domingo, 17 de junho de 2018

WILLIAM WELLMAN DIRIGE BARBARA STANWYCK AMEAÇADA NOS BASTIDORES

O grande e esquecido cineasta-aviador William Augustus Wellman tem filmografia marcada por exposições secas, sóbrias, eficazes e diretas. Hodiernamente é merecedor de urgente reconhecimento e revalorização. Como assinala Philippe Paraire em O cinema de Hollywood[1], é talento vocacionado à ação sem jamais deixar de lado a reflexão. Por essa característica, é praticamente um pioneiro do engajamento e da crítica social. Dirigiu os marcantes Asas (Wings, 1928) e Mendigos da vida (Beggars of life, 1928); marcou os anos 30 com o drama de gângsters — Inimigo público (The public enemy, 1931) —, a aventura — O grito da selva (Call of the wild, 1935) e Beau Geste (Beau Geste, 1939) —, o musical — Nasce uma estrela (A star is born, 1937) — e a comédia — Nada é sagrado (Nothing sacred, 1937). Adentra os anos 40 com o humor descontraído de A cidade que nunca dorme (Reaching for the Sun, 1941) e o delicioso Pernas provocantes (Roxie Hart, 1942). Logo realiza vigorosa denuncia do linchamento no western Consciências mortas (The Ox-Bow incident, 1943). Permanece nessa seara na ousada tentativa de apresentar um libelo favorável aos índios com o desmistificador Buffalo Bill (Buffalo Bill, 1944), cujas pretensões foram, em parte, arruinadas pelos produtores. Retorna ao velho Oeste pelos vieses da aridez e desilusão em Céu Amarelo (Yellow Sky, 1948). Vai aos campos da Segunda Guerra Mundial em busca da humanidade sacrificada dos combatentes em Também somos seres humanos (Story of G.I. Joe, 1945) e O preço da glória (Battleground, 1949). Em meio a esse conjunto de títulos no mínimo primorosos, também lançou os olhos sobre os tensos e ruidosos bastidores de um teatro de variedades assombrado por misteriosos assassinatos em A morte dirige o espetáculo (Lady of burlesque, 1943). É praticamente um veículo frustrado para Barbara Stanwyck. Segue apreciação de 1997.







A morte dirige o espetáculo

Lady of burlesque

Direção:
William A. Wellman
Produção:
Hunt Stromberg
United Artists, Hunt Stromberg Productions
EUA — 1943
Elenco:
Barbara Stanwyck, Michael O'Shea, J. Edward Bromberg, Charles Dingle, Frank Conroy, Gloria Dickson, Stephanie Bachelor, Marion Martin, Iris Adrian, Victoria Faust, Pinky Lee, Frank Fenton, Janis Carter, Eddie Gordon, Gerald Mohr, Lew Kelly, Claire Carleton, Bert Hanlon, Sidney Marion, Lou Lubin, Lee Trent, Don Lynn, Fred “Freddie” Walburn, Isabel Withers e os não creditado Florence Auer, Valmere Barman, Ted Billings, Eddie Borden, Carol Carrolton, George Chandler, Gerry Coonen, Kernan Cripps, Joan Dale, Joe Devlin, Mary Gail, Virginia Gardner, Kit Guard, Chuck Hamilton, Oscar 'Dutch' Hendrian, Dave Kashner, Louise La Planche, Maxine Leslie, George Lloyd, Jean Longworth, Frank Moran, Noel Neill, Bob Perry, Lee Phelps, Marjorie Raymond, Joette Robinson , Barbara Slater, Elinor Troy, Dan White, Beal Wong, Dallas Worth.



O ainda jovem William A. Wellman quando das filmagens de Asas (Wings, 1927)



A morte dirige o espetáculo — exibido na televisão como A senhora da farsa — é título menor de um cineasta maior. Foi realizado um ano antes de William Wellman oferecer um opus máximo: o atualmente pouco visto e praticamente esquecido Consciências mortas (The Ox-Bow incident), western de reflexão, seco e direto — agudo libelo contra a instituição estadunidense do linchamento.


Barbara Stanwyck interpreta a corista Deborah Hoople ou Dixie Daisy 


Barbara Stanwyck interpreta Dixie Daisy, nome fictício da corista Deborah Hoople. Integra, há uma semana, o cast fixo do Old Opera House de S. B. Foss (Bromberg). “Ópera” há apenas no nome. É uma companhia dedicada à exploração de rápidos números de variedades. Dixie — cantora, dançarina e comediante — é a estrela maior da casa, à frente de "50 outras garotas bonitas" — conforme os anúncios. A lotação, invariavelmente esgotada, deixa Foss plenamente satisfeito com os resultados da bilheteria. "Garotas! São o que o público deseja ver. Quando as óperas atrairiam tanta gente?", questiona exultante.


Dixie Daisy (Barbara Stanwyck) e Princesa Nirvena (Stephanie Bachelor)

Gee Gee Graham (Iris Adrian) e Dixie Daisy (Barbara Stanwyck) 

Dixie Daisy (Barbara Stanwyck)


O Old Opera House não é lugar fino. Vez ou outra atrai batidas policiais. É ponto de encontro de gângsters. A plateia, inquieta, está sempre aos apupos. Nos bastidores as atrizes se desentendem por ciúmes ou motivos os mais banais.


Dixie não gosta de palhaços. Tem motivos: foi roubada por um representante da categoria quando contava apenas sete anos. Ficou traumatizada. Como eles marcam presença constante no palco, nas coxias e nos camarins, habituou-se a colecionar problemas. Entretanto, divide número com o palhaço irlandês Biff Brannigan (O'Shea) — apaixonado pela estrela. A princípio, recusa a aproximação. Mas logo, segundo o previsto, dará o braço a torcer.



Acima e abaixo: Barbara Stanwyck como a corista Dixie Daisy 


A paz nervosa do Old Opera House é quebrada por misteriosos assassinatos nos bastidores. Primeiro morre a corista Lolita La Vern (Faust). Depois, a pedante Princesa Nirvena (Bachelor) — outrora grande estrela da casa, egressa dos refinados palcos operísticos. No tumulto que antecedeu à morte de La Vern, Dixie por pouco não sofreu estrangulamento. O assassino, tem, parece, a intenção de provocar pânico e o consequente fechamento do teatro. As perguntas óbvias são: por quê? Quem será? Os policiais investigam, interrogam e lançam suspeitas em todas as direções. Biff é preso, o que pode dar razão aos traumas de Dixie. No entanto, logo é posto em liberdade. À frente das apurações, O Inspetor Harrigan (Dingle) sugere o cancelamento temporário das atividades até a solução do caso. Todo o cast em princípio concorda, com pesar. Porém, logo Dixie convence o pessoal do contrário: afinal, o Old Opera House é a razão de viver de todos ali. Assim, o assassino retorna às investidas. Agora, o alvo é a estrela número um da casa.


Conforme o esperado, Dixie é salva por Biff com o auxílio da polícia. O parceiro, vigilante desde a prisão, desconfiava do pertencimento do criminoso à companhia e de Dixie como a próxima vítima por causa da posição de liderança que assumiu. O assassino, antigo funcionário do Old Opera House, pretendia de fato o fechamento definitivo do lugar. Estava inconformado com as crescentes popularização e vulgarização dos espetáculos.



Acima e abaixo: Dixie Daisy (Barbara Stanwyck), principal atração do Old Opera House


Um dos pecados de A morte dirige o espetáculo é a falta de dinamismo narrativo, fatal a um filme de mistério. Quase toda a história transcorre em interiores, geralmente nos bastidores do teatro. Wellman, de fato, perdeu a mão. As presenças magnéticas de Stanwyck e O'Shea são insuficientes para garantir um espetáculo no mínimo razoável. Até parece que estamos diante de um filme de início de carreira de um diretor pouco imaginativo, algo que, definitivamente, William Wellman nunca foi. Ao espectador só resta se conformar com tanta decepção. Afinal, mesmo os mais inventivos cineastas — inclusive os de longa e mais que testada filmografia como é caso — estão sujeitos às derrapadas.





Roteiro: James Gunn, com base na novela G-Strings murders, de Gypse Rose Lee. Direção de fotografia (preto e branco): Robert De Grasse. Desenho de produção: Joseph E. Platt. Direção de arte: Bernard Herzbrun. Costumes de Barbara Stanwyck: Edith Head. Costumes: Natalie Visart. Coreografia: Danny Dare. Trilha musical: Arthur Lange, Charles Maxwell (não creditado). Canções: Take it off the E-String, So this is you, compostas por Sammy Kahn e Harry Akst. Supervisão de montagem: James E. Newcomb. Produção de elenco: Robert Stirling (na creditado). Penteados de Barbara Stanwyck: Hollis Barnes. Penteados: Nina Roberts (não creditado). Maquiagem: Robert Stephanoff (não creditado). Gerente de produção: Joseph C. Gilpin (não creditado). Assistente de direção: Sam Nelson (não creditado). Arte dos créditos: Elois Jenssen (não creditado). Gravação de som: Charles Althouse (não creditado). Fotografia de cena: Ned Scott. Orquestração: Maurice De Packh (não creditado). Estúdio de mixagem de som: Western Electric Mirrophonic Recording. Tempo de exibição: 91 minutos.


(José Eugenio Guimarães, 1997)



[1] PARAIRE, Philippe. O cinema de Hollywood. São Paulo: Martins Fontes, 1994. p. 170.