Apoiado em roteiro de I. A. L.
Diamond — que teria melhores dias com Billy Wilder —, o esquecido Joseph M.
Newman dirigiu a assistível comédia romântica O segredo das viúvas (Love
nest, 1951). É produção das mais modestas da 20th Century-Fox no início
dos anos 50, estrelada por atores do segundo escalão da companhia. Não fosse a
presença do mito Marilyn Monroe entre os coadjuvantes, estaria condenada ao
esquecimento. A platinada aspirante a atriz, então a meio caminho de ascender
ao primeiro time do panteão hollywoodiano, interpreta Roberta 'Bobbie' Stevens
— nova e exuberante inquilina do Gramacy Park, edifício residencial em
Manhattan, Nova York. A Segunda Guerra Mundial chegou ao fim; os soldados voltam
ao lar. O desmobilizado Jim Scott (William Lundigan), candidato a escritor, logo
se vê na condição de proprietário. Enquanto combatia na Europa, a diligente
esposa Connie (June Haver) trabalhou duro e economizou o que pode para adquirir
o imóvel. A vida que se apresenta não será tão fácil como imaginavam. Alguns
inquilinos excêntricos preocupam, principalmente o simpático e generoso
golpista Charles Patterson (Frank Fay) e a própria Roberta Stevens — vista por
Connie como ameaça à estabilidade conjugal. Porém, o pior está por vir: já
avançado nos anos, o Gramacy Park é um escoadouro de dinheiro. Precisa de
muitos cuidados e está na alça de mira da fiscalização municipal. Leve,
divertido e agradável, O segredo das viúvas respira a
atmosfera carregada de otimismo do imediato pós-guerra. O sonho americano da
busca pela felicidade estava em alta e todos os problemas pareciam desafios de
fácil superação. A apreciação a seguir é de 2012.
O segredo das viúvas
Love nest
Direção:
Joseph M. Newman
Produção:
Jules Buck
20th Century-Fox
EUA — 1951
Elenco:
June Haver, William Lundigan, Frank
Fay, Marilyn Monroe, Jack Paar, Leatrice Joy, Henry Kulky e os não creditados Florence
Auer, Rodney Bell, Faire Binney, Marie Blake, Donna Jo Boyce, Benny Burt,
Charles Calvert, Russ Clark, Leo Cleary, George Conrad, John Costello, Jack
Daly, Anthony De Mario, Franklyn Farnum, James Gonzalez, Mack Gray, Robert
Haines, Stuart Hall, Alvin Hammer, Bradford Hatton, Harry Hines, Edna Holland,
Bob Jellison, William Justine, Frank Kreig, Murray Leonard, Caryl Lincoln, Mike
Mahoney, Patricia Miller, Ray Montgomery, Walter Nordella, Don Orlando, Joe
Ploski, Danny Richards Jr., Albin Robeling, Michael Ross, Sudhanshu Saria,
Bernard Sell, Elizabeth Slifer, Louis Torres Jr., Maude Wallace, Billy Wayne,
Martha Wentworth, Lois Wilde, Clifton Young.
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O diretor Joseph M. Newman |
Marilyn Monroe é
um mito. Sua imagem platinada inclusive transcendeu o campo estritamente cinematográfico.
Passadas quatro décadas do precoce falecimento em 1962, aos 36 anos, está com a
legenda preservada e em permanente ascensão. Certamente, é exclusivamente por
esse motivo que o obscuro O segredo das viúvas ainda é apresentado.
Ela sequer é a atriz principal — a palma cabe à esquecida June Haver. Monroe é
simples coadjuvante, quase uma figurante com fala e merecedora de alguns planos
exclusivos. Demora a entrar em cena, por volta dos 30 minutos de exibição. Provoca
ciúmes e equívocos para logo desaparecer sem maiores explicações. Falharam o
roteiro, a montagem, a direção ou o quê? Como saber?
De todo modo, segundo
as crônicas jornalísticas e a própria filmografia de Marilyn, O segredo das viúvas lhe permitiu oportunidade de atuação com boca cheia.
Não era simples adorno como geralmente acontecia até então, com a exceção de Mentira salvadora (Ladies of the chorus, 1948), de Phil
Karlson. A personagem Roberta 'Bobbie' Stevens da realização de Joseph M.
Newman foi notada pelas plateias e saudada com referências elogiosas por setores
da crítica. Nada mal para quem estreou no cinema em 1947 e, dentre as onze
produções seguintes, mereceu, via de regra, papéis de pequena intensidade em O segredo das jóias (The asphalt jungle, 1950), de John
Huston; O Faísca (The Fireball, 1950), de Tay
Garnett; A malvada (All about Eve, 1950), de Joseph
L. Mankiewicz; Em cada lar, um romance (Home town story, 1951), de Arthur Pierson; e Sempre jovem (As young as you feel, 1951), de Harmon Jones.
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A inquilina Roberta Stevens (Marilyn Monroe) e a proprietária Connie Scott (June Haver) |
O cineasta Joseph
M. Newman não é particularmente notável. Iniciou a carreira como assistente de
direção e diretor de segunda unidade. Passou à realização em 1938. Até 1947
assinou uma série de curtas para a Metro-Goldwyn-Mayer. Estreou no longa em
1942: Northwest rangers. Abandonou definitivamente o cinema após
dirigir Da lama para a glória (The George Raft story, 1961). A seguir, até 1965, prosseguiu na televisão. Concebeu episódios para as séries The great adventure[1], Além
da imaginação (The twilight zone)[2],
Alfred Hitchcock apresenta (The
Alfred Hitchcock hour)[3]
e The Big Valley[4]. Seus filmes mais aclamados são Sindicato do crime (711 Ocean Drive, 1950), O último jogo (The guy who came back, 1951), Montanhas ardentes (Red skies of Montana, 1952), Uma trágica aventura (Dangerous crossing, 1953) e Contra a lei (The lawbreakers, 1961).
Uma das qualidades
de O segredo das viúvas é o roteiro de I. A. L. Diamond, mais
tarde famoso por fornecer material para alguns dos mais aclamados títulos de Billy
Wilder: Amor na tarde (Love in the afternoon, 1957), Quanto mais quente melhor (Some like it hot, 1959), Se meu apartamento falasse (The apartment, 1960), Cupido não tem bandeira (One, two, three, 1961) etc.
Percebe-se, à medida que a narrativa avança — principalmente quando se aproxima
do final —, quantas possibilidades foram desperdiçadas pela direção. Havia todo
um microcosmo a explorar, capaz de transformar O segredo das viúvas em boa comédia de
situações. Vai ver, o destino do título estava selado desde que a 20th
Century-Fox o condenou ao rol dos filmes menores — um dos mais modestos da
companhia no início dos anos 50.
Ainda assim, é
leve, divertida e — no mais das vezes — agradável comédia romântica. O título
original Love nest (ninho de amor) faz referência aos
resultados concretos dos planos de melhoria de vida de Connie Scott (Haver),
empreendedora e ambiciosa esposa do soldado Jim Scott (William Lundigan).
Enquanto ele combateu na Europa por dois anos e meio entre os aliados da Segunda
Guerra Mundial, ela trabalhou duro e economizou o quanto pode — inclusive o
soldo religiosamente recebido pelo marido. Agora, terminado o conflito, ele retorna
a Nova York e à vida civil. Poderá se dedicar ao sonho de se estabelecer como romancista
— ou quase: Jim se descobrirá na situação do relutante senhorio do título do livro
de Scott Corbett — The reluctant landlord — que serviu de
base ao roteiro. Ou Jane seria a melhor merecedora do predicado?
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Connie Scott (June Haver) |
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O reencontro de Connie Scott (June Haver) com o desmobilizado marido Jim Scott (William Lundigan) |
Para surpresa de
Jim, a esposa investiu tudo o que tinham na aquisição do Gramacy Park — prédio
de apartamentos residenciais em Manhattan. Muito dinheiro pode ser levantado com
o aluguel das unidades, algumas já ocupadas. Ao otimista casal proprietário
estão reservadas as dependências do térreo. Diligente e dinâmica, Connie
acredita na fácil e rápida recuperação do montante imobilizado. Enquanto isso,
Jim terá muito tempo livre para escrever. Tudo parece romanticamente simples.
Evidentemente, o pior
dos mundos dará entrada. Antes, são os novos inquilinos que causam preocupações
— principalmente para Connie: o muito simpático, solícito, generoso e
galanteador Charles Kenneth 'Charley' Patterson (Fay) — que caiu de amores pela
vizinha e viúva senhora Eadie Gaynor (Joy) — e a insinuante e disponível
Roberta Stevens — também militar desmobilizada após integrar o corpo feminino
do exército estadunidense em ação na Europa. É amiga de Jim e, pelo visto, nada
mais que isso. Entretanto, aos olhos ciumentos da apreensiva Connie é uma ameaça
à estabilidade conjugal. Felizmente entra em cena Ed Forbes
(Paar), amigo desimpedido do casal e sempre pronto a desviar a atenção da recém-chegada.
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Charles Patterson (Frank Fay) e Eadie Gaynor (Leatrice Joy) |
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Ed Forbes (Jack Paar) e Roberta Stevens (Marilyn Monroe) |
Logo descobrem que
o edifício, já avançado nos anos, exige muitos cuidados — inclusive profundas e
caríssimas reformas estruturais. Como desgraça pouca é bobagem, é condenado à
demolição pela atenta fiscalização municipal. Um prejuízo irreparável, de
amplas dimensões, ameaça Jim e Connie. A solução é a venda do imóvel, de
preferência a quem puder recuperá-lo. No entanto, os potenciais compradores não
ousam pagar a quantia pedida. Nesse contexto, Connie descobre que foi vítima de
superfaturamento: pagou pelo prédio valor muito acima do estipulado pelo
mercado.
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Jim Scott (William Lundigan) e o eletricista (Bradford Hatton) |
Em meio a tantos
problemas, Jim amarga, da parte das editoras, a rejeição ao primeiro livro que
escreveu. Já as piores suspeitas sobre Charles são confirmadas. É um Don Juan especializado
em golpes do baú. As vítimas preferenciais são viúvas emocionalmente carentes e
em boa situação econômica. Com simpatia e conversa envolvente, aproxima-se delas
e logo se faz amigo, amante e administrador financeiro. Deixou muitas senhoras
sem dinheiro. Seus casos ficaram famosos. É perseguido pelas vítimas, policiais
e jornalistas.
Conforme o
previsto, Charles é preso por poligamia. Contudo, não cabe ao espectador
esperar o pior. O homem é generoso. Tentou auxiliar Jim e Connie, adiantando-lhes
parte do dinheiro necessário para reestruturar o prédio. Também está disposto a
se regenerar, pois se apaixonou perdidamente por Eadie — viúva economicamente remediada,
amorosa e compreensiva. Ele está pronto a retribuir. Assim, oferece ao incrédulo
Jim a oportunidade de escrever um livro de sucesso, baseado em caso real e bem
ao gosto da massa leitora. Numa única noite dita ao quase falido senhorio as
próprias memórias de conquistador contumaz. Publicadas, convertem-se em imediato
best seller: My life and loves “por Charley Price conforme ditado a Jim Scott”. É o
fim dos problemas para todos, principalmente os financeiros. Julgado e condenado
a 18 meses de prisão, Charles terá para onde voltar quando terminar a sentença:
aos braços do amor verdadeiro e fiel de Eadie Gaynor, no agora recuperado e
remodelado Gramacy Park dos felizes Jim e Connie. Infelizmente, Roberta Stevens
não chega ao final do filme. Onde a produção a escondeu?
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Connie Scott (June Haver) e Jim Scott (William Lundigan) |
A trilha musical
de O segredo das viúvas é corriqueira. Basicamente, ouvem-se duas
composições: Love nest, música de Louis
A. Hirsch e letra de Otto A. Harbach; e, incidentalmente, Laura, de David Raksin, tema do filme homônimo dirigido por Otto
Preminger em 1944.
Além do roteiro,
outros valores desta modestíssima produção são os atores — arregimentados no cast do segundo escalão da 20th
Century-Fox. Destacam-se os coadjuvantes, principalmente Frank Fay com ampla
vantagem sobre os demais nomes. É muito difícil não manifestar simpatia pelo
malandro e bon-vivant Charles
Patterson. Ofusca inclusive o casal protagonista, defendido com competência —
porém, sem maior brilho — por June Haver e William Lundigan. Apesar de pouco
exigidos, Jack Paar e Leatrice Joy não decepcionam. Marilyn Monroe está à
vontade ou ao natural — no sentido de não exagerar. A estampa da atriz é
suficiente para descrever a personagem Robert Stevens. Parece que ela sabia
disso e se conteve ao máximo. Entrou em cena, representou honestamente e pronto.
Pena que desapareceu sem mais nem menos.
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Roberta Stevens (Marilyn Monroe) e o roupão mais "adequado" |
Por fim, algumas
curiosidades: 1) Frank Fay foi marido das atrizes Barbara Stanwyck, Frances
White, Betty Kean e Gladys Buchanan. Atuou em apenas 15 filmes, de 1922 a 1951. O último é
exatamente O segredo das viúvas. Também marcou presença na genial
comédia Nada é sagrado (Nothing sacred, 1937), de
William A. Wellman. Ficou mais conhecido como mestre de cerimônias em shows de
variedades ou vaudeville. 2) Em 1953,
sem conseguir renovar o contrato com a 20th Century-Fox, June Haver se tornou
freira por alguns meses. Assim que abandonou o hábito, iniciou relacionamento
com ator Fred MacMurray. Adotaram duas gêmeas e permaneceram juntos até a morte
dele, em 1991. Ela faleceu em 2005. 3) Antes de June Haver, Anne Baxter e
Jeanne Crain foram cogitadas para interpretar Connie Scott. 4) Com Jim Scott
dormindo no sofá do apartamento de Roberta Stevens, ela se prepara para um
banho. Parte da sequência causou verdadeiro rebuliço no set, por causa do
roupão usado pela atriz — ousadíssimo para a época. Por isso, o diretor Joseph
M. Newman ordenou a substituição por modelo respeitosamente mais fechado. É
usado pela personagem na escadaria, momento em que sacode a integridade de Jim
e eleva a desconfiança — sempre infundada — de Connie.
Roteiro: I. A. L. Diamond, com base em The reluctant landlord, novela de Scott Corbett. Música: Cyril J. Mockridge. Direção de fotografia
(preto e branco): Lloyd Ahern Sr. Montagem: J. Watson Webb Jr. Produção de elenco: George J. Light (não creditado). Direção de
arte: George L. Patrick, Lyle R. Wheeler. Decoração: Thomas Little, Bruce MacDonald. Figurinos: Renié. Maquiagem: Ben Nye. Gerente de unidade de produção: Sam Wurtzel (não creditado). Assistentes de direção: Jasper Blystone, Ad Schaumer (não creditado). Contrarregra
(não creditada): M. Duke Abrahams, John Edward
Court. Som: Bernard Freericks, Harry M.
Leonard. Efeitos fotográficos especiais:
Fred Sersen. Direção de guarda-roupa:
Charles Le Maire. Orquestração: Bernard
Mayers. Direção musical: Lionel Newman.
Dublês (não creditados): Shirley Clarke
(p/June Harver), Harry Mayo (p/William Lundigan). Amestrador: Frank Inn (não creditado). Sistema de
mixagem de som: Western Electric Recording. Tempo
de exibição: 84 minutos.
(José Eugenio Guimarães, 2012)
[1] Produzida por John Houseman para a CBS — Columbia
Broadcasting System — e composta por uma temporada com 26 episódios. Exibida
originalmente de 27 de setembro de 1963 a primeiro de maio de 1964.
[2] Produção de Rod
Serling, Buck Houghton, William Froug e Herbert Hirschman para a CBS — Columbia
Broadcasting System. São cinco
temporadas e 156 episódios originalmente levados ao ar de 2 de outubro de 1959
a 19 de junho de 1964.
[3] Produzida e apresentada por Alfred Hitchcock para a
CBS — Columbia Broadcasting System — e NBC — National Broadcasting Company.
Composta de três temporadas e 93 episódios. Transmitida originalmente de 20 de
setembro de 1962 a 10 de maio de 1965.
[4] Criada por A. I. Bezzerides e Louis F. Edelman;
estrelada por Barbara Stanwyck, Richard Long, Lee Majors, Linda Evans e Peter
Breck; produzida por Levy-Gardner-Laven Productions, Four Star Television e
Margate. Formada por 112 episódios distribuídos por quatro temporadas.
Originalmente exibida de 15 de setembro de 1965 a 19 de maio de 1969.
Hola Eugenio, no he tenido oportunidad de ver esta comedia y aunque sea ligerita, siempre es agradable ver a Marilyn en el cine en una agradable comedia romántica como citas en tu texto.
ResponderExcluirMe llama la atención eso que comentas de que sin mayor reparo la rubia más famosa de Hollywood desaparece de la historia en la película, lo que en principio reflejaría un descuidado guión de la misma.
Muy interesantes las curiosidades finales que comentas.
Un gran abrazo estimado.
Hola, Miguel!
Excluir"Love Nest" vale sólo como curiosidad. En España, el título es "Memorias de un Don Juan". En cuanto a la desaparición del personaje hecho por la Marilyn, puede ser un descuido del guión. Pero el I. A. L. Diamond es muy bueno para cometer falla así. Entonces, puede ser aún un problema de montaje. La Fox no tuvo muy cuidado con la película. Es una de las producciones de más pequeño presupuesto de la compañía.
Abrazos y saludos.
Gostei desta comédia leve ,mas que mostra a cultura americana pós gurra .
ResponderExcluirMM é linda e sexy com certeza.
Excelente publicação