domingo, 2 de outubro de 2016

007 COMEÇA A MATAR NO CINEMA, SEMPRE EM NOME DE SUA MAJESTADE BRITÂNICA

Tive o privilégio de testemunhar o surgimento, no cinema, de James Bond, o 007, agente secreto licenciado para matar em nome da majestade britânica. De 1965 para cá assisti, pela ordem de produção, a todos os filmes dedicados ao personagem concebido pelo também espião além de jornalista e escritor Ian Fleming. Estava com nove anos quando fui apresentado a O satânico Dr. No (Dr. No, 1963), de Terence Young, produção com traços visivelmente amadores se comparada aos exemplares que viriam. A bem da verdade, sequer tinha idade para vê-lo na ocasião. Porém, na interiorana Viçosa/MG, como bem sei por experiência própria, gerentes e operadores davam seus jeitinhos para reduzir as margens de proibição da censura de então. Além do mais, como o pai era bem relacionado, um papinho bem conduzido vencia qualquer barreira e lá estava eu com assento na plateia, no meio de gente grande. Confesso que senti um estranho e mal compreendido frisson — vivia a inocência da idade ajustada ao meu tempo — quando Ursula Andress, no papel de Honey Ryder, emergiu de biquíni branco no mar das Antilhas para um James Bond (Sean Connery) surpreso e extasiado. Logo se conheceram e uniram forças para vencer o inacreditável vilão chinês Dr. No (Joseph Wiseman), o destrambelhado da vez com ambições de conquistar o mundo. A apreciação a seguir foi escrita em 1974, com base nas lembranças da sessão de 1965 e em leituras feitas na ocasião. Passou, para esta publicação, por atualizações em notas de rodapé. Atualmente não me interesso tanto por filmes de James Bond, apesar de ainda prestigiá-los. Mas foram atração obrigatória ao longo dos anos 60 aos 80.






O satânico Dr. No
Dr. No

Direção:
Terence Young
Produção:
Albert R. Broccoli, Harry Saltzman
United Artists, Eon Productions
Inglaterra — 1962
Elenco:
Sean Connery, Ursula Andress, Joseph Wiseman, Bernard Lee, Louis Maxwell, Jack Lord, Louis Blaazer, Colonel Burton, Peter Burton, Reginald "Reggie" Carter, Anthony Dawson, William Foster-Davis, Eunice Gayson, Dolores Keator, John Kitzmiller, Zena Marshall, Michel Mok, Yvonne Shima, Marguerite LeWars e os não creditados Abbot Anderson, Keith Binns, Chris Blackwell, Kes Chin, Anthony Chinn, Eric Coverley, Charles Edghill, Margaret Ellery, Lancelot Evans, Alan Gold, Victor Harrington, John Hatton, George Hilsdon, Bettine Le Beau, Byron Lee, Rick Lester, Henry Lopez, Louis Marriott, Count Prince Miller, Stanley Morgan, Tim Moxon, Malou Pantera, Willie Payne, Carol Reckford, Milton Reid, Robert Rietty, Adrian Robinson, Carey Robinson, Maxwell Shaw, Bob Simmons, Frank Singuineau, Nikki Van der Zyl.



Bastidores de Dr. No: o diretor Terence Young com os atores Ursula Andress e Sean Connery em locações na Jamaica

Os produtores Harry Saltzman e Albert R. Broccoli


Primeira aventura cinematográfica do agente secreto James Bond, o 007, licenciado para matar em nome de Sua Majestade Britânica. Este filhote dileto da guerra fria é criação do escritor e jornalista Ian Lancaster Fleming (1908-1964). O autor foi, durante a Segunda Guerra Mundial, agente secreto de verdade. Integrou os famosos T-Force e 30 Assault Unit. Escreveu, ao todo, 14 livros de novelas e contos protagonizados por James Bond: Casino Royale[1] (1953); Live and let die[2] (1954); Moonraker[3] (1955); Diamonds are forever[4] (1956); From Russia, with love[5] (1957); Dr. No (1958); Goldfinger[6] (1959); For your eyes only[7] (1960) ― na origem, parte de uma coletânea de quatro contos publicada em livro com esse nome ―; Thunderball[8] (1961); The spy who loved me[9] (1962); On Her Majesty's Secret Service[10] (1963); You only live twice[11] (1964); The man with the golden gun[12] (1965); e Octopussy[13] (1966) ― integra um conjunto de quatro contos publicados em livro com essa denominação.



My name is Bond, James Bond (Sean Connery)


Dr. No traz um Sean Connery ainda aprendiz de ator. William Holden, Albert Finney, Peter O'Toole e Roger Moore ― que adotou a identidade do personagem a partir da oitava aventura cinematográfica, Com 007 viva e deixe morrer (Live and let die, 1972), de Guy Hamilton ― recusaram o papel. Ao menos Roger Moore estava impedido devido a problemas contratuais.


Sean Connery ficou marcado como 007 e injustamente conhecido como ator de uma só nota. Representou-o sete vezes[14]. Ele e o personagem chegavam a se confundir.


Louis Maxwell em sua primeira vez como a secretária Miss Moneypenny ao lado de Sean Connery no papel de James Bond

  
O satânico Dr. No[15] foi concebido nos moldes do padrão “B” de produção. Bond surge com suas principais características bem delineadas: gosto refinado, principalmente por mulheres, cruel, ágil, preciso, implacável e destilando ironia, cinismo e humor. Mas, desde 1953, um ano depois de lançado por Ian Fleming, o espião, na pele de Barry Nelson, já frequentava a telinha da TV em Casino Royale — extraído da única novela de Fleming cujos direitos os produtores Saltzman e Broccoli não conseguiram adquirir —, adaptado ao formato do teleteatro. Cassino Royale (Casino Royale)[16] foi levado à tela grande em 1968, sob a direção coletiva de John Huston, Val Guest, Robert Parrish, Joseph McGrath e do não creditado Richard Talmadge, com vários atores fazendo James Bond.


Bernard Lee em sua primeira vez como M, o chefe do MI6 - Serviço Secreto Britânico

  
Em O satânico Dr. No o espião investiga a morte de um agente secreto no Mar das Antilhas quando se depara com o poderoso complexo submarino do Dr. No (Wiseman), arquivilão chinês e gênio do mal com a firme disposição de conquistar o mundo.


O arquivilão chinês Dr. No é interpretado por Joseph Wiseman



O batismo cinematográfico de 007 era considerado um salto no escuro. Nenhuma grande companhia quis bancar os produtores, até a United Artists encarar os riscos. A produção foi orçada em 900 mil dólares, quantia atualmente irrisória para realizar qualquer filme. Diante da inadimplência de Albert R. Broccoli e Harry Saltzman, a empresa adiantou 100 mil dólares para finalizar os cenários da fortaleza submarina do Dr. No.


A princípio, o filme obteve alguma repercussão na Inglaterra, somente. Foi praticamente ignorado nos Estados Unidos, onde terminou relegado aos programas duplos. A declaração do então presidente John F. Kennedy, de que um dos seus passatempos prediletos eram as novelas de Ian Fleming, forçou a reavaliação dos estadunidenses. Tanto que mereceu relançamento com o status de produção de primeira grandeza. Na França, tornou-se imediato motivo de culto, coisa que nem os gauleses conseguem explicar. Isso para desespero de François Truffaut, que afirmou: “O cinema é uma arte em decadência desde James Bond”.


A aventura, muito movimentada, apresenta um espião com suficiente jogo de cintura para se desvencilhar das mais inverossímeis situações. Mas, apesar de tudo, o 007 de Dr. No tem, comparado aos filmes que o sucederam, pés no chão. Obedece a um traçado mais realista, segundo a concepção original de Fleming. Com o passar do tempo, os perigos e armadilhas ficaram cada vez mais exagerados. A espionagem passava a adentrar, geralmente, o campo da ficção científica.


O personagem Q não aparece em Dr. No e o nome, apenas rapidamente referenciado, batiza a unidade de desenvolvimento tecnológico do Military Intelligence Section 6 (MI6), o Serviço Secreto Britânico. Ganhará a interpretação de Desmond Llewelyn (1914-1999) a partir de Moscou contra 007, de início com o nome de Boothroyd. Passará a se chamar Q a partir de 007 contra Goldfinger[17]. É uma espécie de Professor Pardal[18] infatigável na invenção das mais mirabolantes engenhocas e utilitários que livrarão James Bond de inenarráveis enrascadas. Com a invasão tecnológica e a incorporação dos efeitos especiais mais sofisticados de filme para filme, as histórias também ganharam incontestável ar de paródia, muitas vezes beirando a chanchada, principalmente na fase protagonizada por Roger Moore.



Acima e abaixo: Ursula Andress como Honey Ryder após fulgurante emersão 


Sequência marcante é a aparição da primeira bondgirl, Ursula Andress como a fatal Honey Ryder, inesquecível em deslumbrante ― para a época ― biquíni branco ao despontar no mar e avançar rumo à praia diante o olhar incrédulo e extasiado de 007.


O tema musical de Monty Norman, executado logo no início — quando 007 caminha sob a mira de uma arma de fogo, da direita para a esquerda da tela, até se virar rapidamente e disparar em direção ao público com a pistola Mauser que ajudou a popularizar —, tornou-se marca registrada de todos os filmes dedicados ao personagem.


Jack Lord, à esquerda, é o Felix Leiter em Dr. No; à direita, Sean Connery como James Bond

  
Coube a Jack Lord inaugurar a galeria dos intérpretes de Felix Leiter. O fiel amigo estadunidense de James Bond e agente da CIA (Central Intelligence Agency) sempre teve as máscaras de diferentes atores de filme para filme. Jack Lord marcou época na televisão como o agente Steve McGarrett na série Havaí 5-0 (Havaii 5-0), criada e produzida por Leonard Freeman. São 12 temporadas distribuídas por 283 episódios levados ao ar, originalmente, de 1968 a 1980 pela CBS (Columbia Broadcasting System).



  
Roteiro: Richard Maibaum, Berkley Mather, Terence Young (não creditado), Johanna Harwood, com base em novela de Ian Fleming submetida a tratamento por Wolf Mankowitz (não creditado). Direção de fotografia (Technicolor): Ted Moore. Música: John Barry (não creditado), Monty Norman. Desenho de produção: Ken Adam. Figurinos: Tessa "Welborn" Prendergast. Montagem: Peter R. Hunt. Direção de arte: Syd Cain (não creditado). Produção associada: Stanley Sopel (não creditado). Produção de elenco: James Liggat (não creditado). Maquiagem: John O'Gorman. Penteados: Eileen Warwick. Gerente de produção: L. C. Rudkin. Assistente de direção: Clive Reed. Segundo assistente de direção: David C. Anderson (não creditado). Terceiro assistente de direção: John Meadows (não creditado). Camareira: Freda Pearson. Contrarregra (não creditada): Dickie Bamber, John Chisholm. Compras: Ron Quelch (não creditado). Desenhos técnicos: Alan Tomkins (não creditado). Gravação de som: John Dennis, Wally Milner. Combinação de sons: Archie Ludski, Norman Wanstall. Operador de microfones: Don Wortham (não creditado). Efeitos especiais: Frank George. Arte matte: Cliff Culley (não creditado). Efeitos visuais: Roy Field (não creditado). Dublês (não creditados): Peter Brace, Gerry Crampton, Bill Cummings, Steve Emerson, Alan Gold, Arthur Howell, George Leech, Dinny Powell, Bob Simmons, Rocky Taylor. Operadores de câmera: John Winbolt, George Pink (não creditado). Fotografia de cena (não creditada): Bert Cann, Bunny Yeager (Jamaica). Assistentes de câmera (não creditados): Allan Jones, John Shinerock. Eletricista: Laurie Shane (não creditado). Animação: Trevor Bond. Animação dos créditos: Robert Ellis (não creditado). Guarda-roupa (não creditado): John Brady (masculino), Eileen Sullivan (feminino). Assistente de montagem: Ben Rayner. Uniformização de cor: Brian Borne (não creditado). Gerente de locações: Chris Blackwell (não creditado). Orquestração: Burt Rhodes. Direção musical: Eric Rodgers. Dublagem de Ursula Andress em canção: Diana Coupland (não creditada). Músicos (não creditados): Vic Flick, John Scott. Organização da orquestra: Sidney Margo (não creditado). Planejamento dos créditos principais: Maurice Binder. Apresentação: Albert R. Broccoli, Harry Saltzman. Continuidade: Helen Whitson. Contabilidade da produção: Len Chance (não creditado). Publicidade (não creditado): Jean Garioch (não creditado), Roy McGregor. Produção executiva pela United Artists: George 'Bud' Ornstein (não creditado). Secretária da produção: Maureen Whitty (não creditado). Ternos de James Bond: Turnbull & Aser (não creditado). Companhia de mixagem de som: Westrex Recording System. Tempo de exibição: 110 minutos.


(José Eugenio Guimarães, 1974)



[1] Adaptado para a TV em 1954 sob o nome de Casino Royale ― duração de 48 minutos, direção de William H. Brown Jr. e com Barry Nelson no papel de James Bond ―, terceiro episódio da primeira temporada da série Climax!, produzida por Martin Manulis e Bretaigne Windust. Teve quatro temporadas e 166 episódios exibidos originalmente de 1954 a 1958 pela rede CBS (Columbia Broadcasting System, de início CBS Television Studios). Foi levada ao cinema em 1967 como Casino Royale, comédia dirigida por Ken Hughes, John Huston, Joseph McGrath, Robert Parrish e o não creditado Richard Talmadge. Os produtores Albert R. Broccoli e Harry Saltzman não conseguiram adquirir os direitos para cinema de Casino Royale. Somente em 2006, na nova fase dos filmes dedicados a James Bond, com produção de Barbara Broccoli e Michael G. Wilson, a primeira novela escrita por Ian Fleming se incorporou ao exitoso empreendimento cinematográfico iniciado por O satânico Dr. No. Preservando o título original do livro, foi filmado por Martin Campbell com Daniel Craig no papel de James Bond. No Brasil, foi exibido com o nome de 007 ― Cassino Royale (Nota de atualização de 2016, preparada especialmente para a publicação neste blog).
[2] Levado ao cinema em 1973, com direção de Guy Hamilton e Roger Moore no papel de James Bond. No Brasil recebeu o nome de Com 007 viva e deixe morrer.
[3] Filmado por Lewis Gilbert em 1979, com Roger Moore no papel de James Bond. Conhecido no Brasil pelo título 007 contra o foguete da morte (Nota de atualização de 2016, preparada para a publicação neste blog).
[4] Filmado por Guy Hamilton em 1971, com Sean Connery no papel de James Bond. Título no Brasil: 007 ― Os diamantes são eternos.
[5] Sob a direção de Terence Young foi filmado em 1963. Sean Connery interpreta James Bond. Moscou contra 007 é o nome no Brasil.
[6] Título no Brasil: 007 contra Goldfinger. Filmado por Guy Hamilton em 1964, com Sean Connery vivendo James Bond.
[7] Com direção de John Glen, ganhou versão cinematográfica em 1981, com Roger Moore no papel do agente secreto 007. Título no Brasil: 007 ― Somente para seus olhos (Nota de atualização de 2016, preparada para a publicação neste blog).
[8] Filmado por Terence Young em 1965 e com o protagonismo de Sean Connery. No Brasil é conhecido como 007 contra a chantagem atômica.
[9] Filmado por Lewis Gilbert em 1977, com Roger Moore no papel principal. Título no Brasil: 007 ― O espião que me amava (Nota de atualização de 2016, preparada para publicação neste blog).
[10] Levado ao cinema por Peter R. Hunt em 1969, com George Lazenby interpretando o agente secreto. Batizado no Brasil como 007 ― A serviço secreto de sua majestade.
[11] Levado ao cinema por Lewis Gibert em 1967, com Sean Connery no papel de James Bond. Título no Brasil: Com 007 só se vive duas vezes.
[12] Filmado por Guy Hamilton em 1974, com Roger Moore como James Bond. Título no Brasil: 007 contra o homem com a pistola de ouro.
[13] Filmado por John Glen em 1983 e protagonizado por Roger Moore. Título no Brasil: 007 contra Octopussy (Nota de atualização de 2016, preparada para publicação neste blog).
[14] Inclusive para o "bastardo" 007― Nunca mais outra vez (Never say never again, 1983), de Irvin Kershner. Não integra o lote produzido por Albert R. Broccoli e Harry Saltzman. Jack Schwartzman é o produtor. O roteiro de Lorenzo Semple Jr foi baseado em história de Kevin McClory e Jack Whittingham, por sua vez adaptada de Thunderball, de Ian Fleming.
[15] Após reapresentações, o título no Brasil foi alterado para 007 contra o satânico Dr. No.
[16] Não integra o grupo de filmes produzidos por Albert R. Broccoli e Harry Saltzman. A produção é de Charles K. Feldman e Jerry Bressler.
[17] Llewelyn interpretará Q até 007 ―O mundo não é o bastante (The world is not enough, 1999), de Michael Apted, quando Pierce Brosnan já oferecia a máscara para James Bond. Considerando inclusive o Boothroyd de Moscou contra 007, Desmond Llewelyn desempenhou o personagem em 17 aventuras cinematográficas de James Bond (Nota de atualização de 2016, preparada para publicação neste blog).
[18] Inventor e personagem das histórias em quadrinhos da Walt Disney Productions, originalmente chamado de Gyro Gearloose.