domingo, 20 de agosto de 2017

PASSADOS 37 ANOS, O CÉU CONTINUA ESPERANDO POR JOE PENDLETON

O ator, produtor e irmão mais novo de Shirley MacLaine, Warren Beatty, não convenceu Cary Grant a abandonar a aposentaria para reviver Mr. Jordan, interpretado por Claude Rains em Que espere o céu (Here comes Mr. Jordan, 1941), de Alexander Hall. Também não obteve sucesso na pretensão de escalar para o elenco o boxeador e campeão mundial dos pesos-pesados Cassius Marcellus "Muhammad Ali" Clay Jr. Por causa dessa impossibilidade e devido à insegurança para interpretar um lutador de boxe, preferiu alterar a modalidade esportiva praticada por Joe Pendleton (Robert Montgomery) no filme de Hall. O personagem se tornou jogador de football, esporte familiar a Beatty, na realização que lhe possibilitou estrear na direção — coadjuvado por Buck Henry — com relativo sucesso em O céu pode esperar (Heaven can wait, 1978). É praticamente uma retomada ao pé da letra do título de 1941, porém, afinada às demandas sociais e políticas dos anos 70. A história é conhecidíssima. Por excesso de zelo de um anjo da guarda apressado, Joe Pendleton — agora vivido por Warren Beatty — é despachado para o céu quando lhe faltavam muitos anos para viver. Para reparar o grave equívoco, o gerente celestial Mr. Jordan (James Mason) é obrigado a descer ao plano dos mortais. No entanto, devolver uma alma à existência terrena não depende de simples milagres. A tarefa exigida se revelara divertidíssima e das mais complicadas. Apesar da hesitação de Warren Beatty — esperada em um filme de estreia — O céu pode esperar é comédia das mais alegres e fluidas, plenamente valorizada pelo elenco. Ainda assim, deixa saudades da realização de Alexander Hall. Uma circunstancial compensação à recusa de Cary Grant: sua esposa Dyan Cannon interpreta a assassina Julia Farnsworth. Segue apreciação escrita em 1980, revista e atualizada em 1993.






O céu pode esperar

Heaven can wait

Direção:
Warren Beatty, Buck Henry
Produção:
Warren Beatty
Paramount Pictures
EUA — 1978
Elenco:
Warren Beatty, Julie Christie, James Mason, Jack Warden, Dyan Cannon, Vincent Gardenia, Charles Grodin, Buck Henry, Joseph Maher, Hamilton Camp, Arthur Malet, Stephanie Faracy, Jeannie Linero, Harry D. K. Wong, George J. Manos, Larry Block, Frank Campanella, Bill Sorrells, Dick Enberg, Dolph Sweet, R. G. Armstrong, Ed V. Peck, John Randolph, Richard O'Brien, Joseph F. Makel, Will Hare, Lee Weaver, Roger Bowen, Keene Curtis, William Larsen, Morgan Farley, William Bogert, Robert E. Leonard, Joel Marston, Earl Montgomery, Bernie Massa, Peter Tomarken, William Sylvester, Lisa Blake Richards, Charlie Charles, Nick Outin, Jerry Scanlan, Jim Boeke, Marvin Fleming, Deacon Jones, Les Josephson, Jack T. Snow, Curt Gowdy, Al DeRogatis, Robert C. Stevens, Allison Caine, Penelope Milford e os não creditados Joe Corolla, Charlie Cowan, Garrett Craig, Paul D'Amato, Robert Fortier, Bryant Gumbel, Jim Healy, Chick Hearn, Elliott Reid, Byron Webster.



Buck Henry e Warren Beatty, atores e diretores de O céu pode esperar (Heaven can wait)



O ator e produtor Warren Beatty estreia na direção — coadjuvado pelo ator e roteirista Buck Henry — com a refilmagem de Halfway to heaven, peça de Harry Segall levada às telas pela primeira vez em 1941, por Alexander Hall: Que espere o céu (Here comes Mr. Jordan). Roteirizada por Sidney Buchman e Seton I. Miller, estrelada por Robert Montgomery, Claude Rains, Edward Everett Horton, James Gleason, Evelyn Keyes, Rita Johnson e John Emery, é um clássico do fantástico e uma das mais agradáveis e despretensiosas comédias do cinema estadunidense. Conta a história do boxeador Joe Pendleton (Montgomery), levado ao céu antes do cumprimento do tempo de vida regulamentar pelo excesso de zelo do mensageiro celeste interpretado por Edward Everett Horton. Descoberto o equívoco, não há como corrigi-lo da melhor maneira: o corpo que servia de morada ao espírito apressadamente liberado foi cremado. Para solucionar o imbróglio entra em cena o Senhor Jordan (Rains), gerente de uma das estações de entrada nos domínios paradisíacos. Já que nem tudo depende de milagres, a solução é rodar o mundo em busca de novo suporte para o boxeador. Isso não oferece dificuldades, pois mortes sempre acontecem. Porém, Pendleton está no auge da forma física e não lhe agradam as opções disponíveis.


Produção das mais competentes, Que espere o céu guarda o encanto da época em que foi realizado. Hoje, o cinema não sabe mais fazer filmes assim. A história, otimista e ingênua, brinca à vontade com as possibilidades do "outro mundo". Parece oferecer um oportuno contraponto ao momento de cruéis incertezas decorrentes da Segunda Guerra Mundial.


A refilmagem O céu pode esperar é roteirizada por Beatty, Elaine May e o não creditado Robert Towne. Estourou nas bilheterias dos Estados Unidos e Canadá. Fez boa carreira no circuito exibidor brasileiro. Nos diversos locais em que foi exibida, recebeu, em geral, aclamação entusiasmada de parcelas significativas da crítica vivamente interessadas na estreia do irmão mais novo de Shirley MacLaine na direção. A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood também percebeu qualidades na produção. Indicou-a nove prêmios Oscar em 1978: Filme, Direção, Roteiro Adaptado, Ator (Beatty), Ator Coadjuvante (Warden), Atriz Coadjuvante (Cannon), Direção de Arte, Música Original e Direção de Fotografia.



Acima e abaixo: Warren Beatty como o jogador de football Joe Pendleton


Ninguém previa tão boa repercussão, muito menos Warren Beatty. Ele, certamente, pretendia somente mostrar capacidade na direção. Foi além do esperado. Se os resultados finais não são extraordinários, geraram, no entanto, diversão equilibrada e descompromissada, bem dosada no humor ameno e envolvente. O ator, produtor, diretor e roteirista passou no teste. O céu pode esperar é comédia como há muito não se via. A surpresa confere à realização um ar de novidade e explica, em parte, o grande sucesso de público, principalmente entre os espectadores menos exigentes e afeitos à diversão ligeira e desinteressada. Entretanto, provavelmente por insegurança, Beatty se conteve demasiado e evitou correr riscos com ousadias. Praticamente refilma Que espere o céu ao pé da letra. O surpreendente número de indicações aos prêmios da Academia apenas inflou artificialmente o valor de uma obra correta, mas não merecedora de tanto. A realidade se confirmou quando da entrega das premiações. Apenas a direção de arte levou a estatueta[1].


O elenco é o melhor trunfo de O céu pode esperar. Todos rendem bem, mas perdem na comparação com os integrantes do elenco de 1941. Perto de Robert Montgomery, Beatty parece muito comedido. Do mesmo mal padece James Mason: seu Mr. Jordan não é páreo para o desempenho de Claude Rains. Dyan Cannon no papel de Julia — esposa perua e assassina de Leo Farnsworth, titular do primeiro corpo a receber o espírito de Joe Pendleton — e Charles Grodin — o amante cúmplice e infiel secretário Tony Abbott — rendem bem embora pudessem ter melhor aproveitamento diante do que ofereceram Rita Johnson e John Emery. Já o atrapalhado mensageiro celestial interpretado por Buck Henry deixa saudades do insuperável Edward Everett Horton. Porém, a maior perda no filme de Beatty e Henry reside no personagem de Max, o treinador de football: o bom Jack Warden está muito distante do velho, saudoso, excelente e esquecido ator característico James Gleason. Julie Christie como Betty Logan — por quem Joe se apaixona — infelizmente não diz a que veio e perde para Evelyn Keyes. A intérprete de Lady Triminghan em O mensageiro (The go-between, 1971), de Joseph Losey, oferece desempenho muito abaixo das possibilidades.


Falecido antes do tempo de vida regulamentar, Joe Pendleton (Warren Beatty) tenta resolver a situação com seu desastrado anjo da guarda (Buck Henry)

Joe Pendleton (Warren Beatty) entre Mr. Jordan (James Mason) e anjo da guarda (Buck Henry)


Em O céu pode esperar Joe Pendleton é zagueiro de football do Rems. Beatty alterou a atividade do personagem por falta de afinidade com o boxe — esporte privilegiado na realização de Alexander Hall — e pela impossibilidade de contar com a participação de Cassius "Muhammad Ali" Clay no elenco. Também não era estranho à modalidade esportiva que escolheu para o filme. Praticou-a intensamente durante o tempo da universidade.


Pendleton teria a grande chance de provar o talento ao público em partida decisiva e próxima. Infelizmente, é atropelado quando se exercitava na bicicleta[2]. A cena seguinte já o revela nas paragens celestes, acompanhado do anjo receptador de almas (Henry). Porém, o plano de vida do personagem só previa o falecimento em 50 anos, em 30 de março de 2025. Para piorar, é impossível retornar ao corpo que sempre conheceu — imediatamente recolhido, velado e cremado. Depois de muita procura, o espírito do atleta se materializa provisoriamente na estrutura física do corrupto e ganancioso milionário Leo Farnsworth, assassinado pela esposa Julia em conluio com Tony. Não era a melhor opção. Todavia, o espírito de Joe ficou fascinado com Betty Logan. Esta procurava o magnata para resolver pendências relacionadas às atividades predatórias de uma refinaria da Exo-Grey — empreendimento do falecido — na cidade inglesa de Pagglesham.


Joe transforma a raposa Leo Farnsworth em milionário altruísta, simplório, desajeitado e inapto para negócios. Atende às reivindicações de Betty. Porém, não esqueceu o football, paixão primeira, e a fixação amadora pelo saxofone tal qual o personagem vivido por Robert Montgomery em Que espere o céu. Convoca Max Corkle, treinador do Rems ainda pesaroso com o passamento do pupilo preferido. Depois de muitas explicações, convence-o de que não morreu e revela a pretensão de retomar a posição que ocupava no time. Aparvalhado, sem saber o que fazer diante do inusitado desejo, Max apenas se compromete a deixar Joe/Leo fisicamente em forma. Este, para garantir a vaga, só encontra uma saída: adquirir o time pela irrecusável quantia de 67 milhões de dólares. Só não esperava que Julia e Tony voltassem à carga nos planos de assassinato, desta vez com um disparo mortal que o lança, sem testemunhas, no fundo de um poço.


Mr. Jordan (James Mason) e Joe Pendleton (Warren Beatty)


Joe está novamente sem "suporte" para a alma. Antes de resolver onde aportar, acompanha com Mr. Jordan as investigações que tentam desvendar o desaparecimento de Leo. A polícia convoca as últimas pessoas vistas com o milionário: Julia, Tonny, Betty e Max. Considera inconsistentes as sinceras explicações do desatilado treinador e tende a aceitar as falsas alegações da esposa, incriminadoras da personagem vivida por Julie Christie. É quando o jardineiro (Wong) encontra o cadáver do patrão e tudo se esclarece. Enquanto corriam as investigações, o Rems disputava partida decisiva. Na vaga do zagueiro falecido jogava Jarrette, ferido gravemente ao disputar a bola. Falece durante os socorros. Joe revive no corpo do substituto, agora definitivamente e ciente de que perderá todas as lembranças até então acumuladas. Mesmo assim, Betty não saiu de sua vida. Já na pele do novo suporte, reencontra-a no corredor do vestiário quando ela procurava por Max sem saber exatamente por quais motivos. Travam rápido diálogo e saem juntos do estádio. Começo de novo idílio? Ou seria a continuação de outro? Só Mr. Jordan sabe a resposta.


Jack Warden como o estupefato treinador Max Corkle


O céu pode esperar é comédia antenada com as causas ecológicas que adentravam decisivamente nas arenas sociais e políticas no momento da realização. Apesar de contar história ligada ao além, tem o mérito de não se fazer prisioneira dos efeitos especiais ou de depender do massivo aparato tecnológico que, à época, começavam a contaminar boa parte da produção hollywoodiana. Recorre ao mínimo em trucagens.


Alguns críticos abalados na capacidade de contextualização consideraram anacrônico o tema. Alegaram que destoava dos céticos e desencantados anos 70. No que tange ao privilégio concedido aos assuntos relacionados ao BEM e ao céu, o filme de Beatty e Henry pode ser exceção. Por outro lado, a década foi oportuníssima para as questões do MAL e relativas ao inferno. No período foram realizados, entre outros, O exorcista (The exorcist, 1973), de William Friedkin, e A profecia (The omem, 1976), de Richard Donner. Nestes, o diabo apronta.



Acima e abaixo: Betty Logan (Julie Christie) e Joe Pendleton reincorporado como Leo Farnsworth (Warren Beatty)


Os herdeiros diretos de O céu pode esperar surgiram logo ao final dos anos 80: Além da eternidade (Always, 1989), de Steven Spielberg; O céu se enganou (Chances are, 1989), de Emile Ardolino; Um romance do outro mundo (Truly, madly, deeply, 1990), de Anthony Minghela; e Ghost, do outro lado da vida (Ghost, 1990), de Jerry Zucker, todos ligados ao além pelo lado do BEM.


As melhores consequências do aprendizado de Beatty em O céu pode esperar se concretizariam em 1981, quando o ator/produtor/diretor empreendeu a segunda realização cinematográfica: Reds (Reds) é ótima e digna incursão do cinemão hollywoodiano ao universo da Revolução Russa de 1917. Retoma Dez dias que abalaram o mundo, memórias do jornalista estadunidense John Reed — testemunha ocular do susto tomado pelo Ocidente liberal com a chegada dos comunistas de Lênin ao poder.



  
Roteiro: Warren Beatty, Elaine May, Robert Towne (não creditado), com base na peça Halfway to heaven, de Harry Segall. Direção de fotografia (Movielab Color, Panavision): William A. Fraker. Música: Dave Grusin. Desenho de produção: Paul Sylbert. Direção de arte: Edwin O'Donovan. Figurinos: Richard Bruno. Figurinos de Julie Christie e Dyan Cannon: Theadora Van Runkle. Montagem: Robert C. Jones, Don Zimmerman. Decoração: George Gaines. Maquiagem: Lee Harmon. Penteados: Lynda Gurasich. Edição musical: Milton Lustig. Edição de efeitos sonoros: Dick Oswald. Gerente de unidade de produção: Charles H. Maguire. Assistente de direção: Howard W. Koch Jr. Segundo assistente de direção: Graig Huston. Mixagem sonora: Tommy Overton. Mixagem da regravação: John K. Wilkinson. Associado à administração da produção: David L. MacLeod. Assistente para Warren Beatty: Helen Feibelmann. Consultoria técnica: Les Josephson, Frank O'Neill. Supervisão de script: Karen Wodkey. Contabilidade da produção: Sam Bernstein. Contrarregra: Allan Levine. Operador de câmera: Nick McLean. Fotografia de cena: Peter Sorel. Eletricista chefe: Doug Pentek. Assistente de câmera: Art Brooker. Efeitos especiais: Robert MacDonald. Assistentes de montagem: Elyane Bretherton, T. Battle Davis. Produção de elenco: Pat Mock. Guarda-roupa masculino: Mike Hoffman. Guarda-roupa feminino: Arlene Encell. Transportes: Jim Davis. Títulos: Wayne Fitzgerald. Produção executiva: Howard W. Koch Jr., Charles H. Maguire. Executivo no cargo de gerente da produção: Lindsley Parsons Jr. (não creditado). Direção da segunda unidade: Craig R. Baxley (não creditado). Estagiário do Directors Guild of America: Richard H. Prince (não creditado). Capataz do departamento de arte: Ralph Votaw (não creditado). Ruídos de sala: Ken Dufva (não creditado). Assistente de efeitos especiais: Ken Speed (não creditado). Coordenação de dublês: Craig R. Baxley (não creditado). Dublês (não creditados): Craig R. Baxley (p/ Warren Beatty), David Sharpe, Dick Ziker. Eletricista: Norman Lang (não creditado). Técnico de iluminação: John Reynolds (não creditado). Segundo assistente de câmera: Robert Samuels (não creditado). Primeiro assistente adicional de câmera: Richard Walden (não creditado). Joalheria: Joan Joseff (não creditada). Empresa de guarda-roupa: Sports Studio. Empresa de confecção de figurinos: Sportsrobe (não creditada). Tempo de exibição: 101 minutos.


(José Eugenio Guimarães, 1980; revisão e atualização em 1993)



[1] Juntos com a direção de arte também são premiados o desenho de produção e a decoração. Nas demais categorias às quais concorreu, O céu pode esperar perdeu para O franco atirador (The deer hunter) o Oscar de Melhor Filme, que também premiou Michael Cimino (Diretor) e Christopher Walken (ator coadjuvante). A estatueta de Melhor Ator ficou com Jon Voight por Amargo regresso (Coming home), de Hal Ashby. Maggie Smith foi eleita Melhor Atriz Coadjuvante por California suite (California suite), de Herbert Ross. Nos quesitos roteiro adaptado, música original e fotografia, os agraciados foram, respectivamente, Oliver Stone por O expresso da meia-noite (Midnight express), de Alan Parker; Giorgio Moroder pelo mesmo título; e Nestor Almendros por Cinzas no paraíso (Days of heaven), de Terrence Malick.
[2] Em Que espere o céu o personagem sofre acidente de avião. 

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