É de 1976 uma das primeiras apreciações fílmicas de minha lavra.
Aborda o western Encontro com o Diabo (The big land, 1956), do discreto, eficaz
e esquecido Gordon Douglas. É o responsável por quase uma centena de títulos trazidos
à luz entre 1935-1984. Sua filmografia abarca quase todos os gêneros
consolidados pelo cinema estadunidense. As aventuras ambientadas no velho Oeste
não ficam de fora. Atualmente, Douglas é mais lembrado pela antológica ficção
científica O mundo em perigo (Them!, 1954), um alerta sobre as
pavorosas consequências do uso da energia nuclear. Encontro com o Diabo não
é particularmente memorável, mas permite boa fruição. Alan Ladd interpreta Chad
Morgan, ex-oficial confederado em tentativa de integração aos EUA que emergem
da Guerra de Secessão. Cansado do apelo às armas, luta contra o fim dos monopólios
tomando parte do esforço de construção de cidades, ampliação da malha ferroviária
e consolidação dos mercados. Quem brilha, no entanto, é Edmond O'Brien na pele
do confiante Joe Jagger, arquiteto recuperado do alcoolismo. Ultimamente é mais conhecido como A grande terra, tradução literal do
título original.
Encontro com o Diabo
The big land
Direção:
Gordon Douglas
Produção:
Alan Ladd
(não creditado)
Warner
Brothers, Jaguar Productions
EUA — 1956
Elenco:
Alan Ladd,
Virginia Mayo, Julie Bishop, Edmond O’Brien, Anthony Caruso, John Qualen, Don
Castle, David Ladd, Jack Wrather Jr., George J. Lewis, James Anderson, Don
Kelly, Charles Watts e os não creditados John Doucette, Russell Ash, John
Ayres, Paul Bryar, Kit Carson, James Cornell, Steve Darrell, Tex Driscoll,
Barney Elmore , Art Felix, Duke
Fishman, Mel Ford, Clem Fuller, Sugar Geise, Elaine Gilbert, Robert Haines,
Chick Hannan, Jack Henderson, Bob Herron, Whitey Hughes, Les Johnson, Stacy
Keach Sr., Gayle Kellogg, Fred Kelsey, Alana Ladd, Mike Lally, Perk Lazelle, Al
Lloyd, John McKee, David McMahon, William Meader, Frank Mills, Lew Morphy,
Robert Robinson, Henry Rowland, Danny Sands, James Seay, Charles Sherlock, Tom
Smith, Robert R. Stephenson, Clarence Straight, Guy Teague, Blackie Whiteford,
Robert Williams.
O diretor Gordon Douglas entre June Allyson e Alan Ladd no set de Voando para o além (The McConnell story, 1955) |
Western prejudicado pela falta de vigor
narrativo, resultando no desperdício de belíssimo tema. Encontro com o Diabo — exibido pela
televisão como A grande terra, tradução literal do título original — é morno. Entretanto,
deixa-se ver sem contraindicações, como quase todos os exemplares do gênero.
Alan Ladd faz Chad Morgan, ex-oficial
confederado. Com o fim da Guerra Civil tenta se integrar ao novo desenho do
país. Torna-se negociante de gado que conduz do Texas ao Missouri. Entretanto,
o especulador Brogue (Caruso), monopoliza as compras e avilta os preços. Morgan
evita o apelo às armas para resolver a questão. Está cansado de tiros e mortes.
Suas motivações não são compreendidas pelos companheiros, aos quais passa por
traidor e covarde. Acredita na democratização dos mercados, via incentivo à
concorrência, como a melhor solução. Para isso é necessário atrair mais
compradores. Porém, como?
Morgan salva o alcoólatra Joe Jagger
(O’Brien) de linchamento por roubo de whisky. Juntos rumam para o Kansas. A
falta de bares no trajeto e o “estimulante” convívio com um abstêmio obrigam
Joe ao controle do vício. Hospedam-se na propriedade do velho Sven Johnson
(Qualen). Ele substituiu a exploração pecuária pelo cultivo de trigo e convenceu
os vizinhos a segui-lo. Mas enfrentam a precariedade dos transportes para o
rápido e volumoso escoamento da produção. Sven sonha com a estrada de ferro
passando próximo às fazendas. Porém, a sazonalidade do trigo não é atrativa aos
empresários da ferrovia. Mas, pensa Morgan: se houvesse, também, o fornecimento
permanente de gado do Texas? Se nas proximidades das fazendas existisse uma
cidade, um novo mercado?
Alan Ladd como Chad Morgan e Edmond O'Brien no papel de Joe Jagger |
Para erguer a cidade os fazendeiros
entram com os fundos necessários. O planejamento e a coordenação da construção
ficam a cargo de Jagger, na verdade arquiteto com carreira prejudicada pela
bebida. Recuperado, terá a chance de demonstrar valor. Morgan arregimenta os
criadores no Texas. A ampliação da ferrovia é resolvida pelo empresário Tom
Draper (Castle), atraído pelo negócio.
Quem mais se entusiasma é Helen (Mayo),
namorada de Draper. Alegra-a a recuperação do irmão Joe, curado e trabalhando
com afinco. Fica particularmente grata a Morgan, por quem se apaixona. O
problema é Brogue. O especulador pretende assegurar o monopólio regional da
compra de gado. Tenta barrar a construção da cidade. Incendeia o canteiro de
obras. Aterroriza os compradores atraídos pelas possibilidades do novo mercado.
Assassina Jagger, que tentou contê-lo.
Joe Jagger (Edmond O'Brien) com a irmã Helen (Virginia Mayo) |
Morgan chega com a boiada. Encontra a
cidade amedrontada. Para piorar, a volúvel Helen o responsabiliza pelo abandono
e morte de Joe. Enquanto tenta apaziguar os ânimos, um proposital estouro do
gado atravessa as ruas. Por pouco, Sven e o neto Olaf (Wrather Jr.) não são
mortos. Diante dos fatos, Morgan decide não mais fugir ao chamado das armas. Em
nome de Jagger e dos sonhos em construção, enfrenta e mata o especulador.
Remodelando a paisagem: Chad Morgan (Alan Ladd), Helen Jagger (Virginia Mayo) e Joe Jager (Edmond O'Brien) |
Em Encontro
com o Diabo Alan Ladd não faz o personagem acuado pelo avanço da
civilização como o Shane que interpretou para George Stevens em Os
brutos também amam (Shane, 1953). Ao contrário, é
empreendedor, agente do progresso. Percebe a modernização do país e se integra
ao processo. Une-se as classes produtoras, participa do esforço de
democratização do interior bravio, deseja o diálogo às armas. Perde o amigo
Jagger, mas conquista o amor de Helen.
Draper tenta
reagir à perda da namorada mas é contido por Sven, que o chama à razão com
dizeres de significação moral: “Quando vim para o Oeste perdi meu filho; todos
nós, depois, perdemos o Sr. Jagger. Sempre perdemos bens preciosos quando
construímos algo de valor”.
Alan Ladd não recebeu crédito como
produtor de Encontro com o Diabo. Interpreta Chad Morgan com pouca
convicção. Frágil também é a personagem de Virginia Mayo, como, aliás, boa
parte das figuras femininas dos westerns convencionais. Apesar de tudo, é sua
personagem que confere à realização alguma veracidade no tocante aos sentimentos
e humanidade.
Virginia Mayo como Helen Jagger |
Mas quem de fato marca presença é Edmond
O'Brien. Seu Joe Jagger é pleno de vitalidade. Em certos momentos, a ele
pertence a história, não somente por se apresentar como elemento decisivo à
condução da ação, mas também pelas qualidades do ator, em tudo superior ao
chapado e por demais uniforme Alan Ladd. Jagger, em sua determinação — venceu a
alcoolismo, tomou a frente das operações de construção, tentou conter o
especulador — lembra um pouco o patético e trágico Stonewall Torrey
interpretado por Elisha Cook Jr. em Os brutos também amam. Diferencia-os
o caráter e a racionalidade, mais firmes no personagem de O'Brien.
Gordon Douglas dirigiu vários westerns de
produção rápida como Encontro com o Diabo: A lei
é implacável (The Doolins of Oklahoma, 1949), O
tesouro do bandoleiro (The Nevadan, 1950), A
vingança de Jesse James (The great Missouri raid, 1951), Resistência
heroica (Only the valiant, 1951), O rifle de 15 tiros (Fort
Dobbs, 1958), O terror do Oeste (The
fiend who walked the West, 1958), A lei do mais valente (Yellowstone
Kelly, 1959), Ouro que o destino carrega (Gold
of the Seven Saints, 1961) e O revólver de um desconhecido (Chuka,
1967). Também se responsabilizou pelos mais ambiciosos Rio Conchos (Rio
Conchos, 1964), A última diligência (Stagecoach,
1960) — refilmagem de No tempo das diligências (Stagecoach,
1939), de John Ford — e Barquero (Barquero, 1970). Alcançou
maior notoriedade em 1954, ao marcar o cinema de ficção científica com o
clássico O mundo em perigo (Them!), sobre as pavorosas consequências
da utilização da energia nuclear.
Sven Johnson (John Qualen), de pé e ao centro, coordena reunião de fazendeiros |
John Qualen se especializou em papéis de
imigrante sueco como o fazendeiro Sven Johnson. No mesmo ano de Encontro com o Diabo
interpretou Lars Jorgensen em Rastros de ódio (The
searchers, 1956), de John Ford. Em 1962 assumiu a identidade de Peter
Eriksson em O homem que matou o facínora (The man who shot Liberty Valence),
também de Ford.
Roteiro: Martin Rackin, David Dortort, com base em novela
de Frank Gruber adaptada por David Dortort. Direção de fotografia (Warnercolor): John F. Seitz. Música: David Buttolph. Figurinos: Marjorie Best. Montagem: Thomas Reilly. Produção associada: George C.
Berthelon. Supervisão de maquiagem:
Gordon Bau. Direção de arte: Malcolm
C. Bert. Assistente de direção:
William Kissell. Decoração: William
L. Kuehl. Orquestração: Gus Levene. Som: Francis E. Stahl. Edição de som (não creditada): Billy
Mauch, Don Olson, Arthur H. Pullen. Dublê:
Paul Baxley (não creditado). Direção
musical: David Buttolph (não creditado). Tempo de exibição: 92 minutos.
(José Eugenio Guimarães, 1976)
Eugenio,
ResponderExcluirFazer comentários, falar de uma fita vista é um verdadeiro deleite, principalmente quando se é amante da Arte 7a. como eu.
No entanto, é muito dificil se falar de um filme visto há mais de 50 anos, como é este caso, e como o é muitos outros.
Relembro tranquilamente que vi este filme com o Ladd, além de o mesmo constar de meus velhos alfarrábios.
Entretanto, não recordo de nada que possa colocar num comentário sobre o mesmo, a não ser que é uma fita muito mediana e feita por um cineasta muito mediano também, no caso o Gordon Douglas.
Assim, dando uma ligeira opinião sobre o diretor, posso afirmar que sua melhor direção, mesmo sendo em parceria com Irving Rapper, foi em O Milagre/59, um belissimo filme de época, com Roger Moore e Caroll Baker.
No mais sempre o tive como um diretor de filmes de Segunda Linha, igual a muitos outros, nos trazendo uma ou outra obra de mais ressalto raramente, como foram os casos de A Última Diligencia/66 (uma tentativa malfadada de reviver o classico No Tempo das Diligencias/39), Rio Conchos/64 e O Revolver de Um Desconhecido/67, fita não muito amada por vários criticos, mas que não a tenho em patamar assim tão negativo.
jurandir_lima@bol.com.br
Bom dia, Jurandir!
ExcluirDe "Encontro com o diabo" é filme guardo poucas lembranças, a não ser as que foram explicitadas no texto que serviu à sua apreciação. Vi algumas coisas do diretor. Confesso que desconheço essa parceria que o uniu ao Irving Rapper em "O milagre". Verei se encontro esse título. Comecei a conhecer Gordon Douglas quando era garoto. O primeiro filme dele, submetido aos meus olhos, foi, talvez, a comédia menos engraçada protagonizada por Jerry Lewis: "Um biruta em órbita". A obra do diretor que ficou mesmo em minha memória foi a ficção científica "O mundo em perigo", que me deixou sem dormir por noites a fio. "Revólver de um desconhecido" é filme que preciso rever.
Abraços.
Eugenio,
ResponderExcluirPois é.
O Gordon Douglas o dirigiu mesmo, tendo o Irving Rapper como parceiro e este recebido sozinho, ao que me recorde no momento, os créditos, já que o nome do segundo é muito pouco exibido nos comentários que observo.
Apenas soube da contribuição do Douglas muito tempo depois, em artigos que andei lendo.
Agora mesmo acabo de fazer um comentário do mesmo no InterFilmes, onde cito poucas palavras, mas não deixo de expor a grandiosidade deste verdadeiro espetáculo.
Cate-o para ver e não se arrependerá. Aliás, até deixo um recado no meu comentário para quem o tiver me ceder uma copia, se assim for possível.
Caso me atendam, serás o primeiro a quem enviarei copia da minha copia para conhecer um filme sensacional, muito bem feito e morto nas memórias dos exibidores.
Grande abraço
jurandir_lima@bol.com.br
Agradeço mais uma vez pela sua boa vontade, Jurandir. Listei esse filme para procurar, mas ainda não tive como fazê-lo. Estou novamente descontrolado devido ao encerramento do semestre letivo e quase todo o meu tempo está voltado para isso. Quero entrar de férias e ver se consigo ajeitar a minha vida, cheia de compromissos atrasados, inclusive com você, meu caro.
ExcluirAbraços.
Caro Eugênio,
ResponderExcluirli atentamente esta sua matéria sobre The Big Land, Alan Ladd e Gordon Douglas, e concordo com as colocações e conclusões, além de ter observado também o conteúdo dos comentários, muito bons, por sinal. Mas penso que Gordon Douglas, mesmo com altos e baixos em sua carreira, teve mais pontos positivos que negativos. Quando o Jurandir diz que ele foi um "diretor de filmes de segunda linha, igual a muitos outros", li e percebi que isto é o que eu escreveria. Mas não sei se estamos sendo muito rigorosos com ele. Douglas trabalhou muito: fez quase 100 filme e foi ator também, além de escrever roteiros (poucos). The Big Land não é realmente um filme memorável. Aliás, assim como Douglas, o ator Alan Ladd também foi muito irregular. Acredito que por ter sido dirigido por George Stevens em Shane, conseguiu desempenhar o melhor papel de sua carreira. Realmente fez o personagem de forma muito convincente, mesmo sendo de baixa estatura, menor que Van Heflin, Jack Palance e Ben Johnson, com os quais tem várias cenas no filme. Mas, particularmente, me lembro de Gordon Douglas (na época fui examinar quem era o diretor) por três de seus filmes: Em cada Sonho um Amor, com Elvis Presley, Ouro que o Destino Carrega, com Clint Walker e Roger Moore, e A Lei do mais Valente, também com Walker e com John Russell (no papel de um guerreiro índio). Gostei desses filmes. Não são grandes espetáculos, mas o filme de Elvis Presley é extremamente agradável, e os dois westerns com Clint Walker, sempre revejo de vez em quando. Enfim, fazendo uma avaliação mais crítica, mesmo os grandes diretores (Stevens, Hitchcock, Ford, Hawks, Wyler, Mann, Sturges, Boetticher, e outros) tiveram seus momentos menores. Douglas realmente está num nível mediano, mas teve bons momentos como os que citei, além dos citados por vc e Jurandir: "O Milagre", muito bom, e "O Mundo em Perigo". Gostei muito, também, de "Um Raio em Sol Sereno" (parece que ele gostou de trabalhar com Roger Moore), mas sou suspeito para falar desse filme, visto que, muito jovem, eu era apaixonado pela Angie Dinkinson !!!
No final de sua carreira, certamente como vc sabe, ele fez uma espécie de continuação de "No Calor da Noite" (Noite sem Fim), com Sidney Poitier. que não teve o mesmo "calor" do primeiro, mas considero uma realização segura.
São essas minhas observações, Eugênio. Um grande abraço. Vida longa para este seu excelente blog.