O telefilme de sucesso Encurralado (Duel,
1971), da Universal Television, mereceu lançamento nas salas de exibição e
chamou a atenção dos produtores estadunidenses para Steven Spielberg. Dentro de
três anos ganhou a oportunidade de realizar seu primeiro trabalho para a tela
grande: Louca escapada (The Sugarland express). Encurralado
é história simples, de mistério e terror: um pacato motorista de automóvel é gratuitamente
perseguido por possante caminhão ao longo de uma rodovia. O fascínio provocado
pela autoestrada com veículos em movimento permanece em Louca escapada: centenas
de viaturas da polícia, em ritmo frenético, afrontam os princípios da
racionalidade na perseguição aos fugitivos Lou Jean (Goldie Hawn) e Clovis
Poplin (William Atherton). É a dramatização de caso real acontecido no Texas,
em 1969. A rodovia serve de palco para a observação crítica dos Estados Unidos
em seu rígido apego às normas do maniqueísmo puritano. A partir desse filme,
simples e eficaz, Spielberg se tornará, para o bem e para o mal, manipulador e
prisioneiro das realizações dependentes de grandes orçamentos. A apreciação a
seguir é de 1985.
Louca escapada
The Sugarland express
Direção:
Steven
Spielberg
Produção:
Richard D.
Zanuck, David Brown
Zanuck/Brown
Production, Universal
EUA — 1974
Elenco:
Goldie
Hawn, Michael Sacks, William Atherton, Ben Johnson, Gregory Walcott, Steve
Kanaly, Louise Latham, Harrison Zanuck, A. L. Camp, Jessie Lee Fulton, Dean
Smith, Ted Grossman, Bill Thurman, Kenneth Hudgins, Buster Daniels, James N.
Harrell, Frank Steggall, Roger Ernest, Guich Koock, Merrill L. Connally, Gene
Rader, Gordon Hurst, George Hagy, Big John Hamilton, Kenneth Crone, Peter Curry
Judge Peter Michael Curry, Charles Conaway, Robert Golden, Rudy Robbins,
Charlie Dobbs, Gene Lively, John L. Quinlan III, William Scott, Ralph E.
Horwedel, Edwin 'Frog' Isbell e os não creditados James Robert Allen, Marianna
Clore Blase, David Bowen, Richard Bright, B.M. Burch, Charly, Harvey
Christiansen, Michael J. Croshaw, Maria De Lange, Al Evans, James R. Gough,
Charles Gunn, Dean Jones, Sam Kindrick, Myles R. Kuykendall, Robert Lee Loper,
Rafael López, Maury Maverick, Lorraine Meeks, Lucky Mosley, Darrell Murphy,
Carol W. Nell, Darrell Newman, Harold Offer, Karen Olenick, Bill Pattie, Don
Peck, Patrick Reagan, Michael Santiago, Adolfo E. Urrutia, Robert C. Willey.
Steven Spielberg - à direita - e William Atherton, intérprete de Clovis Michael Poplin |
Insanidade, truculência,
covardia, imbecilidade, inocência, comédia e tragédia: tudo isso é Louca
escapada, Palma de Ouro de Melhor Roteiro no Festival de Cannes e estreia
de Steven Spielberg no cinema. A realização anterior, Encurralado (Duel,
1971), foi originalmente produzida para a televisão — apesar de ter merecido
exibição pela tela grande.
O fato — ponto de
partida ao argumento escrito pelo diretor em parceria com os roteiristas Hal
Barwood e Mathew Robbins — aconteceu no Texas, em 1969: Lou Jean Sparrow Poplin
(Hawn) — ex-presidiária condenada por furto e cabeleireira desempregada — força
a fuga do marido, Clovis Michael Poplin (Atherton), de instituição correcional,
apesar da proximidade da libertação. Deseja, a todo custo, recuperar a posse do
filho de dois anos, cuja guarda lhe foi tirada e confiada a um casal metodista
da cidade de Sugarland. O serviço de assistência social a julgou irresponsável
para cuidar da criança.
Goldie Hawn como Lou Jean Sparrow Poplin |
Acima e abaixo: Clovis Michael Poplin (William Atherton), Lou Jean Sparrow Poplin (Goldie Hawn) e Maxwell Slide (Michael Sacks) |
Após a evasão, tomam
por refém o patrulheiro rodoviário Maxwell Slide (Sacks). Não demora e são
perseguidos por comboio policial com aproximadamente duzentos carros, comandado
pelo Capitão Harlan Tanner (Johnson). O acontecimento e as motivações do casal
chegam ao público e mobilizam a imprensa. A população das cidades próximas sai
às ruas em apoio a Lou Jean e Clovis. Passam do anonimato a heróis nacionais em
poucas horas. Derrotados, convertem-se em símbolos da liberdade e defensores
dos mais caros valores americanos: a família e o direito à autodeterminação.
Encurralado conta história
de mistério e terror. Louca escapada é uma comédia de
erros. Diferentes no gênero e tema, encontram similaridade pela importância
dramática conferida à estrada e aos veículos — mitos incontestes da cultura dos
Estados Unidos e fartamente explorados pelo cinema da terra. Não para menos
formam a base de um subgênero: o road
movie. À categoria pertencem ambos os títulos.
Capitão Harlan Tanner (Ben Johnson) |
Os chapéus dos policiais identificam o ambiente da ação: o Texas À esquerda, Ben Johnson como o Capitão Harlan Tanner |
Em Louca
escapada Spielberg coreografa a rodovia e os carros para observar e
criticar os Estados Unidos. A estrada simboliza o país na forma de uma linha,
reta em alguns pontos, sinuosa em outros. Entretanto, deve ser seguida por
todos que se consideram parte do sistema. Os veículos substituem as pessoas e,
como tais, devem trafegar corretamente. O descontrole ou a derrapada de algum
(ou alguém) gera o caos; desestabiliza a maniqueísta concepção de mundo que não
admite meio termo e apenas conhece dois polos antagônicos: certo e errado,
preto e branco, normal e patológico. Lou Jean e Clovis Poplin afrontam as
regras tão impessoais quanto mecânicas desse universo. Elevam seus sentimentos
paternos acima de tudo. Como loucos, se apoderam de um veículo do sistema e
fazem refém o vigilante que supostamente contribui para controlá-lo.
Desequilibram o mundo com seu desatino.
Maxwell Slide (Michael Sacks) e Clovis Michael Poplin (William Atherton) |
Policiais
enfurecidos ou em busca de diversão gratuita saem à caça dos fugitivos. O
pretexto é convite à direção desgovernada, explosões, capotagens e colisões.
Mas não são apenas os homens da lei que decretam a suspensão do senso de
racionalidade. Uma população de horizontes limitados transforma o desatino do
casal em ocasião de celebração catártica. Confunde com heroísmo um ato que
poderia ser classificado, no mínimo, de irresponsabilidade pueril.
A infantilidade
de Lou Jean e Clovis Poplin encontra correspondência na insanidade dos
perseguidores. As noções de autocontrole — básicas a uma civilização — são
suspensas, substituídas pela mecanicidade desgovernada das máquinas. O Capitão
Tanner — único sensato em meio à loucura — também perde o equilíbrio. Deixa de
lado 18 anos de atividade regrada, nos quais não provocou mortes, e ordena a
ação que culminará no trágico desfecho: Poplin é morto — previu o fim ao
assistir à inocente desenho animado durante uma parada. A sensação do que viria
foi transmitida pela câmera ao se aproximar do rosto do personagem, até fixar
um primeiro plano angustiante. Lou Jean é tomada pela catatonia; Slide afunda
na perplexidade diante da brutal irracionalidade de seus pares.
Lou Jean Sparrow Poplin (Goldie Hawn) |
Na instituição correcional, Clovis Michael Poplin (William Atherton) recebe visita da esposa Lou Jean Sparrow Poplin (Goldie Hawn) |
Spielberg
mostra-se um cineasta com pleno domínio do métier.
Imprime ritmo vertiginoso à narrativa. Sabe que lida com emoções humanas,
extravasadas na truculência e mais sacrossanta ingenuidade. Não é a toa que o
filme e o fato que lhe deu origem se passam no Texas. Tudo é comunicado pela
montagem, câmera palpitante de tensão, música de John Williams e,
principalmente, pela fotografia de Vilmos Zsigmond. Esta, na falta de termo
melhor, só pode ser classificada de magistral.
Roteiro: Hal Barwood,
Mathew Robbins. Argumento: Steven
Spielberg, Hal Barwood, Mathew Robbins. Direção
de fotografia (Panavision, Technicolor): Vilmos Zsigmond. Desenho de
produção: William S. Gilmore. Música:
John Williams. Efeitos especiais:
Frank Brendel. Montagem: Edward M.
Abrams, Verna Fields. Produção de elenco
(não creditada): Mike Fenton, Shari Rhodes. Direção de arte: Joseph Alves Jr. Maquiagem: Del Armstrong (não creditado). Penteados: Susan Germaine (não creditada). Gerente de unidade de produção: William S. Gilmore Jr. Primeiro assistente de direção: James
Fargo. Segundo assistente de direção:
Thomas Joyner. Contrarregra: Bill
Dietz (não creditado). Carpintaria:
Mike Fenton (não creditado). Som:
John R. Carter, Robert L. Hoyt. Operador
de rádio: William Griffith (não creditado). Operador de microfone: John McDonald (não creditado). Gravação de som ótico: Dennis C.
Salcedo (não creditado). Coordenação de
dublês: Carey Loftin. Dublês (não
creditados): Max Balchowsky, Ted Duncan, Patty Elder, Ted Grossman, Bob Harris, Carey
Loftin, Rudy Robbins, Dean Smith, Dale Van Sickel. Eletricista-chefe: James O. Blair (não creditado). Assistentes de câmera (não creditados):
Bobby Burton, Nick McLean, John J. Connor, Robert Moore, Aaron Pazanti, Steve
Rez, Steve Rez. Fotografia de cena:
Jim Coe (não creditado). Operador geral:
Al Perry (não creditado). Operadores de
câmera (não creditados): Jack L. Richards, Sven Walnum. Operador da crane: George Triandos (não
creditado). Secretário de produção de
elenco: Liz Owen (não creditado). Guarda-roupa
(não creditado): Robert Ellsworth, James Gilmore. Assistente de montagem: Jeff Gourson (não creditado). Direção musical (não creditada): John
Williams. Músico (não creditado):
Toots Thielemans (não creditado/gaita). Mecânico
de transportes: John Lackey (não creditado). Gerente de transportes: Alby Thomas. Produção executiva: William S. Gilmore Jr. Secretária para os produtores: Lucy Ballentine (não creditado). Continuidade: Ulla Bourne (não
creditado). Publicidade: Roy D.
Smith (não creditado). Secretária para o
diretor: Nona Tyson (não creditada). Fornecimento
de cosméticos: Cinematique. Equipamentos
de câmera: Panavision. Títulos e
efeitos óticos: Universal Title. Sistema
de mixagem de som: mono pela Westrex Recording System. Tempo de exibição: 110 minutos.
(José Eugenio Guimarães, 1985)
Eugenio,
ResponderExcluirSe algum diretor pode se gabar de ter um fã incondicional dele, este é o Spielberg e este fã sou eu.
Vi todos os seus filmes e me encanto mais a cada nova película que o grande cineasta atira na praça.
Porém, no caso de Louca Escapada/74, minha mente chama o filme, chego a captar seu aspecto de enredo, mas não me vêm à cabeça uma cena sequer da película.
O que não ocorre, por exemplo, com Encurralado/71, feito tres anos antes e que até de alguns diálogos eu me lembro. Mas Louca Escapada...lamentavelmente!!!
E dentro do que apanho do teor de uma fita e de outra ocorre exatamente como dizes; são filmes dentro de um gênero paralelo, ou seja, uma espécie de abertura aos demais road movem que vieram, como Thelma e Louise e muitos outros mais. Até mesmo daquele que tem a musica tema do programa Globo Repórter, que não lembro o titulo, e que é um film muito bacana.
Apesar de não recordar das passagens físicas da película, sua resenha mostra tudo o que ele foi. E até me recordo da população os apoiando e tudo o mais. No entanto, não vejo, de forma alguma, a face do bom Ben Johnson.
De qualquer forma nada sobre a falta de minhas lembranças interfere em sua matéria, que é muito boa, assim como do filme, que é bem feito e tem o nome de Spielberg no seu comando, já ali dizendo para que estava chegando.
Apenas isso já pode se dizer o que foi o seu segundo trabalho na Sétima Arte e o seguimento da carreira do jovem diretor que logo a seguir nos deu o clássico e imortal Tubarão/75.
jurandir_lima@bol.com.br
Olá, Jurandir!
ExcluirCreio que preciso ver este filme novamente, para saber se a minha avaliação de 1985 continua valendo. O que gostei nele, mesmo, foi o retrato da América que ela passou.
Quanto ao Spielberg, que se tornou prisioneiro das grandes produções, gosto com ressalvas. Meus filmes preferidos que ele dirigiu são CONTATOS IMEDIATOS DO TERCEIRO GRAU, TUBARÃO, o primeiro e o terceiro INDIANA JONES e ET. LINCOLN, A LISTA DE SCHLINDLER e O RESGATE DO SOLDADO RYAN também estão no topo. Não consigo trazer todos os títulos à memória. Mas ele também fez coisas insuportáveis e sofríveis: CAVALO DE GUERRA, MUNIQUE, GUERRA DOS MUNDOS, AMISTAD, HOOK, ALÉM DA ETERNIDADE e mais um tanto. Reconheço que é bom diretor, entende e gosta de cinema. Mas é, também, muito manipulador.
Abraços.
Eugenio,
ResponderExcluirExiste muita concordancia comigo no atinente às suas preferencias do Spielberg, como às suas observações a respeito de alguns de seus filmes que, de verdade, carecem ressalvas pelo cunhos negativos. Claro, todo diretor tem seus altos e baixos. Sabemos disso.
Entretanto, me abriste os olhos para um particular do diretor que eu desconhecia; que o homem é manipulador. Não sabia disso e o ditado que é sempre bom saber mais sobre algo é de positividade.
Ótima informação.
Grande abraço do bahiano
jurandir_lima@bol.com.br
Jurandir,
ExcluirVeja bem como ele consegue estragar alguns de seus melhores filmes com a inserção de cenas ou sequências inteiras que somente se prestam a mexer com o emocional ou o sentimentalismo das plateias. Chega a ser um golpe baixo com os mais chorões ou impressionáveis. Alguns momentos de "Resgate do Soldado Ryan" e de "A lista de Schlinder" são particularmente abomináveis por causa da utilização desse expediente totalmente desnecessário. Mas os americanos, pelo visto, adoram uma manipulação. Eu acho execrável.
Abraços.
Thanks for sharing, nice post!
ResponderExcluirPhục vụ cho nhu cầu vận chuyển container bằng đường bộ ngày càng lớn, vận chuyển xăng dầu bằng đường sắt và vận tải, gửi hàng hóa vận chuyển xe máy bắc nam bằng đường sắt cũng đã xây dựng nên những qui trình, dịch vụ vận chuyển hàng hóa bằng các toa xe chuyên dùng chuyên nghiệp và có hệ thống. Đảm bảo mang đến chất lượng tốt nhất cho khách hàng sử dụng dịch vụ.