Cjamango, interpretado pelo italiano Ivan Rassimov, é o
"mocinho" deste western
spaghetti dirigido por Edoardo Mulargia em 1967. Vivia-se, nessa época, a idade
áurea do gênero. A Itália — seguida de longe por Espanha e República Federal da
Alemanha — era o principal centro produtor de emulações do 'Cinema por
Excelência', conforme André Bazin se referiu ao western propriamente dito, o
estadunidense. Na tentativa de atribuir legitimidade e autenticidade às horse operas europeias, atores e
diretores da latina Itália anglicizavam os nomes. Assim, Ivan Rassimov e
Edoardo Mulargia apresentaram-se ao público, respectivamente, como Sean Todd e
Edward G. Muller. Em 1967, o primeiro, único e intocado Sergio Leone já havia lançado
a 'Trilogia dos Dólares': Por um punhado de dólares (Per
un pugno di dollari, 1964), Por uns dólares a mais (Per
qualche dollaro in più, 1965) e Três homens em conflito (Il
buono, il brutto, il cattivo, 1966). Entretanto, um ano antes, o mais terreno
Sergio Corbucci entregou Django (Django) — que calou fundo
no gosto dos aficionados. A realização se tornou modelar. Muitos a repetiram e
reapresentaram o personagem-título com outros atores. Django, também conhecido
no Brasil como "o homem do caixão", proliferou até onde não devia,
por obra e graça de distribuidores ladinos. Ou então vingou em produções mais
honestas, com o personagem vivido por Franco Nero identificado por outros epítetos
de terminações parecidas: Garringo, Shango, Gringo, Djurado, Durango e, entre
outros, Cjamango — pistoleiro em busca do ouro que lhe foi roubado. É de 1977
esta apreciação de Cjamango (Cjamango).
Cjamango
Cjamango
Direção:
Edoardo "Edward G.
Muller" Mulargia
Produção:
Vincenzo
Musolino
Cio Intercontinental
Itália — 1967
Elenco:
Ivan "Sean Todd"
Rassimov, Mickey Hargitay, Helene Chanel, Livio Lorenzon, Ignazio "Pedro
Sanchez" Spalla, Gino "Bill Jackson" Buzzanca, Fred Coplan, Nino
Musco, Giorgio Sabbatini, Federico "Rick Boyd" Boido, Sergio Sagnotti,
Ivan Scratiglia, Valerio "Giusva" Fioravanti, Piero Lulli e os não
creditados Michele Branca, Salvatore Campochiaro, Remo Capitani, Amerigo
Castrighella, Enrico Chiappafreddo, Aysanoa Runachagua, Dino Strano.
Ivan Rassimov atuou em Cjamango com a alcunha de Sean Todd |
No western
europeu, quem não tinha a "nobreza" de um Django — originalmente
interpretado por Franco Nero para filme de igual denominação de Sergio Corbucci
— se arranjava com outras designações, de preferência parecidas na terminação.
Assim, surgiram incontáveis pistoleiros "bastardos", porém honestos.
Não ludibriavam o público como recriações ou continuações do personagem
imortalizado em 1966, na realização de Corbucci. Se bem que isso pouco
significava. A fórmula era sempre a mesma. De todo modo, deram as caras
Garringo, Shango, Gringo, Djurado, Durango e, entre outros, Cjamango. Este foi
vivido pelo italiano Ivan Rassimov, rebatizado para Sean Todd. O próprio diretor
Edoardo Mulargia também anglicizou o nome— o recurso era praticamente uma norma
para conferir legitimidade e autenticidade às produções — e se transformou em Edward G. Muller.
O personagem, no entanto, por obra e graça de distribuidores astutos, acabou se
convertendo em Django na República Federal da Alemanha. Nesse país Cjamango
foi intitulado Django — Kreuze im blutingen sand. No Brasil acontecia igual fenômeno:
Django entrava incontáveis vezes nos títulos nacionais de westerns feitos na
Itália, Espanha e República Federal da Alemanha, mas que apresentavam
pistoleiros com outros epítetos. Percebia-se o mesmo com os não menos famosos Ringo
e Pecos. Até Trinity passou por esse apuro nas mãos de distribuidores
caça-níqueis, ávidos para faturar um pouco mais na arte de enganar incautos.
Cjamango é aventura
simplória e repleta de gaiatices. Porém, é honesta. Dá para o gasto e permite diversão
descompromissada. O personagem passa o filme na tentativa de reaver o ouro que
ganhou em decisiva partida de cartas. Antes que pudesse festejar a vitória, o saloon
foi invadido por violentos homens armados. Rapidamente, fulminaram todos os
presentes. Ou assim pensavam. Claro! Não perceberam que Cjamango escapou
incólume. A fortuna afanada será disputada a ferro e fogo pelas quadrilhas de
especuladores fundiários de Don Pablo (Lorenzon) e El Tigre (Boido). Enquanto
tenta reaver o metal perdido, o "mocinho" se envolve afetivamente com
o pequeno órfão Manuel (Fioravanti), a jovem Perla (Chanel) e o pai desta, o
bêbado Hernandez (Sabbatini) — a princípio, informante dos bandidos. Clinton
(Hargitay), misterioso vendedor de bebidas com identidade revelada apenas ao
final, acompanha de perto as operações e até auxilia Cjamango a se livrar de
alguns marginais. Como não poderia deixar de acontecer — talvez fosse uma forma
de humanizar os "mocinhos" dos westerns europeus, tão atentos,
resolutos, invencíveis e rápidos no gatilho —, Cjamango recebe surras impiedosas
dos homens de Don Pablo e El Tigre. Ao final, conforme o previsto, seus
revólveres carregados com munição interminável enviarão todos os meliantes à
terra dos pés juntos. Um pouco de dinamite também ajuda a encerrar a questão.
Cjamango (Ivan Rassimov, o Sean Todd) |
O misterioso Clinton (Mickey Hargitay) |
O pequeno e abandonado órfão Manuel (Valerio Fioravanti, o Giusva) |
Edoardo Mulargia
é especialista no gênero. Antes de Cjamango realizou Só
contra todos (Perché uccidi ancora, 1965) — com a
parceria de José Antonio de la
Loma na direção — e Vá com Deus, Gringo (Vaya
con Dios Gringo, 1966). A seguir, entregou Django não espera, mata (Non
aspettare Django, spara, 1967), Reze a Deus... e cave sua sepultura
(Prega
Dio... e scavati la fossa!, 1968), Pecos acerta as contas (La
taglia è tua... l'uomo l'ammazzo io, 1969), Shango (Shango,
la pistola infalibile, 1970), Fico só mas mato todos (Rimase
uno solo e fu la morte per tutti!, 1971) e Um homem chamado Django (W
Django!, 1971).
Os atores principais
marcaram presença em diversas produções do escapismo cinematográfico made in Itália. Ivan Rassimov havia
interpretado um sacerdote não creditado em A Bíblia (The Bible: in the beginning...,
1966), de John Huston, e foi escalado para protagonizar Cjamango. Daí em diante
engrenou na carreira de pistoleiro do velho Oeste. Atuou em Django
não espera, mata; Atirar para viver (Se
vuoi vivere... spara!, 1968), de Sergio Garrone sob alcunha de Willy S.
Regan; Sua lei era a vingança (I vigliacchi non pregano, 1969), de
Mario Siciliano com o nome de Marlon Sirko; A vingança é um prato que se
serve frio (La vendetta è un piatto che si serve freddo, 1971), de Pasquale
Squitieri no pseudônimo de Willam Redford. Também emprestou a estampa para
filmes policiais, de piratas, horror e mistério.
O húngaro Mickey
Hargitay, casado com a atriz estadunidense Jayne Mansfield, atuou em filmes de
gladiadores, heróis musculosos e policiais até estrear nas aventuras europeias
ambientadas no velho Oeste dos Estados Unidos em O pistoleiro de Sacramento
(Uno
straniero a Sacramento, 1965) — também conhecido no Brasil como Um
estranho em Sacramento —, de Sergio Bergonzelli disfarçado como Serge
Bergon. A seguir atuou em Revólver maldito (Lo
sceriffo che non spara, 1965), de José Luis Monter e Renato Polselli; e
Três
tiros de Ringo (3 colpi di Winchester per Ringo, 1966),
de Emimmo Salvi. Depois de Cjamango fez Ringo volta para matar seus
inimigos (Giunse Ringo e... fu tempo di massacro, 1970), de Mario Pinzauti
com o nome vertido para Peter Launders.
Clinton (Mickey Hargitay) e Cjamango (Ivan "Sean Todd" Rassimov) |
A bela e sensual Helene
Chanel, com vasta e revolta cabeleira, é, como Perla, uma mocinha com pouco a
fazer em Cjamango.
Entrou para sofrer. Pouco racional, piora com suas ações
intempestivas a situação do "herói". A atriz estava com a carreira
consolidada no cinema popular italiano bem antes de Cjamango. Exibiu-se em aventuras
de capa e espada, fantasias árabes, comédias — inclusive as estreladas pela
então notória dupla Franco Franci e Ciccio Ingrassia — e o western Com
ele cavalga a morte (Con lui cavalca la morte, 1967), de
Giuseppe Vari sob a alcunha de Joseph Warren.
Perla (Helene Chanel) e Cjamango (Ivan "Sean Todd" Rassimov) |
O amoralismo fornece
a tônica em Cjamango.
Os personagens agem por apego ao ouro, exclusivamente. São
imediatistas e instrumentalizados. O vil metal é o único bem que importa. Mata-se
para possuí-lo, mas também por prazer vingança ou qualquer motivo banal. No
entanto, apesar dessa situação, o personagem-título se permite a algumas
nuances, fator que lhe confere um pouco de profundidade. Nisso, é praticamente
uma exceção dentre incontáveis pistoleiros do western europeu. Cjamango se
apega sinceramente a Manuel. Para impedir que o garoto seja dinamitado, praticamente
entrega aos bandidos o ouro recuperado a duras penas. Também nutre certa afeição
por Perla.
Ação não falta. Cjamango
é movimento contínuo. Se não é dominado por façanhas físicas em seu todo, vale-se
de momentos tensos que garantem um suspense ralo, mas pronto a prender a
atenção de espectadores menos exigentes e facilmente impressionáveis. Em geral,
é uma narrativa valorizadora das tomadas externas. Prevalecem os espaços
abertos, propícios à encenação de cavalgadas, emboscadas e tiroteios. A pontuação
musical de Felice Di Stefano ― à base de trompetes, clarins e guitarras ― é típica
dessas aventuras. Não prima pela originalidade, pois busca recriar acordes de
Ennio Morricone para a Trilogia dos
Dólares de Sérgio Leone: Por um punhado de dólares (Per
un pugno di dollari, 1964), Por uns dólares a mais (Per
qualche dollaro in più, 1965) e Três homens em conflito (Il
buono, il brutto, il cattivo, 1966). Provavelmente, o melhor momento da
composição de Di Stefano se apresenta momentos após o início, quando os
camponeses assustados deixam a região devido ao boato espalhado pelos bandidos
às custas de Manuel: as marcas tão evidentes no ombro do personagem seriam
indicativas de peste. Entre as carroças em movimento, o menino ― só e
desesperado ― procura inutilmente quem o leve.
Hernandez (Giorgio Sabbatini) |
Manuel (Valerio Fioravanti, o Giusva) e Cjamango (Ivan "Sean Todd" Rassimov) |
Ivan Rassimov
preferiu enquadrar a atuação nos limites da segurança. Cjamango apresenta
trejeitos dos personagens criados por Clint Eastwood para os filmes de Leone. Veste
um poncho, é lacônico, desconfiado, resoluto e de olhar penetrante.
O chefe de quadrilha Don Pablo (Livio Lorenzon) |
Ao fim e ao cabo
o resultado é razoável. Nada mal para um filme sem maiores pretensões e realizado
no apertado prazo de duas semanas.
Roteiro: Vincenzo Musolino, Fabio Piccioni, com base em
história de Fabio Piccioni. Música: Felice
Di Stefano. Direção de fotografia
(Technicolor, Techniscope): Vitaliano Natalucci. Montagem: Enzo Alabiso. Direção
de arte: Alfredo Montori. Decoração:
Alessandro Schirò. Penteados: Antonietta
Caputo. Maquiagem: Lucia La Porta. Supervisão da produção: Cesare Seritti. Secretaria da produção: Salvatore
Simula. Som: Umberto Picistrelli. Operadores de câmeras: Sebastiano
Celeste, Ascenzio Rossi. Fotografia de
cena: Alfio Quattrini. Continuidade:
Flavia Sante Vanin. Tempo de exibição:
90 minutos.
(José Eugenio Guimarães, 1977)
Hola Eugenio.
ResponderExcluirEsta película que no he tenido la oportunidad de visionar es significativa y reflejo de un subgénero cinematográfico tan peculiar como fue el spaghetti western.
Desconocía que en Alemania se hubieran hecho producciones de este tipo, un dato interesante. En España este género tuvo bastante eco y se rodaron muchas películas en en la provincia de Almería. De hecho aún queda un poblado del viejo oeste donde se rodaron parte estas películas y ahora sirve como atracción turística.
El bueno, el feo y el malo fue el filme de mayor éxito rodado en España con localizaciones además de en Almería en la sierra de Madrid. Por su luz y los paisajes desérticos Almería aún acoge bastantes rodajes del cine de nuestro tiempo. Una de las últimas cintas rodadas fue Risen con Joseph Fiennes.
Como siempre un disfrute pasar por tu blog y con Cjamango revivir los recuerdos de un cine que fue más curioso que de calidad, de hecho el spaghetti western dejó productos muy malos para la historia del cine.
Un gran abrazo y gracias por tu estupenda reseña.
Olá, Miguel Pina;
ExcluirA pesar de raros, algunos westerns europeos tuvieron como centro de producción la República Federal de Alemania. Puedo afirmar, sin riesgo de errar, que el país germânico fue, inclusive, uno de los precursores del subgênero. En el momento, no tengo recuerdos de otros títulos, pues la memoria de gente vieja siempre falla en los instantes en que más necesitamos de ella. Pero, vea: las películas de la saga "Winnetou", basadas en romances de Karl May y que tenían por escenario el viejo Oeste, fueron rodados en Alemania, por directores alemanes. No sé cuántos películas de la saga fueron hechos. Acuerdo que asistí a una de ellas cuando era aún muy nuevo: "Dé Schatz im Silbersee", llamado en Brasil del "O tesouro dos renegados", de 1962, bajo la dirección de Harald Reinl.
Abrazos y saludos.