São notórios os filmes
estadunidenses declaradamente antinazistas dirigidos por Fritz Lang, já com a
Segunda Guerra Mundial em curso: O homem que quis matar Hitler (Man
hunt, 1941), Os carrascos também morrem (Hangmen
also die!, 1943), Quando desceram as trevas (Ministry
of fear, 1944) e O grande segredo (Cloak
and dagger, 1945). Em Hollywood, provavelmente, não havia cineasta melhor
preparado para lidar com o assunto. Lang é alemão e, provavelmente, judeu.
Também é um dos nomes fundamentais do cinema expressionista germânico. Sabiamente
escapou da Alemanha ao concluir O testamento do Dr. Mabuse (Das testament des Dr. Mabuse, 1933). Fixou-se nos Estados Unidos após breve
passagem pela França. Dirigiu para Darryl F. Zanuck, na 20th Century-Fox, os
westerns A volta de Frank James (The return of Frank James, 1940) e Os
conquistadores (Western Union, 1941). Por
recomendação do produtor associado Kenneth Macgowan substituiu John Ford — com
atenções voltadas para Como era verde o meu vale (How
green was my valley, 1941) — em O homem que quis matar Hitler. O
roteiro de Dudley Nichols com a colaboração não creditada de Lamar Trotti
adapta a novela Rogue male, de Geoffrey Household. Ajustado ao clima de
inquietações e incertezas da Segunda Grande Guerra, conta, em ritmo de
carrossel, a perseguição movida por agentes nazistas ao aristocrático capitão
Alan Thorndike (Walter Pidgeon). Ele ousou por Hitler na alça de mira de um
rifle de longo alcance em plena floresta alemã, nas proximidades do Ninho da
Águia. Corria o ano de 1939. A invasão da Polônia estava para acontecer. A Inglaterra
ainda tentava apaziguar o belicismo do Führer. Por questões diplomáticas, nem
na terra natal Thorndike estava seguro. Joan Bennett, George Sanders, o pequeno
Roddy McDowall e John Carradine contribuem para o brilho da narrativa. O filme alarmou
os censores do Código Hays ou Motion Picture Production Code por questões
inacreditavelmente ridículas aos olhos de hoje. A apreciação, de 2000, foi
revista e atualizada em 2016.
O homem que quis
matar Hitler
Man hunt
Direção:
Fritz Lang
Produção:
20th
Century-Fox
EUA — 1941
Elenco:
Walter
Pidgeon, Joan Bennett, George Sanders, Frederick Worlock, Roddy McDowall,
Ludwig Stössel, Heather Thatcher, John Carradine, Roger Imhof, Egon Brecher,
Lucien Prival, Frederick Vogeding, Eily Malyon, Herbert Evans, Lester Matthews,
Arno Frey, Holmes Herbert, Keith Hitchcock, Wilhelm von Brincken e os não
creditados Carl Ekberg,
Swen Hugo Borg, Cyril Delevanti, Olaf Hytten, Virginia McDowall, Charles
Bennett, Frank Benson, Ted Billings, Walter Bonn, Richard Fraser, Douglas
Gerrard, William Haade, Bobbie Hale, Adolf Hitler, Hans Joby, Kurt Kreuger,
Bruce Lester, Adolf E. Licho, Adolph Milar, Carl Ottmar, Otto Reichow, John
Rogers, Clifford Severn, Robert R. Stephenson.
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O diretor Fritz Lang |
O homem que quis
matar Hitler é o primeiro dos quatro filmes estadunidenses
declaradamente antinazistas de Fritz Lang. Foram realizados quando a Segunda
Guerra Mundial estava em
curso. Seguem-se Os carrascos também morrem (Hangmen
also die!, 1943) — o melhor do quarteto —, Quando desceram as trevas
(Ministry
of fear, 1944) e O grande segredo (Cloak
and dagger, 1945).
Ao tempo das
filmagens, significativas parcelas da opinião pública e de companhias produtoras
dos EUA ainda se empenhavam em assegurar posição de neutralidade com a
Alemanha. Exerciam severo controle sobre filmes que expunham temas da
contemporaneidade desse país. Tentavam proibir ou abrandar determinadas
situações, principalmente com respeito às violências praticadas pelos
seguidores de Hitler. Joseph Breen, representante do Código Hays ou Motion
Picture Production Code, dificultava o curso dos chamados "filmes de
ódio". São conhecidos os expedientes de que se valeu — com o beneplácito
do chefe de produção da 20th Century-Fox, Darryl F. Zanuck — para suavizar a
exposição dos nazis em O homem que quis matar Hitler,
lançado comercialmente em junho de 1941. Além das questões políticas e morais
havia acentuadamente a preocupação econômica: distribuidores e estúdios temiam perder
o nada desprezível mercado exibidor alemão. Todo esse cuidado deixou de fazer sentido
após o ataque do Japão — aliado da Alemanha —, sem prévia declaração de guerra,
às bases militares dos Estados Unidos no Havaí em 7 de dezembro de 1941.
Historicamente, houve
muitas tentativas para assassinar Hitler. Da subida dos nazistas ao poder em 1933
até o fim da guerra, contam-se ao menos 42 investidas[1]
bancadas por comunistas, judeus, serviços secretos estrangeiros baseados na Europa,
oficiais alemães e abnegados franco-atiradores. Ao grupo, o filme de Lang
acrescenta o britânico e aristocrático Capitão Alan Thorndike (Pidgeon), afamado
praticamente de caça esportiva — evita matar ou ferir a presa. Teve a rara oportunidade
de ter o Führer (Ekberg) na alça de mira de um rifle de longo alcance em plena
floresta alemã, quando o plenipotenciário se encontrava no bávaro refúgio
elevado de Kehlsteinhaus — Ninho da Águia —, em Berchtesgaden, próximo à Áustria.
Era 1939. O início das conflagrações estava próximo com a invasão à Polônia em
primeiro de setembro desse ano. Evidentemente, Thorndike falha no ousado
intento ao ser descoberto e imobilizado por uma sentinela (Prival). A partir
daí, Lang conduz a narrativa pelo campo da ambiguidade. Não deixa claro se
havia mesmo a intenção de eliminar o Führer ou se o honrado desportista pretendia
sentir apenas o prazer de ter alvo tão poderoso ao alcance de uma bala.
Primeiro é visto com o dedo no gatilho e Hitler devidamente enquadrado. A
seguir, passa a impressão de estar satisfeito e pronto a deixar a cena. Muda de
ideia e municia a arma. Estava para reiniciar as operações quando foi aprisionado
e submetido a violento interrogatório pelo Major Quive-Smith (Sanders).
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Inglês, aristocrata e praticante da caça esportiva: capitão Alan Thorndike (Walter Pidgeon) |
Inabalável e com segundas
intenções, o oficial alemão não acredita na nobre história de caçador
desportista de Thorndike. Pretende levá-lo a admitir — ao fim, pela tortura —
que estava a serviço de agências secretas britânicas com o fim explícito de assassinar
o déspota alemão. Será poupado se assinar confissão nesse sentido. O documento,
certamente, provocará incidente diplomático e acirrará o ânimo beligerante com
a Grã Bretanha. Nesta época, o claudicante Primeiro Ministro Neville
Chamberlain não media esforços para controlar, via negociações, o ímpeto belicista
de Hitler.
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Acima e abaixo: o capitão Alan Thorndike (Walter Pidgeon) põe Adolph Hitler (Carl Ekberg) na mira de um rifle de longo alcance |
Thorndike
resiste. Só resta eliminá-lo. É conduzido à borda de um precipício e empurrado.
Seria a perfeita simulação de um acidente e evitaria maiores constrangimentos
na política externa. No dia seguinte, durante simulação de uma caçada, Quive-Smith
não encontra o corpo. Apesar de ferido e com dificuldades de locomoção, o
inglês escapa por terreno acidentado e pantanoso. A sequência da perseguição é
um dos pontos altos do filme. Confirma o talento de Lang no manejo da trama,
principalmente como criador de tensão com senso de enquadramento e ritmo dos
mais apurados. Thorndike alcança o litoral e se abriga clandestino em navio
dinamarquês rumo a Londres. Não será fácil, pois os ciosos perseguidores receberam
reforços e fecham o cerco. Na embarcação viaja Mr. Jones (Carradine), sinistro
agente da Gestapo. O homem que quis matar Hitler está apenas começando.
O roteiro extraído
por Dudley Nichols — com a colaboração não creditada de Lamar Trotti — da
novela Rogue male, de Geofrey Household, reduz a história ao básico.
Esvazia inclusive os personagens. Não é de estranhar que tenha recebido acirradas
críticas dos puristas — conhecedores das ambiguidades narrativas que
acrescentavam peculiar suspense ao original. Mesmo desossado, sobrou um thriller repleto de ação e surpresas —
algumas totalmente implausíveis. No entanto, adequavam-se à atmosfera de
inquietações e incertezas da época imediatamente anterior ao começo da guerra —
quando nazistas declarados e agentes da "quinta coluna" se
movimentavam livremente por vários países na divulgação do hitlerismo e
conversão de simpatizantes à causa. Nichols, por essa época — desde 1929 — trabalhava
próximo a John Ford. Para ele escreveu os guiões de Homens sem mulheres (Men
without women), Galanteador audaz (Born reckless,
1930), Sob as ondas (Seas beneath, 1931), Peregrinação
(Pilgrimage,
1933), A patrulha perdida (The lost patrol, 1934), O
juiz Priest (Judge Priest, 1934), O
delator (The informer, 1935), Nas águas do rio (Steamboat
round the bend, 1935), Mary Stuart, rainha da Escócia (Mary
of Scotland, 1936), Horas amargas (The plough and the stars,
1936), O furacão (The hurricane, 1937), No
tempo das diligências (Stagecoach, 1939) e A
longa viagem de volta (The long voyage home, 1940).
Pelos cronogramas
da 20th Century-Fox, John Ford seria o diretor de O homem que quis matar Hitler.
Porém, suas atenções se voltaram para Como era verde o meu vale (How
green was my valley, 1941). Até então, Fritz Lang realizara para a
companhia apenas os westerns A volta de Frank James (The
return of Frank James, 1940) e Os conquistadores (Western
Union, 1941). Ansiava por mais oportunidades. Por sorte, gozava da admiração
do produtor associado Kenneth Macgowan. Este convenceu o boss Darryl F. Zanuck a confiar ao cineasta alemão expatriado a
tarefa de verter para tela o roteiro de Nichols.
Apesar de toda a
subserviência de Joseph Breen, a direção é clara na associação do nazismo ao terror
com redes tentaculares disseminadas por toda a Europa. Praticamente não há
lugar seguro à sombra de Hitler. O mal, a brutalidade e a banalização da morte são
onipresentes. A mais assustadora ameaça paira sobre o que resta de ingenuidade
e afinidade com o bem. A recorrente pontuação musical de Alfred Newman e do não
creditado David Buttolph sempre comunica uma sensação de insegurança. Até a
suave canção A nightingale sang in Berkeley Square soa enganadora e ilusória,
por se apresentar tão fora do contexto. Sequer há palavras para descrever as
inocentes e sinceras exceções do grumete Vaner (McDowall) e da mulher da vida,
a jovem Jerry Stokes (Bennett). O primeiro, garoto solícito e perspicaz,
auxilia Alan Thorndike na fuga, ocultando-o no perigoso navio que o conduz a
Londres. A capital inglesa — recriada em estúdios e fotografada por Arthur C.
Miller — ganha assustadoras tonalidades herdadas do expressionismo alemão tão
familiar a Fritz Lang. As ruas enevoadas e sob baixa luminosidade remetem a uma
realidade fugidia. Há nazistas por toda parte, prontos a cair sobre o
protagonista desde o desembarque. Mais uma vez Thorndike escapa, graças à providencial
ajuda da volúvel, frágil e facilmente apaixonada Jerry. Relutante a princípio, ela
se afeiçoa ao aristocrático e gentil capitão. Segue-o por onde for.
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O obstinado oficial nazista major Quive-Smith (George Sanders) transforma o caçador em caça |
Com Lord Risborough
(Worlock), o irmão diplomata, Thorndike é informado de que as autoridades
locais nada podem fazer por ele. Além do mais, corre o risco de ser preso e
extraditado para a Alemanha. Aconselha-o a se esconder no interior do país, inclusive
porque o incansável Major Quive-Smith (Sanders) já o procura em território
britânico. O jeito é se separar da garota — com quem nunca deixou de ter
relação paternal — e continuar fugindo. Diante das condições, a jovem corre
sério perigo pelo simples fato de auxiliá-lo. Para ela, infelizmente, um
policial (Hitchcock) cioso e impertinente apressa a separação — o que deixa Thorndike
aliviado: pensava que assim Jerry estaria mais segura. Ledo engano. A roda da
fatalidade foi acionada e nada a deterá. Um fim triste e violento a aguarda no
apartamento. Depara-se, na escuridão, com os vultos ameaçadores de Quive-Smith e
carrascos — uma magnífica e assustadora tomada.
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A "costureira" Jerry Stokes (Joan Bennett) e Alan Thorndike (Walter Pidgeon) |
Quanto a Thorndike,
escapa definitivamente da perseguição de Mr. Jones. Consegue eliminá-lo na
estação do metrô em momentos de excelente tensão, conseguidos com economia de
movimentos e recursos narrativos, pontuados por luz e escuridão. São incríveis
os efeitos e sensações alcançados por Lang a partir de eventos nunca completamente
mostrados. É um cinema que valoriza a sugestão acima de tudo. Revela o quanto a
combinação entre sombras e imaginação é poderosa para contar histórias que só
se tornariam insuportavelmente banais se as passagens mais assustadoras
estivessem banhados de luz.
Em suas convenções
narrativas, O homem que quis matar Hitler reconta as clássicas histórias de
caçadores transformados em caças, a ponto de conhecerem o mais cruel destino de
uma presa: restar acuada onde não há mais saída. Assim acontece ao capitão
Thorndike: Quive-Smith o encurrala no interior de incrível gruta improvisada em abrigo. Fritz Lang
conduz a história a esse ponto. O caçador paga caro pela imprevidente e
arrogante ousadia de brincar com Hitler, como se alguma questão envolvendo o
nazismo pudesse ser reduzida às prerrogativas das práticas esportivas; como se
o beligerante e todo poderoso déspota alemão estivesse em campo atento às regras
mais elementares, por todos reconhecidas e aceitas, de um jogo. A Europa —
principalmente a Inglaterra — agiu qual Thorndike: vacilou em inúteis negociações
diplomáticas com os nazistas ou fez pouco caso do perigo que se aproximava. Pagou
preço elevado pelo descuido. O país insular suportou, por muito tempo,
praticamente isolado, intensos bombardeios enquanto tentava erguer uma heroica frente
contra a barbárie que lançou ao chão o restante do continente. O nobre
Thorndike é a justa representação da confiança cavalheiresca britânica num
tempo que não deixou espaço para tanto.
A perseguição de Quive-Smith
desconhece quartel. Não sabe, porém, que uma presa acuada é capaz de tudo para
escapar. Além do mais, o oficial alemão — favorecido pela situação — comete o erro
primário de se deixar levar pelo excesso de confiança. Arrogante e tripudiador,
revela o triste fim de Jerry. É o que faltava para Thorndike se renovar com a
ira e vontade de vingança, sem limitações cavalheirescas ou de outras ordens
parecidas. Agora, é a mais básica necessidade de sobrevivência animal que anima
o jogo. Afinal, a guerra tantas vezes anunciada está começando. A Inglaterra se
posicionou ao lado da Polônia invadida. A Alemanha se tornou declaradamente um
inimigo bélico. Com astúcia e sangue frio, o capitão em desvantagem consegue dar
cabo de Quive-Smith. As próximas cenas mostram um homem determinado — apartado
de todas as veleidades e armado de um rifle — saltando de paraquedas sobre o
território alemão e seriamente disposto a eliminar Hitler, concreta e
definitivamente.
O homem que quis
matar Hitler começa de forma surpreendentemente exemplar se comparado
às costumeiras aberturas e introduções narrativas do cinema da época. O que logo
se vê é a sombra de um rifle sob os créditos de abertura. A seguir, pegadas levam
ao capitão Thorndike em avanço cauteloso pela mata alemã até se posicionar com Hitler
sob mira. Dá para imaginar o efeito provocado pela sequência nos espectadores
que acompanhavam o curso da guerra. Provavelmente, gritaram em peso exortações
como "Dispara!", "Atira!", "Acerte o desgraçado!"...
Essas prováveis vozes, externas à ação fílmica, foram as únicas ouvidas ao
longo de uma introdução de quase seis minutos complementada apenas pelos ruídos
da natureza. Fritz Lang abre o filme de forma direta, no ponto, sem delongas ou
prólogos desnecessários.
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O agente da Gestapo Mr. Jones (John Carradine) |
A realização integra
um seleto grupo de filmes antinazistas de procedência estadunidense. Todos, de
certo modo, foram concebidos contra a corrente em vigor no país. Derrubaram bloqueios
erguidos pelos defensores da neutralidade e prerrogativas revestidas de censura
do Motion Picture Production Code. Alguns eram explícitos no chamamento dos
Estados Unidos a um posicionamento mais engajado e responsável no apoio aos
países violentados pelo nazismo: Um yankee na R.A.F. (A
yank in the R.A.F., 1941), de Henry King; O grande ditador (The
great dictator, 1938), de Charles Chaplin; Casei-me com um nazista (The
man I married, 1940), de Irving Pichel; Correspondente estrangeiro
(Foreign
correspondent, 1940), de Alfred Hitchcock; Tempestades d'alma (The
mortal storm, 1940), de Frank Borzage; Confissões de um espião nazista
(Confessions
of a nazy spy, 1939), de Anatole Litvak; etc.
O roteiro de O
homem que quis matar Hitler alarmou seriamente Joseph Breen. Primeiro,
pelo que classificou de "desumana" caracterização dos nazistas. Eram explicitamente
brutais e favoráveis à tortura. Algo assim não poderia ser tolerado, pois
"geraria ódio". Darryl F. Zanuck compreendeu perfeitamente tais
preocupações. Tanto que as violências praticadas contra Thorndike são mostradas
como sombras projetadas no chão da sala do Major Quive-Smith ou acontecem fora
do campo visual. Para assegurar o cumprimento das diretrizes do Motion Picture
Production Code, Zanuck inclusive barrou o acesso de Lang à montagem final. Já
no plano moral, incomodavam Breen as claras indicações de que a personagem vivida
por Joan Bennett era uma prostituta. Diálogos inteiros foram alterados para
salvaguardar ao máximo a "dignidade" da moça e do público, segundo as
determinações do Código. Chegou-se ao ponto de associá-la a uma costureira... Tanto
que uma máquina de costura aparece entre os utensílios que lhe ocupam o
apartamento. Ao fim das contas, tais prerrogativas e alterações ordenadas pela
produção se revelaram inócuas — hoje, são ridiculamente constrangedoras. Por
outro lado, tornaram o filme mais desafiador e eficaz. Demonstram o típico caso
do tiro que saiu pela culatra.
Ida Lupino, Gene
Tierney, Anne Baxter e Greer Garson foram cogitadas para o papel de Jerry
Stokes. Nesse caso, valeu a prerrogativa de Fritz Lang. Escolheu Joan Bennett. O
homem que quis matar Hitler é começo de uma frutífera parceria entre a atriz
e o diretor. Uniram-se novamente em Correspondente especial (Confirm
or deny, 1941)[2],
Um
retrato de mulher (The woman in the window, 1944), Almas
perversas (Scarlet street, 1945) e O segredo da porta fechada (Secret
beyond the door..., 1947). Com ares de ingênua carente sobrepujando o
que deveria sobrar em malícia, Jerry Stokes é um dos melhores desempenhos na
discreta carreira de Bennett.
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Momento de descontração entre Jerry Stokes (Joan Bennett) e Alan Thorndike (Walter Pidgeon) |
George Sanders,
apesar do sotaque tão britânico, está excelente na pele de um oficial nazista
educado, cruel, frio e racional. Sua composição é das mais equilibradas. O
mesmo pode ser dito de John Carradine como o sinistro e reptiliano agente da
Gestapo.
Do que pude
conhecer da carreira de Walter Pidgeon, afirmo, com relativa segurança, que
Alan Thorndike é uma de suas melhores composições. O personagem evolui com
naturalidade da situação de alienado e digno aristocrata para a posição de
homem ferido, pronto a vingar não apenas as humilhações sofridas como os supremos
gestos de sacrifício pessoal cometidos em seu favor. No mesmo ano Pidgeon
interpretou para John Ford o pastor Mr. Gruffydd em Como era verde o meu vale.
Na oportunidade, reencontrou Roddy McDowall — no papel de Huw Morgan — na
segunda aparição do jovem ator no cinema estadunidense.
Inglês de origem,
McDowall integra o grupo das muitas crianças deslocadas de Londres, por proteção,
durante os maciços e continuados bombardeios da Luftwaffe. Algumas foram
envidas à zona rural do país, outras ao estrangeiro. Ele teve a sorte de ir
para os Estados Unidos e prosseguir na carreira cinematográfica em construção
desde 1938. Dera o ar da graça em 16 filmes ingleses antes de estrear no cinema
estadunidense como Vaner de O homem que quis matar Hitler. A
irmã mais velha, a não creditada Virginia McDowall, igualmente retirada de
Londres e enviada aos EUA, faz Mary — filha da funcionária postal Lyme Regis
(Malyon).
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Ao fugir dos nazistas, o capitão Alan Thorndike (Walter Pidgeon) recebe ajuda do solidário Vaner (Roddy McDowall) |
Apesar de não
figurar entre os filmes mais notáveis de Lang, O homem que quis matar Hitler
cumpre com o prometido nos aspectos políticos e da diversão. Denuncia o nazismo
e conta uma boa história de pesadelo em ritmo de carrossel, tal qual Quando
desceram as trevas. O cineasta, mesmo impedido de participar da edição
final, deixou tudo encaminhado para garantir ao espectador um adequado
exercício de suspense. Alan Thorndike não conhece qualquer tipo de folga desde
a malfadada desventura nas proximidades do Ninho da Águia. Por ocasião do
lançamento, em pleno calor da guerra, muitos espectadores devem ter sofrido nas
poltronas com a implacável perseguição movida ao protagonista. Alguns,
certamente, identificaram-se visceralmente com ele.
Roteiro: Dudley Nichols, Lamar Trotti
(colaboração/não creditado), com base na novela Rogue male, de Geoffrey
Household. Música: Alfred Newman, David
Buttolph (não creditado). Direção de fotografia
(preto e branco): Arthur C. Miller. Montagem: Allen McNeil. Direção
de arte: Richard Day, Wiard Ihnen. Figurinos: Travis Benton. Produção associada: Kenneth Macgowan, Len Hammond (não creditado). Produção executiva: Darryl F. Zanuck
(não creditado). Decoração: Thomas
Little. Gerente de produção: William
Koenig (não creditado). Assistente de
direção: Ad Schaumer (não creditado). Contrarregra:
Don B. Greenwood (não creditado). Som:
Eugene Grossman, Roger Heman Sr. Orquestração
(não creditada): Edward B. Powell, Herbert W. Spencer. Consultor técnico: Howard Batt (não creditado). Sistema de mixagem de som: Western
Electric Mirrophonic Recording. Tempo de
exibição: 105 minutos.
(José Eugenio Guimarães; 2000; revisto e atualizado
em 2016)
[1] 42 WAYS to kill
Hitler. Direção: Jon Taylor. 43
minutos. National Geographic Channel, 2008 [produção]. 1 video (43 min.),
p&b, cores. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=DaHIdaVIJdw>.
Acesso em 7 dez. 2016.
[2] Creditado a Archie Mayo. Substituiu Fritz Lang
após seis dias de filmagens.
Hola Eugenio, en cierta manera este cine llevaba un cierto componente propagandístico que en cualquier caso y en la lucha contra el nazismo se puede dar bien empleado. Después y precisamente durante estos últimos años de cine de actualidad, han venido bastantes producciones con el leivmotiv de matar a Hitler y los consiguientes atentados que sufrió tanto él como sus lugartenientes.
ResponderExcluirUn gran análisis de Man Hunt por tu parte del que quedo encantado y agradecido.
¡Correcto, Miguel!
ExcluirLas producciones como MAN HUNT tenían un componente propagandístico muy fuerte. Por otra parte, esas películas eran estimuladas por los gobiernos de los países que luchaban contra el eje nazi-fascista. Tenían el objetivo de difundir la esperanza y el espíritu de lucha. De hecho, Hitler todavía asombra el imaginario y continúa estimulando atentados contra él. No podemos olvidar que Quentin Tarantino tomó las medidas para eliminarlo al provocar un incendio en el cine en INGLORIOUS BASTARDS, de 2009.
Gracias, saludos y abrazos.