Poucas realizações cômicas do cinema estadunidense, vindas
à luz nos anos 60, resistem à revisão. Deu a louca no mundo (It's
a mad, mad, mad, mad world, 1963), de Stanley Kramer; Cassino
Royale (Casino Royale, 1967), de John Huston, Val Guest, Robert Parrish
e Joseph McGrath; A corrida do século (The great race, 1966), de Blake
Edwards; Esses homens maravilhosos com suas máquinas voadoras ou como voei de
Londres a Paris em 25 horas e 11 minutos (The magnificent men in theirs
flying machines or how I flew from London to Paris in 25 hours and 11 minutes,
1965), de Ken Annakin — tão divertidas quando lançadas — parecem perder
totalmente a graça se vistas hoje. Gostosa exceção é Um convidado bem trapalhão
(The
party, 1968), terceira parceria entre o ator Peter Sellers e o diretor
Blake Edwards. Essencialmente, é um conjunto de variações em torno de única
piada. Trata das desventuras de um ator indiano tornando persona non grata em Hollywood. É Hrundi V. Bakshi (Sellers),
convidado acidentalmente para uma festa da fina flor da comunidade
cinematográfica. A sucessão de equívocos e confusões também permite ao diretor o
lançamento de um olhar levemente crítico a um meio revestido de empáfia, futilidade,
ignorância e estupidez. A apreciação a seguir, de 1974, foi ligeiramente
revista e ampliada vinte anos após.
Um convidado bem
trapalhão
The party
Direção:
Blake
Edwards
Produção:
Blake
Edwards
United
Artists, Mirisch Corporation
EUA — 1968
Elenco:
Peter Sellers, Claudine Longet, Marge Champion, Jean Carson, Al Checco, Corinne Colle, Dick Crockett, Frances Davis, Danielle De Metz, Herbert "Herb" Ellis, Paul Ferrara, Steven Franken, Kathe Green, Allen Jung, Sharron Kimberly, James Lamphier, Buddy Lester, Stephen Liss, Gavin MacLeod, Jerry Martin, Fay McKenzie, J. Edwards McKinley, Denny Miller, Elianne Nadeau, Thomas "Tom" W. Quine, Timothy Scott, Ken Wales, Carol Wayne, Donald R. Frost, Helen Kleeb, George Winters, Linda Gaye Scott, Natalia Borisova e os não creditados John McKee, Vin Scully.
O diretor Blake Edwards |
Um convidado bem
trapalhão é a terceira união de Peter Sellers com o diretor Blake
Edwards. Os encontros anteriores ocorreram em A Pantera Cor-de-Rosa (The
Pink Panther, 1963) e Um tiro no escuro (A
shot in the dark, 1964). Em ambos, Sellers interpreta o desastrado
detetive Inspetor Jacques Clouseau, responsável pelo prolongamento da parceria
em A
volta da Pantera Cor-de-Rosa (The return of the Pink Panther,
1975), A nova transa da pantera Cor de Rosa (Pink Panther strikes again,
1976), A vingança da Pantera Cor-de-Rosa (The revenge of the Pink Panther,
1978) e A trilha da Pantera Cor-de-Rosa (Trail of the Pink Panther,
1982)[1].
Em Um
convidado bem trapalhão Sellers é Hrundi V. Bakshi, ator indiano, de
Nova Deli, convidado a trabalhar em Hollywood em produção que lembra Gunga
Din (Gunga Din, 1939), de George Stevens. Entretanto, é um
desajeitado que vive em mundo à parte. Não sintoniza com nada. Leva o diretor
(Ellis) à loucura. Estraga sequências inteiras. Seu personagem insiste em
permanecer vivo quando deveria morrer após ser crivado de balas; usa relógio de
pulso à prova d'água, instrumento inexistente à época da história; e, por fim,
explode o cenário antes da hora. Despedido, torna-se persona non grata ao estúdio. Mas por descuido de Fred Clutterbuck
(McKinley), chefe de produção, é incluído entre os convidados da festa que esse
oferece em sua residência.
Peter Sellers como o atrapalhado ator indiano Hrundi V. Bakshi |
A ocasião, bem
comportada, reúne a fina flor de Hollywood. Transcorre em paz até a chegada de
Bakshi. Daí em diante tudo desanda, num crescendo de trapalhadas e insanidade.
Comédia de situações e equívocos, Um convidado bem trapalhão trata de
um sujeito desambientado e sonso, estranhado por todos, que só provoca
confusões quando tenta se enturmar. O filme resulta de variações em torno de
única piada. Poderia cansar de imediato, mas o talento da dupla Edwards-Sellers
garante a devida sustentação ao esticar as gags
até o limite devido.
Geralmente, a
produção cômica do cinema dos anos sessenta não resiste à revisão. Filmes como Deu a
louca no mundo (It's a mad, mad, mad, mad world,
1963), de Stanley Kramer; Cassino Royale (Casino Royale, 1967), de
John Huston, Val Guest, Robert Parrish e Joseph McGrath; A corrida do século (The
great race, 1966), de Blake Edwards; Esses homens maravilhosos com
suas máquinas voadoras ou como voei de Londres a Paris em 25 horas e 11 minutos
(The
magnificent men in theirs flying machines or how I flew from London to Paris in
25 hours and 11 minutes, 1965), de Ken Annakin, e outros títulos que soaram
tão divertidos quando lançados, mostram-se, apreciados hoje, destituídos de maior
graça. Ficaram extremamente datados, a ponto de provocar perplexidade.
Levam-nos a pensar: "Era disso que tanto ríamos?" Saudável exceção é Um
convidado bem trapalhão. Suas piadas, apesar de batidas, assaltam nossos
olhares com a fresca aparência de coisa nova. Não provocam gargalhadas, mas o
riso manso, franco e gostoso. É impossível não se divertir com Bakshi perdendo
o sapato no lago artificial; metendo-se onde não é chamado; rindo do que não
deve; refrescando a mão no caviar e, depois, fixando o forte odor das ovas em
todos que cumprimenta; lançando sem querer um galeto inteiro sobre o penteado
de uma diva alcoolizada; procurando desesperadamente um banheiro; alterando sem
perceber, por mera curiosidade, o cenário do ambiente ao manipular o painel que
o controla.
A graça só ameaça
esmaecer pelo final, quando entram em cena os músicos russos e Molly (Green),
filha do anfitrião, acompanhada de amigos antiestablishment mais Jongo, elefante psicodelicamente pintado, em
cujo corpo estão grafados slogans do período. É com esses "sem lugar"
que Bakshi se enturma. Pouco antes estreitara laços com Michele Monet (Longet),
tímida e insatisfeita aspirante a atriz que o salvou de afogamento. Ela está
pouco à vontade na festa. Acompanhava o produtor Divot (McLeod), que pretendia
lançá-la em grande estilo em troca de favores sexuais. É salva por Bakshi, que
termina com o caso ao se interpor atabalhoadamente entre ambos.
Acima, ao centro, abaixo: Hrundi V. Bakshi (Peter Sellers) encontra uma turma com a qual se identifica, inclusive um elefante |
Molly e seus
amigos, acompanhados de Bakshi, russos e Monet, promovem o fim da festa quando,
a pedido do "trapalhão", resolvem lavar o elefante. O animal, segundo
os indianos, não pode transitar pintado como estava. O local do banho é o lago artificial
em torno do qual estão os convidados. Logo, o excesso de sabão se espalha sobre
tudo e todos. Enquanto isso, em casa — para onde foi
depois de ver desfeitos os planos com Monet —, Divot descobre
que Bakshi é o responsável pela ruína do filme. Volta para alertar Fred
Clutterbuck. Mas é tarde. O ambiente, tomado de espuma, está literalmente de
pernas para o ar, com a anfitriã Alice Clutterbuck (McKenzie) pronta a ser
hospitalizada após sucessivos escorregões no piso ensaboado.
Um chic jantar transformado em palco de constrangimentos por obra e graça do atrapalhado e indevido convidado Hrundi V. Bakshi (Peter Sellers), à direita |
Um convidado bem
trapalhão também serve para Edwards criticar, ainda que levemente,
a comunidade cinematográfica estadunidense. A festa, conforme o diretor, foi
concebida em acordo com o figurino da autêntica recepção hollywoodiana[2].
É um desfile de empáfia que serve de capa à futilidade, ignorância e estupidez.
O anfitrião reúne todas essas qualidades: comunicado sobre o acidente da
esposa, pede apenas para salvar as joias; anticomunista feroz, credita aos
russos a culpa pelo fracasso da recepção.
Bakshi garante
outros bons momentos ao se atrapalhar no banheiro, por não se entender com a
descarga e o papel higiênico; ter a corrida interrompida ao atravessar a sala
onde Monet se apresentava ao violão; confortar a mocinha com provérbios
indianos "bonitos mas enigmáticos", incompreensíveis também a ele; perguntar
se teria espaço "ao menos na televisão", quando é despedido sob juras
de que jamais voltaria a trabalhar no cinema. Também há o garçom bêbado
(Franken) e o simplório "Wyoming Bill" Kelso (Miller), intérprete de
cowboy ao qual não há diferença alguma entre índios e indianos.
Direção de fotografia (Panavision, Color
DeLuxe): Lucien Ballard. Roteiro: Blake Edwards, Frank Waldman,
Tom Waldman, baseados em história de Blake Edwards. Música: Henry Mancini. Canções: Nothing
to lose (interpetada por Claudine Longet), The party, compostas por
Don Balck (letras) e Henry Mancini (música). Desenho de produção: Fernando Carrere. Figurinos: Jack Bear. Montagem:
Ralph. E. Winters. Produção associada:
Ken Wales. Guarda-roupa feminino:
Angela Alexander. Guarda-roupa
masculino: Wesley "Wes" Jeffries. Coordenador de construções: William Maldonado. Som: Robert Martin. Decoração:
Reginald Allen, Jack Stevens. Efeitos
especiais: Norman Breedlove. Edição
musical: Richard Carruth. Contrarregra:
Arthur Friedrich. Primeiro assistente de
direção: Mickey McCardle. Segundos
assistentes de direção: Malcolm R. Harding, Montgomery "Monty Masters"
Banta. Assistente de montagem: Frank
Mazzola. Penteados: Alice Monte, Pat Whiffing (não creditado). Gerente de produção: Patrick J. Palmer.
Regravação de som: Clem Portman. Edição de som: Benjamin "Ben"
Kimball Smith. Supervisão de maquiagem:
Allan Snyder. Supervisão de script:
Esther Stephenson. Supervisão de
produção: Allen K. Wood. Supervisão
aquática: Dick Crokett (não creditado). Produção
executiva:
Walter Mirisch (não creditado). Maquiagem:
Lynn F. Reynolds (não creditado). Coordenação
de dublês: Dick Crockett (não creditado). Dublês (não creditados): Dick Crockett, John Moio. Fotografia de cena: Bruce McBroom (não
creditado). Consultor musical para Peter
Sellers: Ravi Shankar (não creditado). Transportes:
Frank Khoury (não creditado). Sistema de
mixagem de som: Westrex Recording System. Tempo de exibição: 99 minutos.
(José Eugenio Guimarães, 1974; revisto e ampliado
em 1994)
[1] Sellers estava morto, desde 1980, quando estrelou A
trilha da Pantera Cor-de-Rosa. Explica-se: numa atitude oportunista,
que dificilmente terá precedentes, Edwards montou o filme utilizando trechos
não aproveitados dos demais exemplares da série. Foi processado, com toda
razão, pela família do ator.
[2] Cf. VIVIANI,
Christian. Dans la tradition classique: entretien avec Blake Edwards. Positif. Paris: Terrain Vague, n. 151, jun. 1973. p. 40.
Divertida comedia con un Peter Sellers genial. Podéis verla íntegra en español en la siguiente página de mi blog (Posición nº10 - Denny Miller)
ResponderExcluirSim, Ricardo José, de pleno acordo com sua apreciação. Grato pelo oferecimento do seu blog.
ExcluirAbraços.
Um grande trabalho, José Guimarães!
ResponderExcluirO garçom desta excelente comédia rouba as cenas que aparece!
Eddie.
Olá, Edivado (Coronel Eddie Lancaster).
ExcluirBom vê-lo aqui. De fato, é verdade. O personagem do garçon é daqueles tipos impagáveis.
Apareça mais.
Abraços.
Eugenio,
ResponderExcluirLamento ser tão franco, porém nunca assisti a uma fita com o Peter Sellers. Nem mesmo qualquer filme seu da Série Pantera Cor de Rosa.
Não pelo diretor, afinal o Black Edwards era um diretor de renome e que fez excelentes filmes, inclusive um deles do qual jamais consigo esquecer; Vicio Maldito/62, com o Lemmon e a Remick.
Porém, muito pouco mais do diretor, como A Corrida do Século/65, também com o Lemmon, e que fez um estrondoso sucesso aqui na Boa Terra, Mulher Nota 10/79 e mais alguns poucos. No entanto, nada do Sellers.
jurandir_lima@bol.com.br
Jurandir, tomo a liberdade de discordar de você, meu caro.
ExcluirEm comentário seu, muito anterior a este, lembro que você se referiu ao Stanley Kubrick e apontou os seus filmes preferidos desse diretor: "Spartacus", "O grande golpe" e "Lolita". Se você viu "Lolita", assistiu, então, a um filme com Peter Sellers, pelo menos. Nesse, Peter Sellers interpreta Clare Quilty, aquele que toma a personagem vivida pela Sue Lyon do professor Humbert Humbert (James Mason).
Abraços.
Este filme, realmente, é delicioso. A crítica ao meio hollywoodiano, de fato, é feita de modo leve, passa quase despercebida (salvo, talvez, no incidente de Divot com Michelle), diante da sequência de "gags", em que se mostra um indivíduo cuja comicidade está precisamente em ser a expressão mais completa do desajuste: é um oriental no Ocidente, é um completo desajeitado no que toca ao manuseio dos utensílios mais banais, foge completamente daquilo que se espera dele em relação ao roteiro do filme de que participa.
ResponderExcluirDe pleno acordo com suas palavras, Ricardo. Adquiri o filme recentemente e puder confirmar tudo o que expôs.
ExcluirAbraços.
Estupenda reseña,las fotografías fabulosas...El cine de comedia es también de mis favoritos,sobre todo cuando necesito dos cosas:Olvidar y reir...Gracias por compartir cielo,te mando abrazos y besos,dulces besos...!!! :)♥♥
ResponderExcluirMuchas gracias por el aporte, Maria Del Socorro. Sí, esta comedia es muy genial y divertida. Cuenta con dos personalidades talentosas: el actor Peter Sellers, en gran forma, y el director Blake Edwards, uno de los grandes realizadores de comedia en el cine de Estados Unidos.
ExcluirBesos y abrazos, querida!