Lógica
alguma decide a apreciação da vez neste blog, que não a ilogicidade do sorteio.
Números dispersos ‘pelo tabuleiro’ organizam a escolha. Até o momento, a boa
sorte indicou textos acerca de filmes no mínimo aceitáveis e instigantes. Agora,
o azar elegeu uma das mais vagabundas produções: O ouro de Mackenna (Mackenna’s gold, 1969), de J.
Lee Thompson. Então, está bom! Assim seja! Espero manter o padrão do acaso
quando o eleito versar sobre alguma aventura de Maciste, um western spaghetti de fundo de quintal ou seu similar feijoada, uma comédia com Lando
Buzzanca, até um Jesse
James contra Drácula, coisas às quais assistimos somente na inocência
da infância ou quando tomamos a estúpida decisão racional de vê-las com o
objetivo de criticar com base.
O ouro de Mackenna
Mackenna's Gold
Direção:
J. Lee Thompson
Produção:
Carl
Foreman, Dimitri Tiomkin
Columbia
Pictures Corporation, Highroad Productions
EUA
- 1969
Elenco:
Gregory
Peck, Omar Sharif, Telly Savalas, Camilla Sparv, Keenan Wynn, Julie Newmar, Ted
Cassidy, Lee J. Cobb, Raymond Massey, Burgess Meredith, Anthony Quayle, Edward
G. Robinson, Eli Wallach, Eduardo Ciannelli, Dick Peabody, Rudy Diaz, Robert
Phillips, Shelley Morrison, Robert Porter, John Garfield Jr., Pépe Callahan,
Madeleine Taylor Holmes, Duke Hobbie, Victor Jory e o não creditado Trevor
Bardette.
O diretor J. Lee Thompson |
J. Lee Thompson
me forneceu inesquecíveis momentos de prazer durante a infância. Deliciou-me,
dos 8 aos 12 anos, com a aventura Taras
Bulba, o cossaco (Taras
Bulba, 1962), a comédia A
guerra no harém (John
Golfarb, please come home, 1964) e o drama bélico Os canhões de Navarone (The guns of Navarone,
1961). Dele ainda vi, em 1971, mal entrando na adolescência, o assustador — ao
menos para a época — Círculo
do medo[1] (Cape fear, 1961).
Jamais revi algum
desses filmes. Aliás, para evitar decepções é melhor não revê-los. Não depois
de ser tardiamente exposto às imagens de O
ouro de Mackenna, western tão ambicioso como malfadado, rodado em esplendorosos cenários naturais dos EUA: Grand Canyon, Chelly
National Monument, Glen Canyon National Recreational Area, Mesas Hopi, Kanab,
Flagstaff, Snow Canyon, Johnson Cayon, Rogue River e — sacrilégio dos
sacrilégios — o fordiano[2] Monument Valley.
Poucos filmes
conseguem ser tão ruins. O
ouro de Mackenna é, em
tudo, deplorável. As interpretações são constrangedoras; os diálogos, risíveis; os efeitos especiais, primários; o roteiro, equivocado; a montagem, desastrosa;
as backprojections,
abomináveis; a direção, inexistente. Até o Sol lança sombras impossíveis no
meio de tanta catástrofe. De uma hora para outra a história fica entulhada de
gente, interpretada, inclusive, por atores famosos e respeitáveis como Keenan
Wynn, Lee J. Cobb, Raymond Massey, Burgess Meredith, Anthony Quayle, Edward G.
Robinson e Eli Wallach. O espectador, abestalhado, chega a pensar que vai
assistir a uma gigantesca cavalgada, capaz de levantar toda a poeira do Oeste.
Ledo engano. A multidão logo desaparece. Sequer teve tempo para esquentar os
assentos tomados no chão. É abatida por Apaches ciosos na guarda de seu
cobiçado e sagrado patrimônio, por ambiciosos soldados da cavalaria, pelos
companheiros ou tragada pelos muitos acidentes geográficos espalhados pelo
caminho. Sobrevivem o bandido Colorado (Sharif), o xerife Mackenna (Peck), o
sargento Tibbs (Savalas), a perigosa e enciumada índia Hesh-Ke (Newmar[3]), a insossa mocinha Inga (Sparv) e o guerreiro Hachita (Cassidy). Somente estes
bastam para pagar, em tempo quase integral, um dos maiores “micos” de toda a
história do cinema, se bem que somente três chegam vivos ao final da história.
J. Lee Thompson, pelo visto, matou mais gente que o terremoto bolado por Janet
Clair para aliviar a confusão que tomou conta da trama da novela Anastásia, a mulher sem destino,
escrita por Emiliano Queiroz e exibida pela TV Globo em 1967.
A Columbia
Pictures arriscou perto de 100 milhões de dólares na produção de O ouro de Mackenna.
Recuperou, quando do lançamento, apenas a quinta parte disso. Pretendia um
filme com três horas de duração e exibição em Cinerama. A produção ficou por conta do blacklisted[4] Carl
Foreman, também roteirista, e de Dimitri Tionkim — um dos mais renomados
compositores do cinema estadunidense, que deve ter amargado, até o fim dos seus
dias, o desvio de função a que se submeteu. As filmagens aconteceram em 1967,
mas o filme só ficou pronto para lançamento dois anos depois. Nesse meio tempo
a Columbia pisou no freio. Substituiu o Cinerama pelo Super Panavision 70 mm e
deixou o tempo de exibição em 128 minutos. Para o público não se perder, devido
aos furos deixados pela brutal abreviação da trama, apelou ao recurso da
narração explicativa na voz do ator Victor Jory.
Mackenna (Gregory Peck) e Cão da Pradaria (Eduardo Ciannelli) |
A história se
passa em 1874, no Arizona. O xerife Mackenna, ex-garimpeiro que passou anos
procurando inutilmente uma mítica montanha de ouro situada em terras apaches,
depara-se com o mapa indicativo do local, protegido por velho e moribundo índio Cão da Pradaria (Ciannelli). Colorado e seu bando também procuram o tesouro. Ao saber que
Mackenna memorizou o mapa antes de queimá-lo, o bandido toma-o como guia.
Integra o grupo a refém Ingá. A jornada é demorada, pontuada de percalços. Ao
acompanhá-la, o espectador é submetido a um show de péssimas interpretações.
Gregory Peck, visivelmente contrariado, lembra o personagem do Capitão Ahab,
que incorporou em Moby Dick (Moby Dick, 1956), de
John Huston. Omar Sharif, excessivamente histriônico, parece uma imitação
barata do bandido Joe Erin, vivido por Burt Lancaster em Vera
Cruz (Vera Cruz,
1954), de Robert Aldrich. Camila Sparv é um peso morto. Salvam-se, de certo
modo, Telly Savalas e Julie Newmar.
Sargento Tibbs (Telly Savallas), Mackenna (Gregory Peck) e Colorado (Omar Sharif) |
Para localizar a
posição correta da montanha de ouro, é fundamental a ajuda do Sol. Assim que
nasce, o astro-rei comete o despautério de projetar, a partir de um pináculo
rochoso, uma sombra sem tamanho, que se alonga com rapidez impressionante. De
repente, o espectro para, inexplicavelmente. Até parece que o planeta deixou de
girar ou o Sol pensou que havia algo de errado. Afinal, sombra DAQUELE tamanho
e NAQUELA direção só poderia ser projetada no meio da tarde, nunca pela manhã.
O tesouro é
encontrado. O brilho do ouro é tão intenso a ponto de fazer crer que foi usada
tinta dourada das mais reluzentes para tingir a parte da montanha que exibe os
veios. Mas alegria de pobre dura pouco. Os apaches entram em cena. Cavalgam aceleradamente em volta do vale,
provocando um terremoto que sepulta, sob toneladas de rocha, a riqueza tão
cobiçada. Com exceção do Sargento Tibbs e de Hachita, morto a flechas, o
primeiro, e a tiros, o segundo, aos demais só resta a opção da fuga desesperada
para evitar o fatal soterramento. Apresentam-se, então, sequências de humor
involuntário, provocadas pela ruindade dos efeitos especiais e das backprojections. Nem no começo
do cinema, quando os recursos técnicos ainda engatinhavam, viam-se momentos tão
constrangedores. Os épicos italianos sobre os míticos Maciste, Hércules e
Mongol — de tão triste memória — são menos risíveis. A movimentação de terra
por conta do terremoto parece obra de um minhocuçu agitado por conta de seus
movimentos peristálticos. Na fuga, Hesh-Ke morre. Vai ver, foi punida pela
ousadia de nudez (insólita para um western) que apresentou num breve momento
bucólico da história. Sofreu morte injusta e machista, pois Omar Sharif também
se deixou mostrar parcialmente nu na mesma sequência e acabou poupado.
Hesh-Ke (Julie Newmar) |
Clint Eastwood
foi cogitado para o papel de Mackenna. Por sorte, estava comprometido com as
filmagens de A marca da
forca (Hang ‘em
high, 1968), de Ted Post. Azar de Gregory Peck, que serviu de piloto à
nau frágil e desgovernada de O
ouro de Mackenna.
Roteiro: Carl
Foreman, baseado na novela de Will Henry. Música: Quincy
Jones. Canção-tema: Old Turkey Buzzard, de
Quincy Jones, interpretada por José Felciano. Direção de fotografia
(Technicolor, Panavision): Joseph MacDonald. Montagem: Bill
Lenny. Desenho de produção: Geoffrey Drake. Direção de
arte: Geoffrey Drake, Cary Odell. Decoração: Alfred
E. Spencer. Figurinos: Norma Koch. Penteados: Virginia
Jones. Gerente de produção: Ralph E. Black. Assistente
de direção: David Salven. Segundo assistente de direção: Tom
Shaw. Carpintaria: Eugene J. Reed (não creditado). Combinação
estereofônica de sons: John Blunt, pela Cine Tele Sound; Bob Jones,
por Shepperton Studios. Assistente de edição de som: Peter
Bond. Supervisão de som: Derek Frye. Edição de som: Jeanne
Henderson, Bill Taylor (não creditado). Unidade de gravação de som: William
Randall Jr. Som: John Blunt (não creditado), Bob Jones (não
creditado). Gravação de ruídos: Tony Dawe (não
creditado). Efeitos especiais: Daniel Hays (não
creditado). Efeitos especiais visuais: Lawrence W. Butler,
Geoffrey Drake, John Mackey, Willis Cook e Bob Cuff, pela Abacus Productions
Ltd. Pintura matte: Joy Cuff (não creditado). Coordenação
de dublês: Robert 'Buzz' Henry. Dublês (não creditados): May Boss, Buff Brady, Jim
Burk, Steven Burnett, Joe Canutt, Fred Dale, Pete Dunn, Jeannie Epper, Bob
Herron, Terry Leonard, Neil Summers, Buddy Van Horn, Jack Williams. Fotografia
adicional: Donald C. Glouner, John Mackey, Richard Moore. Fotografia
da segunda unidade: Harold E. Wellman. Operador de câmera: Emil
Oster (não creditado). Associados à montagem: Donald Deacon,
John F. Link, Raymond Poulton. Primeiro assistente de montagem: Lois
Gray. Orquestração: Jack Hayes, Leo Shuken, Leo Arnaud (não
creditado), Gus Levene (não creditado). Motoristas (não creditados): Gene
Clinesmith, Frank Khoury. Instrutor de diálogos: Bobby Hoffman
(não creditado). Companhia de efeitos especiais: Abacus
Productions Ltd. Companhias de combinação estereofônica de som: Cine
Tele Sound, Shepperton Studios. Agradecimentos à: International Alliance of Theatrical Stage Employees, The United
States Department of Interior, National Park Service. Palco de
som: Sunset Gower (não creditado). Tempo de exibição: 128
minutos.
(José Eugenio
Guimarães, 2013)
[1] Cape fear foi
refilmado por Martin Scorsese em 1991. Foi intitulado como Cabo do medo no
Brasil.
[2] Alusão ao diretor John Ford, a quem se devem os
melhores registros cinematográficos do Monument Valley.
[3] Julie Newmar é a mais famosa intérprete da Mulher Gato
no seriado de TV dos anos 60 Batman, o homem
morcego, estrelado por Adam West
(Batman/Bruce Wayne) e Burt Ward (Robin/Dick Grayson). Ela dividia o papel com
as atrizes Eartha Kitt e Lee Meriwether.
[4] Carl Foreman, roteirista de Matar ou morrer (High
noon, 1952), de Fred Zinnamann, foi perseguido pelo Comitê de
Investigação de Atividades Anti-Americanas no começo dos anos 50. Acusado de
simpatizante do comunismo, foi posto na lista negra dos estúdios e impedido de
trabalhar. Buscou exílio na Inglaterra.
Realmente foi um grande desperdício de elenco e cenários. Filme facilmente esquecível, que eu tenho na minha coleção de faroestes somente pelos atores. Nem lembrava que Julie Newmar (Catwoman) participava. hehehe
ResponderExcluirAry Ximendes
De fato, Ary Ximendes.
ExcluirO pior, no meu caso, foi que me preparei todo para ver este filme tão tardiamente. Quebrei a cara em grande estilo.
Abraços.
O ator mais à vontade no filme foi o urubu-rei (turkey-buzzard, da música cantada por José Feliciano) que apareceu na primeira cena. Taras Bulba foi agradável de ver, novamente, e bem assim os Canhões de Navarone - com roteiro de Foreman, e boas interpretações de Peck, Anthony Quinn, Anthony Quayle e Irene Papas. Foreman costumava ser um bom roteirista. Dir-se-ia que, com este filme, ele e Thompson talvez tivessem embarcado numa bebedeira...
ResponderExcluirRicardo,
ExcluirA visão tardia que lancei sobre "O ouro de Mackenna", fez-me temer qualquer revisão de J. Lee Thompson. Aliás, acredito que explicitei esse temor no comentário. Sei que não pode ser assim, ainda mais porque gostei muito de alguns títulos dirigidos por ele, dentre os quais os listados por você. Vibrei com "Os canhões de Navarone" e "Taras Bulba", apavorei-me com "O círculo do medo". Mas "O ouro de Mackenna" é um porre descontrolado do início ao fim.
Abraços.
Não conheço o filme, mas vou procurar assistir para saber o que eu acho dele, curti seu blog, parabéns.
ResponderExcluirArthur Claro
http://www.arthur-claro.blogspot.com
Olá, Arthur Claro.
ExcluirGrato por sua participação. Desculpe-me pela demora da resposta. Nem sempre a gente se vê diante de tempo hábil. Espero que tenha encontrado o filme. Gostaria de saber o seu parecer. O meu blog é simples e destina-se quase exclusivamente à exposição de minhas relações com os filmes que assisti e venho assistindo.
Forte abraço.
Olá, José!
ResponderExcluirAinda não assisti (e nem sei se tenho coragem, depois de tantas críticas negativas em torno dele). Mas seu comentário que me arrancou boas risadas. Pelo menos para isso esse filme serve, rs...
Um abraço!
Olá, Thomaz;
ExcluirO filme é ruim demais da conta! Também me arrancou muitas risadas involuntárias. Por causa disso, procurei elaborar uma apreciação bem humorada. Ao menos para isso essa porcaria de "O ouro de Mackenna" deve servir. Mas não fique preso ao que escrevi. Faça a sua própria avaliação após assistir, também, ao filme de Thompson. Participe desta ruindade. Coragem, vamos!
Abraços.
Olá
ResponderExcluirAssisti várias vezes este filme
Sempre achei que G.Peck não vestiu a pele do personagem .
Lendo seu comentário cheguei a conclusão que o roteiro não vestiria nem Clint .
Obrigadooo
Excelente publicação
Olá, Marina!
ExcluirPercebe-se nitidamente a insatisfação de Gregory Peck com o filme e o personagem. A película é por demais desastrosa. Ainda assim, conta com muitos apreciadores. Obrigado por comparecer. Abraços.