O enlouquecido Dreyfus (Herbert Lom), Inspetor-Chefe da
Polícia Francesa, deixa o hospício disposto a eliminar a causa principal de
seus problemas mentais: o desastrado Jacques Clouseau. Ainda pretende dominar o
mundo com a Máquina do Juízo Final. A nova transa da Pantera Cor de Rosa
(The
Pink Panther strikes again, 1976) é o terceiro filme da saga iniciada
em 1963, por Blake Edwards, com A Pantera Cor-de-Rosa (The
Pink Panther) — no qual Peter Sellers roubou o protagonismo de David
Niven. O personagem acabou ganhando vida própria. Sob a batuta nem sempre
inspirada de Edwards, apareceu em meia dúzia de filmes interpretados por
Sellers. A saga foi esticada além do ponto de esgotamento — inclusive recentemente
— com outros atores e diretores. A nova transa da Pantera Cor de Rosa
proporciona alguns bons momentos de humor, apesar de sofrer com o roteiro
frágil e certo desleixo na direção. A apreciação, de 1993, sofreu ligeira
atualização para esta publicação.
A nova transa da
Pantera Cor de Rosa
The Pink
Panther strikes again
Direção:
Blake
Edwards
Produção:
Blake
Edwards
Amjo
Productions, United Artists
Inglaterra,
EUA — 1976
Elenco:
Peter
Sellers, Herbert Lom, Lesley-Anne Down, Colin Blakely, Burt Kwouk, Leonard
Rossiter, André Maranne, Byron Kane, Dick Crockett, Richard Vernon, Briony
McRoberts, Dudley Sutton, Murray Kash, Hal Galili, Robert Beatty, Bob Sherman,
Phil Brown, Jerry Stovin, Paul Maxwell, Michael Robbins, Vanda Godsell, Norman
Mitchell, Patsy Smart, Tony Sympson, George Leech, Harold Berens, Roy Deep,
Geoffrey Bayldon, Graham Stark, Anthony Chinn, Ivan Hunte, Josh Little, Joe
Sampson, Gordon Hunte, Kevin Scott, John Clive, Christopher Langham, James
Warrior, Gordon Rollings, Joan Rhodes, Damaris Hayman, Patrick Jordan, Richard
Bartlett, John Sullivan, Dinny Powell, Terry Richards, Bill Cummings, Terry
Yorke, Terry Plummer, Peter Brace, Cyd Child, Eddie Stacey, Sado Tanney, Joe
Powell, Fred Haggerty, Joanna Dickens, Priceless McCarthy, os não creditados
Julie Andrews, Jim Bartley, Robert Carrickford, Harry Fielder, Shawn
McAllister, Hartmut Neugebauer, Omar Sharif, April Walker e participações
excluídas na montagem final de Howard K. Smith, Jackie Cooper, Joanna Dickens,
Priceless McCarthy, Terence Maidment, Fran Fullenwider, Harvey Korman, Marne
Maitland, Liz Smith.
O diretor Blake Edwards com a esposa Julie Andrews e com o Oscar Honorário recebido em 2004 |
Terceiro filme da
série "A Pantera Cor-de-Rosa", criação de Blake Edwards, também
responsável pela paternidade do desastrado Inspetor Jacques Clouseau da Polícia
Francesa, aqui em sua quarta aparição no cinema. Na verdade é a quinta, caso se
considere na contabilidade a realização Inspetor Clouseau (Inspector
Clouseau, 1968), de Bud Yorkin, na qual Alan Arkin interpreta o
personagem que marcou para sempre a carreira de Peter Sellers.
Peter Sellers como o inspetor Jacques Clouseau da polícia francesa |
De pé, ao centro, o inspetor Jacques Clouseau (Peter Sellers) |
O primeiro filme,
A
Pantera Cor-de-Rosa (The Pink Panther, 1963), é uma joia
da comédia sofisticada. Tem por protagonista David Niven como o fino gatuno Sir
Charles Lytton. Porém, as armadilhas do destino terminaram desviando as atenções
do público para o apalermado Clouseau (Sellers), o policial envolvido na
tentativa de elucidar o roubo do precioso e afamado diamante que fornece título
à realização. Embalado no sucesso do personagem, Blake Edwards lhe deu
sobrevida na boa comédia Um tiro no escuro (A
shot in the dark, 1964). Onze anos depois — quando atravessava um
período de crise na criatividade — o diretor recicla os temas da aventura de
1963. Com boas doses de humor faz A volta da Pantera Cor-de-Rosa (The
return of the Pink Panther, 1975), para muitos uma jogada de mero
oportunismo. Porém, a retomada de Edwards não constitui caso isolado. No
período, o cinema estadunidense entrava de sola na interminável fase das
sequências e refilmagens. Nesse quadro, cogita-se a razoabilidade de incorporar
mais um título à saga. Então, vem à luz este A nova transa da Pantera Cor de Rosa
(os hífens foram desconsiderados). No entanto, a seguir a coisa desandaria com
os simplesmente apelativos A vingança da Pantera Cor-de-Rosa (Revenge
of the Pink Panther, 1978) e, cúmulo dos cúmulos, A trilha da Pantera Cor-de-Rosa
(Trail
of the Pink Panther, 1982), resultado da colagem de episódios eliminados
na montagem dos trabalhos anteriores — com o agravante de que Peter Sellers
havia falecido em 1980 e Blake Edwards, pouco se importando para a ética, fez
uso despudorado de suas imagens. Processado pela família do ator, perde a causa.
Mas não sossega. Em 1983, para consternação e surpresa de muitos, o mercado
exibidor recebe A maldição da Pantera Cor-de-Rosa (Curse of the Pink Panher),
estrelado por David Niven, intérprete do vilão no filme de 1963. No momento em
que escrevo este comentário, circulam rumores informando que o comboio está longe
de encontrar ponto final. Vem aí mais um episódio, estrelado pelo italiano
Roberto Benigni[1].
Peter Sellers como Jacques Clouseau - primeiro e único |
Parece que Blake Edwards
perdeu de vez a noção de bom senso. Com sua sucessão de "panteras" esticadas
além do limite razoável, ele pode ser incluído entre os responsáveis pelo pior
que o cinema dos Estados Unidos produziu nos anos 80 e início dos 90 — como as
intermináveis séries "Sexta-Feira 13 do Jason" e "A Hora do
Pesadelo de Freddy Kruger".
O sempre alerta e sortudo Inspetor Clouseau (Peter Sellers) |
Ainda há motivos
para riso em A nova transa da Pantera Cor de Rosa, apesar de a fórmula
apresentar nítido e irremediável processo de esgotamento. A realização vive de
situações nem sempre originais, muitas copiadas das fitas anteriores. Não há
roteiro digno de nome sustentando a narrativa. Tudo é repetitivo, cansativo
até. Os momentos de humor se alongam além do devido, à revelia dos tempos
cinematográficos da comédia. De tudo, o melhor é o desenho animado dos créditos
de abertura: o Inspetor em perseguição à Pantera Cor-de-Rosa — ambos nos consagrados
traços de David H. DePatie e Fritz Feleng — sobre cenas de sucessos como King
Kong (King Kong, 1933), de Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack; A
Noviça Rebelde (The sound of music, 1965), de Robert
Wise; Cantando na Chuva (Singin' in the rain, 1952), de
Stanley Donen e Gene Kelly; Tubarão (Jaws, 1975), de Steven
Spielberg etc.
O inspetor-chefe Dreyfus (Herbert Lom) com dor de dente e às voltas com um suspeito dentista |
Dreyfus (Herbert Lom) enfrenta sem sucesso a causa de seus problemas: Clouseau (Peter Sellers) |
A história tem
locações na Bavaria, França e Inglaterra. Dreyfus (Lom), o neurastênico chefe
de Clouseu — enlouquecido desde o final de A volta da Pantera Cor-de-Rosa devido
à profusão das muitas e "bem" sucedidas trapalhadas do subordinado—, deixa
o hospício com a firme convicção de eliminá-lo de vez. Para tanto, monta
organização criminosa que terá o propósito final de dominar o mundo — o que
esperar de uma mente enlouquecida, afinal? Mas as confusões e incrível sorte de
Clouseau deixam todos os assassinos fora de combate. Mais desesperado, Dreyfus sequestra
um cientista, o Professor Hugo Fassbender (Vernon), obrigado a inventar a
Máquina do Juízo Final. Esta disparará um raio letal sobre o "herói"
e, ao fim, deixará o planeta de joelhos. Uma das melhores sequências ocorre quando
o ensandecido Dreyfus interrompe a transmissão televisiva de uma partida de
futebol e vai ao ar com um ultimato ao mundo: se Clouseau não for eliminado em
uma semana a Terra será destruída, a começar pela sede da Organização das
Nações Unidas (ONU). Surgem caracterizações apatetadas dos então Secretário de
Estado Henry Kissinger (Byron Kane) e Presidente Gerald Ford (Dick Crockett) dos
Estados Unidos. Outros bons momentos decorrem das infrutíferas tentativas de
assassinato de Clouseau por cerca de 25 matadores profissionais das mais
diversas partes do mundo; o bafafá nas dependências hoteleiras envolvendo o
Inspetor com a espiã russa Olga Bariosova (Lesley-Anne Down); e o tratamento
bucal dispensado por Clouseau disfarçado de dentista ao amalucado e dolorido
Dreyfyus.
Desenho de produção: Peter Mullins. Supervisor de produção: Derek Kavanagh. Montagem: Alan Jones. Direção
de fotografia (De Luxe Color): Harry Waxman. Música e direção musical: Henry Mancini. Produtor associado: Tony Adams. Roteiro: Frank Waldman, Blake Edwards. Produção de
elenco:
Jimmy Liggat. Direção de arte: John
Siddall. Maquiagem: Harry Frampton. Penteados: Barbara Ritchie. Gerente de unidade: Bryan Coates. Assistente de direção: Terry Marcel. Gerente de construções: Albert
Blackshaw. Camareiro: Fred Carter. Contrarregra: David Jordan. Som: Gerry Humphreys, Ted Soderberg,
Peter Sutton. Edição de som: Jim
Roddan. Mixagem da regravação de som
(não creditada): Gerry Humphreys, Theodore Soderberg. Mixagem de som (não creditada): Peter Sutton. Efeitos especiais: Kit West. Coreografia
de lutas: Dick Crockett, John Sullivan. Dublês (não creditados): Joe Dunne (para Peter Sellers), George
Leech. Eletricista-chefe: Michael
Browne. Operador de câmera: Ernest
"Ernie" Day. Auxiliar de
câmera (não creditado): George Boner. Eletricista
(não creditado): Derek Suter. Animação
dos créditos: Richard Williams, Tony White (não creditado). Guarda-roupa: Tiny Nicholls, Bridget
Sellers. Assistentes de montagem (não
creditados): Michael John Bateman, Nigel Galt. Músicos (não creditados): Tony Coe, Sidney Sax. Continuidade: Pamela Davies. Assistente de produção: Vicki Deason. Contabilidade: Kevin O'Driscoll. Publicidade (não creditada): Scott
Hamilton. Estúdio
de animação: Richard Williams Studio. Fornecimento de walkie talkies:
Audiolink Radio Communications. Tempo de exibição: 103 minutos.
(José Eugenio Guimarães, 1993, revisto e ampliado
em 2014)
[1] Trata-se de O filho da Pantera Cor-de-Rosa (Son
of the Pink Panther, 1993), de Blake Edwards. Roberto Benigni
interpreta o policial francês Jacques Gambrelli, filho de Clouseau. O filme foi
massacrado pela crítica. Em 2006, sob as ordens de Shawn Levty, Steve Martin
"exumaria" Clouseau no insatisfatório e desprovido de hífens A
Pantera Cor de Rosa (The Pink Panther). Sem muito sucesso
retoma o personagem em A Pantera Cor de
Rosa 2 (The Pink Panther 2, 2009), de Harald Zwart (Nota do autor inserida
após revisão textual em 2014).
Eugenio, brilhante retrospectiva dos filmes da PANTERA COR DE ROSA e seu mais bitolado personagem, o hilário Inspetor Clouseau.
ResponderExcluirHoje, acho uma pena que grande parte das pessoas, sobretudo a nova geração, não venha a conhecer esta cine-série (uma das primeiras que se tem conhecimento, se compararmos com ALIEN, SUPERMAN, DE VOLTA PARA O FUTURO, ROCK O LUTADOR, entre outras), isto é, todos os filmes da saga Clouseau e suas mais divertidas trapalhadas. Cheguei a assistir a um deles no cinema quando criança, em 1977, A VINGANÇA DA PANTERA COR DE ROSA, e olhe que era proibido para menores de 10 anos (eu tinha seis na época, rs).
Mas para falarmos deste inspetor maluco, porque não falar um pouco deste brilhante comediante, que foi Peter Sellers (1925-1980)? Afinal, difícil ver outro ator nos dias de hoje para encarnar com perfeição este personagem. Nem Steve Martin, que costuma ser bom em comédias como CLIENTE MORTO NÃO PAGA e UM ESPÍRITO BAIXOU EM MIM, num REMAKE da Pantera, proporcionou a mínima graça!
Sellers era, além de ótimo comediante era também muito carismático, mas mal sabíamos que por trás da fachada de comediante engraçado havia um ser humano traumático e briguento ao extremo. Sua relação com a mãe era muito estranha, e segundo seus biógrafos, tratava as esposas e seus filhos com tortura psicológica.
Tinha problemas de peso ao extremo na sua juventude e quando fez os filmes O PEQUENO POLEGAR e O QUINTETO DA MORTE, Sellers ainda estava acima do peso. Mas resolveu mudar, fazendo dietas rigorosas, tomando laxantes e remédios para emagrecer. Ele nunca mais engordou, mas sua saúde ficaria abalada, sobretudo, seu coração. Até 1970, Sellers já havia sofrido 13 ataques cardíacos . Ele teve um marcapasso implantado no final de 1970, o que lhe trouxe mais problemas. Morreu em 1980.
Mas o que vale é o Sellers artista, o Sellers engraçado, o Sellers que nos arranca risos em O FINO DA VIGARICE, por exemplo, um dos melhores trabalhos dele depois de A PANTERA COR DE ROSA, que faz um mafioso esperto, ao contrário do atrapalhado e as vezes um pouco ingênuo Clouseau, que consegue enganar todo um vilarejo na Itália, inclusive, um astro de “caras e bocas” como Victor Mature, que parece desempenhar a si mesmo nesta comédia espetacular de Vittorio de Sica. Fascinante. Ah sim, e não podemos esquecer outra das comédias mais notáveis de todos os tempos em mais uma parceria Sellers e Blake Edwards: UM CONVIDADO BEM TRAPALHÃO, onde pela primeira vez no cinema americano (pelo menos até onde sei), um personagem tem vontade de fazer o “número 2” e fica angustiado em plena festa (que foi convidado acidentalmente) em encontrar um banheiro. Que sufoco, viu!!! Rs
Abraços
PAULO TELLES
Blog Filmes Antigos Club
http://www.articlesfilmesantigosclub.blogspot.com.br/
Paulo,
ExcluirSim, Peter Sellers era incrível. Poderia ser o equivalente soft do Lon Chaney. Também era capaz de ter mil caras.
Os problemas hormonais dos quais sofria, que fizeram seu peso oscilar tanto no começo da carreira, não eram fáceis. Certamente, contribuíram para moldar o caráter do personagem difícil e irascível que era. Felizmente, com toda a sua dificuldade, era daqueles autores que se exigia por inteiro. Nem sempre estava satisfeito com os seus desempenhos, mesmo quando os diretores acreditavam que já havia dado o suficiente.
Eu tenho uma relação um tanto quanto complicada com as comédias citadas por você, não apenas essas, mas uma boa parte delas, realizada nos anos 60. Já lhe disse, há alguns dias, da minha atual dificuldade para achar graça em "Deus a louco no mundo". O mesmo acontece comigo diante de algo mais fino - que tanto me alegrou quando vi na ocasião do lançamento - como "Um convidado bem trapalhão". Talvez eu esteja sendo muito duro, exigente, sei lá. Mas faz pouco tempo que revi "Um convidado bem trapalhão" e, francamente, não me comoveu nem um pouco. O mesmo aconteceu quando me pus a rever outra comédia do Blake Edwards que me proporcionou diversão à larga quando a vi no lançamento: "A corrida do século". Fiquei constrangido ao reencontrar as imagens. Tenho poucas lembranças de "O fino da vigarice". Acho que a única imagem que ficou desse filme, passados tantos anos, foi algo parecido a uma tempestade de poeira, provocada por poderosos ventiladores, durante uma filmagem. Em compensação, tenho o britânico "O quinteto da morte" na conta de obra mestra da comédia. E pensar que os Irmãos Coen por pouco não a vilipendiaram ao tomar liberdades com ela no insosso "Matadores de velhinhas".
Peter Sellers, para mim, será sempre Clouseau, preferencialmente os de "A Pantera Cor-de-Rosa" e "Um tiro no escuro", e os personagens que interpretou em "Dr. Fantástico".
Abraços.