Os irmãos Giuranna se
reencontram para o velório da mãe em pequena cidade de feições rurais ao sul
da Itália. O juiz Raffaele (Phillipe Noiret), o professor e tutor Rocco (Vittorio Mezzogiorno) e o operário Nicola (Michele Placido) reúnem diferentes e divergentes visões dos conflitos sociais e políticos que
punham em xeque o Estado nacional italiano ao longo da década de 70. Posicionamentos
tingidos de radicalismo, idealismo, formalismo e legalismo pontuam em Três
irmãos (Tre fratelli, 1981), de Francesco Rosi, um dos expoentes do
vigoroso cinema político que floresceu na Itália dos anos 60 aos 80. De olho no
futuro, o diretor propõe um diálogo entre o tenso presente e o passado de
contradições mal resolvidas. É um filme oportuno, apesar de parecer estranho à
filmografia de Rosi, devido à abordagem em tom menor, francamente intimista e
carregada de simbologia. A apreciação a seguir é de 1981.
Três irmãos
Direção:
Francesco Rosi
Produção:
Antonio Macri, Giorgio
Nocella
Iter Films (Roma),
Gaumont (Paris)
Itália, França — 1980
Elenco:
Phillipe Noiret, Charles Vanel, Andréa Ferréol, Michele Placido, Vittorio Mezzogiorno, Maddalena Crippa, Sara Tafuri, Accursio di Leo, Luigi Infantino, Girolamo Marzamo, Gina Pontrelli, Ferdiando Greco, Cosimo Milone, Ferdinando Murolo, Maria Antonia Capotorto, Francesco Capotorto, Cristofaro Chiapparino, Marta Zoffoli, Tino Schirinzi, Simonetta Stefanelli, Pietro Bondi.
Phillipe Noiret, Charles Vanel, Andréa Ferréol, Michele Placido, Vittorio Mezzogiorno, Maddalena Crippa, Sara Tafuri, Accursio di Leo, Luigi Infantino, Girolamo Marzamo, Gina Pontrelli, Ferdiando Greco, Cosimo Milone, Ferdinando Murolo, Maria Antonia Capotorto, Francesco Capotorto, Cristofaro Chiapparino, Marta Zoffoli, Tino Schirinzi, Simonetta Stefanelli, Pietro Bondi.
O diretor Francesco Rosi |
Raffaele Giuranna
(Noiret), juiz em Roma; Nicola Giuranna (Placido), operário e sindicalista em
Turim; Rocco Giuranna (Mezzogiorno), professor de menores e tutor de delinquentes
juvenis em Nápoles: são os personagens do título. Cada qual representa uma
classe social. Afastados há algum tempo, reencontram-se para o velório da mãe em cidadezinha de feições rurais ao sul da Itália. Francesco Rosi ― o mais
vigoroso e rigoroso mentor do cinema político italiano ― aproveita a ocasião
para prosseguir na temática que movimenta alguns de seus melhores filmes a
exemplo de O bandido Giuliano (Salvatore Giuliano, 1962), Le
mani sulla cittá (1963), O caso Mattei (Il caso Mattei, 1971) e Cadáveres
ilustres (Cadaveri eccelenti, 1976): a discussão de questões concernentes
à legitimidade do poder e ao contrato social firmado pela Itália a partir de
sua constituição em moderno
Estado nacional. A democracia e os problemas que a fragilizam
ocupam o centro das preocupações do cineasta. Francesco Rosi avança na trilha
aberta pelas indagações gramscianas pertinentes à hegemonia em crise.
O juiz Raffaele Giuranna (Phillipe Noiret) com o irmão, o operário Nicola (Michele Placido) |
O professor e tutor Rocco Giuranna (Vittorio Mezzogiorno) com o pai Donato Giuranna (Charles Vanel) |
Simonetta Stefanelli como a jovem e futura mãe dos irmãos Giuranna |
Na filmografia de
Francesco Rosi, Três irmãos ― indicado ao Oscar de Melhor Filme em Língua Não Inglesa
― segue a Cristo se è fermato a Eboli (1978), inédito nos cinemas
brasileiros, por sua vez posterior ao seco, objetivo, corajoso e documental Cadáveres
ilustres. O filme de agora não repete o impacto das melhores realizações
do diretor. Porém, não deixa de ser oportuno. A maneira de narrar é, ao que
parece, a causa das principais dificuldades de Três irmãos. Mas os
problemas podem decorrer, também, da livre adaptação por Francesco Rosi e
Tonino Guerra do conto O terceiro filho, do russo Andrei
Platonov: resultou numa abordagem em tom menor, expondo um intimismo e uma
simbologia até o momento incomuns ao cinema do diretor. Diante disso, o
espectador que há algum tempo testemunha com relativa atenção o processo
criativo de Rosi não deixa de sentir certo desconforto.
Velando a mãe não
estão apenas os irmãos, mas três visões diferentes e divergentes da realidade
italiana. O juiz Raffaele ― mais velho ― teme um atentado das Brigadas
Vermelhas. Demasiadamente formalista e legalista, está, de certo modo,
desconectado dos aspectos mais concretos da sociedade na qual vive. Rocco ―
adepto intransigente da não violência― é praticamente um prisioneiro do seu
próprio idealismo. O operário Nicola é favorável às alternativas radicais para
levar adiante as bandeiras do setor que representa. O retorno do trio às
origens natais favorece a renovação de reminiscências individuais ― que
explicam aspectos idiossincráticos ― e coletivas ― estimuladoras da confraternização
e da emergência de contradições latentes. Mas é a realidade do presente a causa
dos mais diversos conflitos de opinião. Cada qual emite seus pontos de vista em
discussões acaloradas e tensas. O denominador comum, facilitador do consenso, é
uma miragem distante. Donato (Vanel), o pai idoso e solitário, vive o presente
atado ao passado que confere sentido à sua existência. Está imerso no aparente
imobilismo do mundo agrário, de tensões mal resolvidas, sobre o qual se formou
o moderno Estado italiano. É a impotência dessa organização política que Donato
representa enquanto vaga qual entidade etérea, surda aos problemas que preocupam
os seus filhos. Estes também se mostram perdidos e perplexos diante da recente situação
de orfandade. A mãe defunta é a própria Itália imobilizada nas cadeias de suas
próprias contradições, prestes a se deteriorar.
Raffaele Giuranna (Phillipe Noiret) |
A esperança de
recomposição reside em Marta (Zoffoli), filha criança de Nicola. Passa boa
parte do filme ao lado do avô ou se aventurando nas descobertas de galpões e
corredores antigos da vivenda familiar. Com ela Rosi se propõe ao redescobrir da
História, ao restabelecimento de um diálogo entre o novo e o velho do qual
poderá emergir outro pacto. O sobrevivente Donato adianta essa possibilidade na
derradeira cena do filme, no gesto em que une sua aliança com a da esposa.
Futuro, presente e passado: Marta (Marta Zoffoli), Nicola (Michele Placido) e Donato (Charles Vanel) |
Três irmãos é um filme plasticamente
bonito. Não naufraga sob o peso de personagens esquemáticos. Porém, como
explicar coerentemente uma ação de tão longo alcance de Raffaele? Ao se
ausentar do velório para comprar cigarros, ele reencontra um amor do passado e ainda
viaja a Turim ― extremo norte da Itália ― em busca da ex-esposa (Ferréol), com a qual vem
a passar a noite. O mais espantoso é seu retorno ao ponto de partida, o sul, na
manhã seguinte, onde continua a confabular com os irmãos. Será que Francesco
Rosi tomou liberdades excessivas com o tempo e as distâncias? Ou o comentarista
se distraiu excessivamente em algum ponto da história? Somente a revisão de Três
irmãos para esclarecer as dúvidas.
Roteiro: Francesco Rosi, Tonino Guerra, com base no conto O
terceiro filho, de Andrei Platonov. Direção de fotografia (Technicolor, Technovision): Pasqualino De Santis. Música: Piero Piccioni. Execução
musical: Orchestra dell’Unione Musicisti, Roma. Canção: Je so passo, de Pino Daniele. Inspetor de produção: Lynn Kamera. Secretaria de montagem: Renata Franceschi. Admistração: Vincenzo Lucarini. Secretaria de produção: Lorenzo Errico. Auxiliar de secretaria de produção: Matteo von Normann. Fotografia de cena: Sergio Strizzi. Assistentes de câmera: Roberto
Gengarelli, Massimo Riccioli. Microfone:
Giusepe Muratori. Maquiagem:
Francesco Freda. Penteados: Adalgisa
Favella. Auxiliar de costumes:
Onelio Millenotti. Efeitos especiais:
Renato Agostini. Assistentes de montagem:
Lea Mazzocchi, Bruno Sarandrea. Mixagem:
Romano Checcacci. Sincronização:
Cooperativa di Lavoro Fono Roma. Efeitos
sonoros: Studio Sound, Renato Marinelli. Eletricistas: Fiorangelo Plocc, Franco Boccini, Sergio Marra,
Ettore Zampagni. Gerente de produção:
Franco Ballati. Assistente de direção:
Gianni Arduin. Operador de câmera:
Mario Cimini. Som direto: Mario
Bramonti. Cenografia: Andrea
Crisanti. Figurinos: Gabriella
Pescucci. Montagem: Ruggero
Mastroianni. Organização geral:
Alessandro von Normann. Tempo de
exibição: 111 minutos.
(José Eugenio Guimarães, 1981)
Nenhum comentário:
Postar um comentário