Sobre o personagem principal pouco é informado. Seu nome é
Stephen Neale — um dos melhores papéis de Ray Milland. Acaba de ganhar a
liberdade após dois anos de internação compulsória — por decisão misericordiosa
da Justiça — em instituição de doentes mentais. Antes de embarcar para Londres,
espairece numa quermesse e ganha um bolo. A seguir, a pretensão a uma vida
prosaica e tranquila entra em parafuso. É envolvido por espiral descontrolada
de acontecimentos surrealistas com direito a perseguições, identidades
trocadas, sessões espíritas para contato com os mortos e tentativas de
assassinato. Quando desceram as trevas (Ministry of fear, 1944) é o terceiro
dos quatro filmes antinazistas assinados pelo alemão Fritz Lang nos Estados
Unidos. Por trás da adaptação está o romance homônimo de Graham Greene. Este fez
severas ressalvas ao diretor pela descaracterização do material. O cineasta
também tinha motivos para insatisfações. Fora apenas contratado para dar vida ao
roteiro elaborado à sua revelia, sem direito a fazer mudanças. Frustrações
justificadas à parte, o texto de Greene, reduzido a fiapo, resultou num filme-carrossel
de primeira qualidade. Ao longo de compactos 87 minutos o espectador não terá
descanso e tempo para respirar. Quando desceram as trevas faz jus à
palma de realização mais hitchcockiana de Lang, com Ray Milland largado sem
eira nem beira na desconfortável situação de "homem errado". A
apreciação a seguir é de 2000.
Quando desceram as
trevas
Ministry of fear
Direção:
Fritz Lang
Produção:
Seton I. Miller (não creditado)
Paramount Pictures
EUA — 1944
Elenco:
Ray
Milland, Marjorie Reynolds, Carl Esmond, Hillary Brooke, Percy Waram, Dan Duryea,
Alan Napier, Erskine Sanford e os não creditados Harry Allen, Frank Baker,
Wilson Benge, Evelyn Beresford, Arthur Blake, Matthew Boulton, George
Broughton, Leonard Carey, Bruce Carruthers, David Clyde, Anne Curson, Frank
Dawson, Cyril Delevanti, Aminta Dyne, Mary Field, Edward Fielding, Byron
Foulger, Helena Grant, Grayce Hampton, Olaf Hytten, Colin Kenny, Frank Leigh,
Connie Leon, Thomas Louden, Lester Matthews, Clive Morgan, Ottola Nesmith,
Jessica Newcombe, Hilda Plowright, Francis Sayles, Eric Wilton, Eustace Wyatt,
Vangie Beilby, Karen X. Gaylord, Boyd Irwin, Albert Petit, Edmond Russell.
Anos 20: Fritz Lang na Alemanha |
Baseado em
romance de Graham Greene, Quando desceram as trevas é um
paradoxo na filmografia de Fritz Lang. De início, quis realizá-lo por conta
própria e tentou adquirir os direitos de filmagem diretamente com o autor. Mas
a Paramount se adiantou. Surpreso, terminou contratado para levar às telas o roteiro
elaborado pelo produtor Seton I. Miller. Decepcionou-se ao conhecer o guião, ao
qual não poderia fazer alterações. Cláusulas contratuais o impediam de voltar
atrás — conforme revelou a Peter Bogdanovich[1].
Toda a substância de dimensões psicológicas e éticas do original foi
descartada. Sobrou apenas a história de suspense e espionagem ambientada na
Inglaterra e tramada por agentes a serviço do III Reich. No centro da narrativa
está Stephen Neale (Ray Milland), homem comum envolvido acidentalmente em
mirabolante jogo de gato e rato com muita correria e gente nem sempre confiável.
Graham Greene, inconformado, sequer quis saber como se processavam as produções
na velha Hollywood — onde a maioria dos diretores, meros funcionários dos
estúdios, não dispunha de autonomia alguma sobre os filmes assinados. Responsabilizou
Lang pela descaracterização do material. Alegou que se salvaram apenas as cenas
iniciais, no sanatório.
Apesar das
reservas do diretor e autor — cada qual com seus justos motivos —, Quando
desceram as trevas é agradabilíssima diversão de primeira. A narrativa,
repleta de correrias e equívocos, não oferece descanso. Os mistérios se
acumulam, para desespero do protagonista — cada vez mais afundado na improbabilidade
do mundo tão logo deixou a instituição de doentes mentais na qual foi compulsoriamente
internado, durante dois anos, por crime que não cometeu. Como convém ao bom
filme com toques noir, algumas
incoerências — nunca dirimidas a contento — completam o poder de atração. É o
filme mais hitchcockiano de Lang. Parece uma versão avant la lettre de Intriga internacional (North
by northwest), dirigido pelo mestre do suspense 15 anos depois — com o
estupefato Roger O. Thornhill (Cary Grant) como êmulo de Neale. O personagem
também lembra Richard Hannay (Robert Donat) de Os 39 degraus (The
39 steps, 1935) e Lawrence (Leslie Banks) de O homem que sabia demais
(The
man who knew too much, 1934)[2],
também devidos a Alfred Hitchcock. Há inclusive um McGuffin hitchcockiano no filme: o bolo que arrasta o protagonista para
a sinistra aventura; um elemento irrelevante, mas sem o qual a história não
existiria.
Imagem publicitária: Ray Milland e Marjorie Reynolds nos respectivos papéis de Stephen Neale e Carla Hilfe |
Quando desceram
as trevas é o terceiro dos quatro títulos antinazistas assinados
por Lang nos Estados Unidos. Sucede imediatamente ao segundo, o incrivelmente
bom Os
carrascos também morrem (Hangmen also die, 1943). O primeiro,
O
homem que quis matar Hitler (Man hunt) é de 1941. O
grande segredo (Cloak and dagger, 1946) completa o
quarteto[3].
Segundo Peter Bogdanovich[4],
em todos esses filmes — inclusive no aparentemente malquerido Quando
desceram as trevas — o diretor se envolveu intensamente para realizá-los
da melhor maneira. Evadido da Alemanha com a subida de Hitler ao poder — logo após
Joseph Goebbels convocá-lo para coordenar o cinema da nova Alemanha —, nunca
perdeu a oportunidade de erguer baluartes contra o nazismo. Os quatro títulos
referidos praticamente prolongam outros seis considerados premonitórios e realizados
no país de origem: As aranhas (Die spinnen) — dividido em duas
partes: As aranhas, parte 1 — O lago dourado (Die spinnen, 1. teil — Der
goldene see, 1919) e As aranhas, parte 2 — O barco dos brilhantes
(Die
spinnen, 2. teil — Das brillantenschiff, 1920) — Dr. Mabuse, o jogador (Dr.
Mabuse, der spieler — Ein bild der zeit, 1922), Metrópolis (Metropolis,
1927), Os espiões (Spione, 1928), M, o vampiro de Dusseldorf
(M,
1931) e O testamento do Dr. Mabuse (Das testament des Dr. Mabuse,
1933). São realizações contemporâneas das trágicas consequências da débâcle econômica da República de Weimar,
provocada pelas exorbitantes indenizações cobradas pelos países vencedores da
Primeira Guerra Mundial. Anteciparam condições, acumuladas em crescendo, que
culminaram com Hitler tomando assento no Reichstag, em 1933, para assumir, em decorrência
de golpes e atentados, o controle total do governo alemão.
Dinamismo não
falta a Quando desceram as trevas. Ao longo de 87 minutos, praticamente
desde o início, assiste-se à luta de um sujeito estupefato contra forças e
objetivos completamente obscuros. Correm os primeiros anos da Segunda Guerra Mundial.
A Inglaterra — pérola das pretensões de Hitler — resistia praticamente
solitária às investidas nazistas. O começo é tenso e assustador. No asilo
mental de Lembridge, Stephen Neale está às portas da liberdade. Recebe recomendação
para evitar novas complicações policiais. De malas feitas, aguarda a meia-noite,
quando será conduzido aos exteriores da instituição. Momentos antes rolaram os
créditos estranhamente grafados em ameaçadores caracteres góticos, evocativos
de referências bélicas e germânicas. O clima de mistério é acentuado pelo
pêndulo de um relógio. O instrumento, parte essencial da moderna racionalidade
ocidental, ordena a realidade ao controlar mecânica e matematicamente o tempo e
os afazeres. Confere à vida aparência de objetividade, precisão e exatidão.
Transforma a existência em instância quantificável. Porém, em se tratando de
Fritz Lang, pode comunicar exatamente o oposto — como parece alertar a área sombreada
em volta do mecanismo. Em vez de ser inofensivo e prosaico componente do mundo,
pode se transformar em ameaça, inclusive pelo som elevado que emite, combinado
à música altissonante de Victor Young— pouco notada a seguir.
Na quermesse, Stephen Neale (Ray Milland) com a primeira Mrs. Bellane (Aminta Dyne) |
Antes de sobrevir
o estranhamento com a libertação em horário noturno tão avançado, Lang prossegue
com as influências herdadas do expressionismo[5],
ao menos na ambientação e criação de climas cercados de exotismo e incerteza. Neale
adquiriu passagem ferroviária para Londres. Embarcará dentro em pouco. Mas antes terá
tempo para espairecer, respirar ar puro e gozar de algum convívio social em
quermesse bancada pela beneficente associação Mães das Nações Livres. Tudo isso
após a meia-noite, numa cidade interiorana, durante a guerra, com crianças
brincando à vontade! Convencido a participar de uma competição — principalmente
após consultar a cartomante Mrs. Bellane (Aminta Dyne, não creditada) — é agraciado
com um bolo ao lhe adivinhar o peso. No entanto, a iguaria estava destinada a Mr.
Cost (Duryea). Houve oportunidade para desfazer o equívoco. Porém, Neale seguiu
em frente, confiando plenamente na recém-conquistada condição de homem livre. A
partir daí começa propriamente a história. Em ritmo ágil, o protagonista é
absorvido por um contexto ao qual faltam sentido e linearidade. A tranquilidade
se converte em pesadelo.
Sombras encobrem a luz, acompanhadas de insegurança, violência,
ansiedade e morte.
Na quermesse, Stephen Neale (Ray Milland) ganha o bolo, um McGuffin hitchcockiano |
Já acomodado no camarim
para a viagem a Londres, ganha, na última hora, a companhia de um cego (Eustace
Wyatt, não creditado). Lang não esconde o jogo. A câmera, ligeiramente elevada
e sob pouca iluminação, introduz o personagem de forma assustadora. De início, apenas
uma bengala tateia a porta da cabine. Com a composição em movimento, o recém-chegado
é convidado a saborear o bolo. Estranhamente, esfarela a fatia, como se
procurasse algo, cuidadosamente. Um ataque aéreo alemão interrompe a viagem em
zona descampada. Distraído, Neale é agredido. O cego enxergava muito bem. Escapa
às pressas, com o restante do bolo. Começa uma perseguição inusitada. O
fugitivo busca abrigo num casebre, logo destruído pelas bombas alemãs. Em meio
aos escombros, o protagonista recolhe um revólver carregado.
Em Londres, busca
imediatamente um investigador particular — o excêntrico e divertido George
Rennit (Sanford) — para acompanhá-lo em missão de esclarecimento à sede das Mães
das Nações Livres. Conhece os irmãos Hilfe — Carla (Reynolds) e Willi (Esmond)
— refugiados austríacos. Obtém o endereço de Mrs. Bellane na capital inglesa. Esta — interpretada por Hillary Brooke — em nada se parece com a cartomante de Lembridge. É bem mais jovem, esguia, refinada,
interessada em arte moderna e sessões espíritas para contato com mortos. Acompanhado
de Willi, Neale é convidado a participar de manifestação mediúnica. Entre os presentes
está Cost. Escurecido o ambiente, voz de mulher o acusa de assassinar a esposa
com veneno. Tiros são ouvidos. As luzes acesas revelam o personagem
interpretado por Dan Duryea, morto. Aturdido com a acusação de envenenamento, Neale
é responsabilizado pelos disparos. Em seu poder encontram evidência
comprometedora: o revólver recolhido no casebre destruído. Teme a investigação
policial. Acobertado pelo solícito Willi, evade-se da cena. Procura Rennit. Encontra
o escritório do detetive totalmente revirado. Do lado de fora, um homem de aparência
ameaçadora está à espreita. É provavelmente um policial, devido à morte de
Cost. Mas nada é o que parece. Quando desceram as trevas está
apenas começando, como se fosse um jogo insano.
Hillary Brooke vive a segunda Mrs. Bellane |
A identidade do
perseguidor misterioso logo será revelada: o inspetor Prentice (Waran), da
Scotland Yard, por causa do assassinato de... George Rennit! Mais um enigma! Quem
o matou e por quê? Por ora, Neale é o principal suspeito. Antes de ser detido
no leito de um hospital, receberá apoio da solícita Carla. Com Londres sob
bombardeio, passam a noite em abrigo antiaéreo improvisado em estação do metrô.
Em virtude da relação de confiança firmada, revela os motivos da detenção no manicômio
e não em uma prisão. Fora condenado pelo assassinato da esposa. Porém, para o tribunal,
o crime teve motivos piedosos. A mulher, doente terminal, padecia de dores
agudas intermináveis. Implorava pela morte. Ele preparou o veneno, mas não teve
coragem de ministrá-lo. Adormeceu ao lado da enferma. Ela aproveitou a
distração para ingeri-lo. A polícia não acreditou na história. Mas os juízes
optaram por condenação mais leve. No original de Greene, Neale de fato mata a
esposa. Transformá-la em suicida foi o jeito para o Código Hays aprovar a
filmagem. Afinal, era terminantemente proibido, no cinema estadunidense, ter um
assassino como herói.
Evidentemente —
também pela necessidade de encontrar segurança e amparo emocional em situação
de plena dissolução — Neale se apaixona por Carla. Aparentemente é
correspondido. No entanto, desconfia de alguma manipulação. Mesmo assim,
acompanha-a, tão logo amanhece, a um abrigo supostamente seguro: o misto de livraria
e residência do simpático e prestativo Mr. Newland (Thomas Louden, não
creditado). Tem a atenção despertada pela imagem do autor Dr. J. M. Forrester
(Napier) na capa do livro The psychoanalyses of nazidom. Ele
não só esteve presente à sessão espírita de Mrs. Bellane como é figura
proeminente do Ministério da Defesa Britânico. O mistério fica mais espesso quando
Neale e Carla prestam um favor ao idoso Newland: entregar mala carregada de
livros no endereço de Mr. Travers. O volume é uma bomba, acionada no
apartamento do ausente cliente. A seguir, o protagonista desperta no hospital,
na companhia de Prentice. O agente, claro, não acredita na mirabolante história,
ainda por cima iniciada com um bolo de quermesse. Também não há notícias de
Carla. Teria morrido na explosão?
Stephen Neale (Ray Milland) e a mocinha Carla Hilfe (Marjorie Reynolds) |
Apesar de não
merecer credibilidade, Neale convence o inspetor a investigar as ruínas do
casebre atingido pelas bombas alemãs. Acredita que evidências à confirmação da história
poderão ser encontradas. Pássaros famintos contribuem para a descoberta de
parte considerável e intacta do bolo. A massa oculta microfilme com informações
sobre as fragilidades territoriais britânicas. O mistério começa a ser esclarecido
no Ministério da Defesa. Neale, com seu envolvimento involuntário, expôs as
pretensões de uma rede de espionagem nazista baseada na Inglaterra, oculta sob
a fachada legal da organização Mães das Nações Livres. Envolvidos na
conspiração estão Mrs. Bellane e seu grupo espírita, inclusive o Dr. J. M.
Forrester, Mr. Newland, Willi Hife e o misterioso Mr. Travers. Foram responsáveis
pelo assassinato de George Rennit.
O mistério começa a ser esclarecido: o Inspetor Prentice (Percy Waran) e o estupefato Stephen Neale (Ray Milland) |
Felizmente, Carla
vive e é inocentada. Mas até isso se esclarecer, Neale e Prentice terão inusitado
e mortal encontro com Mr. Travers, um alfaiate armado com assustadora e
avantajada tesoura. Não é outro senão alguém erguido dentre os mortos: Mr.
Cost. Para imobilizar restam Willi Hiffi — responsável direto pelo envolvimento
das Mães das Nações Livres com a espionagem — e o Dr. Forrester — chefe das
operações. O primeiro é morto pela própria irmã. Para aliviar o peso de um chocante
fratricídio, Carla atira contra uma porta fechada, no escuro — solução tão
genial quanto exemplarmente filmada, ainda mais com o arremate do facho de luz irrompendo
na penumbra pelo orifício provocado pelo disparo. De certo modo, a mocinha se equiparou
moralmente a Neale, devido às mortes que provocaram. Por fim, Prentice chega a
tempo de salvar o casal, encurralado por Forrester e cúmplices no terraço de um
prédio. Resolvido o mistério, sobrevém o esperado matrimônio dos aliviados
pombinhos. O epílogo é rápido, pouco inventivo e anticlimático. Fritz Lang,
provavelmente, torceu o nariz ao filmá-lo. Quando desceram as trevas terminaria
muito bem 16 segundos antes do The End.
Mr. Travers (Dan Duryea) e sua ameaçadora tesoura |
Apesar do roteiro
e do cerceamento sofrido pela direção durante as filmagens, o resultado é
envolvente. Confirma que uma história pobre pode ser salva, dependendo da
concepção cinematográfica. Neste ponto, a percepção de Lang foi certeira. A
marca autoral está presente em angulações inusitadas, movimentos de câmera,
objetos cenográficos cheios de significados — tesoura, espelhos, mala,
relógios, quadros, janelas, portas —, jogos de luzes e sombras, identidades
incertas etc. A realização manteve, na justa medida, uma situação de incerteza: todos,
em relação a Stephen Neale, são potenciais suspeitos. O suspense também zomba das
proverbiais e decantadas estabilidade e segurança da visão britânica de mundo. No
fundo, Ray Milland protagoniza o pesadelo dos britânicos em geral: está totalmente
só e desamparado no meio de tantos iguais. Passa da condição de livre e
confiante ao indivíduo perdido num contexto em dissolução de uma hora para
outra — uma transição feita sem escalas. É puro Lang! Para o cineasta, nunca
houve fronteira definida entre normalidade e anomalia.
Encurralados no terraço: Stephen Neale (Ray Milland) e Carla Hilfe (Marjorie Reyndolds) |
Quanto aos
personagens, parece que estão em rápida passagem pelo mundo. De todos, sabe-se
apenas o básico. São como puras decorrências do tempo presente. Assim, assemelhados
a abstrações — e apesar dessa condição —, conseguem elevado grau de credibilidade.
Suas caracterizações não oferecem oportunidade para dispersões ou elucubrações
decorrentes do aprofundamento das personalidades. São apenas peças em movimento
no tabuleiro de intrincada aventura. Na verdade, o que vale é apenas a história,
como se fosse impulsionada por ela mesma — algo similar ao novelo desenrolado pelas
artes do imponderável destino sobre um plano inclinado, mas eficaz na
capacidade de preservar os centros de atração.
Os personagens
mais visíveis do elenco de apoio são incrivelmente bons, mesmo com pouco tempo em cena. Os destaques vão
para Erskine Sandford, Dan Duryea, Carl Esmond, Hillary Brooke, Percy Waram e o
não creditado Thomas Lounden. Marjorie Reynolds faz apenas caras e bocas de mocinha,
mas não compromete. Alan Napier também não tem muito a provar, infelizmente. O
futuro intérprete do mordomo Alfred na série camp Batman[6]
praticamente entra mudo e sai calado.
Ray Milland está
ótimo. Seu perfil preserva um ar de perplexidade que o torna intérprete
praticamente natural para Stephen Neale. Assemelha-se ao lorde inglês
desprovido de chão. Tão assustado, parece que foi lançado para longe da
tranquila segurança do seu castelo e estivesse, doravante, perdido no meio de
desconfiados e pobres cidadãos comuns.
Roteiro: Seton I. Miller, com base em
novela de Graham Greene. Produção
associada: Seton I. Miller. Música:
Miklós Rózsa (não creditado), Victor Young. Direção de fotografia (preto-e-branco): Henry Sharp. Montagem: Archie Marshek. Direção de arte: Hans Dreier, Hal
Pereira. Decoração: Bertran C. Granger. Figurinos: Edith Head. Maquiagem:
Wally Westmore. Gravação
de som: Don Johnson, W. C. Smith. Produção executiva: Buddy G. DeSylva (não creditado). Penteados: Leonora Sabine (não creditada).
Gerente de unidade: Don Robb (não
creditado). Assistente de direção: George
Templeton (não creditado). Gravação de
som (não creditada): Don Johnson, W. C. Smith. Orquestração (não creditada): George Parrish, Leo Shuken, Eugene
Zador. Instrutor de sotaque austríaco:
Lester Sharpe (não creditado). Tempo de
exibição: 87 minutos.
(José Eugenio Guimarães, 2000)
[1] BOGDANOVICH, Peter. Afinal, quem faz os filmes?.
São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 247.
[2] Refilmado por Alfred Hitchcock em 1954 sob o mesmo
título, inclusive o nacional. Aqui, o personagem vivido por Leslie Banks teve o
nome alterado para Benjamin McKenna (James Stewart), um médico estadunidense.
[3] Poderiam ser cinco os filmes antinazistas
realizados por Lang nos Estados Unidos. Mas problemas de saúde o afastaram de Correspondente
especial (Confirm or deny, 1941), que o teve à frente por apenas seis
dias. Foi substituído por Archie Mayo.
[4] BOGDANOVICH, Peter. Op. cit. p. 212.
[5] Lang é um dos fundadores do expressionismo alemão.
[6] Produzida para a TV por William Dozier e
originalmente transmitida de 12 de janeiro de 1966 a 14 de março de 1968 pela rede ABC (American
Broadcasting Company) ao longo de três temporadas em 120 episódios, cada qual
com 30 minutos.
Eugenio,
ResponderExcluirUm reclama deste e o outro se quaixa do outro.
A verdade é que soldado mandado não tem crime, e o Lang, que respeito por demais, seguiu o orientado, o que me incomoda por demais, pois desconhecia este parágrafo de que diretores não exerciam qualquer direito, ou poder, para alterar roteiros, fato que não me convence muito não.
Quando Desceram as Trevas, além de ser um titulo muito belo, apesar de toda fragmentação do roteiro e pelo que acabo de ler resultou, de fato, numa muito boa pelicula.
Acredito tal sucesso muito mais à qualidade do Lang que mesmo a qualquer outra coisa. E até, quem sabe, o roteirista Seton atirou na fragmentação do livro do Grene suas boas qualidades como homem de cinema.
A naturalidade que é exaltada do Ray Milland não é novidade para mim. Ele sempre foi um muito bom ator e sempre deixou em seus papéis a sua normal naturalidade.
Recordo dele Vendaval de Paixões/42, ao lado do Duke a e da Godart e ele em Um Homem Solitário, um filme já da década de 1950 e com ele ainda mantendo sua serenidade como bom ator.
Do Lang eu não vi o filme da Postagem, mas o vi em Retrato de Mulher/44, Furia/36, O Diabo Disse não/52, um western necessário de ver, o ótimo policial Os Corruptos/53 com o Ford e o Marvin, e ainda vi O Tigre da India/59 e Sepulcro Indiano, assim como ainda recordo de todo o destilar da beleza da Paget, beleza quase explicita que já havia visto em A Princesa do Nilo.Ela era uma mulher para um faqueiro inteiro e não apenas muitos talhere.
jurandir_lima@bol.com.br
Jurandir,
ExcluirNa velha Hollywood, os diretores - quando não produziam eles mesmos os próprios filmes - pouco poder tinham no corte final de suas realizações, Jurandir. Por isso o esforço de muitos dos melhores como Ford, Hitchcock, Hawks e mais alguns para formarem suas próprias companhias produtoras. Lembro que Ford chegou a pensar em abandonar a carreira quando teve sua obra HORAS AMARGAS, de meados dos anos 30, praticamente desfigurada pelos produtores. Foi quando teve o seu período de menor inspiração. Dirigiu em seguida um punhado de filmes apenas para cumprir com o riscado, até encontrar o Walter Wanger que lhe permitiu realizar NO TEMPO DAS DILIGÊNCIAS como bem queria.
E já que estamos falando de Ray Milland, não podemos esquecer que ele foi o diretor de um belo western: O HOMEM SOLITÁRIO, na década de 50.
Abraços.
Eugenio,
ResponderExcluirBom ter citado este derradeiro parágrafo.
Este foi o primeiro filme que vi com o Milland e onde passei a conhece-lo e a te-lo como mais um heroi meu.
O Homem Solitário/55.
Obsevando sua filmografia, observei que o Farrow dirigiu vários filmes com o Milland como ator principal.
Abração
jurandir_lima@bol.com.br
Jurandir, caso tenha facilidades com o inglês, poderá encontrar "Um homem solitário" no Youtube, nestes dois links:
Excluirhttps://www.youtube.com/watch?v=ZTfiwJoqlo0
https://www.youtube.com/watch?v=zr_37vRPRXk - Este é o melhor. A cópia está em melhores condições.
Abraços.