domingo, 4 de novembro de 2018

FRANCO FRANCHI E CICCIO INGRASSIA ESCULHAMBAM O NORTE E O SUL NA GUERRA DE SECESSÃO

O boom do cinema popular italiano no mercado exibidor brasileiro atingiu o auge durante os anos 60. As plateias receberam farta e sortida dieta composta de comédias ligeiras, dramas passionais, fantasias históricas, aventuras de capa e espada, episódios do Império Romano, westerns spaghetti, policiais e os terríveis épicos protagonizados por heróis musculosos de extração mitológica: Maciste, Hércules, Sansão, Ulisses, Golias e outros menos prestigiados. O período também conheceu as aventuras da dupla formada pelos comediantes Franco Franchi e Ciccio Ingrassia, queridíssimos do público italiano. Deram o ar da graça em aproximados 110 títulos realizados de 1960 a meados dos anos 70, nem todos conhecidos dos brasileiros. Amparados por diretores diversos, fizeram troça de todos os gêneros e não perdoavam produções prestigiadas imediatamente parodiadas em títulos reveladores como Os filhos do leopardo (I figli del leopardo, 1965), de Sergio Corbucci; Dois mafiosos contra Goldfinger (Due mafiosi contro Goldginger, 1965), de Giorgio Simonelli; O belo, o bruto, o cretino (Il bello, il brutto, il cretino, 1967), de Giovanni Grimaldi; Il clan dei due Borsalini (1971), de Giuseppe Orlandini etc. Em 1965, nos papéis dos sicilianos irmãos La Pera, Franco Franchi e Ciccio Ingrassia puseram em polvorosa as forças confederadas e unionistas na Guerra de Secessão. Infelizmente, a coprodução ítalo-espanhola Os dois sargentos do General Custer (I due sergenti del generale Custer/Dos vivales en Fuerte Álamo, 1965), não está entre os melhores trabalhos da dupla. Pulso e capacidade de orientação faltaram ao diretor Giorgio Simonelli. O humor, constrangedor, peca pelo excesso de grosseria. Em muitos momentos o elenco de apoio é dominado pela apatia e a narrativa avança ao sabor das circunstâncias. Segue apreciação escrita em 1978.






Os dois sargentos do General Custer
I due sergenti del Generale Custer/Dos vivales en Fuerte Álamo

Direção:
Giorgio Simonelli
Produção:
Edmondo Amati
Balcázar Producciones Cinematográficas, Fida Cinematografica
Itália, Espanha — 1965
Elenco:
Franco Franchi, Ciccio Ingrassia, Margaret Lee, Moira Orfei, Fernando Sancho, Ernesto Calindri, Franco Giacobini, Nino Terzo, Aroldo Tieri, Riccardo Garrone, Michele Malaspina, Dina Loy, Juan Luis Gallardo, Armando Curcio, Alfio Caltabiano, Nino Fuscagni, Enzo Andronico, Rino Genovese, Gina Mascetti, Pasquale Basile, Vittorio Duse, Antonio Cuenca, Anna Lina Alberti, Mirko Baiocchi, Tom Felleghy, Mario Filippo, Víctor Israel, Osiride Pevarello, Pupita Lea Scuderoni, Ignazio Spalla e os não creditados Ugo Fangareggi, Mimmo Poli.



O diretor Giorgio Simonelli


Os anos 60, no Brasil, foram generosos para o cinema popular italiano. O país deu plena vazão ao prolongamento de um movimento evidenciado na década anterior, quando a Itália revelava evidentes sinais de recuperação econômica após a derrocada fascista experimentada durante a Segunda Guerra Mundial. A isso se seguiram a invasão nazista e incursão dos aliados desde o desembarque no extremo sul da península. Tornaram-se comuns as comédias ligeiras, dramas passionais, fantasias históricas, aventuras de capa e espada, episódios do Império Romano, westerns spaghetti, policiais, épicos protagonizados por heróis musculosos de extração mitológica — Maciste, Hércules, Sansão, Ulisses, Golias e outros menos prestigiados. Eram, em geral, produções despretensiosas e ordinárias, em sua maioria filmadas sobre o pano de fundo de cenários reciclados, montadas às pressas, interpretadas com certo desleixo e submetidas ao consumo imediato de plateias ávidas por diversão em salas situadas à margem dos grandes circuitos, espalhadas pelas cidades interioranas e periferias das capitais.



A famosa dupla cômica Franco Franchi e Ciccio Ingrassia floresceu nesse boom. Ao que parece, estreou em papel secundário sob a direção de Mario Mattoli em Férias na praia (Appuntamento a Ischia, 1960). Em 1961 já era a atração principal de L'onorata società, de Ricardo Pazzaglia. Pôde, ainda nesse ano, aprimorar a veia cômica como parte do elenco de apoio de 5 marine per 100 ragazze, de Mario Mattoli; O juízo universal (Il giudizio universale), de Vittorio De Sica; Maciste contro Ercole nella Valle dei Guai, de Mario Mattoli; Gerarchi si muore, de Giorgio Simonelli; e Amor, bonecas e... (Pugni, pupe e marinai), de Daniele D’anza. Logo se tornou sucesso de público.


Franco Franchi no papel de Franco La Pera

Franco Franchi como Franco La Pera e Ciccio Ingrassia no papel de Ciccio La Pera


Franchi e Ingrassia não desperdiçavam oportunidades. Estavam sempre prontos para o cinema. Revezavam participações secundárias com o protagonismo. Logo caíram definitivamente no gosto popular, o que se confirmou a partir de 1964. Até o fim da parceria, em meados dos anos 70, marcaram presença, sem exagero, em aproximados 110 títulos — considerando-se apenas os cinematográficos. Inspiravam-se visivelmente na dupla estadunidense Dean Martin e Jerry Lewis. Também extraíam elementos das comicidades de Bud Abbott & Lou Costello e Os Três Patetas (The Three Stooges). Não raro se envolviam, no calor da hora, em paródias de produções de sucesso reveladas imediatamente por estes títulos: Os filhos do leopardo (I figli del leopardo, 1965), de Sergio Corbucci; O alto, o baixo, o gato (Il lungo, il corto, il gatto, 1967), de Lucio Fulci; O belo, o bruto, o cretino (Il bello, il brutto, il cretino, 1967), de Giovanni Grimaldi; Il clan dei due Borsalini (1971), de Giuseppe Orlandini; I due figli di Trinità (1972), de Osvaldo Civirani[1] etc. Transitavam com desenvoltura do western ao terror, dos filmes de gângster às aventuras de espionagem, dos épicos aos melodramas, das sagas bélicas às crônicas amorosas.


O vilão:  Sargento Fidhouse (Fernando Sancho)


Enquanto o macérrimo e alto Ciccio Ingrassia fazia o parceiro fisicamente desengonçado, também mais contido e racional, Franco Franchi vivia, via de regra, o tipo espalhafatoso, verborrágico e excessivamente histriônico — a ponto de ultrapassar os limites da grosseria. Nem sempre a fórmula funcionava a contento. Certo era o apoio popular, fator que explica a longevidade da dupla e a espantosa quantidade de filmes em que atuou.


Infelizmente, Os dois sargentos do General Custer é um dos piores trabalhos da parelha. O resultado do humor é constrangedor neste cômico western spaghetti rodado em exteriores espanhóis. O General Custer entrou de gaiato no título brasileiro, como desnecessário e desonesto chamariz. Não há personagem algum com o nome do famoso militar massacrado com o malfadado Sétimo de Cavalaria, pelos índios Sioux, na famosa batalha de Little Bighorn.


Os La Pera (Ciccio Ingrassia e Franco Franchi) em apuros com o Sargento Fidhouse (Fernando Sancho)

Sargento Fidhouse, os La Pera e Mary: Fernando Sancho, Franco Franchi, Ciccio Ingrassia e Dina Loy

Cochise (Franco Giacobini), Franco La Pera (Franco Franchi) e Ciccio La Pera (Ciccio Ingrassia)


Durante a estadunidense Guerra de Secessão, Franchi e Ingrassia vivem os imigrantes irmãos sicilianos Franco La Pera e Ciccio La Pera. São soldados nortistas covardes e atrapalhados. O filme é comédia burlesca das mais exageradas. Dessa característica resultam os problemas. Diante das excessivas patacoadas derivadas principalmente das micagens de Franco Franchi, os demais componentes do elenco parecem reduzidos a figurantes pasmados. Não sabem bem o que fazer com bocas, expressões e mãos. Exemplos dessas deficiências são as belas e inúteis beldades vividas por Margaret Lee e Moira Orfei. Parecem-se mais a estáticos enfeites de mesa, incapazes de ação própria. Dão a impressão de serem movimentadas à força e com má vontade por elementos exteriores à cena. Fernando Sancho — geralmente o homem mau dos westerns europeus — é exceção na pele do Sargento Fidhouse. O mesmo vale para Franco Giacobini como um estereotipado e divertido Cochise, chefe Apache.


Baseados no Forte Álamo, os La Pera pereceram heroicamente em combate. Com essa nota triste começa a história. Recebem condecorações póstumas por bravura. No entanto, a trapaça é imediatamente descoberta. São aprisionados e condenados à morte por fuzilamento, algo que não será fácil diante das muitas trapalhadas que provocam. Por um golpe de sorte são perdoados pelo desgostoso Coronel (Calindri) comandante da guarnição. Serão usados como bois de piranha em experimento científico sobre as vantagens bélicas da espionagem. O estudo é desenvolvido por notórios especialistas da inteligência militar (Tieri e Garrone). Cabe-lhes observar o comportamento dos La Pera quando lançados em busca de informações no interior das linhas controladas pelas forças do Sul. Infelizmente, a ciência não contava com a profusão de variáveis intervenientes — impossíveis de controle, portanto — geradas pelas desastradas cobaias. Provocam seguidos aprisionamentos dos inteligentes especialistas por forças confederadas. Evidentemente, graças à ação do destino, derrotam todo um destacamento sulista que ameaçava o Forte Álamo. Na operação, descobrem a traição cometida pelo Sargento Fidhouse e conseguem capturá-lo quando estavam envolvidos com os Apaches. Franco e Ciccio são reconhecidos como heróis de fato. Promovidos a sargentos, fazem jus às mais honrosas condecorações militares e a uma destrutiva salva de canhão.


Os irmãos La Pera (Ciccio Ingrassia e Franco Franchi) entre Baby O'Connor (Moira Orfei) e Beth "The Lynx" Smith (Margaret Lee)


O veterano Giorgio Simonelli acumulou experiência na direção de filmes estrelados por Franco Franchi e Ciccio Ingrassia. Gerarchi si muore (1961), é o primeiro. Seguem-se I tre nemici (1962), 2 samurai per 100 geishe (1962), Dois mafiosos no far west (Due mafiosi nel far west, 1964), Os dois mafiosos (I due mafiosi, 1964) e I due toreri (1964). Após Os dois sargentos do General Custer fez Dois mafiosos contra Goldfinger (Due mafiosi contro Goldginger, 1965), Dois mafiosos contra Al Capone (2 mafiosi contro Al Capone, 1966), Os dois filhos de Ringo (I due figli di Ringo, 1966)[2], I due sanculotti (1966) e Amici più di prima (1976)[3] — com o qual encerrou a carreira.


O Coronel (Ernesto Calindri) condecora os irmãos La Pera (Ciccio Ingrassia e Franco Franchi)


Infelizmente, diante dos frágeis resultados, Giorgio Simonelli dá a impressão de não existir em Os dois sargentos do General Custer. Em todos os sentidos a realização sofre da ausência de direção capaz ao menos de atenuar os excessos. Pelo visto, Simonelli se limitava a gritar AÇÃO. A seguir, deixava para a natureza os cuidados com os aspectos artísticos, humorísticos e narrativos. Somente crianças desprovidas de maiores exigências são capazes de suportar impunemente tão relapso exercício de chanchada.





Roteiro: Giorgio Simonelli, Amedeo Sollazzo, Marcello Ciorciolini baseados em história de Marcello Ciorciolini. Música: Angelo Francesco Lavagnino. Direção de fotografia (Eastmancolor): Isidoro Goldberger. Montagem: Franco Fraticelli. Desenho de produção: Nedo Azzini. Decoração: Nedo Azzini. Figurinos: Nedo Azzini. Gerente de produção: Mario Mariani. Supervisão da produção: Piero Picuti. Assistentes de direção: Francisco Ariza, Giuliano Carnimeo. Planejamento do set: Ramiro Gómez. Assistente de decoração: Giuseppe Cesare Monello. Engenharia de som: Leopoldo Rosi. Efeitos especiais: Armando Grilli. Operador de câmera: Gianni Bergamini. Assistência de figurinista: Gabriella Gabrielli. Armeiro: Enzo Musumeci Greco (não creditado). Continuidade: Paola Salvadori. Tempo de exibição: 96 minutos.


(José Eugenio Guimarães, 1978)




[1] Creditado com o pseudônimo de Richard Kean.
[2] Codirigido por Giuliano Carnimeo.
[3] Codirigido por Marino Girolami e Giovanni Grimaldi.