domingo, 26 de março de 2017

ENFIM, AS CARTAS CHEGARAM

Telefilme exibido no Brasil em 1973 — ano da produção — pelo programa da TV Globo Premiere MundialWorld Premiere, conforme o original estadunidense. Trata-se de melodrama ordenado em episódios, com direção dos burocráticos Gene Nelson e Paul Krasny. Uma bucólica cidade dos Estados Unidos serve de centro nervoso às tramas. A simpática figura de um carteiro, interpretado por Henry Jones, faz a ligação entre os segmentos. Sua prosaica atividade, tão pouco movimentada por novidades, ganha, em um único dia, aspectos extraordinários. Entregará, em regime de urgência, três cartas a diferentes destinatários. Estavam desaparecidas há um ano, devido ao acidente que derrubou o avião postal em local ermo e de difícil acesso. Depois de tanto tempo, quais desdobramentos provocarão nas vidas de remetentes e destinatários? As cartas (The letters, 1973) é realização rotineira com andamento pedestre e marcada pela previsibilidade. Os nomes do elenco são a principal atração. Porém, nenhum deles apresenta desempenho particularmente relevante. Inexplicável é o fato desta produção, francamente olvidável, aderir com tanta força às minhas lembranças. Havia percebido isto quando escrevi esta apreciação em 1974, um ano após vê-la. Hoje, passados 44 anos, ainda tenho vivas as imagens deste comezinho melodrama.







As cartas
The letters

Direção:
Gene Nelson, Paul Krasny
Produção:
Paul Junger Witt
ABC Circle Films
EUA — 1973
Elenco:
Barbara Stanwyck, Ida Lupino, Pamela Franklin, Leslie Nielsen, John Forsythe, Dina Merrill, Jane Powell, Lesley Ann Warren, Henry Jones, Ben Murphy, Trish Mahoney, Gary Dubin, Mia Bendixsen, Gilchrist Stuart, Orville Sherman, Shelly Novack, Frederick Herrick, Ann Noland, Brick Huston, Charlie Picerni.



Gene Nelson, um dos diretores de As cartas



Algumas relações são inexplicáveis. Não se sabe como ou por que acontecem, a ponto de exercer tão forte vínculo. Às vezes, o motivo da junção é francamente banal e poderia ser facilmente, até involuntariamente, entregue ao olvido. Porém, não é o que sempre ocorre. Como explicar, por exemplo, que uma produção tão corriqueira e pedestre, direcionada à TV — equivalente aos episódios brasileiros de teleteatro ou "casos especiais" das emissoras estadunidenses — tenha tão forte aderência às minhas lembranças? O telefilme As cartas nada possui de extraordinário, à exceção do elenco. Despontam os nomes notáveis de Barbara Stanwyck, Ida Lupino, Dina Merrill etc., entregues, porém, a representações burocráticas. Reúne, episodicamente, três pequenos melodramas domésticos de consequências tardias, graças às três cartas enviadas a destinatários específicos de mesma cidade, em idêntico dia. Estiveram perdidas por um ano em decorrência da queda do avião que as transportava em local ermo e de difícil acesso.


Vi a realização de Gene Neslon e Paul Krasny há mais de um ano[1]. As ambientações, os trejeitos dos atores e as cenas são elementos marcados pela previsibilidade, inclusive a emblemática figura do carteiro (Jones). Este é constante presença da abertura ao final. Também faz a ligação entre os episódios. Expõe didaticamente para o espectador os aspectos corriqueiros da profissão, tão raramente movimentada por missivas perdidas recentemente descobertas e finalmente entregues para desconfiança, alívio, surpresa e até indiferença de remetentes e destinatários.


O desenvolvimento é simplório. Os episódios são: The Andersons segment, The Parkingtons segment e The Forresters segment. Apresentam-se nessa ordem, cada qual em dois blocos. Evoluem, inicialmente, até o ponto de apresentação das fatídicas missivas. Muito tempo é perdido para mostrar como as correspondências chegaram às agências dos correios, o processo da triagem, o embarque no avião, o acidente, a localização dos destroços e recuperação da mala postal. No epílogo, revitalizam-se os episódios com a entrega das cartas e seus esperados desdobramentos.


John Forsythe interpreta Paul Anderson em The Andersons segment

Barbara Stanwyck como Geraldine Parkington em The Parkingtons segment

Ida Lupino como Mrs. Forrester em The Forresters segment


Gene Nelson dirigiu The Andersons segment a partir do roteiro de James G. Hirsch. Tim Southcott fez a direção de fotografia e David Berlatsky se encarregou da montagem. Atuam John Forsythe, Jane Powell, Lesley Ann Warren, Trish Mahoney, Gary Dubin e Mia Bendixsen.


Paul Anderson (Forsythe), infiel marido de Elaine (Powell), é pai amoroso das crianças Paul (Dubin) e Lisa (Bendixsen). Os filhos são parte fundamental de sua vida. No entanto, decide abandonar a família para viver com Laura Reynolds (Warren). Sob o disfarce de uma viagem de negócios, passa, no México, longa temporada com ela. Porém, a amante é avessa a filhos — fator que mina o relacionamento. Disposto a seguir com a vida, Paul escreve a Elaine, justificando-se. Entretanto, perde a carta. Descobrirá isso bem mais tarde, aliviado. Mas Laura a localiza no apartamento e trata de enviá-la ao correio.


Lesley Ann Warren no papel de Laura Reynolds em The Andersons segment


The Parkingtons segment, também de Gene Nelson, tem roteiro de Ellis Marcus — autor da história — e Hal Sitowitz. A direção de fotografia é de Tim Southcott. Carroll Sax se encarregou da montagem. No elenco despontam Dina Merrill, Leslie Nielsen, Barbara Stanwyck, Gilchrist Stuart e Orville Sherman. É — se assim pode ser dito — o mais tenso dos episódios.


Derek Childs é pianista ambicioso em ascensão. Namora Penelope Parkington (Merrill). É sua principal incentivadora, porém desprovida de recursos para catapultá-lo na carreira. A grande chance para o músico acontece quando a possessiva e endinheirada Geraldine (Stanwyck) — irmã de Penelope e ávida "caçadora" — se intromete no affair e o reclama para si. Casam-se. Mas não calculava que a atração por dinheiro do marido sobrepujasse tanto o amor, a ponto de se sentir fisicamente ameaçada. Antes de ser atraída a uma fatal armadilha, manifesta apreensões em carta enviada a Penelope.


Penelope Parkington é interpretada por Dina Merrill em The Parkingtons segment


Os atores de fato brilham nesse segmento. Stanwyck — com carreira consolidada na interpretação de personagens fortes e dominadores — não tem dificuldades para se sobressair. O principal trunfo do episódio decorre dos personagens, melhor elaborados e pouco propensos a seguir coordenadas de qualquer código condizente com a boa moral. São lobos se devorando, aproveitando todas as brechas permitidas pelas circunstâncias.


Por fim há The Forresters segment, com Paul Krasny na direção e roteiro de James G. Hirsch. Leonard J. South fez a direção de fotografia e Robert L. Swanson se encarregou da montagem. É drama familiar com alguma intensidade. No elenco estão Ida Lupino, Pamela Franklin, Ben Murphy, Shelly Novack, Frederick Herrick, Ann Noland, Brick Huston e Charlie Picerni.


Ben Murphy no papel de Joe Randolph em The Forresters segment

Karen Forrester (Pamela Franklin) e Joe Randolph (Ben Murphy) em The Forresters segment


O automobilista Joe Randolph (Murphy) é injustamente acusado pela morte acidental de um colega. Foge e se emprega como mecânico na cidade onde os dramas se desenrolam. Desenvolve relação amorosa com a jovem Karen (Franklin). Porém, a perspicaz e possessiva mãe da garota, Mrs. Forrester (Lupino), interrompe o idílio. Descobre o passado de Joe e ameaça denunciá-lo se não desaparecer o quanto antes. Transcorrido algum tempo, Karen se apresenta grávida. Desgostosa com o sumiço repentino do namorado, manifesta pouco apreço ao filho. Não sabe que a mãe bloqueia tentativas de comunicação telefônica do amado. Sequer o informa de que é pai. Joe falece tragicamente após escrever para Karen. Esclarece os fatos e informa a pretensão de voltar. Sally (Noland), proprietária da pensão na qual se hospedava, encontra a carta e a encaminha para a agência postal.


Karen Forrester (Pamela Franklin) e a mãe Mrs. Forrester (Ida Lupino) em The Forrester saegment

  
Com desenvolvimento de telenovela curta, As cartas padece da falta de vigor narrativo e exposição demasiado rápida dos episódios. Tudo flui superficialmente. A ideia de três distintos dramas relacionados por um fio comum soava interessante e poderia, mediante alguma ousadia, resultar em algo menos rotineiro. No mesmo ano os produtores executivos Leonard Goldberg e Aaron Spelling encomendaram telefilme similar ao diretor John Erman: Letters from three lovers. Os dois títulos seriam pilotos de séries televisivas que não vingaram.


Dina Merrill e Barbara Stanwyck vivem, respectivamente, as irmãs Penelope e Geraldine
The Parkingtons segment


Roteiro: James G. Hirsch, Ellis Marcus, Hal Sitowitz. Produção executiva: Leonard Goldberg, Aaron Spelling. Produção associada: Tony Thomas. Música: Pete Rugolo. Direção de fotografia (cores): Leonard J. South, Tim Southcott. Montagem: David Berlatsky, Carroll Sax, Robert L. Swanson. Direção de arte: Tracy Bousman. Decoração: Frank Rafferty, Donald E. Webb. Maquiagem: Bob Romero, Howard Smit. Gerência de produção: Richard Caffey, Norman Henry, Al Kraus. Assistência de direção: Bill Derwin, Fred Giles. Contrarregra: Bob Henderson, Richard Valesko. Coordenação de construções: Gordon Kirschbaum. Engenharia de som: Jack F. Lilly, Don Rush. Efeitos sonoros: Richard Sperber. Dublê: Monty Laird (não creditado). Supervisão de casting: Bert Remsen. Supervisão de guarda-roupa: Wes Echert, Robert Fuca. Trajes de Barbara Stanwyck: Nolan Miller. Supervisão musical: Rocky Moriana. Continuidade: Doris DeHerdt, Joan Eremin. Tempo de exibição: 74 minutos.


(José Eugenio Guimarães, 1974)



[1] Considerando-se o ano em que esta apreciação foi escrita: 1974.

2 comentários:

  1. Hola Eugenio, comprendo perfectamente lo que quieres expresar al referirte a los sentimientos que te produce esta película. Por la razón que sea, hay determinadas producciones que se nos quedan en la memoria y recordamos con cariño. Aunque conozco a los actores protagonistas, no tenía la menor idea de la existencia de este film. Me parece interesante en cualquier caso la segmentación de la historia. Un gran abrazo y gracias por tu estimable reseña.

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    1. Pois é, Miguel... Às vezes nos olvidamos de tantas películas que são, em comparação a esta, muito melhores... É algo inexplicável. O problema deste filme, em se tratando de segmentação, é o reduzido tempo para desenvolver com alguma profundidade os episódios. É tudo muito superficial. Caso tenha interesse, acredito que a encontrará no Youtube.

      Abraços, Miguel. Saludos e bom dmingo.

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