Nos Estados Unidos, Donald faz aniversário. Em meio aos
presentes, Zé Carioca lhe proporciona comemoração especial: acompanhá-lo em jornada de conhecimento à brasileira Bahia e ao México de Panchito. O pato visitara
o Brasil em Alô, amigos (Saludos amigos, 1942), de Wilfred Jackson, Jack Kinney, Hamilton Luske e Bill Roberts. Você já foi à Bahia? (The three caballeros, 1944), de Harold Young, Norman
Fergunson, Clyde Geronimi, Jack Kinney e Bill Roberts, é uma espécie de continuação
aperfeiçoada daquela realização. Ambas estão inseridas na Política de Boa
Vizinhança, esforço diplomático, comercial e político endereçado pelo Tio Sam
aos países ao sul do Rio Bravo no complicado contexto da Segunda Guerra Mundial.
Você
já foi à Bahia? é uma joia meio esquecida do cinema de animação em
conjugação à ação viva. É uma explosão de criatividade embalada musicalmente em
meio a adereços que partem do simples grafismo ao mais inusitado dos
surrealismos. A apreciação é de 1974.
Você já foi à Bahia?
The three
caballeros
Direção:
Harold
Young, Norman Fergunson, Clyde Geronimi, Jack Kinney, Bill Roberts
Produção:
Walt
Disney (não creditado)
Walt
Disney Productions
EUA — 1944
Elenco:
Dora Luz, Aurora Miranda, Carmem
Molina, Sterling Holloway, Clarence Nash, Joaquin Garay, José de Oliveira,
Frank Graham, Fred Shields, Nestor Amaral, Almirante, Trio Calaveras, Ascencio
Del Rio Trio, Padua Hills Players, Billy Daniel.
Você já foi à
Bahia? é deliciosa e delirante continuação aperfeiçoada de Alô,
amigos (Saludos amigos, 1942), de Wilfred Jackson, Jack Kinney,
Hamilton Luske e Bill Roberts. Como este, é fruto da Política de Boa Vizinhança
implementada pelos Estados Unidos da América durante a Segunda Guerra Mundial.
Tratava-se de vigorosa ofensiva diplomática e comercial direcionada aos países
do sul do continente, na qual Tio Sam não media esforços para se apresentar
como vizinho simpático e atencioso.
Walt Disney passeando pelo Rio de Janeiro |
Nessa investida — na qual o cinema e Walt Disney serviram de pontas de
lança —, os EUA se abriam em duas frentes. Na primeira, exorcizavam o fantasma
do Nazismo em suas pretensões de consolidar bases na América do Sul e, na
segunda, abriam novos mercados para seus produtos, compensando assim a perda
temporária da Europa, tumultuada e devastada pela guerra. Nesse momento, a
América do Sul se tornaria, de fato, área de influência estadunidense. Antecipava-se
também a divisão do mundo em blocos ideológicos, o que ocorreria realmente no imediato
pós-guerra, no processo conhecido por Guerra Fria.
Aurora Miranda com o Pato Donald |
Zé Carioca — o
disneyano personagem brasileiro e malandro — foi criado em tal contexto. Apareceu
pela primeira vez em Saludos amigos. Atendia pelo nome de
Joe Carioca. Foi inspirado em desenho de J. Carlos e no perfil do violinista José
Patrocínio de Oliveira ou Zezinho de Oliveira. É autêntico fruto da Política de
Boa Vizinhança. Enquanto recebíamos produtos artísticos e as atenções dos
Estados Unidos, Carmem Miranda "selava" informalmente os acordos,
mudando-se do Rio de Janeiro para Los Angeles e Hollywood. A cantora
brasileira, apesar de portuguesa de nascimento e estilizada, foi mostrar aos
gringos o que a Bahia tem. Em troca recebemos Zé Carioca, concebido segundo a
imagem exótica e estereotipada que os estadunidenses assimilavam do Brasil e
dos brasileiros.
Joe Carioca ou Zé Carioca |
Aurora Miranda - Foto cedida por Marcos Maurício Mendes Lima, de seu acervo pessoal, a quem o blog agradece |
Você já foi à
Bahia? é eficiente colagem de esquetes. Começa com o Pato Donald bruscamente
acordado pela entrega de enorme embrulho no dia do seu aniversário. O pacote
contém presentes enviados pelos amigos da América do Sul: projetor
cinematográfico, filme com três historietas — Pablo the penguin, sobre um exótico e friorento pinguim que resolve migrar para as quentes Ilhas Galápagos, situadas na faixa do Equador; Strange birds, com apresentação em desenho animado de vários pássaros típicos das matas sul americanas, dentre os quais o Aracuã, também conhecido como o "vagabundo das selvas"[1]; e The flying gauchito, acerca das estripulias de um travesso garoto dos pampas acompanhado de
um irrequieto burrinho voador — e livro sobre o Brasil, de cujas páginas salta Zé Carioca
saudando o aniversariante e cantando Você já foi à Bahia?, de Dorival
Caymmi. Sem muitas delongas o pato é levado a uma viagem de reconhecimento ao estado baiano, situado na região Nordeste do Brasil. Segue-se magnífica e estilizada encenação
de Na
baixa do sapateiro, de Ary Barroso em versão de Ray Gilbert e voz de
Nestor Amaral, integrante do Bando da Lua. Logo após, os desenhos são
conjugados à animação viva: Donald e Zé Carioca dançam com Aurora Miranda e o Bando da Lua ao
som de Os quindins de Iaiá — também de Ary Barroso — e coreografados pelo narrador
da história: Aloysio de Oliveira.
Pablo, o pinguim friorento |
O Aracuã, também conhecido como "vagabundo das selvas" |
O gauchinho e seu burrinho alado |
Pato Donald, Panchito e Zé Carioca no México |
O México é a
próxima parada. Donald e Zé Carioca são recebidos pelo estridente galo
Panchito. Encenam-se, em sucessão de fotogramas fixos, aspectos da cultura popular mexicana como a tradição natalina da piñata e sua origem explicada pelo conto Las posadas. Daí em diante a animação adquire ritmo estonteante. Há sequências antológicas
do trio cantando Los três caballeros, versão para Ay, Jalisco no te rajes,
de Manuel Esperón, numa explosão ímpar de cores, luzes e movimentos. A calma
volta com Dora Luz dando vida à malemolência de Solamente una vez, de
Agustín Lara, transposta para You belong to my heart. Carlos
Ramirez interpreta México e Carmem Molina dança ao som de Jesusita, momento no qual
o surreal mais desvairado domina a tela em fantástica movimentação de imagens.
Donald, Panchito e Zé Carioca sobrevoam o México no tapete voador |
Las posadas |
Donald encantado com Dora Luz cantando You belong to my heart, versão de Solamente una vez, de Agustín Lara |
Você já foi à
Bahia? combina com perfeição para a época a animação de desenhos com
personagens de carne e osso. Conjuga cenários que saltam do mais puro grafismo
às concepções mais inusitadas de luzes, sombras e movimento. O ritmo é rápido,
de moderna agilidade, apesar de sofrer alterações constantes em virtude de sua
estrutura episódica. O resultado final no tocante ao conjunto é dos melhores em
termos de fluência cinematográfica.
Consultores: Gilberto Souto, Aloysio de Oliveira. Direção de sequências de ação viva: Harold
Young. Direção de fotografia (Technicolor)
em sequências de ação viva: Ray Rennaham. Direção de arte em sequências de ação viva: Richard F. Irving. Coreografia em sequências de ação viva:
Billy Daniels, Aloysio de Oliveira, Carmelita Maracci. Números musicais: The three caballeros (Manuel
Esperon); Bahia (Ary Barroso); Na baixa do sapateiro (Ary Barroso);
Os
quindins de Iaiá (Ary Barroso); You belong to my heart (Augustin
Lara); México (Charles Wolcott), por Carlos Ramirez; Jesusita,
por Carmen Molina. Direção de
Technicolor em sequências de ação viva: Natalie Kalmus, associada a Morgan
Padelford. Consultor de cor em
sequências de ação viva: Phil Dike. Processamento
de efeitos em sequências de ação viva: Ub Iwerks. Processos técnicos em sequências de ação viva: Richard Jones. Montagem em sequências de ação viva:
Don Halliday. Gravação de som em
sequências de ação viva: C. O. Slyfield. Gerente de produção em sequências de ação viva: Dan O'Keefe. Supervisão de línguas: John Cutting,
associado a Gilberto Souto, Aloysio de Oliveira, Sidney Fields, Edmundo Santos.
Produtor associado: Harry Lansburg.
Animadores: John Sibley, Franklin
Thomas, Bob Carlson, Ward Kimball, Fred Moore, Bill Justice, Eric Larson, Don
Patterson, Hal King, John Lounsbery, Les Clark, Ollie Johnston, Marvin
Woodward, Harvey Tombs, Charles Philippi, Milt Neil, Milt Kahl, Jack Boyd (não
creditado), Fred Kopietz (não creditado), Paul Murry (não creditado), John Reed
(não creditado). Efeitos especiais de
animação: Josh Meador, George Rowley, Edwin Aardal, John McManus. Layout: Donald Da Gradi, Yale Gracey,
Hugh Hennesy, Herbert Ryman, McLaren Stewart, John Hench, Charles Philippi,
Karl Karpé (não creditado), Lance Nolley (não creditado). Desenhos de fundo: Albert Dempster, Art Riley, Ray Huffine, Don
Douglas, Claude Coats. Roteiro:
Homer Brightman, Ernest Terrazzas, Ted Sears, Bill Peet, Ralph Wright, Elmer
Plummer, Roy Williams, William Cottrell, Del Connell, James Bodrero, Joe Grant
(não creditado), Dick Huemer (não creditado), Webb Smith (não creditado). Música original e direção musical:
Charles Wolcott, Paul J. Smith, Edward H. Plumb. Letras de canções: Ray Gilbert. Supervisão
artística: Mary Blair, Kenneth Anderson, Robert Cormack. Direção de sequências animadas: Clyde
Geronimi, Jack Kinney, Bill Roberts. Assistentes
de direção de sequências: Mike Holoboff (não creditado), Rusty Jones (não
creditado), Ted Sebern (não creditado), Bee Selck (não creditado). Supervisão de produção e direção geral dos
desenhos: Norman Fergunson. Assistente
de supervisão de produção: Larry Lansburgh. Vozes originais: Joaquin Garay (Panchito), Clarence Nash (Donald),
José Patrocínio de Oliveira (Zé Carioca). Sistema
de mixagem de som: RCA Sound System. Consultor
técnico em sequências de ação viva: Gail Papineau. Apresentador: Walt Disney. Tempo
de exibição: 71 minutos.
(José Eugenio Guimarães, 1974)
[1] Na mesma época o Aracuã aparecerá em desenhos animados curtos, nas companhias de Donald e Mickey, e também no longa Tempo de melodia (Melody time, 1948), de Clyde Geronimi, Wilfred Jackson, Jack Kinney e Hamilton Luske.
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