. Som: Waldon O.
Watson, William Russel, Ronald Pierce, Len Paterson. Gerente
de produção: Ernest B. Wehmeyer. Assistente de direção: Douglas Green. Títulos: Howard A. Anderson Co. Montagem: Stuart Gilmore. Maquiagem: Bad Westmore, Marvin G. Westmore (não creditado). Penteados: Larry Germain. Direção de diálogos: Leon Charles. Supervisão de roteiro: Betty Abbott. Assistentes de coreografia: Paul
Glover, Ed Gasper, John Sharpe, Sonja Haney. Cosmésticos: Cinematique. Penteado
de Shirley MacLaine: Sidney Guilaroff. Costumes:
Edith Head. Letra das canções:
Dorothy Fields. Música e organização da
trilha musical: Cy Coleman. Supervisão
e direção musical: Joseph Gershenson. Orquestração:
Ralph Burns. Vocal: Jack Lee. Edição musical: Arnold Schwarzwald. Roteiro: Peter Stone, a partir do
livreto de Neil Simon encenado na Broadway por Fryer, Carr & Harris,
baseado no roteiro de Federico Fellini, Tullio Pinelli e Ennio Flaiano para As noites
de Cabiria (Le notti di Cabiria, 1957), de Federico Fellini. Coreografia: Bob Fosse, Gwen Verdon
(não creditada). Sistema de gravação de
som: Westrex Redording System com 6 pistas para cópias em 70mm. Operadores de playback (não creditados):
Weldon Brown, James V. Swartz. Dublês:
Dean Smith (para John McMartin/não creditado). Técnico de iluminação: Doug Mathias (não creditado). Músico: Carol Kaye (não creditada). Alimentação (não creditada): Dominic
Santarone, Ruth Santarone. Tempo de
exibição: 150 minutos.
(José Eugenio Guimarães, 1994)
[1] Cf. ALBAGLI, Benjamin. Tudo
Sobre o Oscar. Rio de Janeiro: Brasil-América (Edições Cinemin), 1988.
p. 262.
Una reseña muy completa, amigo. De muy buena factura. Gracias por compartírnosla.
ResponderExcluirAbrazos
Buenas tardes y muchas gracias por suas apreciações, caro José Valle Valdés. Estou feliz por você ter gostado.
ResponderExcluirGrande abraço.
Parabéns pelo excelente trabalho que você faz no seu blog J.E. Os seus comentários são muito boas Beijos
ResponderExcluirMuito obrigado, Carmen Cardenosa. Reconheço que é um espaço simples, mas de bom tamanho para a divulgação de textos os mais diversos que escrevi a ainda escrevo sobre os muitos filmes que assisti numa já longa vida cinéfila.
ExcluirBeijos e abraços.
Eugenio,
ResponderExcluirO Fosse é outro diretor de quem conheço somente um trabalho, que foi O SHOW DEVE CONTINUAR.
Não consigo externar mais nada do diretor para melhorar um pouco o comentário.
jurandir_lima@bol.com.br
jURANDIR,
ExcluirCreio que você não terá muitas dificuldades para encontrar filmes do Bob Fosse, à venda ou em download. Vale muito a pena conhecer o seu trabalho, principalmente em CABARET.
Abraços.