domingo, 12 de novembro de 2017

KURT RUSSELL, A DISNEY E UM SÍMIO NA GUERRA PELA AUDIÊNCIA

A Walt Disney Productions (WDP) demorou a acertar o passo, relativamente prejudicado desde 15 de dezembro de 1966 quando, aos 65 anos, faleceu o criador e produtor que lhe fornece o nome. Tirando raríssimas exceções, tanto os filmes protagonizados por gente de carne e osso como os longas de animação foram, aos poucos, esbarrando na mesmice rotineira que envenena a imaginação e a criatividade. A empresa experimenta um boom e um renascer a partir de 1989 com o desenho animado longo A pequena sereia (The little mermaid), de Ron Clements e John Musker. Porém, quanto às produções live-action não sei atualmente o que dizer. Falta-me conhecimento abalizado sobre o assunto. Há muito perdi o interesse por incursões da Disney nesse setor. Porém, marquei presença por anos a fio, como espectador contumaz, de tudo o que a companhia lançava nos cinemas, desde os anos verdes da meninice até meados da década de 70. Acompanhei a estreia de Kurt Russell, ainda criança, em realizações da WDP com Nunca é tarde para amar (Follow me, boys, 1965), de Norman Tokar, e, entre outros empreendimentos menos inspirados, testemunhei-o em filmes dedicados ao universo estudantil quando interpretou Dexter Riley em Viva o garotão prodígio (The computer wore tennis shoes, 1969), de Robert Butler; Os invencíveis invisíveis (Now you see him, now you don't, 1972), de Robert Butler; e O homem mais forte do mundo (The strongest man in the world, 1975), de Vincent McEveety. Porém, um dos filmes mais interessantes desse período de vacas magras da companhia do Mickey é O chimpanzé manda-chuva (The barefoot executive, 1971), sob a direção de Robert Butler. Aqui, Russell interpreta — com o apoio de velhos e tarimbados coadjuvantes — o ambicioso Steven Post, funcionário de uma emissora de TV que amarga raquíticos índices de audiência. Isto até contar com uma inesperada e improvável ajuda para catapultá-la ao primeiro lugar. A apreciação a seguir, de 1974, sofreu revisão e ampliação em 1978.








O chimpanzé manda-chuva
The barefoot executive

Direção:
Robert Butler
Produção:
Bill Anderson
Walt Disney Productions
EUA — 1971
Elenco:
Kurt Russell, Joe Flynn, Wally Cox, Harry Morgan, Heather North, Hayden Rorke, Alan Hewitt, John Ritter, Jack Bender, Tom Anfinsen, George N. Neise, Ed Reimers, Morgan Farley, Glenn Dixon, Robert Shayne, Tristram Coffin, J. B. Douglas, Ed Prentiss, Fabian Dean, Iris Adrian, Jack Smith, Eve Brent, Sandra Gould, James Flavin, Pete Renoudet, Judson Pratt, Vince Howard, Hal Baylor, Bill Daily, Dave Willock, Anthony "Scooter" Teague, Edward Faulkner, Chimpanzé Raffles e os não creditados Jeffrey Burbank, Howard Culver, Brian Evans, Bruce Rhodewalt, Jason R. Wilbanks, Leon Alton, Benjie Bancroft, Beulah Bondi, Paul Bradley, Argentina Brunetti, Cathy Crosby, Peter Paul Eastman, Ted Gehring, George Golden, James Gonzalez, John Harmon, Robert Hitchcock, Michael Jeffers, Hank Jones, Hans Moebus, Murray Pollack, Tony Regan, Hank Robinson, Clark Ross, Cosmo Sardo, Ernest Sarracino, Jeffrey Sayre, Chet Stratton, Arthur Tovey, Herb Vigran.



O diretor Robert Butler



O ator juvenil Kurt Russell tem longa folha de serviços com a Walt Disney Productions. Em 1965, aos 14 anos, foi visto pela primeira vez — na companhia de Vera Miles, Lillian Gish e Fred MacMurray — em um filme da empresa: Nunca é tarde para amar (Follow me, boys!), de Norman Tokar. Sob a chancela da casa de Mickey Mouse e do Pato Donald atuou a seguir em: Mosby's marauders (1969), de Michael O'Herlily, para a série Disneylândia; The one and only, genuine, original Family Band (1968), de Michael O'Herlily; A sorte tem quatro patas (The horse in the gray flannel suit, 1968), de Norman Tokar; O segredo do castelo (Guns in the heather, 1969), de Robert Butler; Viva o garotão prodígio (The computer wore tennis shoes, 1969), de Robert Butler — primeira aparição do personagem Dexter Riley (Russell), que voltaria em Os invencíveis invisíveis (Now you see him, now you don't, 1972), de Robert Butler, e O homem mais forte do mundo (The strongest man in the world, 1975), de Vincent McEveety.


O chimpanzé manda-chuva é um dos melhores títulos — o que pouco significa — protagonizados por Russell para a Disney. Teve potencial para se transformar em realização das mais promissoras e oportunas caso fosse mais ousada. Muito se fala dos níveis de alienação e imbecilidade do homem médio urbano, ainda mais quando só lhe resta a condição de espectador compulsivo de programas de televisão — "a máquina de produzir idiotas", devastador juízo desferido por acadêmicos e gente comum. Pode-se dizer que a realização de Robert Butler parte dessa excelente premissa. Infelizmente, desperdiçou todas as oportunidades para desenvolvê-la com um mínimo de zelo e profundidade. Sobrou uma comédia burocrática, atolada no sentimentalismo de jovens apaixonados, resguardada por piadas verbais e desgastadas situações cômico-visuais da parte de um time talentoso de velhos atores em final de carreira como Joe Flynn, Wally Cox e Harry Morgan.


Harry Morgan como E. J. Crampton e Joe Flynn no papel de Francis X. Wilbanks

 Francis X. Wilbanks (Joe Flynn) e Mertons (Wally Cox)


As emissoras de TV mais poderosas assim o são devido à audiência que alavancam. Quanto maior o número de telespectadores, maiores visibilidades conseguem os anúncios inseridos nos intervalos dos programas e, logicamente, maiores as oportunidades de vendas de bens e serviços os mais diversos. Evidentemente, os canais batalham por atrações de qualidade — seja lá o que isso signifique —, mas tal horizonte não é necessariamente essencial. O importante, acima de tudo, é assegurar ao máximo a adesão do público consumidor para os espetáculos exibidos. Os campeões de audiência exigirão preços mais elevados dos anunciantes e estes também podem se tornar patrocinadores de atrações associando-as a marcas e produtos. Profissionais de marketing, empresas de pesquisa e aferidores de audiência trabalham constantemente para garantir a fidelidade da audiência pelo conhecimento do seu gosto médio. Em geral, querem saber o que apreciam e, especificamente, o que deve ser oferecido em consonância com faixas etárias, sexo e horários.


Em Los Angeles, a rede UBC — United Broadcasting Corporation — não está bem na disputa por telespectadores. Ajustar a programação a um padrão estável, condizente com as potencialidades do mercado e minimamente diferenciada em relação à concorrência envolve batalhas diárias, quase sempre perdidas. As agências especializadas não dão conta do recado. O jovem Steven Post (Russell), estudante de curso noturno e funcionário do departamento de correspondência da emissora, acredita ter a solução para o problema. Infelizmente, não é ouvido pelo alto escalão — representado pelo divertido e neurastênico gerente geral Francis X. Wilbanks (Flynn). Pelos fracassos, o executivo já é alvo de gozações dos concorrentes. Também é pressionado por superiores de Nova York, liderados pelo furioso Presidente E. J. Crampton (Morgan). As tentativas de Steven não contam sequer com o beneplácito da namorada Jennifer Scott (North), secretária de Wilbanks. Porém, ela acidentalmente aparecerá com uma hilária e reveladora solução. Reside aí, também, a grande inspiração de O chimpanzé manda-chuva — sim, o título brasileiro entrega toda a graça —, de curto alcance, infelizmente.


Steven Post (Kurt Russell) e Raffles

Raffles, Jennifer Scott (Heather North) e Steven Post (Kurt Russell)


De uma hora para outra Jennifer se vê na situação de guardiã do chimpanzé Raffles. Os donos do animal tiveram que viajar às pressas. Aparentemente, é um mascote bem domesticado e não oferece problemas. A televisão, permanentemente ligada, fornece-lhe diversão básica. Porém, Steven percebe que esse espectador atípico estrila nervosamente quando trocam o canal ao qual assiste atentamente. Raffles é aficionado por programas de baixa consideração para os padrões de gente supostamente entendida em qualidade. Um pouco mais de atenção ao comportamento do macaco deixa o ambicioso rapaz com a faca e o queijo nas mãos. O símio é a própria materialização da média ponderada das preferências da audiência ao longo do dia. Privilegia programas de gosto popular, logicamente os mais vistos. O nível de inteligência do espectador padrão — tal qual seu referencial estético — poderia, então, ter um chimpanzé por parâmetro? Seria genial se o roteiro de Joseph L. McEveety, baseado em história de Lila Garrett, Bernie Kahn e Stewart C. Billett explorasse com alguma profundidade essa deixa e endereçasse crítica nada lisonjeira a um dos principais meios da comunicação de massa em geral e aos programas e telespectadores em particular. Infelizmente, nem o diretor Robert Butler considerou a oportunidade. Apenas seguiu fielmente as linhas mestras do guião.


Steven Post (Kurt Russell) e Raffles

  
Steven procura proteger ao máximo o segredo de Raffles. Consegue ser ouvido pela direção e se impor aos altos escalões da emissora. A UBC é catapultada ao posto de campeã de audiência. Logo o jovem talento assume o lugar de Wilbanks — deslocado para o mal definido cargo de diretor de assuntos culturais — e conquista o prêmio máximo do setor: "Homem de TV do Ano". Ganha rios de dinheiro, entra na posse de bens até então inacessíveis e ameaça o posto do presidente E. J. Crampton. É quando tudo muda de direção.


Steven Post (Kurt Russell) premiado como "Homem de TV do Ano"


Descobrir o segredo do sucesso de Steven Post passa a ser a motivação dos ameaçados personagens representados por Joe Flynn e Harry Morgan. Jennifer, inclusive, é relativamente posta para escanteio e a relação passa por dificuldades até tomar ciência do mistério literalmente guardado a sete chaves pelo namorado. A partir daí o protagonismo de O chimpanzé manda-chuva é deslocado para os competentes veteranos Harry Morgan, Joe Flynn e Wally Cox. Este interpreta o falastrão Mertons, motorista de Wilbanks. Não deixa de ser razoavelmente divertida a longa sequência na qual ele — um acrofóbico — e o patrão se aventuram pelas partes externas de um arranha-céu — sempre sujeitos ao pânico e às quedas — para descobrir o bem guardado segredo do sucesso de Steven.


Raffles

Steven Post (Kurt Russell), Raffles e Jennifer Scott (Heather North)


Apesar dos atores tarimbados, principalmente os coadjuvantes, o que sobra é uma comédia que não se arrisca na fórmula há muito consagrada. O resultado é a mesmice simplória e rotineira das produções Disney protagonizadas por gente de verdade — como tem sido a norma nos últimos anos, desde a morte do velho Walt em 15 de dezembro de 1966, aos 65 anos — e dedicadas à diversão de toda a família. Nada de ousadias formais e de conteúdo, muito menos críticas corrosivas ao sistema. Sem querer ofender, talvez Raffles se saísse melhor na direção.




Roteiro: Joseph L. McEveety, baseado em história de Lila Garrett, Bernie Kahn, Stewart C. Billett. Direção de fotografia (Technicolor): Charles F. Wheeler. Montagem: Robert Stafford. Música: Robert F. Brunner. Direção de arte: Ed Graves, John B. Mansbridge. Decoração: Emile Kuri, Frank R. McKelvy. Penteados: La Rue Matheron, Vivian Thompson (não creditada). Maquiagem: Robert J. Schiffer, Ray Steele (não creditado). Gerência de produção (não creditada): John D. Bloss, Russ Walker. Assistente de direção: Ted Schilz. Chefe de equipe do departamento de arte: John A. Kuri (não creditado). Pintura: Leon Ocherman (não creditado). Contrarregra: Wilbur L. Russell (não creditado). Supervisão de som: Robert O. Cook. Mixagem de som: Dean Thomas. Supervisão da edição de efeitos de som: Raymond Craddock (não creditado). Edição de efeitos de som (não creditada): Leonard Davison, Ben Hendricks, Bill Wylie. Operador de boom: Frank Regula (não creditado). Chefe de efeitos especiais: Robert A. Mattey (não creditado). Efeitos ópticos: Eustace Lycett. Arte matte: Alan Maley. Dublê: Dick Warlock (não creditado). Assistentes de câmera (não creditados): Arthur Brooker, Gene Jackson, Ronald M. Vargas Sr. Fotografia de cena: Floyd McCarty (não creditado). Operador de câmera: Roger Shearman (não creditado). Eletricista-chefe: Harry Sundby (não creditado). Guarda-roupa de Raffles: Shelby Anderson. Figurinos: Chuck Keehne, Emily Sundby. Guarda-roupa feminino: Lynne Albright (não creditada). Guarda-roupa masculino: Richard Butz (não creditado). Edição musical: Evelyn Kennedy. Orquestração: Franklyn Marks. Treinador de Raffles: Frank Lamping. Publicidade: Gabe Essoe (não creditado). Continuidade: Karen Hale Wookey (não creditada). Supervisão animal pela Gentle Jungle: Ralph Helfer (não creditado). Primeiro socorros: Dan Novack (não creditado). Fornecimento animal: Gentle Jungle. Cooperação: The National Academy of Television Arts and Sciences. Sistema de mixagem de som: RCA Sound Recording. Tempo de exibição: 96 minutos.


(José Eugenio Guimarães, 1974; revisão e ampliação em 1978)



6 comentários:

  1. Guau, Kurt Rusell está casi irreconocible y es que el tiempo pasa para todos, aunque el chimpacé ya habrá a pasado a mejor vida, ja,ja,ja. Estás películas de Walt Disney con personajes en acción real siempre despertaron mis dudas, pero también cierto interés por ese aire de inocencia que despertaban.
    No volvería a ver esta película, pero tu análisis sobre ella me ha parecido justo y acertado. Un gran abrazo Eugenio y gracias por recuperar estás producciones que están muy cerca de caer en lo más profundo del olvido.

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    1. En cuanto a mí, Miguel Pina, sólo en los días muy chuvosos, cuando no tenga condiciones de salir de casa, es que tendría coraje de volver a ver esta película. Aun así, no es de todo mala, si la exagerada puerilidade conseguir pasar despercebida.

      Abrazos y saludos.

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  2. Hi, J.E.! Thank you for sharing your original review of "The Chimp Makes Rain." As movies go, it is a piece of fluff based on a rather lame premise. But that premise seems reasonable to me, that the average person who was watching TV in America was about as sophisticated as a chimp.

    I recall many of the Disney films from when I was 10 years old. Perhaps they were made for children and young teen audiences, something safe and wholesome for a Saturday afternoon at the movies while mom and dad were keeping house. That is my defense of this formula.

    As I see it, Disney's error was to continue the same type of films into the 1970's and beyond. The premise wore thin, became too predictable. It was fun while it lasted!

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    1. Thank you for your appreciation, Paula Koval. You are in full agreement with the spirit of my approach. However, you refer to the original title of the movie as "The chimp makes rain." In fact, the original title is "The barefoot executive".

      Still, I believe we are referring to the same product. I've watched a lot of Disney movies since I was a kid, still with my mom. That is from the age of three or four, from the late 1950s to the mid-1970s.

      Cartoon still attracts me, but not films with living people, especially if they are urban-themed. They have gone very badly and as you well said, the themes became repetitive and were lost.

      Thank you very much for your comment. A big hug.

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  3. Gracias José Eugenio por tan interesante análisis sobre esta vieja película de Disney y su fondo argumental,la mala programación de "la máquina de hacer idiotas"(TV).

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    1. Yo es que agradezco por su interés, comentario y visita, Silvia leyendo. Abrazos, saludos y Feliz 2018.

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