Depois de amargar injustos cinco anos de prisão, o
experiente cowboy John Cord (Joel McCrea) atende ao chamado do homem que o
condenou, o grande pecuarista Ralph Hamilton (Don Haggerty). Depara-se com uma
cidade inteiramente levantada contra ele além da proposta de assumir a condução
de enorme rebanho por região inóspita. Homens sem lei (Cattle empire, 1958) é a
antepenúltima realização para cinema de Charles Marquis Warren - um expert nos
temas do velho Oeste. Entretanto, nunca teve o talento devidamente
reconhecido. Relegado às produções rápidas de pequeno orçamento, não tardou a
afundar na rotina. Viveu melhores dias na TV, quando produziu, roteirizou e
dirigiu séries que marcaram época. Em Homens sem lei o amargurado e
vingativo personagem de Joel McCrea é lançado na seara de Rio Vermelho (Red
River, 1948), de Howard Hawks, em escala muito inferior. O ator,
cowboy de verdade, entrava nos últimos anos da carreira. As boas
oportunidades ficavam escassas. Teria o último momento memorável em 1962, quando
protagonizou o outonal Steve Judd em Pistoleiros do entardecer (Ride
the high country), de Sam Peckinpah. A apreciação a seguir é de 1995.
Homens sem lei
Cattle empire
Direção:
Charles Marquis Warren
Produção:
Robert
Stabler
20th
Century-Fox
EUA — 1958
Elenco:
Joel McCrea,
Gloria Talbot, Jack Lomas, Don Haggerty, Phyllis Coates, Bing Russell, Richard
Shannon, Paul Brinegar, Charles H. Gray, Hal K. Dawson, Patrick O'Moore, Duane
Grey, William McGraw e os não creditados Nesdon Booth, Howard Culver, Ron
Foster, Signe Hack, Bill Hale, Eddie Juaregui, John Powers, Steve Raines, Rocky
Shahan, Ted Smile.
o diretor Charles Marquis Warren (à direita) ao lado de Elvis Presley, protagonista de Charro! (Charro!, 1969), último filme que realizou |
Charles Marquis
Warren é, antes de tudo, escritor apaixonado pelo velho Oeste; um especialista
no assunto. No cinema, iniciou-se como roteirista, em 1948: escreveu os guiões
de Código
de honra (Beyond glory), de John Farrow, e Os mosqueteiros do mal (Streets
of Laredo), de Leslie Fenton. Estreou na direção em 1951, com o bom Massacrados
(Little
Big Horn). Em sua filmografia constam 16 títulos originalmente
direcionados ao cinema. Destacam-se, além de Massacrados, os também
westerns Vivendo no inferno (Hellgate, 1952), Sete
homens enfurecidos (Seven angry men, 1955), Marcados
pela violência (Tension at Table Rock, 1956) e Vingança
no coração (Trooper Hook, 1957). Um início de carreira promissor logo se
desgastou pelas artimanhas do sistema de produção hollywoodiano. Nunca foi
experimentado no primeiro time de realizadores e sempre operou milagres com
orçamentos apertados. Certamente, por esses motivos, desencantou-se com o
cinema. Enquanto seus filmes se transformavam em exercícios de rotina,
voltou-se à TV. Beneficiaram-se com seu talento telefilmes e, principalmente,
séries: Rawhide[1],
Gunsmoke[2],
O
homem de Virgínia (The Virginian)[3]
e Gunslinger[4].
Delas foi produtor, diretor e roteirista.
Das realizações
cinematográficas de Charles Marquis Warren apenas quatro não são westerns: Os
mistérios de Marrocos (Flight to Tangier, 1953), Voltou
dentre os mortos (Back from the dead, 1957), The
unknow terror (1957) e Ride a violent mile (1957). Em 1969,
depois de uma ausência de 11 anos — aparentemente, despedira-se definitivamente
do cinema em 1958, com o frustrado Desert hell —retornou aos temas do
velho Oeste em tela grande com um veículo para Elvis Presley: Charro!
(Charro!).
Faleceu aos 77 anos, em 1990.
O razoável Homens
sem lei é a antepenúltima realização cinematográfica do diretor. O
roteiro de Daniel B. Ullman revisita o tema das grandes conduções de gado por
vastas, áridas e perigosas extensões. Dez anos antes, Howard Hawks forneceu
leitura ainda definitiva ao assunto: Rio Vermelho (Red River) — extraído de
roteiro de Borden Chase e Charles Schnee, com John Wayne interpretando o
despótico Thomas Dunson à frente de comitiva com pretensão de percorrer trecho
praticamente inexplorado da fronteira do Texas com o México ao Missouri.
Em Homens
sem lei a expedição tem na liderança o experiente, ressentido e
amargurado John Cord (McCrea). Aprisionado injustamente há cinco anos, pretende
levar o empreendimento ao fracasso para se vingar do grande proprietário Ralph
Hamilton (Haggerty) e dos habitantes da cidade que este fundou com seu nome.
O injustiçado e amargurado John Cord (Joel McCrea) |
Estranhamente, é
o próprio Ralph Hamilton, atualmente cego e casado com Janice (Coates) — noiva
de Cord antes de este ser preso — que lhe ofereceu o trabalho. A promessa de remuneração
tentadora acompanha a alegação de que é o único com habilidades necessárias para dar conta do empreendimento. A quantia amealhada com a venda do gado permitirá reerguer
economicamente a combalida Hamilton Town.
Ralph Hamilton (Don Haggerty) com o irmão Douglas (Bing Russell) |
A história tem inicio tenso e vigoroso. Dá até a impressão de que Homens sem lei será um
grande western. Cord atende ao chamado de Hamilton. Chega à cidade e se depara
com o ódio acumulado de todos os moradores. Pretendem linchá-lo. As primeiras
imagens revelam-no caído, atado a um cavalo, pronto a ser arrastado. Está
cercado por multidão que o acusa pela destruição do lugar, há cinco anos, por descontrolados
vaqueiros bêbados sob sua liderança. Na ocasião, muita gente, inclusive
crianças, foi morta ou gravemente ferida pela ação da turba. Explicam-se,
assim, as razões da prisão de Cord. Ralph Hamilton, acompanhado de Janice e do
irmão Douglas (Russell), chega a tempo de salvá-lo.
O início de Homens sem lei: John Cord (Joel McCrea) prestes a ser linchado por populares enfurecidos de Hamilton Town |
Apesar de tudo,
Cord é ríspido com seu salvador. Recusa a proposta. Tem suas razões: além de
Janice estar casada com Hamilton, o depoimento deste foi fundamental para
condená-lo. Porém, volta atrás ao saber que Garth (Shannon) — ex-empregado de
Hamilton, enriquecido às custas da cegueira do patrão — também pretende mover outro
grande rebanho na mesma direção.
Contratado por
Garth — e fazendo segredo disso —, Cord também conduzirá a manada de Hamilton.
Impõe condições: a contratação de vários homens que tentaram linchá-lo e a
incorporação do patrão cego e de sua família (Janice e Douglas) ao grupo, ao
qual também se integram velhos e leais companheiros de curiosos nomes
históricos: os irmãos Jeffrey, Thomas Jefferson (Brinegar) e George Washington
(Dawson), inclusive a neta de um deles, a jovem e aguerrida Sandy (Talbott),
apegada a Cord desde criança, agora visivelmente apaixonada por ele.
John Cord (McCrea) com os amigos Thomas Jefferson (Paul Brinegar) e George Washington (Hal K. Dawson) |
Excluídos os
Jeffrey, Cord trata a todos os membros da equipe com áspera rigidez. Oferece a
Garth vantagem considerável sobre o terreno enquanto cobre com visível
lentidão, evitando os raros cursos de água, a boiada de Hamilton. Sua
estratégia e despotismo levantam suspeitas em muitos, que passam a lhe
questionar a autoridade. Apesar de tudo, o dono da boiada deposita inteira
confiança em seu chefe da comitiva. Também o defende veementemente em momento
delicado, instante no qual revela os fatos por trás da destruição da cidade. Cord
é inocente. Os responsáveis pelo caos foram Hamilton e Garth.
Descoberta a
verdade seguida da retratação pública de Hamilton, Cord assume de fato a
correta condução do rebanho. Garth, deixado à própria sorte, não dá crédito às
recomendações para mover seus animais por caminho seguro e servido de água. Perde
todo o gado. Arregimenta pistoleiros para a vingança. Mas é subjugado por Cord
— agora apoiado por aqueles que lhe faziam oposição.
A história chega
ao fim antes do término da jornada, quando faltavam poucos quilômetros para a
expedição encontrar o destino. Cessados os ressentimentos e expiados todos os
pecados, Cord parte solitário, conforme o figurino característico dos westerns.
Não aceitou parceria nos empreendimentos de Hamilton. Porém, deixou o imaturo
Douglas preparado para concluir o trabalho. Também consolou as mulheres que o desejavam.
Apaixonadas por John Cord (Joel McCrea) mas não correspondidas: Janice (Phyllis Coates) e Sandy (Gloria Talbot) |
Janice (Phyllis Coates) e John Cord (Joel McCrea) |
Quanto ao filme,
o que sobra? O western vibrante — prometido pelas imagens iniciais — não se
confirma. É inegável que Homens sem lei, apesar de
aprisionado no magro orçamento do filme B, é muito bem filmado. Mas a história
flui apressadamente, sem tempo para desenvolver a contento os conflitos
coletivos e individuais explicitados no decorrer da jornada. Diante disso, os
personagens se apresentam chapados, unidimensionais. O próprio John Cord, na tentativa
de conter a fúria e o desejo de vingança, age mecanicamente, inclusive diante
das promessas românticas a ele apresentadas. Chegou a dividir o saco de dormir
com Janice. Ela própria foi responsável pelo adultério, à noite, em um
acampamento. Mas o ato, apenas sugerido, não tem maiores desdobramentos. Não há
espaço sequer para os interregnos cômicos, característicos de produções do
tipo, e que poderiam contar com a participação dos irmãos Jeffrey, tão
subutilizados. Mas, praticamente, não há momentos carregados a necessitar de
cenas de alívio. Homens sem lei tem pouca poeira e movimentação para muita
rotina. Chega a ser um desperdício, principalmente para o experiente Joel
McCrea, originariamente um cowboy de verdade antes de ter a atenção atraída por
Hollywood. O ator estava no fim de sua trajetória profissional quando
personificou John Cord. Faltavam apenas quatro anos para protagonizar com
brilho, ao lado de Randolph Scott, um dos mais belos e significativos westerns
crepusculares: Pistoleiros do entardecer (Ride the high country, 1962), de Sam
Peckinpah. Poderia ter parado aí. Mas ainda emprestaria a estampa a quatro
produções obscuras, pelo visto inéditas no Brasil, com exceção da última: The
young rounders (1966), de Casey Tibbs; Cry blood, apache (1970),
de Jack Starret; Sioux nation (1970), do qual não há sequer informações sobre a
realização; e Mustang selvagem (Mustan country, 1976), de John C.
Champion.
Roteiro: Endre Bohem, Eric Norden, Charles
Marquis Warren (não creditado), com base em história de Daniel B. Ullman. Música: Paul Sawtell, Bert Shefter. Direção de fotografia (CinemaScope, DeLuxe
Color): Brydon Baker. Montagem:
Leslie Vidor. Direção de arte: James
W. Sullivan. Decoração: Raymond
Boltz Jr. Maquiagem: Jack Dusick. Penteados: Louise Miehle. Gerente de produção e assistente de
direção: Nathan R. Barragar. Contrarregra:
Eugene C. Stone. Som: Frank
McKenzie. Guarda-roupa: Vou Lee
Giokaris; Byron Munson. Supervisão da
montagem: Fred W. Berger. Continuidade:
Eleanor H. Donahoe. Lentes de
CinemaScope: Bausch & Lomb. Facilidades
sonoras: Roderick Sound. Sistema de
mixagem sonora: Stereo em 4 pistas pela Westrex Recording. Tempo de exibição: 83 minutos.
(José Eugenio Guimarães, 1995)
[1] Duzentos e dezessete episódios originalmente
levados ao ar pela Columbia Broadcasting System (CBS), de 9 de janeiro de 1959 a 4 de janeiro de 1966.
[2] Duzentos e trinta e três episódios originalmente
levados ao ar pela Columbia Broadcasting System (CBS), de 10 de setembro de 1955 a 1 de setembro de
1975.
[3] Duzentos e quarenta e nove episódios produzidos
por Revue Studios (1962-1963) e Universal Television (1963-1971), originalmente
levados ao ar pela National Broadcasting Company (NBC), de 19 de setembro de 1962 a 24 de março de 1971.
[4] Doze episódios originalmente levados ao ar pela
Columbia Broadcasting System (CBS), de 9 de fevereiro de 1961 a 3 de junho de 1961.
Eugenio,
ResponderExcluirCitaste que Pistoleiros do Entardecer é o mais significante trabalho do Crea. Não discordo, mas não sei se amo tanto esta fita na mesma proporção de quanto muitos que a idolatram. Apenas gosto dela, embora reconheça que o intragável McCrea tem, depois de Aliança de Aço/36, do De Mille, verdadeiramente sua melhor interpretação.
Homens Sem Lei eu vi há muitos anos no seu lançamento em SSA (imagine que eu deveria ter pouco mais de 13 anos) e o revi há pouco menos tempo na TV.
Apesar do esforço do Marquis, o filme não tem carga para se por elogios, isso também embora não recorde de muitas passagens citadas pelo amigo, muito mais porque a fita não desperta nada de extra.
No meu parecer ele entrou no rosário das dezenas e dezenas de faroestes criados na década de 1950, onde dele nada se arranca que mereça uma revista ou qualquer elogio.
Gosto mais do que este de Choque de Ódios, que muitos exibidores chamam de Rhonda de Sangue, do JacquesTourneur/55, com ele no papel do Wyatt Earp.
Em verdade sempre achei o McCrea um ator de porte pequeno com ares de durão para encobrir sua debilidade profissional.
Tenho nos meus anotamentos 17 fitas vista com o mesmo. Mas apenas os citados justificam alguma coisa.
jurandir_lima@bol.com.br
Agora, pelo que lembro, Jurandir, gosto muito do Joel McCrea em um magnífico western de Raoul Walsh: GOLPE DE MISERICÓRDIA ("Colorado Territory", 1949), com a Virginia Mayo. É uma transposição ao velho Oeste da história contada pelo mesmo Walsh no magnífico SEU ÚLTIMO REFÚGIO ("High Sierra"), de 1941. Sou mais generoso com o ator. De fato, não era bom. Mas tudo dependia de quem estava atrás das câmeras.
ExcluirAbraços.