domingo, 28 de outubro de 2018

AUDIE MURPHY ESTRELA O COMPETENTE “RIFLES APACHES” DE FINAL CONSTRANGEDOR

O diretor William H. Witney e o ator Audie Murphy — o soldado mais condecorado da Segunda Guerra Mundial — já estavam no inverno de suas carreiras quando foram reunidos pelo modesto produtor Robert E. Kent, da Admiral Pictures, na realização de Rifles Apaches (Apache rifles, 1964). É western convencional levado a termo em regime de baixo orçamento, como outros tantos de semelhante envergadura que faziam a alegria da garotada nas sessões de domingo de meados dos anos 60. Witney, mestre da ação rápida, teve a carreira relegada às companhias produtoras do terceiro escalão — a Republic Pictures, principalmente. Especializou-se em seriados, veículos para cowboys cantores, aventuras do Lone Ranger — mal convertido para Zorro no Brasil — etc. Jamais teve a oportunidade de dirigir filmes suportados por orçamentos mais generosos. Do mesmo mal padece a carreira de Murphy, protagonista de aproximados 40 westerns ligeiros e baratos rodados nos anos 50 e 60. Faz, em Rifles Apaches, o Capitão Stanton da Cavalaria dos Estados Unidos. É escalado para enquadrar os Mescaleros chefiados por Vitorio (Joseph A. Vitale) e seu filho Falcão Vermelho (Michael Dante). O contexto é ameaçado pelo assédio de mineiros aos veios auríferos encontradas na reserva de San Carlos e ambição de superiores carreiristas. Prejudicam Stanton o fantasma do pai, militar caído em desgraça, e o preconceito racial. A ação acontece no território do Arizona em 1879. A realização desenvolve ponto de vista favorável aos índios. A narrativa, apesar de convencional, tem bom pique e garante o interesse. Infelizmente, por pouco não é completamente arruinada por um dos piores epílogos da história do cinema. Segue apreciação escrita em 1977, revista e atualizada em 1985.






Rifles apaches

Apache rifles

Direção:
William H. Witney
Produção:
Robert E. Kent
Robert E. Kent Productions (Admiral Pictures)
EUA — 1964
Elenco:
Audie Murphy, Linda Lawson, Michael Dante, L. Q. Jones, Ken Lynch, Joseph A. Vitale, Robert Brubaker, John Archer, J. Pat O'Malley, Eugene Iglesias, Charles Watts, Howard Wright, Peter Hansen, Robert Karnes, Hugh Sanders, Sydney Smith, S. John Launer, Robert B. Williams e os não creditados Jimmie Booth, Fred Carson, Cecil Combs, Herman Hack, Frank Hagney, Boyd 'Red' Morgan.



O diretor William H. Witney


Rifles Apaches é um dos muitos westerns baratos e convencionais estrelados por Audie Murphy ao longo dos anos 50 e 60. Na forma, é similar a tantos outros. O realizador é o competente artesão William H. Witney, desde os anos 30 reconhecido como autêntico pau para toda obra em companhias produtoras menores, notadamente a Republic Pictures. Dirigiu seriados e significativo número de veículos para os cowboys cantores Roy Rogers e Rex Allen. Ganhou experiência no desenvolvimento de tramas marcadas pela ação rápida, da qual se tornou um mestre não reconhecido. Infelizmente, não teve a chance de se provar em produções de prestígio amparadas por orçamentos mais generosos. Ostenta na filmografia cerca de 140 títulos, desde que se lançou na atividade com O aliado misterioso (The painted stallion, 1937) até o encerramento da carreira com o obscuro Showdown at Eagle Gap (1982). Nos anos 60, quando as oportunidades no cinema começaram a escassear diante do lento e progressivo ocaso do western, encontrou porto seguro na condução de episódios de diversas séries televisivas — inclusive para a Walt Disney Productions.


Rifles Apaches é o terceiro dos três westerns protagonizados por Murphy em 1964. Os outros são, pela ordem, Pistoleiro relâmpago (The quick gun), de Sidney Salkow, e Balas para um bandido (Bullet for a badman), de R. G. Springsteen. Witney dirige roteiro de Charles B. Smith adaptado de história de Kenneth Gamet e Richard Schayer. De início, apresenta seca e concisa aventura da Cavalaria contra os Apaches Mescaleros liderados por Vitorio (Vitale) com o apoio do filho Falcão Vermelho (Dante). Acossados por mineiros que invadiram a reserva de San Carlos, no Arizona, os índios abandonam o lugar. Organizados como força guerrilheira, desferem ataques rápidos pela região circundante. Visam principalmente os garimpeiros. São perseguidos pela tropa do Capitão Green (Hansen). Depois de sofrer muitos reveses, o comando passa ao Capitão Stanton (Murphy). É homem talhado para campanhas demoradas, duro quando necessário e estrito cumpridor de ordens regulamentos. Prepara uma emboscada e aprisiona Falcão Vermelho. Submete-o a tratamento inclemente até conseguir a atenção de Vitorio. Ordena o retorno dos evadidos à reserva e se compromete a expulsar os invasores.


Vitorio (Joseph A. Vitale) com o filho Falcão Vermelho (Michael Dante)

Audie Murphy como o Capitão Stanton

O Capitão Stanton (Audie Murphy) e o Sargento Cobb (Robert Brubaker)


Porém, nem tudo é tão simples. Há ouro em abundância na reserva. Os mineiros insistem em lá permanecer. Liderados por Mike Greer (Jones) e Hodges (Lynch), são insuflados pelo comerciante e financiador Crawford Owens (Watts). Atuam politicamente em Washington e conseguem reverter parcialmente a situação. Stanton é destituído do comando da guarnição. Passa à condição de subordinado do substituto, o carreirista e manipulável Coronel Nathan Perry (Archer) — ansioso por uma promoção. Uma vitória militar contra os índios seria a oportunidade ideal.


Crawford Owens (Charles Watts), Hodges (Ken Lynch), Mike Greer (L. Q. Jones) e o Xerife (Robert Karns)

  
Os mineiros também providenciam a eliminação do digno Thompson (Wright), agente de assuntos indígenas. É atingido nas costas por uma flecha. As suspeitas caem sobre os Apaches. É motivo suficiente para o desencadeamento de represálias, oportunidade tão aguardada por Perry. Apesar da aversão racista aos índios, Stanton tenta controlar a situação e apaziguar os ânimos. Descobre a verdade sobre o assassinato de Thompson e faz o que pode para enquadrar os mineiros e evitar mais derramamento de sangue. Também é afetivamente atraído por Dawn Gillis (Lawson), missionária e professora da reserva. Apresenta-se um duplo problema: ela também é cortejada pelo irascível Falcão Vermelho e é mestiça, filha de pai branco com mãe Comanche. Os acontecimentos se passam em 1879.


O Capitão Stanton (Audie Murphy) e a missionária Dawn Gillis (Linda Lawson)

O oficial médico Thatcher (J. Pat O'Malley), Capitão Stanton (Audie Murphy) e  Dawn Gillis (Linda Lawson)


Rifles Apaches desenvolve ponto de vista favorável aos índios. Revela como eram manipulados por interesses econômicos e políticos que levavam à ruptura unilateral, pelos brancos, dos acordos de paz. Infelizmente, tais questões são tratadas superficialmente. Importam primeiramente a ação e, em segundo plano, as ambiguidades da personalidade de Stanton. O Capitão é atormentado pelas lembranças do pai — militar respeitador dos índios e caído em desgraça ao provocar a derrota do pelotão que comandava — e pelo franco preconceito racial.


Filmado em locações naturais da Califórnia — Bronson Canyon, Red Rock Canyon State Park, Deserto de Mojave e Janss Conejo Ranch — e nas instalações da Universal Pictures, Rifles Apaches é aventura bem contada, apesar de ordinariamente previsível. O desenvolvimento é fluido, às vezes vigoroso e emocionante. Os atores estão bem e contribuem para William Witney entregar um trabalho correto, ou quase.


Capitão Stanton (Audie Murphy)


Infelizmente, a solução encontrada para o epílogo põe tudo a perder de tão constrangedora. Provavelmente, resulta de arranjo imposto pela distribuidora, a 20th Century-Fox, à revelia do roteirista e da direção. Falcão Vermelho está enlutado e contrariado por causa da morte do pai no embate com as tropas do Coronel Perry. Para piorar, os Apaches estão — mais uma vez — prestes a sofrer nova traição dos militares. Descontrolado, o herdeiro de Vitorio acerta uma lança em Stanton. A área do coração é visivelmente atingida. Homem algum sobreviveria a golpe de tamanha precisão e envergadura. Segue-se um fade-out. Passam-se três semanas. E não é que o Capitão ressurge vivinho, de posse de todos os movimentos? Tem apenas o braço esquerdo na tipoia. Falcão Vermelho se alegra em vê-lo saudável. Depois de tanto conflito e antipatias mútuas, ambos trocam amabilidades. Todo o racismo de protagonista desapareceu por encanto.


O novo chefe dos Apaches Mescaleros comunica que San Carlos será deixada à exploração dos garimpeiros e a tribo partirá de bom grado para reserva supostamente mais aprazível, no Texas, onde a visita do oficial é aguardada com muito gosto. Também convence Stanton a não abandonar o Exército, conforme pretendia. Ainda por cima, deixa-lhe o caminho livre para cortejar Dawn Gillis — até então dada como morta nas escaramuças.


Capitão Stanton (Audie Murphy)


É um final de papelão, de tão falso e irreal. Parece que foi inspirado nas ilustrações dos folhetos edificantes distribuídos pelas Testemunhas de Jeová. Nesses, ovelhas pastam tranquilas ao lado de leões mansos e a natureza está aos cuidados de abençoadas famílias em um mundo pacificado pelo poder da graça divina. Terrível! Lástima! Noventa e dois minutos de uma boa história foram desperdiçados por 120 segundos do mais ridículo e anticlimático epílogo. Uma pena!






Roteiro: Charles B. Smith, baseado em história de Kenneth Gamet e Richard Schayer. Produção associada e supervisão da montagem: Grant Whytock. Música: Richard LaSalle. Direção de fotografia (Deluxe Color): Archie R. Dalzell. Direção de arte: Frank Paul Sylos. Decoração: Morris Hoffman. Maquiagem: Vincent Romaine, Ben Nye (não creditado). Penteados: Gladys Witten. Gerente de produção: Joseph Small. Assistente de direção: Herbert S. Greene. Contrarregra: Max Frankel. Som: Lambert E. Day. Edição de som: James Richard. Dublês (não creditados): Fred Krone, Boyd 'Red' Morgan, Jim Sheppard (p/Audie Murphy), Norm Taylor. Guarda-roupa: Alexis Davidoff. Edição musical: Sid Sidney. Tempo de exibição: 92 minutos.


(José Eugenio Guimarães, 1977, revisto e atualizado em 1985)