Talvez Alfred Hitchcock se sentisse culpado por perder,
com o cinema, a atriz de sua inteira predileção. Poderia ter permanecido em Hollywood,
no confortável e controlado ambiente dos estúdios. Porém, resolveu filmar na
França as externas de Ladrão de casaca (To
catch a thief, 1955). Assim, acabou propiciando o encontro de Grace
Kelly com Rainier Louis Henri Mexence Bertrand de Grimaldi — o Príncipe
Rainier, de Mônaco. Logo ficaram noivos e se casaram. Como resultado disso,
"adeus cinema". A atriz, transformada em princesa, precisava honrar
os rituais e compromissos da realeza. O "mestre do suspense" até
tentou convencê-la a voltar atrás, inutilmente. Ela ainda faria dois filmes em
1956. O derradeiro é o aprazível Alta sociedade (High society), de Charles
Walters. Entretanto, possuidor de maiores significados é o penúltimo: O
cisne (The swan), sobre as prerrogativas que pairam sobre a princesa
Alexandra (Kelly), obrigada a calar a vontade do coração e contrair matrimônio
com o príncipe-herdeiro Albert (Alec Guinness). A realização de Charles Vidor,
misto de comédia de equívocos e drama romântico, é amargo conto de fadas às
avessas. Guarda muita e irônica semelhança com os últimos movimentos de Grace Kelly,
prestes a se tornar princesa e a honrar os imperativos de uma tradição firmada
à sua revelia. Não chega a ser um filme extraordinário devido ao andamento
burocrático e por apresentar a protagonista em papel no qual se encontra
compreensivelmente — dados os compromissos futuros — pouco à vontade. Segue
apreciação escrita em 1976.
O cisne
The swan
Direção:
Charles Vidor
Produção:
Dore Schary
Metro-Goldwyn-Mayer
EUA — 1956
Elenco:
Grace
Kelly, Louis Jourdan, Alec Guinness, Agnes Moorehead, Jessie Royce Landis,
Brian Aherne, Leo G. Carroll, Estelle Winwood, Van Dyke Parks, Christopher
Cook, Robert Coote, Doris Lloyd, Edith Barrett e os não creditados Giuseppe
Addobbati, Don Anderson, Joe Canutt, Gene Coogan, Leslie Denison, Michael
Ferris, Bess Flowers, Stanley Fraser, Raoul Freeman, Jean Heremans, Arthur
Lovejoy, Edith Motridge, Ottola Nesmith, Jennifer Raine, Dawn Richard, John
Sheffield, Lou Smith, David Thursby.
O diretor Charles Vidor com os intérpretes de Alexandra (Grace Kelly) e Nicholas Agi (Louis Jourdan) |
É meteórica a
carreira cinematográfica de Grace Kelly. Durou apenas cinco anos e onze filmes.
O último, Alta sociedade (High society), realizado por Charles
Walters em 1956, é deliciosa refilmagem do não menos aprazível Núpcias
de escândalo (The Philadelphia story, 1940), de
George Cukor. Um pouco antes, no mesmo ano, Kelly protagoniza O
cisne, refilmagem de Noite de idílio (One
romantic night, 1930), de Paul L. Stein, sucesso estrelado por Lillian
Gish.
Grace Kelly como a princesa Alexandra |
A atriz estreia
no cinema em 1951, no pequeno papel de Louise Ann Fuller em Horas
intermináveis (Fourteen hours), de Henry Hathaway.
A seguir faz Amy Fowler, esposa do marshal Will Kane (Gary Cooper) em Matar
ou morrer (High noon, 1952), de Fred Zinnemann. Em 1953, sob as ordens de
John Ford, vai à África para viver Linda Nordley em Mogambo (Mogambo)
— refilmagem de Terra de paixões (Red dust, 1932), de Victor Fleming —,
que a candidata ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante. Em 1954 encontra Alfred
Hitchcock e faz Margot Wendice em
Disque
M para matar (Dial M for murder). Devido
à sensualidade extravasada do fenótipo louro e olhar azulado-gélido, é
transformada no protótipo da femme fatale
que o “mestre do suspense” jamais pensara encontrar. Nesse mesmo ano retorna
como Lisa Carol Fremont na obra mestra Janela indiscreta (Rear
window), de Hitchcock. Grace Kelly encontra muita atividade em 1954:
aparece no papel de Nancy Brubaker em As pontes de Toko-Ri (The
bridges at Toko-Ri), drama de guerra de Mark Robson; Catherine Knowland
em Tentação
verde (Green fire) — seu pior filme —, de Andrew Marton; e tem a
interpretação que lhe possibilita o Oscar de Melhor Atriz por viver Georgia
Elgin em Amar é sofrer (The country girl), de George Seaton.
Decisivo será 1955: Hitchcock e o cinema começam a perdê-la. Novamente às voltas
com o “mestre do suspense”, interpreta Frances Stevens em Ladrão de casaca (To
catch a thief), na França. Na ocasião, conhece Rainier Louis Henri
Mexence Bertrand de Grimaldi — o Príncipe Rainier, de Mônaco —, de quem fica
noiva. Casam-se em 18 de abril de 1956. Agora Grace Kelly é parte da realeza. O
protocolo da nova posição exige o abandono das telas. Porém, antes de se
consagrar princesa atua em O cisne; a seguir, Alta
sociedade, no qual vive a socialite
Tracy Lord.
Os melhores
filmes com Grace Kelly são Matar ou morrer e Janela
indiscreta. Na comparação, O cisne está anos-luz atrás dessas
realizações excepcionais. Sequer contém atuação convincente da atriz. Está
apagada, quase sonambúlica. Entretanto, devido às tramas do destino a
realização de Charles Vidor será lembrada por apresentar história algo
semelhante à biografia da futura Princesa de Mônaco.
Kelly interpreta
Alexandra, princesa de família outrora real, apeada do poder por Napoleão
Bonaparte. O letreiro de abertura não informa com exatidão onde se desenrola a história.
Apenas adianta que é em algum lugar da Europa Central, em 1910.
A princesa Alexandra (Grace Kelly) e o príncipe Albert (Alec Guinness) |
As pequenas altezas George (Van Dyke Parks) e Arsene (Christopher Cook), Beatrix (Jessie Royce Landis), Alexandra (Grace Kelly) e o padre Carl Hyacinth (Brian Aherne) |
É manhã no
palácio da princesa-mãe Beatrix (Landis). Um telegrama provoca rebuliço.
Comunica a chegada de um primo, o príncipe real Albert (Guinness), para estadia
de apenas quatro dias. O visitante, solteiro, tem a obrigação de prolongar a
dinastia. Afinal, é herdeiro ao trono e precisa arranjar esposa. Não há
pretendente melhor que a recatada Alexandra — acredita Beatrix, que logo traça
um plano com vistas ao sucesso. Se tudo der certo, o casamento possibilitará o
retorno da família ao centro da realeza. Encontra aliados na prima Symphorosa
(Winwood) e no irmão sacerdote Carle Hyacinth (Aherne). A opinião de Alexandra
não conta. Que a natureza siga seu curso.
A família real: Symphorosa (Estelle Winwood), padre Carl Hyacinth (Brian Aherne), príncipe Albert (Alec Guinness) e rainha Maria Dominika (Agnes Moorehead) |
Porém, surgem complicações.
Os hábitos pouco ortodoxos de Albert aumentam a insegurança e inibição de
Alexandra, mulher com luz própria. Não quer um casamento de conveniência, com o
simples objetivo de atender ao apelo da tradição. Prefere considerar questões
como o amor. Logo um problema de comunicação se instala com o príncipe-herdeiro,
agravado por um elemento estranho à nobreza: Nicholas Agi (Jourdan), plebeu e
professor de George (Parks) e Arsene (Cooke) — filhos mais novos de Beatrix —,
está apaixonado pela princesa.
Nicholas não tem
importância para a princesa-mãe. Ela apenas percebe a proximidade entre o rapaz
e a filha. Assim, comete a "imprudência" de incluí-lo entre os convidados
ao baile em homenagem a Albert. Instruída pela mãe e sabedora de seus
propósitos, a própria Alexandra faz o convite. Despudoradamente, o professor
será usado como peão na trama de aproximação das duas altezas.
Alexandra (Grace Kelly) e Albert (Alec Guinness) |
Nicholas Agi (Louis Jourdan) e Alexandra (Grace Kelly) |
Durante o baile,
para provocar ciúme em Albert, Beatrix orienta a filha a dançar com Nicholas. O
príncipe não liga. Demonstra tranquilidade, bom humor e autoconfiança. Sabe que
o destino trama em seu favor e, portanto, basta dar tempo ao tempo. Assim, dirige-se
à orquestra e se põe a tocar com os músicos. Aparentemente, dispensa Alexandra
pelo contrabaixo. A cena frustra a todos e deixa a pretendente mais insegura. Ela
interrompe a dança e abandona o salão. Tenta se acalmar em um passeio noturno
de carruagem. Nicholas se oferece como companhia — algo que não estava nos
planos. É a oportunidade para se declarar. De certa forma é correspondido pela
titubeante Alexandra.
No palácio, instala-se
o alvoroço. Uma pequena provocação sobre a princesa e o professor, da parte do
Capitão Wunderlich (Coote) — ordenança de Albert —, deixa o herdeiro enciumado.
Apoiado pelo restante da família, à exceção do compreensivo Hyacinth, questiona
o comportamento da prima. Pressionada, Alexandra magoa o professor ao revelar
que fora convidado apenas para servir de peça a um estratagema. Segue-se
discussão sobre o lugar de cada qual no mundo hierarquizado da nobreza. É o
melhor momento do filme. No íntimo, Alexandra deseja Nicholas, mas tem
compromissos com o papel que o destino traçou à sua revelia. Casará com Albert.
Resta a Nicholas, moralmente ferido, a opção de deixar o palácio. No momento da
despedida Albert conforta a consorte. Explica porque Alexandra recebeu do pai o
apelido de Cisne. A ave só preserva o garbo, a elegância e a independência na
água. Fora, é totalmente desajeitada. Também reprime o canto e o libera apenas
no momento da morte. Alexandra, princesa, tem a vida predeterminada como o
cisne. Para ser o que é, necessita cumprir rituais que a impedem de se
expressar com autonomia e se aproximar das "margens da água".
Alexandra (Grace Kelly) e Nicholas Agi (Jouis Jourdan) |
O cisne é conto de fadas
amargo. A princípio, engana o espectador. Leva-o a crer que a história seguiria
a trilha das fábulas tradicionais, rumo ao indefectível final feliz. Mas a
princesa cala a voz do desejo. Abre mão do plebeu dos sonhos, que tão bem sabia
dos movimentos das estrelas. Conforma-se à condição real — como fez Grace Kelly
ao ser alçada ao posto de alteza. Pior para o cinema, Hitchcock e os espectadores
lançados à "margem".
Princesa Alexandra (Grace Kelly) |
A estreia de O
cisne aconteceu uma semana antes do casamento de Kelly com Rainier. A
Metro-Goldwyn-Mayer utilizou o acontecimento como peça publicitária. Mas o
filme nada tem de extraordinário. Charles Vidor conseguiu apenas uma realização
morna. A direção é convencional e displicente. Porém, dentro da estreiteza
formal em que se enquadra, soube equilibrar a contento elementos da comédia de
equívocos com o drama romântico.
Roteiro: John Dighton, baseado na peça A hattyú, de Ferenc
Molnár. Direção de fotografia
(Cinemascope, Eastmancolor): Joseph Ruttenberg, Robert Surtees. Música: Bronislau Kaper. Figurinos femininos: Helen Rose. Montagem: John D. Dunning. Assistente de direção: Ridgeway Callow,
Herb Hirst (não creditado), Robert E. Relyea (não creditado). Direção de arte: Randall Duell, Cedric
Gibbons. Decoração: Henry Grace,
Edwin B. Willis. Penteados: Sydney
Guilaroff. Consultor de cor: Charles
K. Hagedon. Supervisão de gravação:
Dr. Wesley C. Miller. Maquiagem:
William Tuttle. Gerente de unidade:
Jay Marchant (não creditado). Ilustrador
da produção: Mentor Huebner (não creditado). Mixagem da regravação de som: Ryan Davis. Som: James Brock (não creditado). Operadores de câmeras (não creditados): Ned Belford, Eric Carpenter,
Hubert Jansen, John Pasternak, Jack Swain. Joias:
Joan Joseff (não creditado). Orquestração:
Robert Franklyn (não creditado). Direção
musical: Johnny Green (não creditado). Músicos
(não creditados): Alex Alexander (viola), Virginia Majewski (cello), Jack
Marshall (guitarra), Max Rabinowitz (piano), Uan Rasey (trompete), Si Zentner
(trombone). Coreografia: Angela Blue
(não creditada). Continuidade: E.
Darrell Hallenbeck (não creditado). Instrutor
de esgrimas: Jean Heremans (não creditado). Consultoria técnica: Carl Lonyay (não creditado). Sistema de mixagem de som: mono pela
Western Electric Sound System. Tempo de
exibição: 104 minutos.
(José Eugenio Guimarães, 1976)
Hola Eugenio, esta especie de cuento amargo como bien has calificado, es un documento histórico más que por su calidad, por la importancia histórica de la casi despedida del cine de un mito como fue Grace Kelly. Incluso el título de El cisne emparenta con el estilismo y la belleza de la actriz.
ResponderExcluirLa ventana indiscreta y Atrapa un Ladrón son dos de mis películas preferidas de Grace.
Gracias por el recuerdo y por la recuperación de unas imágenes verdaderamente históricas.
Un gran abrazo.
Obrigado pelo comentário, Miguel.
ExcluirHoje, esta película está completamente esquecida. Chegou a ser exibida varias vezes na televisão. Os meus preferidos com a atriz são "La ventana indiscreta" y "Solo ante el peligro".
Abrazos y saludos.
Oi J.E.,
ResponderExcluirNunca tinha lido nada sobre este filem e ainda não assisti. Adoro a Grace e acho ela belíssima.
Vou ver encontro na NetFlix.
Bjs
Obrigado pela presença e comentário, Betty. Espero que tenha sorte com o NetFlix. Este filme passava sempre na TV. Atualmente, sumiu das vistas.
ExcluirBeijos.