domingo, 2 de abril de 2017

QUEM NÃO É DJANGO PODE SER CJAMANGO

Cjamango, interpretado pelo italiano Ivan Rassimov, é o "mocinho" deste western spaghetti dirigido por Edoardo Mulargia em 1967. Vivia-se, nessa época, a idade áurea do gênero. A Itália — seguida de longe por Espanha e República Federal da Alemanha — era o principal centro produtor de emulações do 'Cinema por Excelência', conforme André Bazin se referiu ao western propriamente dito, o estadunidense. Na tentativa de atribuir legitimidade e autenticidade às horse operas europeias, atores e diretores da latina Itália anglicizavam os nomes. Assim, Ivan Rassimov e Edoardo Mulargia apresentaram-se ao público, respectivamente, como Sean Todd e Edward G. Muller. Em 1967, o primeiro, único e intocado Sergio Leone já havia lançado a 'Trilogia dos Dólares': Por um punhado de dólares (Per un pugno di dollari, 1964), Por uns dólares a mais (Per qualche dollaro in più, 1965) e Três homens em conflito (Il buono, il brutto, il cattivo, 1966). Entretanto, um ano antes, o mais terreno Sergio Corbucci entregou Django (Django) — que calou fundo no gosto dos aficionados. A realização se tornou modelar. Muitos a repetiram e reapresentaram o personagem-título com outros atores. Django, também conhecido no Brasil como "o homem do caixão", proliferou até onde não devia, por obra e graça de distribuidores ladinos. Ou então vingou em produções mais honestas, com o personagem vivido por Franco Nero identificado por outros epítetos de terminações parecidas: Garringo, Shango, Gringo, Djurado, Durango e, entre outros, Cjamango — pistoleiro em busca do ouro que lhe foi roubado. É de 1977 esta apreciação de Cjamango (Cjamango). 






Cjamango
Cjamango

Direção:
Edoardo "Edward G. Muller" Mulargia
Produção:
Vincenzo Musolino
Cio Intercontinental
Itália — 1967
Elenco:
Ivan "Sean Todd" Rassimov, Mickey Hargitay, Helene Chanel, Livio Lorenzon, Ignazio "Pedro Sanchez" Spalla, Gino "Bill Jackson" Buzzanca, Fred Coplan, Nino Musco, Giorgio Sabbatini, Federico "Rick Boyd" Boido, Sergio Sagnotti, Ivan Scratiglia, Valerio "Giusva" Fioravanti, Piero Lulli e os não creditados Michele Branca, Salvatore Campochiaro, Remo Capitani, Amerigo Castrighella, Enrico Chiappafreddo, Aysanoa Runachagua, Dino Strano.



 Ivan Rassimov atuou em Cjamango com a alcunha de Sean Todd



No western europeu, quem não tinha a "nobreza" de um Django — originalmente interpretado por Franco Nero para filme de igual denominação de Sergio Corbucci — se arranjava com outras designações, de preferência parecidas na terminação. Assim, surgiram incontáveis pistoleiros "bastardos", porém honestos. Não ludibriavam o público como recriações ou continuações do personagem imortalizado em 1966, na realização de Corbucci. Se bem que isso pouco significava. A fórmula era sempre a mesma. De todo modo, deram as caras Garringo, Shango, Gringo, Djurado, Durango e, entre outros, Cjamango. Este foi vivido pelo italiano Ivan Rassimov, rebatizado para Sean Todd. O próprio diretor Edoardo Mulargia também anglicizou o nome— o recurso era praticamente uma norma para conferir legitimidade e autenticidade às produções — e se transformou em Edward G. Muller. O personagem, no entanto, por obra e graça de distribuidores astutos, acabou se convertendo em Django na República Federal da Alemanha. Nesse país Cjamango foi intitulado Django — Kreuze im blutingen sand. No Brasil acontecia igual fenômeno: Django entrava incontáveis vezes nos títulos nacionais de westerns feitos na Itália, Espanha e República Federal da Alemanha, mas que apresentavam pistoleiros com outros epítetos. Percebia-se o mesmo com os não menos famosos Ringo e Pecos. Até Trinity passou por esse apuro nas mãos de distribuidores caça-níqueis, ávidos para faturar um pouco mais na arte de enganar incautos.


Cjamango é aventura simplória e repleta de gaiatices. Porém, é honesta. Dá para o gasto e permite diversão descompromissada. O personagem passa o filme na tentativa de reaver o ouro que ganhou em decisiva partida de cartas. Antes que pudesse festejar a vitória, o saloon foi invadido por violentos homens armados. Rapidamente, fulminaram todos os presentes. Ou assim pensavam. Claro! Não perceberam que Cjamango escapou incólume. A fortuna afanada será disputada a ferro e fogo pelas quadrilhas de especuladores fundiários de Don Pablo (Lorenzon) e El Tigre (Boido). Enquanto tenta reaver o metal perdido, o "mocinho" se envolve afetivamente com o pequeno órfão Manuel (Fioravanti), a jovem Perla (Chanel) e o pai desta, o bêbado Hernandez (Sabbatini) — a princípio, informante dos bandidos. Clinton (Hargitay), misterioso vendedor de bebidas com identidade revelada apenas ao final, acompanha de perto as operações e até auxilia Cjamango a se livrar de alguns marginais. Como não poderia deixar de acontecer — talvez fosse uma forma de humanizar os "mocinhos" dos westerns europeus, tão atentos, resolutos, invencíveis e rápidos no gatilho —, Cjamango recebe surras impiedosas dos homens de Don Pablo e El Tigre. Ao final, conforme o previsto, seus revólveres carregados com munição interminável enviarão todos os meliantes à terra dos pés juntos. Um pouco de dinamite também ajuda a encerrar a questão.


Cjamango (Ivan Rassimov, o Sean Todd)

O misterioso Clinton (Mickey Hargitay)

O pequeno e abandonado órfão Manuel (Valerio Fioravanti, o Giusva)


Edoardo Mulargia é especialista no gênero. Antes de Cjamango realizou Só contra todos (Perché uccidi ancora, 1965) — com a parceria de José Antonio de la Loma na direção — e Vá com Deus, Gringo (Vaya con Dios Gringo, 1966). A seguir, entregou Django não espera, mata (Non aspettare Django, spara, 1967), Reze a Deus... e cave sua sepultura (Prega Dio... e scavati la fossa!, 1968), Pecos acerta as contas (La taglia è tua... l'uomo l'ammazzo io, 1969), Shango (Shango, la pistola infalibile, 1970), Fico só mas mato todos (Rimase uno solo e fu la morte per tutti!, 1971) e Um homem chamado Django (W Django!, 1971).


Os atores principais marcaram presença em diversas produções do escapismo cinematográfico made in Itália. Ivan Rassimov havia interpretado um sacerdote não creditado em A Bíblia (The Bible: in the beginning..., 1966), de John Huston, e foi escalado para protagonizar Cjamango. Daí em diante engrenou na carreira de pistoleiro do velho Oeste. Atuou em Django não espera, mata; Atirar para viver (Se vuoi vivere... spara!, 1968), de Sergio Garrone sob alcunha de Willy S. Regan; Sua lei era a vingança (I vigliacchi non pregano, 1969), de Mario Siciliano com o nome de Marlon Sirko; A vingança é um prato que se serve frio (La vendetta è un piatto che si serve freddo, 1971), de Pasquale Squitieri no pseudônimo de Willam Redford. Também emprestou a estampa para filmes policiais, de piratas, horror e mistério.


O húngaro Mickey Hargitay, casado com a atriz estadunidense Jayne Mansfield, atuou em filmes de gladiadores, heróis musculosos e policiais até estrear nas aventuras europeias ambientadas no velho Oeste dos Estados Unidos em O pistoleiro de Sacramento (Uno straniero a Sacramento, 1965) — também conhecido no Brasil como Um estranho em Sacramento —, de Sergio Bergonzelli disfarçado como Serge Bergon. A seguir atuou em Revólver maldito (Lo sceriffo che non spara, 1965), de José Luis Monter e Renato Polselli; e Três tiros de Ringo (3 colpi di Winchester per Ringo, 1966), de Emimmo Salvi. Depois de Cjamango fez Ringo volta para matar seus inimigos (Giunse Ringo e... fu tempo di massacro, 1970), de Mario Pinzauti com o nome vertido para Peter Launders.


Clinton (Mickey Hargitay) e Cjamango (Ivan "Sean Todd" Rassimov)


A bela e sensual Helene Chanel, com vasta e revolta cabeleira, é, como Perla, uma mocinha com pouco a fazer em Cjamango. Entrou para sofrer. Pouco racional, piora com suas ações intempestivas a situação do "herói". A atriz estava com a carreira consolidada no cinema popular italiano bem antes de Cjamango. Exibiu-se em aventuras de capa e espada, fantasias árabes, comédias — inclusive as estreladas pela então notória dupla Franco Franci e Ciccio Ingrassia — e o western Com ele cavalga a morte (Con lui cavalca la morte, 1967), de Giuseppe Vari sob a alcunha de Joseph Warren.


Perla (Helene Chanel) e Cjamango (Ivan "Sean Todd" Rassimov)

  
O amoralismo fornece a tônica em Cjamango. Os personagens agem por apego ao ouro, exclusivamente. São imediatistas e instrumentalizados. O vil metal é o único bem que importa. Mata-se para possuí-lo, mas também por prazer vingança ou qualquer motivo banal. No entanto, apesar dessa situação, o personagem-título se permite a algumas nuances, fator que lhe confere um pouco de profundidade. Nisso, é praticamente uma exceção dentre incontáveis pistoleiros do western europeu. Cjamango se apega sinceramente a Manuel. Para impedir que o garoto seja dinamitado, praticamente entrega aos bandidos o ouro recuperado a duras penas. Também nutre certa afeição por Perla.


Ação não falta. Cjamango é movimento contínuo. Se não é dominado por façanhas físicas em seu todo, vale-se de momentos tensos que garantem um suspense ralo, mas pronto a prender a atenção de espectadores menos exigentes e facilmente impressionáveis. Em geral, é uma narrativa valorizadora das tomadas externas. Prevalecem os espaços abertos, propícios à encenação de cavalgadas, emboscadas e tiroteios. A pontuação musical de Felice Di Stefano ― à base de trompetes, clarins e guitarras ― é típica dessas aventuras. Não prima pela originalidade, pois busca recriar acordes de Ennio Morricone para a Trilogia dos Dólares de Sérgio Leone: Por um punhado de dólares (Per un pugno di dollari, 1964), Por uns dólares a mais (Per qualche dollaro in più, 1965) e Três homens em conflito (Il buono, il brutto, il cattivo, 1966). Provavelmente, o melhor momento da composição de Di Stefano se apresenta momentos após o início, quando os camponeses assustados deixam a região devido ao boato espalhado pelos bandidos às custas de Manuel: as marcas tão evidentes no ombro do personagem seriam indicativas de peste. Entre as carroças em movimento, o menino ― só e desesperado ― procura inutilmente quem o leve.


Hernandez (Giorgio Sabbatini)

Manuel (Valerio Fioravanti, o Giusva) e Cjamango (Ivan "Sean Todd" Rassimov)


Ivan Rassimov preferiu enquadrar a atuação nos limites da segurança. Cjamango apresenta trejeitos dos personagens criados por Clint Eastwood para os filmes de Leone. Veste um poncho, é lacônico, desconfiado, resoluto e de olhar penetrante.


O chefe de quadrilha Don Pablo (Livio Lorenzon)



Ao fim e ao cabo o resultado é razoável. Nada mal para um filme sem maiores pretensões e realizado no apertado prazo de duas semanas.





Roteiro: Vincenzo Musolino, Fabio Piccioni, com base em história de Fabio Piccioni. Música: Felice Di Stefano. Direção de fotografia (Technicolor, Techniscope): Vitaliano Natalucci. Montagem: Enzo Alabiso. Direção de arte: Alfredo Montori. Decoração: Alessandro Schirò. Penteados: Antonietta Caputo. Maquiagem: Lucia La Porta. Supervisão da produção: Cesare Seritti. Secretaria da produção: Salvatore Simula. Som: Umberto Picistrelli. Operadores de câmeras: Sebastiano Celeste, Ascenzio Rossi. Fotografia de cena: Alfio Quattrini. Continuidade: Flavia Sante Vanin. Tempo de exibição: 90 minutos.


(José Eugenio Guimarães, 1977)

2 comentários:

  1. Hola Eugenio.
    Esta película que no he tenido la oportunidad de visionar es significativa y reflejo de un subgénero cinematográfico tan peculiar como fue el spaghetti western.
    Desconocía que en Alemania se hubieran hecho producciones de este tipo, un dato interesante. En España este género tuvo bastante eco y se rodaron muchas películas en en la provincia de Almería. De hecho aún queda un poblado del viejo oeste donde se rodaron parte estas películas y ahora sirve como atracción turística.
    El bueno, el feo y el malo fue el filme de mayor éxito rodado en España con localizaciones además de en Almería en la sierra de Madrid. Por su luz y los paisajes desérticos Almería aún acoge bastantes rodajes del cine de nuestro tiempo. Una de las últimas cintas rodadas fue Risen con Joseph Fiennes.
    Como siempre un disfrute pasar por tu blog y con Cjamango revivir los recuerdos de un cine que fue más curioso que de calidad, de hecho el spaghetti western dejó productos muy malos para la historia del cine.
    Un gran abrazo y gracias por tu estupenda reseña.

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    1. Olá, Miguel Pina;

      A pesar de raros, algunos westerns europeos tuvieron como centro de producción la República Federal de Alemania. Puedo afirmar, sin riesgo de errar, que el país germânico fue, inclusive, uno de los precursores del subgênero. En el momento, no tengo recuerdos de otros títulos, pues la memoria de gente vieja siempre falla en los instantes en que más necesitamos de ella. Pero, vea: las películas de la saga "Winnetou", basadas en romances de Karl May y que tenían por escenario el viejo Oeste, fueron rodados en Alemania, por directores alemanes. No sé cuántos películas de la saga fueron hechos. Acuerdo que asistí a una de ellas cuando era aún muy nuevo: "Dé Schatz im Silbersee", llamado en Brasil del "O tesouro dos renegados", de 1962, bajo la dirección de Harald Reinl.

      Abrazos y saludos.

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