domingo, 30 de agosto de 2015

JULES VERNE SE ELEVA DO NAUTILUS AO ALBATROSS SOB DIREÇÃO DO ROTINEIRO WILLIAM WITNEY

Jules Verne nem sempre esteve inspirado. Às vezes reciclava seus próprios temas e personagens. Maitre du monde e Robur, le conquérant são aventuras poucos conhecidas nas quais o célebre antecipador confere outras feições ao Capitão Nemo e submarino Nautilus. São recuperados como Comandante Robur e dirigível Albatross. Também estão em guerra contra as potências beligerantes e fazem hóspedes a contragosto destes. Robur, o conquistador do mundo (Master of the world, 1961) é obscura produção de baixo orçamento conduzida rotineiramente pelo faz tudo William Witney. Seus melhores trunfos são a presença de Vincent Price e os efeitos especiais dignos para a época. A realização me encantou nos meus tempos de cinéfilo aprendiz — quando usava calças curtas Tergal, camisas Ban-Lon, Trim ("Para o cabelo do homem!") e sapatos Passo Doble. Não é filme para rever na idade adulta. Infelizmente, cometi a tolice de fazê-lo. Daí, toda a gostosa fantasia armazenada na lembrança forjada na infância se esboroou por completo. A realização foi relançada no começo dos anos 70, época em que o obscuro coadjuvante nascido como Charles Dennis Buchinsky ganhava fama de ator principal já com o nome de Charles Bronson. Os distribuidores desonestos chegaram até a lhe atribuir o protagonismo que pertencia a Vincent Price. A apreciação em pauta foi escrita em 1974.






Robur, o conquistador do mundo
Master of the world

Direção:
William Witney
Produção:
James H. Nicholson
American International Pictures, Alta Vista Productions
EUA — 1961
Elenco:
Vincent Price, Charles Bronson, Mary Webster, Henry Hull, David Frankham, Richard Harrison, Vito Scotti, Wally Campo e os não creditados Peter Besbas, Steve Masino, Ken Terrell, Jimmie Booth, Al Haskell, Gordon Jones, William H. O'Brien, 'Snub' Pollard, Jack Tornek, Howard Wright.



O ainda jovem diretor William Witney, provavelmente em meados dos anos 30



Produção de baixo orçamento baseada em novelas pouco conhecidas de Jules Verne: Maitre du monde e Robur, le conquérant. Parece que o célebre autor francês, na falta de inspiração, reciclava seus próprios temas e personagens. Explica-se: a história narrada em Robur, o conquistador do mundo apresenta vários pontos de contato com Vinte mil léguas submarinas. No centro da trama, conduzida burocraticamente por William Witney, estão o dirigível Albatross e seu comandante Robur (Price), gênio louco em guerra contra o nacionalismo beligerante. São recolhidos à embarcação: John Strock (Bronson), representante do governo americano; Mr. Prudent (Hull), balonista e magnata da indústria bélica; sua filha Dorothy (Webster); e o noivo desta, Philip Evans (Frankham), possuidor de pendores aristocráticos e também balonista. Em Vinte mil léguas submarinas há o Nautilus, submarino concebido e comandado pelo Capitão Nemo, gênio desencantado com os rumos da humanidade. Em sua ânsia por paz declara, como Robur, guerra a todas atividades bélicas. A exemplo do Albatross o Nautilus também incorporou hóspedes: o arpoador Ned Land, o professor Arronax, especialista em vida marítima, e o assistente e criado deste, Conseil.


Vincent Price no papel de Robur

Philip Evans (David Frankhan), um dos contrariados hóspedes do Albatross


1886: estranhos acontecimentos chamam a atenção do governo americano para Morgantown, modorrenta cidadezinha da Pensilvânia, instalada aos pés do pico Grande Eyrie, nos Apalaches. Em mais um dia que se anunciava sem novidades, voz trovejante ecoa da montanha, com ameaças às principais potências globais. A população entra em polvorosa. John Strock, funcionário do Departamento do Interior dos Estados Unidos, investiga o fenômeno. Como o Grande Eyrie é praticamente inexpugnável, requisita, para observá-lo do alto, o moderno balão construído por Prudent e Evans. Dorothy acompanha o trio. A missão é abortada por projéteis semelhantes a mísseis, disparados da cavidade superior do pico. Desacordados com a queda, os investigadores recobram a consciência no interior do Albatross, embarcação voadora como nunca se viu. Foi fabricada com material de alta resistência, desconhecido pela ciência. É impulsionada por fonte energética também misteriosa. Robur, o anfitrião, logo se apresenta. A composição do personagem é uma mistura de elegância com gaiatice, apoiada na mais despudorada canastrice de Vincent Price — de longe, a melhor coisa do filme.


O Grande Eyrie em Morgantown, Pensilvânia, abrigo do Albatross

  
O Grande Eyrie é a base do Albatross. O vozeirão ouvido em Morgantown resultou de um teste do sistema de amplificação de som da embarcação. Por ele, Robur envia ultimatos às nações guerreiras quando sobrevoa seus territórios. Para preservar os segredos e a segurança da nave, Strock, Prudent, Evans e Dorothy serão mantidos indefinidamente em regime de hospedagem forçada. O anfitrião é um pacifista paradoxal: recorre à violência para combater a guerra. Exorta os governos à desmobilização das forças armadas e desativação das indústrias bélicas. Diante da recusa, ceifa vidas inocentes na tentativa de atingir os objetivos. Bombardeia belonaves, arsenais e campos de batalha na pretensão de impor, a todo custo, a paz ao mundo. Enquanto Evans e Prudent planejam a fuga, Strock tenta encontrar a melhor maneira de imobilizar Robur. Nesse meio tempo Dorothy apaixona-se pelo personagem de Bronson. Este, com isso, ganha a inimizade do noivo enciumado da garota. Evans tenta desqualificá-lo moralmente e, por fim, matá-lo, mesmo sabendo que deve a vida ao rival.


O Albatross


A única guerra na qual Robur se intromete enquanto o filme avança é uma reles contenda tribal localizada num cafundó esquecido do mundo (parece que o sujeito não tinha, mesmo, coisas melhores a fazer). Ao bombardear o campo de batalha o ensandecido comandante perde o controle da nave. O Albatross avariado é obrigado a reparos emergenciais. É o momento esperado por Strock para escapar e destruir a embarcação. Um suspense ralo recobre as sequências nas quais o funcionário do governo americano incendeia o arsenal auxiliado por Evans que quase o elimina. Strock escapa no último minuto. Os prisioneiros descem ao solo pela corda da âncora. Esta é, por fim cortada, deixando o Albatross à deriva.


Na ponte de comando do Albatross, o Comandante Robur (Vincent Price), à esquerda



O fim do dirigível de Robur é, em tudo, idêntico ao do Nautilus. O personagem vivido por Price, à maneira de Nemo, recolhe-se à sala de comando. Como o capitão do submarino, senta-se diante da janela panorâmica do recinto e aguarda, acompanhado da fiel tripulação, a explosão que levará tudo pelos ares, inclusive seus loucos sonhos de visionário. Strock e Dorothy, enfim juntos, acompanhados de Prudent e Evans, testemunham tudo. Em Vinte mil léguas submarinas Ned Land, Arronax e Conseil, evadidos do Nautilus, também testemunharam, de distância segura, o fim da embarcação.


Robur, o conquistador do mundo é fraquinho. Além de Vincent Price, seus maiores atrativos são os efeitos especiais, convincentes para a época. Interessante é o prólogo: um divertido e movimentado mix montado com preciosos registros cinematográficos dos testes das invenções que imediatamente precederam o avião, costurado por uma narração elogiosa ao espírito visionário de Jules Verne. Digna de nota é também a imagem do Grande Eyrie ao fundo de Morgantown, uma magnífica pintura em painel que associa o pico, de onde ecoa a voz cavernosa de Robur, ao Monte Sinai de Os dez mandamentos (The ten commandments, 1956), de Cecil B. De Mille, em cujo topo o vozeirão de Deus (De Mille) falou para Moisés (Charlton Heston).


Charles Bronson interpreta o agente governamental John Strock

  
Para fazer John Strock, Charles Bronson armou-se de sua habitual e pouco convincente expressão de peixe morto. William Witney, talvez o maior pau-para-toda-obra em todos os tempos de Hollywood[1], conduz o filme na base do rame-rame rotineiro que sempre o caracterizou.


Robur (Vincent Price) faz a sala para os seus muito contrariados hóspedes



Além de Robur, o conquistador do mundo, Master of the world recebeu no Brasil, em diferentes ocasiões, títulos como Robur, o conquistador, O conquistador do mundo e A fantástica viagem do Albatroz. Com este nome foi exibido na televisão.


Robur, interpretado por Vincent Price






Roteiro: Richard Matheson, baseado nas novelas Maitre du monde e Robur, le conquérant, de Jules Verne. Direção de fotografia (MagnaColor): Gilbert "Gil" Warrenton. Música e direção musical: Les Baxter. Orquestração: Albert Harris. Edição musical: Eve Newman. Canção: Master of the world, música de Les Baxter, letra de Lenny Addelson. Intérprete da canção: Darryl Stevens. Desenho de produção e direção de arte: Daniel Haller. Figurinos e guarda-roupa: Marjorie Corso. Montagem e coprodução: Anthony Carras. Produção associada: Bartlett A. Carre, Daniel Haller. Assistente de direção: Robert Agnew. Efeitos especiais: Tim Baar, Wah Chang, Gene Warren. Som: Karl Zint. Edição de som: Alfred R. Bird. Gerente de unidade de produção: Bartlett A. Carre. Assistente de produção: Jack W. Cash. Construções especiais e efeitos especiais: Pat Dinga. Efeitos fotográficos: Butler-Glouner Inc., Ray Mercer. Fotografia aérea: Kay Norton. Maquiagem: Fred B. Phillips. Decoração: Harry Reif. Contrarregra: Richard "Dick" M. Rubin. Coordenação musical: Al Simms. Produção executiva: Samuel Z. Arkoff. Processamento especial de cor: Modern Film Effects. Gerente de produção: Bartlett A. Carre. Engenheiros de som (não creditados): Jerry Alexander, Vinnie Vernon, William A. Wilmarth. Concepção de miniaturas: Jim Danforth (não creditado). Assistente adicional de câmera: Bob Rose (não creditado). Sugestões musicais: Richard Bowden (não creditado). Companhia de gravação sonora: Glen Glenn Sound Company. Sitema de mixagem de som: Stereo em 4 canais pela StereoSonic Sound. Tempo de exibição: 102 minutos.


(José Eugenio Guimarães, 1974)




[1] De 1937, quando começou a dirigir realizando The Trigger Trio, ao último trabalho para cinema Fuga da Ilha do Diabo (I escaped from Devil's Island, 1973) até o presente ano de 1974, Witney se firmou na realização de produções baratas de todos os tipos, principalmente westerns e os mais diversos seriados. 

4 comentários:

  1. Respostas
    1. Oh! Thanks for your aprreciation, Tourist Attraction Tlogo Putri.

      Yours sincerily!

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  2. Vamos ser um pouco sinceros por aqui: o Witney nunca foi um diretor que se justificasse.

    Ainda bem, e graças a Jesus, não vi este seu filme, mas vi a melhor obra do Verne sendo filmada pelo Fleisher e com o Douglas e o Mason.

    E se aquilo ali não foi um belo filme de aventura, então não sei mais o que é um filme deste gênero.

    Porém o Whitney pegar um romance do Verne, mesmo este não sendo nenhuma 20.000 Mil Leguas e tentar fazer algo, é pedir milagre demais.

    jurandir_lima@bol.com.br

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    1. Jurandir,

      Disseste-o bem! Meu primeiro contato com William Witney foi um western frustrado chamado RIFLES APACHES. Filme morno e quase frio. Mas, apesar de tudo, o filme em tela, este com o Price e o Bronson, pode não ser lá essas coisas, porém, não deixa de ser divertido, ainda mais em dias que não estamos a exigir grande coisa. Quanto ao VINTE MIL LÉGUAS SUBMARINAS, do Richard Fleischer, em produção da Disney, este sim, é um belo filme. Tenho uma apreciação dele aqui publicada. Caso se interesse em lê-la, oriente-se por este link: http://cineugenio.blogspot.com/2013/08/com-walt-disney-no-nautilus-de-jules.html.

      Um abraço, esperando que tudo esteja bem na Bahia e com o amigo.

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