Esta
apreciação de Os dois indomáveis (Wild rovers, 1971), de Blake Edwards,
é de 1975. Não sofreu alterações desde então, exceto algumas atualizações em
notas de pé de página, alusivas a alguns nomes referenciados. O título é o
único western da carreira do diretor, mais habituado às
complexidades de personagens urbanos na contemporaneidade. Porém, saiu-se
relativamente bem, apesar de não aproveitar todas as potencialidades sugeridas
pelo bom roteiro que escreveu. Os dois indomáveis pertence à linha
dos westerns crepusculares. Retrata o fim do Oeste bravio, do cowboy e do mito
do indivíduo que sustentou as epopeias encenadas na fronteira ocidental dos
Estados Unidos da América. A apreciação faz uma aproximação com o seminal Meu
ódio será sua herança (The wild bunch, 1969), de Sam Peckinpah,
inclusive porque o ator principal desse filme é o mesmo William Holden que
protagoniza a realização de Edwards. As motivações, dores e desesperanças de
Ross Bodine na encenação de 1971 são praticamente as mesmas que conduzem ao
trágico epílogo de Pike Bishop e seus camaradas no testamento impresso a ferro
e fogo por 'Bloody Sam' dois anos antes. Mas enquanto a amarga balada de Meu
ódio será sua herança adquire tonalidades de exasperante tragédia, o
lamento sussurrado de Edwards descuida da ênfase na descrição do fim de um
espaço e tempo humanamente concebidos.
Os dois indomáveis
Wild rovers
Direção:
Blake
Edwards
Produção:
Blake
Edwards, Ken Wales
Metro-Goldwyn-Mayer,
Geoffrey Productions, Inc. Productions
EUA — 1971
Elenco:
William Holden, Ryan O'Neal, Karl Malden, Lynn Carlin, Tom Skerritt, Joe Don Baker, James Olson, Leora Dana, Moses Gunn, Victor French, Rachel Roberts, Sam Gilman, Charles Gray, William Bryant, Jack Garner, Caitlin Wyles, Mary Jackson, William Lucking, Ed Bakey, Ted Gehring, Alan Carney, Ed Long, Lee DeBroux, Hal Lynch, Boyd "Red" Morgan, Bennie E. Dobbins, Bob Beck, Geoffrey Edwards, Studs Tanney, Bruno VeSota, Dick Crockett, Patrick Sullivan Burke e os não creditados Barbara Baldavin, Phyllis Douglas, Michael Haynes, Gloria Hill, Jay W. MacIntosh, Beatriz Monteil.
O diretor Blake Edwards |
"O western é o cinema americano por
excelência". No presente, porém, essa emblemática definição de André Bazin
perde paulatinamente a razão de ser. O gênero que consagrou John Ford, Howard
Hawks e Raoul Walsh entre os grandes diretores do cinema e serviu de campo às
experimentações de baluartes como King Vidor, William Wellman, Delmer Daves,
John Sturges, Anthony Mann, Henry King, Henry Hathaway e recentemente, Sam
Peckinpah, está cada vez mais escasso em filmes. Hoje, os westerns são mais
raros que os bisões e índios americanos do norte. Mas o gênero se recusa a
morrer. De repente surge uma reação, vinda de onde menos se espera.
Depois de realizar
comédias sofisticadas — Bonequinha de luxo (Breakfast
at Tiffany’s, 1961), A Pantera Cor-de-Rosa (The
Pink Panther, 1963); de "humor rasgado" — Anáguas
a bordo (Operation Petticoat, 1959), Um tiro no escuro (A
shot in the dark, 1964), A corrida do século (The
great race, 1965), Um convidado bem trapalhão (The
party, 1968); um soturno drama sobre o alcoolismo — Vício
maldito (Days of wine and roses, 1963); e interessante policial — Peter
Gunn em ação (Gunn, 1967) —, Blake Edwards
surpreende: invade a pradaria, instala-se na sacrossanta paisagem de Monument
Valley imortalizada por John Ford, apoia-se em roteiro original de sua autoria
e extrai Os dois indomáveis — amargo western crepuscular.
John Ford está
morto[1];
Raul Walsh e Howard Hawks, aposentados[2].
John Wayne, o intérprete-símbolo do western — ainda em atividade[3]
— não consegue disfarçar a ação do tempo, claramente estampada no rosto e na
silhueta. Provavelmente, nenhum desses deixará herdeiros. A situação é de
desalento. Ao cinéfilo que cresceu respirando a poeira e tomando gosto pelos
personagens do Oeste cinematográfico só resta a conformação. Assim, deve ser
saudada a iniciativa de Blake Edwards. Seu único western é frustrante. Mas
nesse tempo de seca e vacas magras é melhor que nada.
Acima e abaixo: Frank Post (Ryan O'Neal), companheiro e inspiração para o amargurado Ross Bodine (William Holden) |
William Holden —
intérprete do desesperançado Pike Bishop em Meu ódio será sua herança
(Wild
bunch, 1969), de Sam Peckinpah — entra em Os dois indomáveis na
pele do sem futuro Ross Bodine. Pike e Ross se movimentam em tempo de plena
integração do Oeste aos Estados Unidos da América — quando os grandes espaços,
abertos à iniciativa de pioneiros que chegavam solitários ou em grupo, perdem o
poder de atração. Em outras palavras: fronteira fechada; terras
"livres" cercadas e apropriadas por grandes empreendimentos de criação
extensiva de gado. O landlord desloca
o farmer; o pioneiro arruinado, sem
munição para alimentar o mito do "indivíduo", assalaria-se como
vaqueiro; as cidades, enquadradas ao império da lei, garantem tranquilidade à
administração e reprodução ampliada do capital. Novas miragens são oferecidas
pelo descuidado México. Para lá partem Pike Bishop e seu bando, em busca de
sobrevida; e Ross Bodine, no rastro da imagem do rancho que lhe preenche os
sonhos de juventude. Pike e Bodine, cowboys atropelados pela História, vivem o
outono de suas existências e do mundo que lhes encheu de esperanças. Assistem, entre
o pesar e a nostalgia, ao encerramento de uma época. O Oeste não lhes sorriu.
Pike persegue o mito à frente de um grupo de celerados. Bodine afoga mágoas e
frustrações de seus 50 anos sobrevivendo como vaqueiro empregado no R. Barr,
grande estabelecimento pecuário do criador Walter Buckman (Malden). Estão
fadados ao desaparecimento, não apenas físico, mas, principalmente, simbólico.
O despótico pecuarista Walter Buckman (Karl Malden) |
Ross Bodine (William Holden) |
Os dois
indomáveis localiza a ação em 1880, na região compreendida pelos
estados de Montana, Utah e Wyoming. Ross Bodine busca o rompimento com a idade
estreitando laços de amizade com o colega Frank Post (O' Neal), 25 anos mais
moço. A estúpida morte do companheiro Barney Drago os obriga a repensar as
trajetórias vividas. Toda uma existência dedicada ao trabalho não permitiu ao companheiro
morto a construção de nada sólido e duradouro. Terminou sozinho e pronto, como
sempre viveu. Post questiona Ross: não seria hora de fazer alguma coisa por
eles mesmos? Lança a ideia do assalto ao banco. Com o dinheiro poderiam
concretizar os sonhos. Bodine não pensa duas vezes. Aceita praticamente sem
discussões a proposta do companheiro. O plano é levado adiante com relativa
facilidade. Problemático será atingir o México. Buckman ordena aos filhos Paul
(Baker) e John (Skerritt) perseguição sem trégua aos ex-empregados. O que se
assiste a seguir é uma corrida que se configura como prenúncio do fim dos mitos
do indivíduo, do cowboy e do Oeste como sinônimo de liberdade. Post morre em
consequência de ferimento à bala durante jogo de cartas em parada para
descanso. Bodine prossegue, por pouco tempo. Alcançado pelos perseguidores,
encontra o fim quando estava emoldurado na paisagem de Monument Valley.
O plenipotenciário Walter Buckman (Karl Malden) e o filho Paul (Joe Don Baker) |
Meu ódio será sua
herança é um filme expansivo que não titubeia em carregar na dor
do personagem Pike Bishop. Os dois indomáveis possui formato
diferente. Envolve Ross Bodine num clima igualmente trágico, mas de tranquila
introspecção. Isso é percebido desde o começo, na fotografia à base de
meios-tons de Philip Lathrop: a neblina que se ergue dos campos ao alvorecer, o
lobo solitário que se esgueira na contraluz, os dois cavaleiros envolvidos no
lusco-fusco da aurora, a discreta iluminação que preenche as atividades diárias
dos vaqueiros. Ambos os filmes são baladas. Mas se em Meu ódio será sua herança
a melancolia adquire contornos selvagens e exasperantes, em Os
dois indomáveis possui o tom do lamento sussurrado. Sam Peckinpah,
porém, não desperdiça material. Conta como poucos uma história envolvente,
vigorosa e trágica. Blake Edwards aproveita a tragédia, mas não a
potencialidade do rico roteiro que escreveu. Os temas do crepúsculo do Oeste e
do cowboy passam batidos, sem a necessária ênfase. O talento de William Holden
garante os melhores momentos, principalmente no relativo longo monólogo que
pronuncia quando da morte de Frank Post. Graças à competência do ator, as
jornadas e paradas de Ross e Frank são como estações de reflexão do viver e do
morrer. Isto está bem explicitado na conversa no bar, antes da briga com os
criadores de carneiros, e na parada anterior à morte de Frank, quando Ross goza
de um momento de tranquilidade que contamina inclusive a prostituta Sada
Billings (Carlin) que lhe faz companhia.
Introspecção: Ross Bodine (William Holden) e Sada Billings (Lynn Carlin) |
Primorosa é a
sequência em slow motion na pradaria
nevada, quando Ross captura e doma o cavalo que daí em diante lhe servirá de
montaria. Nessa passagem, o mito do cowboy e tudo o que representa em termos de
jovialidade comparece por inteiro.
O diretor Blake Edwards com a esposa, a atriz Julie Andrews, em Monument Valley, durante as filmagens de Os dois indomáveis |
Roteiro: Blake Edwards. Direção de segunda unidade: Dick Crockett. Direção de fotografia (Panavision 70mm, Metrocolor): Philip H.
Lathrop. Fotografia de segunda unidade:
Frank Stanley. Direção de arte:
George W. Davis, Addison Hehr. Decoração:
Robert R. Benton, Reg Allen. Figurinos:
Jack Bear. Montagem: John F.
Burnett. Música: Jerry Goldsmith. Gerente de unidade de produção:
Ridgeway Callow. Assistente de direção:
Alan Callow. Assistente de gerente de
produção: Jack McEdward. Som: Bruce Wright,
Harry W. Tetrick. Maquiagem: Tom
Tuttle, William Turner (não creditado). Penteados:
Chérie. Assistente para os produtores: Linda Friedman. Produção de
elenco: Joseph D'Agosta (não creditado). Direção da segunda unidade: Dick Crockett. Segundo assistente de direção: William R. Poole (não creditado). Estagiário do Directors Guild of América:
Lorin Bennett Salob (não creditado). Contrarregra
(não creditada): Ed Mulay, Robert Murdock. Responsável por áreas verdes: Don Pringle (não creditado). Chefe de equipe da direção de arte:
Rick Simpson (não creditado). Pintura:
Frank Wesselhoff (não creditado). Operador
de cabos: George Songer (não creditado). Operador de boom: James Utterback (não creditado). Efeitos especiais (não creditados):
Earl McCoy, Charles Schulthies. Dublês
(não creditados): Michael Haynes, Michael Masters, Ron Nix, Al Wyatt Sr. Assistentes de câmera (não creditados):
Mel Anderson, Robert J. Banks, George Holt, Cliff King, Don Larson, Leo Monlon,
Cliff Ralke. Iluminação (não creditada):
Wilbert Bratton, Jim Porter, Norman Punter. Operador de câmera: Duke Callaghan (não creditado). Fotografia de cena: Eric Carpenter (não
creditado). Segundo assistente de
câmera: Ray De La Motte (não creditado). Gravação em vídeo: Don Howard (não creditado). Eletricista-chefe: George Lasher (não creditado). Operador geral: Lee Smith (não
creditado). Fotografia especial de cena:
Robert Willoughby (não creditado). Produção
extra de elenco: Frank Kennedy (não creditado). Guarda-roupa (não creditado): Norman A. Burza, Elva Martien. Edição musical: William Saracino. Músicos (não creditados): Laurindo
Almeida (violão), Robert Bain (violão), Larry Bunker (percussão), Carl Fortina
(acordeón), Caesar Giovannini (piano), Artie Kane (piano), Malcolm McNab
(trumpete), Richard Nash (trombone), Tommy Morgan (harmônica). Direção musical: Jerry Goldsmith (não
creditado). Remixagem da trilha musical:
Michael J. McDonald (não creditado). Orquestração:
Arthur Morton (não creditado). Transportes:
Lloyd Hanlon (não creditado). Publicidade:
Peter Benoit (não creditado). Doma de
animais: Hal Driscoll (não creditado). Continuidade:
Marie Kenney (não creditada). Instrumentos
de doma: Frank D. Lane (não creditado). Gerentes de locações (não creditados): John Morrison, Jack N. Young.
Primeiros socorros: Jerry Parker
(não creditado). Auditor de locações:
Paul Roedl (não creditado). Cronometragem
em locações: John Suhrada (não creditado). Serviços artísticos: Ed Villa (não creditado). Sistema de mixagem de som: Mono e stéreo em seis canais. Tempo de exibição: 136 minutos.
(José Eugenio Guimarães, 1975)
Eugenio,
ResponderExcluirLi atentamente cada palavra de sua dissertação, atentei para cada detalhe do que citas, me liguei a qualquer nuance dita e, ainda assim, nada deste filme me veio à tona.
Recorri então aos meus alfarrábios, na tentativa vã de meus miolos estarem me traindo.
Mas não estão. Ele não consta de lugar algum de meus escritos, nem mesmo na lista de filmes do Holden que assisti.
Em suma, não conheço esta película.
Ela é de 1971 mas, nem assim eu a conheço, não a vi e jamais ouvi falar dela.
Porque teria sido isso, principalmente com um faroeste, que é um gênero que farejo tudo à distancia?
Não sei. Só sei que não o vi e que, de imediato, estarei à cata deste em todos os meus pontos de busca.
jurandir_lima@bol.com.br
Jurandir;
ExcluirEspero que consiga ver "Os dois indomáveis", ainda que tardiamente. Geralmente esses filmes melhoram muito com o tempo, o que será bom. Fique de olho na programação do TCM, caso tenha esse canal em sua grade da TV por assinatura. Acredito que ele é, volta e meia, aí exibido. Pelo que sei, é comercializado no Brasil pelo selo DVD Califórnia, que não é uma empresa idônea, que prima pela qualidade do material embalado. Vai ver, é da DVD Califórnia a cópia malfadada que você adquiriu de "Chisum" e acabou jogando fora, de raiva.
Boa sorte na busca.
Grande abraço.
Hola cielo,a mi el cine del viejo Oeste me gusta mucho aunque las únicas referencias que tengo son de Clint Eastwood :))) La reseña me llena de gran profundidad y deseo de ver el filme... Me siguen gustando mucho las fotografías,todo muy bien,más que bien... Tu pluma extraordinaria y precisa,gracias por compartir,te mando besitos dulces y un gran abrazo...!!! :)
ResponderExcluirMuchas gracias por la apreciación y por el estímulo, minha querida Maria Del Socorro. Gracias también, principalmente, por las referencias elogiosas mi pluma. Va a ver, cuando estamos inspirados por bellos temas, como los retratados en esta película, los textos salen mejores. De hecho, es una película muy bonita. Espero que usted pueda, un día, verla. Creo que le gustará mucho.
ExcluirBesos, abrazos y saludos, querida.