Vladimir Ivanoff (Robin Williams) — carente e frustrado
saxofonista da orquestra do Circo de Moscou — escapa à vigilância do onipresente
e autoritário regime soviético e consegue asilo em Nova York. Porém ,
o amargo Moscou em Nova York
(Moscow
on the Hudson, 1984) não é mais uma grotesca peça de propaganda a opor
as "maravilhas" do individualismo capitalista ao "satânico"
e "decadente" comunismo russo. A realização, pouco ousada e em tom menor,
revela apreço e carinho aos personagens — ponto forte do cinema de Paul
Mazursky. Ao experimentar a liberdade americana, o expatriado Ivanoff percebe as
semelhanças entre os modos de vida a Leste e a Oeste. Apesar das diferenças
políticas, os problemas permanecem os mesmos, principalmente em questões como
autonomia e individualidade. Nova York é revelada como maçã amarga. A metrópole
abriga desterrados das mais diversas latitudes; gente obrigada a recriar novas
comunidades de pertencimento mas sem conseguir pertencer a lugar algum. A apreciação é de 1996.
Moscou em Nova York
Moscow on the Hudson
Direção:
Paul Mazursky
Produção:
Paul Mazursky
Bavaria
Film, Columbia Pictures Corporation, Delphi
Premier Productions
EUA — 1984
Elenco:
Robin Williams, Maria Conchita
Alonso, Cleavant Derricks, Elya Baskin, Alejandro Rey, Savely Kramarov, Elya
Baskin, Oleg Rudnik, Alekxandr Benyaminov, Lyudmila Kramarevsky, Ivo Vrzal-Wiegand,
Natalya Ivanova, Tiger Haynes, Eyde Byrde, Robert MacBeth, Donna Ingram-Young,
Olga Talyn, Aleksandr Narodetsky, Pierre Orcel, Stephanie Cotsirilos, Frederick
Strother, Anthony Cortino, Betsy Mazursky, Kaity Tong, Royce Rich, Christopher
Wynkoop, Lyman Ward, Joe Lynn, Joy Todd, Paul Mazursky, Thomas Ikeda, Barbara
Montgomery, Dana Lorge, Adalberto Santiago, Sam Moses, Yakov Smirnoff, Sam
Stoneburner, Michael Greene, Rosetta LeNoire, Sal Carollo, Filomena Spagnuolo,
Annabella Turco, George Kelly, Yury Olshansky, Jacques Sandulescu, Emil Feist,
Vladimir Tukan, Mark Rutenberg, Yuri Belov, Igor Panich, Yuri Golovshchikov,
Sina Kasper, Ken Fitch, Murray Grand, Ann E. Wile, Michael T. Laide, Linda
Kerns, Armand Dahan, Jose Rabelo, Jim Goodfriend, Antonia Rey, James
Prendergast, Brandon Rey, Paul Davidovsky, Andrei Kramarevsky, Arkady
Shabashev, Dina Shvarts, Bella Rosenberg, Anatoly Mogilevsky, Mikhail
Shufutinskiy, Donald King, David Medina, Juanita Mahone, Robert Kasel, Kikue
Tashiro, Joyce R. Korbin, Luis Antonio Ramos, Kim Chan e os não creditados
Connie Chung, George Coutoupis, Kim Delgado, Jackée Harry, Udo Kier.
Filmagens de Moscou em Nova York O diretor Paul Mazursky, à direita, com os atores Robin Williams e Cleavant Derricks |
A guerra fria
explodia seus últimos mísseis quando Paul Mazursky realizou Moscou
em Nova York. A oposição entre “liberdade
americana” e “autoritarismo soviético” sempre esteve entre os temas mais caros
do cinema de Tio Sam. Mas os resultados raramente eram satisfatórios. Na
maioria das vezes as realizações se esgotavam no nível da mais superficial e
grosseira propaganda contra o "satânico" regime de Moscou. O que
faltava em senso crítico e equilíbrio sobrava na mais desavergonhada e pueril
exaltação às supostas maravilhas do American way of life.
Williams é o
russo Vladimir Ivanoff. Em Moscou sua vida afunda na falta de horizontes. Deve se
contentar à posição de saxofonista da orquestra do Circo de Moscou até o fim
dos seus dias. O duro e controlador regime comunista não demonstra propensão a
lhe conceder novas oportunidades ao extravasamento do talento artístico. Fora
do trabalho, Vladimir perde tempo em filas intermináveis para adquirir bens
essenciais à sobrevivência. Conseguir papel higiênico é motivo da mais extrema
alegria.
Vladimir Ivanoff (Robin Williams), saxofonista do Circo de Moscou |
Vladimir divide
pequeno apartamento com os pais (Vrzal-Wiegand e Kramarevskaya), a irmã Sasha
(Ivanova) e o avô (Benyaminov). Não dispõe de espaço físico e político para o
desfrute de pequenos e prediletos prazeres: fazer sexo e se entregar à audição
de jazz e blues de procedência estadunidense. Para os encontros amorosos conta com
a boa vontade do amigo e colega Anatoly (Baskin), que lhe cede a moradia.
Quando quer se dedicar “livremente” à música, busca isolamento junto aos
animais do circo.
As autoridades
soviéticas desconfiam da fidelidade de Vladimir. Mas a ele não faltam reserva e
prudência. Sempre soube disfarçar a atração sentida pelo Ocidente. O mesmo não ocorre
a Anatoly, com quem pratica secretamente o inglês.
Robin Williams interpreta Vladimir Ivanoff |
Chega a hora de
mudar de clima. O Circo de Moscou excursiona pelos Estados Unidos e se exibe em Nova York. À troupe,
antes de regressar, é permitida meia hora de compras na famosa e gigantesca Bloomingdale.
Com todos — inclusive a vigilância — fascinados pelos artigos de consumo do
“decadente” mundo capitalista, Anatoly tenta desertar. Mas não demonstra
coragem de seguir em
frente. Diante do vacilo do companheiro, Vladimir aproveita o
momento. É agora ou nunca! Agarra-se ao segurança Lionel Witherspoon (Derricks)
e à atendente Lucia Lombardo (Alonso). Com parco domínio do inglês, pede asilo.
Demora a ser compreendido. Mas logo é disputado pelo FBI e seguranças da
comitiva.
Na Bloomingdale, Wladimir Ivanoff (Robin Williams) - sentado - pede asilo e tenta se entender com os agentes do FBI e a segurança soviética. À esquerda, Lionel Witherspoon (Cleavant Derricks) |
Vladimir Ivanoff (Robin Williams) e Lionel Witherspoon (Cleavant Derricks) |
Valdimir começa a
experimentar a “liberdade” americana. Ao seu redor, facilitando-lhe a integração
e formando uma inicial comunidade de pertencimento, estão Lionel — que o acolhe
em casa —, Lucia e o advogado Orlando Ramirez (Rey) encarregado de lhe
regularizar a situação nos EUA. Formam um trio de expatriados. Dão muito duro
para ter direito a algumas migalhas do sonho americano. Lionel, negro apartado
das raízes africanas é — à semelhança de Vladimir em Moscou — obrigado a se estreitar
num minúsculo apartamento com todos os seus. Lucia — com quem Vladimir viverá
conturbada relação amorosa — tenta esquecer a Itália natal enquanto luta para se
adaptar à nova terra com a numerosa família. Ramirez é cubano foragido. Porém,
os membros do trio de apoio estão, de certa maneira, relacionados a semelhantes
culturais. Assim, podem se adaptar e sobreviver da melhor forma. Com o russo a
situação é dolorosamente complicada. Está cultural e familiarmente só, sem a mínima
possibilidade de remediar a situação.
Lucia Lombardo (Maria Conchita Alonso) e Vladimir Ivanoff (Robin Williams) |
Sobra ao
expatriado Vladimir a desconfortável sensação de abandono e vazio existencial.
Somado a isso está a obrigação da adaptação ao novo sistema. Verá que o sonho
americano não é tão rosa como parecia. Nova York é uma maçã amarga, abrigo de desterrados
de todas as partes. Como ele, pretendem recriar um novo lugar, mas estão obrigados
a não pertencer a parte alguma. Percebe também que a tão sonhada liberdade
exige muito trabalho, nem sempre aquele ao qual se está vocacionado, mas os permitidos
pela oportunidade. A paixão pela música cede lugar, por imposição da
necessidade, ao vendedor de cachorro-quente, atendente de balcão de fast food e motorista em firma de aluguel
de limusines. Quando consegue executar o saxofone ao lado de renomado jazzista,
percebe o quanto precisa se dedicar ao instrumento. Ensaiar não é fácil, ainda
mais em casa, com os ouvidos de tantos vizinhos pouco compreensivos ao redor.
Em Nova York, a necessidade de sobreviver obriga Valdimir (Robin Williams) a se desdobrar em empregos variados - abaixo. Nem sempre é possível ter tempo e lugar para a música - acima. |
Mazursky,
contrariando as expectativas, não fez de Moscou em Nova York peça
de gratuita propaganda contra o regime de Moscou e muito menos um libelo de
exaltação ao modo de vida americano. Seu filme trata de problemas comuns em
qualquer latitude, relacionados à autonomia, liberdade e individualidade. Vê
que tanto Moscou como Nova York, apesar das diferenças dos sistemas políticos,
igualam-se muito no tocante àqueles temas. Muda apenas a concepção do discurso.
Ao perceber as semelhanças nas diferenças, o filme poderia oferecer visão mais
crítica, mas faltou ousadia tanto à direção como ao roteiro de Paul Mazursky e
Leon Capetanos. Moscou em Nova York
tem a vantagem de lançar visão mais nuançada sobre o tema da dicotomia Leste-Oeste.
É bem intencionado mas não passa disso. E, como geralmente se fala, este é o
problema, pois de boas intenções o inferno está cheio. Irretocável mesmo é o
olhar carinhoso que o diretor volta aos personagens — uma constante na sua
filmografia como o provam Harry, o amigo de Tonto (Harry
and Tonto, 1974), Próxima parada, bairro boêmio (Next
stop Greenwich Village, 1976) e Uma mulher descasada (An
unmarried woman, 1978). Também merece destaque a sensível, discreta e
tocante atuação de Robin Williams, ainda distante dos papéis que o
estigmatizaram.
As sequências
ambientadas em Moscou foram encenadas em Munique.
Vladimir Ivanoff (Robin Williams) e Lucia Lombardo (Maria Conchita Alonso) |
Roteiro: Paul Mazursky, Leon Capetanos. Direção de fotografia (Metrocolor):
Donald McAlpine. Música: David
McHugh. Produção do elenco principal:
Joy Todd. Produtor associado:
Geoffrey Taylor. Figurinos: Albert
Wolsky. Montagem: Richard Halsey. Desenho de produção e co-produção: Pato
Guzman. Maquiagem: Joseph Cranzano,
Ingrid Thier (em Munique). Penteados:
William A. Farley, Ingrid Thier (em Munique). Gerentes de unidade de produção em Munique: Gerhard Hegele, Arno
Ortmair. Gerente de produção:
Patrick McCormick. Estagiários do
Directors Guild of America : Paula Brody,
Steve Gilbert, Timothy J. Lonsdale, Thompson O'Sullivan, Jay Tobias. Primeiro
assistente de direção: Alex Hapsas.
Segundo assistente de direção: Joseph
Ray. Assistente de direção em Munique:
Stefaan Schieder. Carpinteiros-chefes:
Frank Didio, Ron Petagna. Contrarregras: John Ford,
Robert Griffon Jr., Klaus Ringel (em Munique), Walter Stocklin. Camareiros: Tony Gamiello, Hans Swanson. Ferramenteiro de construções: James Garland. Carpinteiro stand-by: Joe Greco. Decoração em Nova
York : Steven J. Jordan. Assistente de arte cênica: Vincent Lawrence. Arquiteto em Munique: Karl Loreck. Direção de arte: Michael Molly (em Nova York ), Peter Rothe
(em Munique). Aquisições em Nova York : Herwig
Pollak . Arte cênica: Cosmo Sorice. Efeitos sonoros: John K. Adams, Neil
Burrow, Dick Le Grand. Mixagem da regravação de som: Rick Alexander, Les Fresholtz, Devon Heffley Curry,
Vern Poore. Regravação de diálogos: Barbara
J. Boguski. Aprendiz de edição de som:
Clayton Collins. Ruídos de sala: Ellen
Heuer, Dan O'Connell. Produção da
mixagem de som: Dennis Maitland. Gravação
de som: Kim Maitland, Robert Nichols II. Aprendiz de som: Maggie Ostroff. Edição de diálogos: Steve Rice. Operador de microfones: Daniel Rosenblum. Edição de som: Charles Ewing Smith. Assistente de som em Munique: Thomas Vehrig-Perron. Supervisão da edição de som: David
Lewis Yewdall. Assistentes de efeitos
especiais em Munique: Bernie Grill. Chefe
de efeitos especiais em Munique: Richard Richtsfeld. Coordenação de dublês: Victor Magnotta. Dublê: Dennis O'Neill. Operador
de câmera: Lou Barlia, Dick Mingalone (câmera adicional). Segundo assistente de câmera em Nova York : Ricki-Ellen
Brooke. Primeiro assistente de câmera em Nova York : Sandy
Brooke. Eletricistas: Michael Burke,
Ken Connors, Hans-Juergen Hoepflinger (em Munique). Eletricistas-chefes: Russell Engels, Dieter Zander. Operação de máquinas e ferramentas: James
Finnerty, James W. Finnerty, John Finnerty, Fred Leitensdorfer, George Patsos, Herbert
Sporrer. Técnico de iluminação no set:
Adam Glick. Fotografia de cena: Louis
Goldman. Operador de vídeo playback: Thomas F.
Hanlon. Claquete: Ronald Hersey. Foco: Alexander Witt. Produção
de elenco em Munique: Ilona
Brennicke (extras), Sabine Schroth. Coordenação
de elenco: Meg Mazursky. Supervisão
de guarda-roupa: Michael Dennison. Guarda-roupa
feminino em Munique: Emmi Horoschenkoff. Guarda-roupa: Teresa Alba Schipani, Ursula Schrader. Supervisão de costumes em Munique: Ille
Sievers. Assistente de supervisão de
guarda-roupa: Linda Wayne. Aprendiz
de montagem: Clayton Collins, Brad Fuller, Chip Keye. Montagem do negativo: Helen Hahn, Jim Todd. Colorização: Bob Kaiser. Assistente
de pós-produção: Elizabeth Sayre. Assistente
de montagem: Julie Tanser, Renée Vial (em Munique).Edição musical: Stephen A. Hope. Engenharia musical: Allan Mirchin. Instrutor de saxofone: Gregg Phillips. Saxofonista: Michael Rod. Assistente
de edição musical: Celia Weiner. Capitão
de transportes: Edward Iacobelli. Chefes
de motoristas: Max Schillinger, James Patrick Whalen Jr. (em Munique). Assistente de locações: Patricia
Aldersley. Gerente de locações: Udo
Alter (em Munique). Assistentes de
produção: Sonja Beutura (em Munique), James Hapsas, Jill Mazursky, Michael
McCormick, Mary Meidinger Wilson (em Munique), Blair Bellis Mohr. Assistente de contabilidade da produção:
Donna Cipriani. Assistente de locações:
Neil Connuck, Anastacia DeLonge. Planejamento
de créditos: Wayne Fitzgerald. Instrutor
de russo para Robin Williams: David Gamburg. Coordenação do escritório de produção: Kate Guinzburg. Auditoria da produção: Michael Hill, Annie
Spiegelman. Assistente para Paul
Mazursky: Sue Leibman. Continuidade:
Lillian O. MacNeill. Secretaria
executiva: Price Marshall. Coordenação
do grupo de regravação de som: Mickie McGowan. Coordenação de estúdio: Steve Rose. Assistente para Robin Williams: Mark Rutenberg. Contabilidade da produção em Munique: Renate
Seefeldt. Consultoria técnica: Vladimir
Tukan, Wally West. Publicidade: Nancy
Willen. Gerente de locações: Kim Wolf (Miami
Location), Carl Zucker. Stand-in: Dennis
O'Neill (não creditado). Facilidades de produção em Munique: Arnold & Richter, Bavaria Studios. Empresa de locação de equipamentos: Filmtrucks.
Elaboração de créditos e efeitos óticos:
Modern Film Effects. Fornecimento de
alimentação: Voici. Sistema de
mixagem de som: Dolby. Tempo de exibição:
115 minutos.
(José Eugenio Guimarães, 1996)
Considerando que este filme foi feito na época de Ronald Reagan, apaixonado fanaticamente pelo American Way of Life e belicoso até mesmo em seus discursos de campanha, parece-me até bastante ousada a abordagem, fugindo da propaganda rasa presente em filmes como, por exemplo, "Meias de seda", versão muito piorada (assinada, contudo, por Reuben Mamoulian, que contava entre suas realizações "Argelia", "A marca do Zorro", "Sangue e areia", "Rainha Cristina") de "Ninotchka", de Lubitsch.
ResponderExcluirOlá, Ricardo;
ExcluirPerdão pela demora para me corresponder. Mas nem sempre o sufoco letivo permite tratamento mas pontual. Gosto do "tom baixo" de MOSCOU EM NOVA YORK. É um filme cinzento, bem dirigido e interpretado. Não há exageros e ranços na abordagem. É até crítico, na medida em que um filme americano pode ser, dada a forma em que são produzidos.
Tenho MAMOULIAN, ao qual se referiu como parâmetro, como excelente diretor. Gosto até de MEIAS DE SEDA. ARGÉLIA, no entanto, é de John Cromwell. Foi rodado em 1938 e refilma O DEMÔNIO DA ARGÉLIA ("Pépé le Moko", 1937), do francês Julien Duvivier.
Abraços.