Jules Verne nem sempre esteve inspirado. Às vezes
reciclava seus próprios temas e personagens. Maitre du monde
e Robur,
le conquérant são aventuras poucos conhecidas nas quais o célebre
antecipador confere outras feições ao Capitão Nemo e submarino Nautilus. São
recuperados como Comandante Robur e dirigível Albatross. Também estão em guerra
contra as potências beligerantes e fazem hóspedes a contragosto destes. Robur,
o conquistador do mundo (Master of the world, 1961) é obscura
produção de baixo orçamento conduzida rotineiramente pelo faz tudo William
Witney. Seus melhores trunfos são a presença de Vincent Price e os efeitos
especiais dignos para a época. A realização me encantou nos meus tempos de cinéfilo
aprendiz — quando usava calças curtas Tergal, camisas Ban-Lon, Trim ("Para
o cabelo do homem!") e sapatos Passo Doble. Não é filme para rever na
idade adulta. Infelizmente, cometi a tolice de fazê-lo. Daí, toda a gostosa
fantasia armazenada na lembrança forjada na infância se esboroou por completo.
A realização foi relançada no começo dos anos 70, época em que o obscuro
coadjuvante nascido como Charles Dennis Buchinsky ganhava fama de ator
principal já com o nome de Charles Bronson. Os distribuidores desonestos
chegaram até a lhe atribuir o protagonismo que pertencia a Vincent Price. A
apreciação em pauta foi escrita em 1974.
Robur, o conquistador do mundo
Master of the world
Direção:
William Witney
Produção:
James H. Nicholson
American International Pictures, Alta Vista
Productions
EUA — 1961
Elenco:
Vincent Price, Charles Bronson, Mary Webster, Henry
Hull, David Frankham, Richard Harrison, Vito Scotti, Wally Campo e os não
creditados Peter Besbas, Steve Masino, Ken Terrell, Jimmie Booth, Al Haskell,
Gordon Jones, William H. O'Brien, 'Snub' Pollard, Jack Tornek, Howard Wright.
O ainda jovem diretor William Witney, provavelmente em meados dos anos 30 |
Produção de baixo orçamento baseada em novelas pouco
conhecidas de Jules Verne: Maitre du monde e Robur,
le conquérant. Parece que o célebre autor francês, na falta de
inspiração, reciclava seus próprios temas e personagens. Explica-se: a história
narrada em Robur, o conquistador do mundo apresenta vários pontos de
contato com Vinte mil léguas submarinas. No centro da trama, conduzida
burocraticamente por William Witney, estão o dirigível Albatross e seu
comandante Robur (Price), gênio louco em guerra contra o nacionalismo
beligerante. São recolhidos à embarcação: John Strock (Bronson), representante
do governo americano; Mr. Prudent (Hull), balonista e magnata da indústria
bélica; sua filha Dorothy (Webster); e o noivo desta, Philip Evans (Frankham),
possuidor de pendores aristocráticos e também balonista. Em Vinte
mil léguas submarinas há o Nautilus, submarino concebido e comandado
pelo Capitão Nemo, gênio desencantado com os rumos da humanidade. Em sua ânsia
por paz declara, como Robur, guerra a todas atividades bélicas. A exemplo do
Albatross o Nautilus também incorporou hóspedes: o arpoador Ned Land, o
professor Arronax, especialista em vida marítima, e o assistente e criado
deste, Conseil.
Vincent Price no papel de Robur |
Philip Evans (David Frankhan), um dos contrariados hóspedes do Albatross |
1886: estranhos acontecimentos chamam a atenção do
governo americano para Morgantown, modorrenta cidadezinha da Pensilvânia,
instalada aos pés do pico Grande Eyrie, nos Apalaches. Em mais um dia que se
anunciava sem novidades, voz trovejante ecoa da montanha, com ameaças às
principais potências globais. A população entra em polvorosa. John Strock, funcionário
do Departamento do Interior dos Estados Unidos, investiga o fenômeno. Como o Grande
Eyrie é praticamente inexpugnável, requisita, para observá-lo do alto, o moderno
balão construído por Prudent e Evans. Dorothy acompanha o trio. A missão é
abortada por projéteis semelhantes a mísseis, disparados da cavidade superior
do pico. Desacordados com a queda, os investigadores recobram a consciência no
interior do Albatross, embarcação voadora como nunca se viu. Foi fabricada com
material de alta resistência, desconhecido pela ciência. É impulsionada por fonte
energética também misteriosa. Robur, o anfitrião, logo se apresenta. A
composição do personagem é uma mistura de elegância com gaiatice, apoiada na
mais despudorada canastrice de Vincent Price — de longe, a melhor coisa do
filme.
O Grande Eyrie em Morgantown, Pensilvânia, abrigo do Albatross |
O Grande Eyrie é a base do Albatross. O vozeirão ouvido
em Morgantown resultou de um teste do sistema de amplificação de som da
embarcação. Por ele, Robur envia ultimatos às nações guerreiras quando sobrevoa
seus territórios. Para preservar os segredos e a segurança da nave, Strock,
Prudent, Evans e Dorothy serão mantidos indefinidamente em regime de hospedagem
forçada. O anfitrião é um pacifista paradoxal: recorre à violência para
combater a guerra. Exorta os governos à desmobilização das forças armadas e
desativação das indústrias bélicas. Diante da recusa, ceifa vidas inocentes na
tentativa de atingir os objetivos. Bombardeia belonaves, arsenais e campos de
batalha na pretensão de impor, a todo custo, a paz ao mundo. Enquanto Evans e
Prudent planejam a fuga, Strock tenta encontrar a melhor maneira de imobilizar
Robur. Nesse meio tempo Dorothy apaixona-se pelo personagem de Bronson. Este, com
isso, ganha a inimizade do noivo enciumado da garota. Evans tenta desqualificá-lo
moralmente e, por fim, matá-lo, mesmo sabendo que deve a vida ao rival.
O Albatross |
A única guerra na qual Robur se intromete enquanto o
filme avança é uma reles contenda tribal localizada num cafundó esquecido do
mundo (parece que o sujeito não tinha, mesmo, coisas melhores a fazer). Ao
bombardear o campo de batalha o ensandecido comandante perde o controle da nave.
O Albatross avariado é obrigado a reparos emergenciais. É o momento esperado
por Strock para escapar e destruir a embarcação. Um suspense ralo recobre as
sequências nas quais o funcionário do governo americano incendeia o arsenal
auxiliado por Evans que quase o elimina. Strock escapa no último minuto. Os prisioneiros
descem ao solo pela corda da âncora. Esta é, por fim cortada, deixando o Albatross
à deriva.
Na ponte de comando do Albatross, o Comandante Robur (Vincent Price), à esquerda |
O fim do dirigível de Robur é, em tudo, idêntico ao do
Nautilus. O personagem vivido por Price, à maneira de Nemo, recolhe-se à sala de comando. Como o
capitão do submarino, senta-se diante da janela panorâmica do recinto e aguarda,
acompanhado da fiel tripulação, a explosão que levará tudo pelos ares,
inclusive seus loucos sonhos de visionário. Strock e Dorothy, enfim juntos,
acompanhados de Prudent e Evans, testemunham tudo. Em Vinte mil léguas submarinas
Ned Land, Arronax e Conseil, evadidos do Nautilus, também testemunharam, de
distância segura, o fim da embarcação.
Robur, o conquistador do mundo é fraquinho. Além de Vincent Price, seus maiores
atrativos são os efeitos especiais, convincentes para a época. Interessante é o
prólogo: um divertido e movimentado mix montado com preciosos registros
cinematográficos dos testes das invenções que imediatamente precederam o avião,
costurado por uma narração elogiosa ao espírito visionário de Jules Verne.
Digna de nota é também a imagem do Grande Eyrie ao fundo de Morgantown, uma magnífica
pintura em painel que associa o pico, de onde ecoa a voz cavernosa de Robur, ao
Monte Sinai de Os dez mandamentos (The ten commandments, 1956), de
Cecil B. De Mille, em cujo topo o vozeirão de Deus (De Mille) falou para Moisés
(Charlton Heston).
Charles Bronson interpreta o agente governamental John Strock |
Para fazer John Strock, Charles Bronson armou-se de sua
habitual e pouco convincente expressão de peixe morto. William Witney, talvez o
maior pau-para-toda-obra em todos os tempos de Hollywood[1],
conduz o filme na base do rame-rame rotineiro que sempre o caracterizou.
Robur (Vincent Price) faz a sala para os seus muito contrariados hóspedes |
Além de Robur, o conquistador do mundo, Master
of the world recebeu no Brasil, em diferentes ocasiões, títulos como Robur,
o conquistador, O conquistador do mundo e A
fantástica viagem do Albatroz. Com este nome foi exibido na televisão.
Robur, interpretado por Vincent Price |
Roteiro: Richard
Matheson, baseado nas novelas Maitre du monde e
Robur, le conquérant, de Jules Verne. Direção de fotografia (MagnaColor): Gilbert "Gil"
Warrenton. Música e direção musical:
Les Baxter. Orquestração: Albert
Harris. Edição musical: Eve Newman. Canção: Master of the
world, música de Les Baxter, letra de Lenny Addelson. Intérprete da canção: Darryl Stevens. Desenho de produção e direção de arte:
Daniel Haller. Figurinos e guarda-roupa:
Marjorie Corso. Montagem e coprodução: Anthony
Carras. Produção associada: Bartlett
A. Carre, Daniel Haller. Assistente de
direção: Robert Agnew. Efeitos
especiais: Tim Baar, Wah Chang, Gene Warren. Som: Karl Zint. Edição de
som: Alfred R. Bird. Gerente de
unidade de produção: Bartlett A. Carre. Assistente de produção: Jack W. Cash. Construções especiais e efeitos especiais: Pat Dinga. Efeitos fotográficos: Butler-Glouner
Inc., Ray Mercer. Fotografia aérea:
Kay Norton. Maquiagem: Fred B. Phillips. Decoração: Harry Reif. Contrarregra:
Richard "Dick" M. Rubin. Coordenação
musical:
Al Simms. Produção executiva: Samuel
Z. Arkoff. Processamento especial de
cor: Modern Film Effects. Gerente de
produção: Bartlett A. Carre. Engenheiros
de som (não creditados): Jerry Alexander, Vinnie Vernon, William A. Wilmarth.
Concepção de miniaturas: Jim
Danforth (não creditado). Assistente
adicional de câmera: Bob Rose (não creditado). Sugestões musicais: Richard Bowden (não creditado). Companhia de gravação sonora: Glen
Glenn Sound Company. Sitema de mixagem
de som: Stereo em 4 canais pela StereoSonic Sound. Tempo de exibição: 102 minutos.
(José
Eugenio Guimarães, 1974)
[1] De
1937, quando começou a dirigir realizando The Trigger Trio, ao último
trabalho para cinema — Fuga da Ilha do Diabo (I escaped from Devil's Island, 1973) — até o presente ano de 1974, Witney se firmou na realização de
produções baratas de todos os tipos, principalmente westerns e os mais diversos
seriados.
Nice
ResponderExcluirOh! Thanks for your aprreciation, Tourist Attraction Tlogo Putri.
ExcluirYours sincerily!
Vamos ser um pouco sinceros por aqui: o Witney nunca foi um diretor que se justificasse.
ResponderExcluirAinda bem, e graças a Jesus, não vi este seu filme, mas vi a melhor obra do Verne sendo filmada pelo Fleisher e com o Douglas e o Mason.
E se aquilo ali não foi um belo filme de aventura, então não sei mais o que é um filme deste gênero.
Porém o Whitney pegar um romance do Verne, mesmo este não sendo nenhuma 20.000 Mil Leguas e tentar fazer algo, é pedir milagre demais.
jurandir_lima@bol.com.br
Jurandir,
ExcluirDisseste-o bem! Meu primeiro contato com William Witney foi um western frustrado chamado RIFLES APACHES. Filme morno e quase frio. Mas, apesar de tudo, o filme em tela, este com o Price e o Bronson, pode não ser lá essas coisas, porém, não deixa de ser divertido, ainda mais em dias que não estamos a exigir grande coisa. Quanto ao VINTE MIL LÉGUAS SUBMARINAS, do Richard Fleischer, em produção da Disney, este sim, é um belo filme. Tenho uma apreciação dele aqui publicada. Caso se interesse em lê-la, oriente-se por este link: http://cineugenio.blogspot.com/2013/08/com-walt-disney-no-nautilus-de-jules.html.
Um abraço, esperando que tudo esteja bem na Bahia e com o amigo.