Amigos para sempre (Four friends/Georgia's friends, 1982)
é o décimo-primeiro filme de Arthur Penn, um dos cineastas que melhor captaram
a essência da América, da conquista do Oeste aos dias atuais. Seus temas tratam
de indivíduo, racismo, violência, exclusão social, conservadorismo sulista,
contestação e esperança. Amigos para sempre acompanha a
trajetória de sonhos e desilusões de quatro amigos ao longo dos libertários anos
60. Pelos olhos e ações de Danilo, David, Tom e Georgia, o diretor confronta
criticamente os limites do mito da terra das oportunidades que sustenta e
embala os Estados Unidos. Em seu balanço, valoriza o potencial regenerador da
amizade como forma de resistência ao alto preço cobrado pelo ajuste à realidade,
quando os sonhos envelhecem ou chegam ao fim. A apreciação a seguir é de 1983.
Amigos para sempre
Four friends/Georgia’s friends
Direção:
Arthur
Penn
Produção:
Gene
Lasko, Arthur Penn
Cinema 77,
Filmways Pictures, Florin, Geria Productions, Capital B Entertainment
Corporation, 20th. Century-Fox
EUA — 1982
Elenco:
Graig
Wasson, Jodi Thelen, Jim Metzler, Michael Huddleston, Louis Smith, Reed Birney,
Scott Hardt, Elizabeth Lawrence, Miklos Simon, Michael Kovacs, Beatrice
Fredman, Pier Calabria, Zaid Farid, David Graf, Felix Shuman, George Womack,
Todd Isaacson, Sharon Kemp, Harlan Hogan, Elizabeth Goldstein, Natalija
Nogulich, Branko Vasich, Ruzica Markovici, Petrea Burchard, Paul Greco, James
Maxwell, Mercedes Ruehl, Ramiro Carrillo, Glenne Headly, Julia Murray, Dick
Sollenberger, James Leo Herlihy, Brandon Green, William Salatich, Nga Bich Thi
Duong, Thu Anh Ly Nguyen, Linh Thanh Ly Nguyen, Alice Elliott, Epicycle, Sar
Planina Band, Helen Nogulich.
O diretor Arthur Penn (1922 - 2010) |
Danilo Prozor
(Wasson, adulto; Hardt, criança), iugoslavo, tem cerca de 13 anos ao chegar aos
Estados Unidos, acompanhado da mãe (Lawrence), em meados da década de 50. Na
estação ferroviária de Gary, Indiana, reencontra o pai (Simon), operário de
siderurgia emigrado 9 anos antes. O senhor Prozor é homem duro, amargo e bruto.
Perdeu, em meio ao calor das forjas, a capacidade de sorrir e extravasar emoções.
Danilo testemunha, ao crescer, a paulatina desumanização do pai, cujo rosto pétreo
desmente cabalmente o mito da “terra das oportunidades” que sustenta os Estados
Unidos da América. O velho Prozor, como muitos, emigrou acreditando piamente
nessa utopia. Mas encontrou uma realidade de muito trabalho e poucas
compensações.
Apesar das
mensagens profundamente talhadas no rosto do pai, Danilo acredita no sonho
americano. Embalado pelos signos da esperança expressados pelo mito, faz da Sinfonia
do novo mundo, de Dvorak, o hino que o impulsiona. Confiante, adentra
os anos 60. Termina o colegial consolidando sólida amizade com os colegas David
(Huddleston), Tom (Metzler) e Georgia (Thelen).
Georgia (Jodi Thelen) e seus amigos - a partir da esquerda, David (Michael Huddleston), Danilo (Graig Wasson) e Tom (Jim Metzler) |
Georgia, o centro
do grupo, é bem acabada síntese do espírito libertário que atravessou a década.
Nasceu no dia em que é lembrada a morte de Isadora Duncan, a dançarina que, em
seu tempo, notabilizou-se pelo enfrentamento de tabus e preconceitos.
Desprendida, irreverente, generosa, solidária, adepta do amor livre, do
movimento hippie e da contestação, pretende ser a nova Isadora. Seu
comportamento inspira o grupo de amigos e inscreve na belíssima e nostálgica
trilha musical do filme outro significativo comentário, o blue de Hoagy Carmichael e Stuart Correll, Georgia on my mind,
imortalizado na voz de Ray Charles e que será uma espécie de motivo condutor da
história. Mas Georgia também choca com o seu modo de ser, a ponto de Danilo lhe
recusar o pedido de partilhar com ela a primeira noite de amor de ambos. Crente
convicto nas potencialidades do sonho americano, ele se emociona sempre que
ouve o hino nacional. Segue para a universidade, tentando manter acesa a
esperança que o impulsiona. David, descendente de judeus, gordo e calvo, não
alimenta tantas ilusões quanto ao futuro. Seu caminho já foi estabelecido pela
comunidade de pertencimento. Herdará do pai a atividade de agente funerário. É
ele, ainda nas cenas iniciais, que tece um comentário acerca da inutilidade de
se desafiar o determinismo do código genético e os limites dados pelas tradições.
Tom, convocado para a Guerra do Vietnã, é o primeiro a ser torpedeado pela
realidade. Terá um filho com Georgia, sugestivamente batizado como Isador
Duncan. Mas ela se casa com David. Depois, “cairá na estrada” em busca de sua porção
Isadora.
Arthur Penn é
cineasta de poucos filmes. Dirigiu 11 títulos até o momento: Um de
nós morrerá (The left handed gun, 1958), O
milagre de Anna Sullivan (The miracle worker, 1962), Mickey
One (Mickey One, 1965), Caçada humana (The chase, 1966), Uma
rajada de balas (Bonnie and Clyde, 1967), Deixem-nos
viver (Alice’s restaurant, 1969), O pequeno grande homem (Little
big man, 1970), Visões de oito mestres (Visions
of eight, 1974), Um lance no escuro (Night
moves, 1975), Duelo de gigantes (Missouri
breaks, 1976) e Amigos para sempre, baseado em roteiro
autobiográfico de Steven Tesich, descendente de operários estadunidenses de origem
iugoslava. Excetuando-se Visões de oito mestres — documentário
episódico de realização coletiva — e Duelo
de gigantes — equivocado e arrastado big western estrelado por Marlon Brando
e Jack Nicholson — o somatório de realizações de
Penn é dos mais vigorosos e consistentes.
Pode-se dizer que
em todos os seus filmes o diretor propõe um inventário da trajetória americana,
passando pela conquista do Oeste aos dias atuais. Seus temas abordam questões
que falam de indivíduo, racismo, violência, exclusão social, conservadorismo
sulista, contestação, esperança etc. Amigos para sempre é o parecer do
cineasta sobre os anos 60. Porém, a ele não interessa captar a década
priorizando o período naquilo que nos legou de mais significativo e envolvente.
Tudo está lá, evidentemente, mas como pano de fundo à encenação do ponto de
vista de quatro pessoas comuns, desprovidas de maiores qualificações, tipos que
frequentemente se confundem com a numerosa massa anônima cujas trajetórias são
relegadas aos bastidores que conduzem ao esquecimento da História. Amigos
para sempre apanha os anos 60 pelos anseios e pulsações de quatro
dignos representantes da maioria silenciosa. Participaram, realizaram,
sofreram, sonharam, protestaram, mas não deixaram marcas visíveis de sua
presença. Fazem parte daqueles que tiveram a efemeridade e a insignificância
revelada pela implacabilidade do tempo.
Tom (Jim Metzler), David (Michael Huddleston) e Danilo (Graig Wasson) |
Georgia habitou
os mais belos sonhos e fantasias da época, sempre transbordando generosidade e
vitalidade. É particularmente bela e tocante a sequência em que se entrega ao
aleijado Louie (Birney), proporcionando-lhe inesquecíveis — ainda que fugazes —
instantes de felicidade. Mas antes do fim da jornada, verá a impossibilidade de
se transformar em outra Isadora Duncan. Ela mesma se obriga a um balanço
crítico. Constata amargamente que o tempo passou: os cabelos estão embranquecendo
junto com a crescente convicção de que falta consistência a muitas experiências
que viveu e defendeu. “Estou cansada de ser jovem”, acentua Georgia ao final do
filme. É outra versão para uma sentença real e mais famosa: “O sonho acabou”.
Com um filho para cuidar, a personagem se inclina por Danilo, apesar de todos
os desencontros que tiveram.
Georgia (Jodi Thelen) |
Danilo refaz de
outra maneira a trajetória do pai. Após as desilusões na perseguição do sonho, conforma-se
aos imperativos da realidade. Passa da universidade ao calor da siderurgia e ao
volante de um táxi. Termina como professor. Perceberá que, para ascender, não
basta querer e procurar. Antes, é fundamental o aval dos membros do seleto
grupo que controla as chaves da comunicação da realidade com o sonho. Seus
intentos serão duramente barrados. Por pouco não é consumido nas chamas da
frustração e do ressentimento, como o velho Prozor. Este retorna à terra natal,
deixando para trás uma América que nunca lhe sorriu.
David — que muito
antes alertara os amigos sobre a inutilidade de se desafiar cromossomos e
tradições — cedo se ajustou à realidade. Envolveu-se brevemente com os sonhos
de Georgia. Como agente funerário, prepara o sepultamento de muitos com os
quais conviveu. Com Tom aconteceu praticamente o mesmo. O preço de sua
adequação foi a participação na Guerra do Sudeste Asiático, de onde retornou
convenientemente marcado: casado com uma vietnamita, que lhe deu duas filhas.
Uma das
características mais transparentes de Amigos para sempre — que confere ao
filme o nível de excelência — é o carinho franco
manifestado por Penn aos personagens. São pessoas reais, frágeis e vulneráveis.
O cineasta não tenta julgá-las, somente compreendê-las. Dessa opção brota a
força dessa realização despojada, de imagens simples, mas extremamente
generosas e sinceras.
À esquerda, os pais (Elizabeth Lawrence e Miklos Simon) de Danilo (Graig Wasson) no infeliz casamento do filho com Adrienne (Julia Murray) |
Por outro
lado, Amigos para sempre acredita na capacidade redentora dos
relacionamentos. Volta e meia, apesar de tantas modificações, desencontros,
tragédias e desilusões, os personagens se reencontram e fazem balanços de suas
vidas. Valoriza o potencial regenerador da amizade. A manutenção do laço
fraterno talvez seja, de fato, o maior dos sonhos, em qualquer tempo e lugar.
Roteiro: Steven Tesich. Desenho de produção: David Chapman. Música e direção musical: Elizabeth Swados. Edição musical: Norman Hollyn. Direção
de fotografia (Technicolor): Ghislain Cloquet. Supervisão da edição de som: Stan Bochner. Produção da mixagem de som: Nathan Boxer, Ray Cymoszinski. Assistentes da edição de som: Paul
Cavagnero, Janet Conn, Robert Hein, Richard Nord, Fredric D. Rosenberg, Tracey
Smith. Edição de som: Anthony J.
Ciccolini III, Neil L. Kaufman, Dan Lieberstein. Gravação de som: Lee Dichter. Edição
da combinação de sons: Harriet Fidlow. Cabos:
Daniel Gianneschi. Produção de elenco em
Chicago: Jane Alderman. Produção
executiva: Michael Tolan, Julia Miles. Gerente
de unidade de produção: Stephen F. Kesten. Primeiro assistente de direção: Cheryl Downey. Segundo assistente de direção: Steven Franz. Segundo assistente de direção em Nova York: Joseph P. Reidy. Assistente para a produção: Pamela
Adler. Coreografia: Julie Arenal. Direção de segunda unidade: Gene Lasko.
Supervisão de script: Nancy Hopton. Operador de câmera: Ricky Bravo Sr. Contra-regra: Michael Bird, Aaron
Holden, Danny Robert, Kenneth Vogt. Direção
de arte: Dick Hughes. Decoração:
Robert Drumheller, David Weinman, Morris Weinman, Camareiros: Philip Contursi, Dominic Contursi, Timothy W. Tiedje,
David Weinman, Morris Weinman. Carpintaria:
Kenneth J. Gagnon Jr., David Johnson, Edward Swanson. Arte cênica: Pamela Garrett, Joseph C. Nieminski, Richard A.
Ventre. Coordenação de construções:
James Halligan. Mecânico de construções:
Robert Miller. Efeitos especiais: Al
Griswold. Maquiagem: Vincent
Gallaghan. Penteados: Anthony Cortino,
Dee Crededio. Figurinos: Patricia
Norris. Montagem: Barry Malkin, Marc
Laub. Consultor de Technicolor: Otto
Paoloni. Produção associada: Steven
F. Kesten. Trilha musical: Georgia
on my mind (Hoagy Carmichael, Stuart Correll), com Ray Charles; Theme
from Bonanza (Jay Livingston, Ray Evans); Hit the road Jack (David
Mayfield); Shop around (Berry Gordy Jr., William Smoley Robins), Blue
moon (Richard Rodgers, Lorenz Hart), com The Marcels; The
third man theme (Anton Karas), com Guy Lombardo; Rico vacilon (Rozando
Ruiz), com Arthur Murray Orchestra, conduzida por Ray Carter; Mr.
Blah-Blah, de e com Ray Barretto; La moderna (Gilbert Lopez), com Ray
Barretto; Please let me prove (Jimmy Key), com Dave Dudley. Dubles: Colette Alexander, Gene Hartline, Brett Smrz,
Victoria Vanderkloot. Contabilidade: Lucille
Baumann. Operador geral: Edward
Auksel. Assistente de contabilidade:
Debbie Reichig. Assistente para a
produção executiva: Nadja Tesich. Assistente
da sala de montagem: John David Coles. Assistente
de coreografia: Rachel Ticotin. Assistente
de guarda-roupa: Jay Hurley. Assistentes
de montagem: Dorian Harris, Glenn Cunningham. Assistentes de produção: Vebe Borge, Kay Clifford, Barry Foy, Bill
Higgins, Sondra Horton, Matthew Penn, Suzana Peric, Wendy Tannenbaum, Urban
“Spark” Ullman, Marcus Viscidi. Associado
à montagem: Jeffrey Wolf. Boy da
eletricidade: Vincent Delaney. Boy
da mecânica: Jack Kennedy. Chefe do
laboratório de arte: Danny Miller. Consultor
de cor: Otto Paoloni. Continuidade:
Nancy Hopton. Coordenação do escritório
de produção: Eileen Eichenstein. Eletricista-chefe:
Charles Meere. Eletricistas: Eugene
F. Crededio, John D. Crededio, William Dambra, Robert Dolan, Tom Ford. Executivo musical: George Avakian. Fotografia de cena: James Zenk. Gerente de locações: June Rachel
Guterman. Gerente de operações:
James E. Foote. Gerente de unidade de
produção em Nova York: Steven Felder. Guarda-roupa
feminino: Melissa Franz. Guarda-roupa
masculino: Patrick R. Norris. Mecânica: Peter J.
Donoghue, James V. Gartland, Thomas Lewis, Robert McLain. Mecânico
da dolly: Tom Prate. Operador de steadicam: Garrett Brown. Operadores de câmera: Frank Miller, Hal
Schullman. Orquestração adicional:
Carolyn Dutton. Primeiro assistente de
câmera: James Blanford. Produção de
elenco extra: Lisa Clarkson. Publicidade:
Ann Guerin. Segundo assistente de
câmera: Ricky Bravo. Supervisão
musical: Norman Hollyn.Coordenação
de dubles: Harry Madsen. Companhia
de efeitos especiais: Sturm's Special Effects International. Tempo de exibição: 115 minutos.
(José Eugenio Guimarães, 1983)
Eu lembro de quando vi este filme. À época, cursava o segundo grau, julgava-me conhecedor da "medida natural do certo e do errado, do Bem e do Mal", e confesso que, então, fiquei algo chocado com o universo do filme, em que o todo certinho Danilo ficava numa posição de um verdadeiro "pato" em relação à liberadíssima Georgia, em que esta lutava por se tornar - sem consegui-lo inteiramente - "um diabinho", bem como com a abordagem de um mundo absolutamente viciado na alta sociedade norte-americana, quando Danilo tenta casar-se com a filha de um milionário, num evento que termina tragicamente. O que me encantara, então, fora a presença do segundo e do quarto movimentos da 9ª Sinfonia em mi menor, de Dvorak. Embora já tenham passado mais de trinta anos que vi este filme, tenho-o bem presente na memória e, com algum conhecimento a mais e muitas certezas a menos, considero adequada a análise feita pelo Eugênio. Eu não chegava a ver Georgia como uma mulher generosa, mas, pelo contrário, como a expressão daquele egoísmo infantil, que não tem propriamente maldade, mas faz com que aquele que dele é acometido se julgue o mundo.
ResponderExcluirOlá, Ricardo Antônio Lucas Camargo;
ExcluirAinda tenho vivas recordações da primeira vez em que vi este filme: abril de 1983. Cine Roxy, de Belo Horizonte. Na ocasião, estava acompanhado de um grupo de amigos, felizes e otimistas, todos ainda sob o efeito da recente formatura. Pensávamos, ingenuamente, que o mundo nos pertencia. O período convidava mesmo ao otimismo. Terminando o filme, nossas faces estavam inundadas de lágrimas e o silêncio nos acompanhou durante um bom tempo. De repente, "Amigos para sempre" pareceu nos devolver à dura realidade.
Abraços