A carreira da carismática e longeva dupla cômica chegou ao fim em 1950 — ao menos no cinema. Oliver Hardy e Stan Laurel,
notabilizados no Brasil como O Gordo e O Magro, conheceram o auge quando
estiveram ligados ao produtor Hal Roach, de 1927 a 1938, com o anteparo da
Metro-Goldwyn-Mayer. O fim se avizinhou velozmente na 20th Century-Fox, a
partir de 1941. Foram relegados às produções rotineiras que não honravam suas
potencialidades humorísticas. Inclusive, foram afastados do processo de
elaboração artística dos filmes, principalmente o gênio criativo Stan Laurel.
Em 1945 estiveram perto de encerrar a parceria devido ao agravamento dos
problemas de saúde que afligiam o intérprete do Magro desde a década de 30. Oliver
Hardy tentou prosseguir sem o companheiro — afastado para tratamento médico —
sem muito sucesso. Também começou a sentir as limitações decorrentes do excesso
de peso. Ao final da década de 40 pareciam esquecidos para o cinema. As
companhias produtoras estadunidenses perderam o interesse em Ollie & Stan.
Porém, sempre gozaram de elevada estima na França, de onde veio a oportunidade
de retorno às telas. Infelizmente, a sátira política O paraíso dos malandros (Atoll
K/Utopia/Robison Crusoeland, 1950),
coproduzida com a Itália e creditada somente ao diretor Léo Joannon, jamais
deveria ser realizada. Só proporcionou a Stan Laurel e Oliver Hardy uma das
mais cruéis e constrangedoras despedidas do cinema. No Brasil também é
intitulada como A ilha da bagunça. Segue apreciação datada de 1994.
O paraíso dos
malandros
Atoll K/Utopia/Robison Crusoeland
Direção:
Léo Joannon, John Berry (não
creditado), Alfred J. Goulding (não creditado), Tim Whelan (não creditado)
Produção:
Raymond
Eger
Films EGE, Cinedis, Franco-London
Films, Fortezza Film, La
Société des Films Sirius
França, Itália — 1950
Elenco:
Stan Laurel, Oliver Hardy, Susy
Delair, Max Elloy, Michael Dalmatoff, Adriano Rimoldi, Suzet Maïs, Félix
Oudart, Robert Murzeau, Luigi Tosi, André Randall, Robert Vattier, Claude May,
Roger Legris, Olivier Hussenot, Vittorio Caprioli, Charles Lemontier, Guglielmo
Barnabò e os não creditados Nicolas Amato, Albert Augier, Simone Bessy, Gérard
Buhr, Lucien Callamand, Henri Cote, Joé Davray, Hubert Deschamps, Paul Frees,
Guy Henry, Palmyre Levasseur, Franck Maurice, Jean Maxime, Gilbert Moreau,
Maurice Pierrat, Philippe Richard, Titys, Hans Verner.
Oliver Hardy —
aliás, Oliver Norwell Hardy — estreou no cinema, como ator, em 1913, no curta Outwitting
dad, de Arthur Hotaling. Até 1927 marcou presença no incrível número de
282 títulos segundo o Internet Movie
Database (IMDb)[1].
Nesse ano, iniciou parceria cômica com Stan Laurel — aliás, Arthur Stanley
Jefferson.
Laurel começou
carreira cinematográfica de ator em 1917, no curta Nuts in May, dirigido por
Robin Williamson. Apareceu em mais 65 títulos[2]
até abrir a parceria com Oliver. Em 1927, sob auspícios do produtor Hal Roach, é
formada a dupla Stan & Ollie ou Laurel & Hardy, conhecida no Brasil
como O Gordo e O Magro. Duck soup, primeiro filme da
associação, tem direção de Fred Guiol. Isso não significa que nunca tenham se
encontrado até então. Em 1921 atuaram sob ordens de Jess Robbins na comédia
curta The lucky dog: Stan fez um jovem e rude sequestrador de cães e
Ollie o bandido mascarado que o confronta[3].
Em 1926 Ollie interpretou um detetive de hotel e Stan compareceu como pobre e
faminto ator no curta 45 minutes from Hollywood, produção
de Hal Roach dirigida por Fred Guiol.
Bastidores da realização: Oliver Hardy e Stan Laurel - sentados - acompanhados dos atores Paul Misraki, Suzy Delair, Max Elloy e Adriano Rimoldi |
Fisicamente debilitada pelo aumento do peso de Oliver Hardy e longa enfermidade de Stan Laurel, a dupla padeceu durante as filmagens de O paraíso dos malandros |
A partir de Duck
soup, Stan Laurel e Oliver Hardy viveram O Gordo e O Magro em 95
realizações, assim distribuídas: 32 curtas silenciosos, 40 curtas sonoros e 23
longas. Também tiveram participações especiais e pontas em onze títulos. Aos
meus critérios, viveram a fase dourada enquanto o produtor Hal Roach os teve
sob contrato, com distribuição dos filmes garantida pela Metro-Goldwyn-Mayer.
Nesse período, de 1927 a 1938, gozaram de quase irrestrita liberdade criativa.
Apesar de alguns percalços de saúde, que afetaram notadamente Stan, estavam em relativa
boa forma física — apesar do peso de Oliver. Esbanjavam energia, talento, graça
e frescor. Ainda preservaram alguma autonomia nos três anos seguintes, quando
não estiveram presos às restrições contratuais. A decadência começa para valer na
fase da 20th Century-Fox, de 1941 a 1946: ficam praticamente relegados à rotina
das meras repetições de fórmulas exaustivamente desgastadas, sem participação
ativa no processo de elaboração dos filmes —, principalmente Stan, o cérebro
criador da dupla.
Cogitou-se, em
1945, o fim da parceria e a consequente aposentadoria de ambos. Contavam, na
época, com respectivos 55 e 53 anos. Hardy, apesar do peso aumentado, ainda se
movimentava com desembaraço. Laurel — bem mais frágil, principalmente em
decorrência de reveses pessoais sofridos na década de 30, agravados pela perda
de um filho e alcoolismo — caiu seriamente enfermo. Atuaram, naquele ano, em Toureiros
(The
bullfighters), de Malcolm St. Clair, para a 20th Century-Fox. Antes
tiveram breve retorno à Metro-Goldwyn-Mayer para O cozinheiro do rei (Nothing
but trouble, 1944), de Sam Taylor. Nas temporadas seguintes, Stan saiu
de cena para tratamento médico e Oliver prosseguiu sozinho com parcas
oportunidades. Representou Willie Paine, parceiro do explorador John Breen
(John Wayne) em Estranha caravana (The fighting Kentuckian, 1949), de
George Waggner, e teve pequeno e não creditado papel de otário em Nada
além de um desejo (Riding high, 1950), de Frank Capra.
Acima e abaixo: Oliver Hardy com o parceiro Oliver Hardy mais magro que nunca |
Ao final da
década de quarenta estavam praticamente esquecidos pelo cinema. As companhias
produtoras estadunidenses perderam o interesse por Laurel & Hardy. Tiveram
que ampliar as participações nos teatros de variedades, em desgastantes excursões
por praças diversas — inclusive europeias — e na nascente televisão. Entretanto,
sempre gozaram de ampla admiração na França. Veio daí a possibilidade de retorno
às telas, com um antigo projeto de sátira política que nunca encontrou chances
de viabilização. Não pensaram duas vezes. Embarcaram na nova aventura em terras
gaulesas. Entretanto, antes não tivessem ido. Por toda a história que protagonizaram,
O Gordo e O Magro mereciam algo muito melhor para coroar a despedida das telas
do cinema. Paraíso dos malandros — também conhecido como A
ilha da bagunça no Brasil — é deprimente em todos os sentidos; um
lamentável canto de cisne cinematográfico para tão carismática e longeva dupla.
A narrativa
sequer apresenta desenvolvimento razoável. Tudo começa quando Stan herda
considerável fortuna de um tio milionário. Infelizmente, quase tudo é despendido
no pagamento de taxas e tributos. Ao fim, restam apenas um barco e a ilha situada
no Atol K, em
pleno Oceano Pacífico. O herdeiro e Oliver, acompanhados dos
pobres Antoine (Elloy) e Giovanni Copini (Rimoldi), enfrentam os mares para
tomar posse do rincão marítimo. Transformam-no em representação do paraíso, uma
comunidade anarquista desprovida de moeda e leis. Também acolhem a cantora
Chérie Lamour (Delair), isolada do mundo após desentendimentos com o namorado. A
situação política desanda quando descobrem urânio. A notícia chega ao exterior
e atrai a cobiça de potências e aventureiros de todas as partes. Para controlar
a nova conjuntura, os princípios anarquistas são postos de lado. A ilha deve adotar
uma nacionalidade, implantar códigos, criar sistema de governo e constar dos
mapas de navegação. Desavenças, avidez, sedições e a exploração instalam a
civilização na libertária "Terra dos Crusoé". A espoliação se
consolida com os pioneiros destituídos da liderança por um golpe de Estado.
Acima e abaixo: Stan Laurel e Oliver Hardy O paraíso dos malandros não faz justiça à história e ao talento da dupla |
Stan e Oliver
estavam efetivamente debilitados, visivelmente decrépitos, quando
protagonizaram O paraíso dos malandros. É chocante a visão do Magro, reduzido
a fiapo, consumido pela enfermidade da qual não se recuperou de todo e fortemente
acirrada logo no início das filmagens. O Gordo passou a sentir problemas
decorrentes do excesso de peso, característica principal do personagem. Seus
movimentos, repletos de trejeitos, perderam graça e agilidade. Ambos sofreram
com as exigências físicas da comédia e, acima de tudo, pela submissão à direção
em tudo medíocre e insensível de Léo Joannon — incapaz de beneficiar a
narrativa com o que restava de potencial humorístico da dupla. O não creditado e
talentoso diretor estadunidense John Berry — responsável pelo bom Por ternura
também se mata (He ran all the way, 1951) e exilado
na França depois de incluído na lista negra do macarthismo — pouco pode fazer
para salvar O paraíso dos malandros do desastre, muito menos os conterrâneos
Alfred J. Goulding — conhecedor das capacidades de Laurel & Hardy[4]
— e o expert em cenas de movimento e
ação Tim Whelan — que igualmente não mereceram créditos. Os números
especificamente dedicados ao humor, apoiados nas gags de Monty Collin, são fracos e se limitam a explorar situações desenvolvidas
com mais gênio e inventividade no período áureo da carreira de O Gordo e O
Magro. Medíocre também é o elenco de coadjuvantes. Susy Delair, Max Elloy,
Adriano Rimoldi etc. são suportes desprovidos de qualquer presença de espírito
para oferecer deixas adequadas ao humor da dupla.
O paraíso dos malandros: cruel e constrangedora despedida cinematográfica de Laurel e Hardy |
Apesar do total
fracasso de O paraíso dos malandros e da debilidade física de Stan Laurel e
Oliver Hardy, ambos tiveram forças para prosseguir no show business por mais algum tempo — mesmo afastados do cinema.
Ollie viveu sete anos após a realização. Faleceu aos 65, vitimado pela falta de
ar e agravamento dos problemas cardíacos. Estava recluso ao leito, impedido de
qualquer movimentação mais brusca e aos poucos perdeu a capacidade cognitiva.
Stan sobreviveu ao parceiro em nove anos. Faleceu aos 74, em 1965, também
confinado à cama após violento ataque cardíaco. Teve a felicidade de assistir
ao processo que elevou os filmes protagonizados com Oliver à condição de clássicos.
Recebeu, em 1961, da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, o Oscar
honorário pela criatividade pioneira desenvolvida à comédia. Incapacitado para
comparecer à cerimônia, foi representando pelo ator Danny Kaye.
Roteiro: John D. Klorer, Frederick Kohner, René Wheeler, Piero
Tellini, baseados em ideia de Léo Joannon. Diálogos:
John D. Klorer, Monte Collins, Isabelle Kloucowsky. Gags: Monty Collins. Diário de
fotografia (preto e branco): Armand
Thirard. Direção de arte: Roland
Quignon. Som: Pierre-Louis Calvet. Montagem: Raymond Isnardon. Consultor técnico: I. Kloucowsky, P.
Moffa. Câmara: Louis Née. Gerente de produção: Paul Joly. Música: Paul Misraki. Produtor associado: Raymond Eger. Canções: A. Hornez, Paul Misraki. Figurinos: Jean Zay. Maquiagem: Carmen Brel. Assistentes de direção: Jean-Claude
Eger, Pierre Franchi. Fotografia de
cena: Henri Moiroud. Intérprete: Sylvette
Baudrot. Continuidade: Sylvette
Baudrot, Madelaine Longue. Assessor de
imprensa: Georges Cravenne. Mixagem
de som: Western Electric Noiseless Recording. Tempo de exibição: 82 minutos; 100 minutos no original.
(José Eugenio Guimarães, 1994)
[1] Cf. OLIVER Hardy. http://www.imdb.com/name/nm0001316/?ref_=tt_ov_st_sm#actor.
Acessado em 26 maio 1994.
[2] Cf. STAN Laurel.
http://www.imdb.com/name/nm0491048/?ref_=nv_sr_1#actor.
Acessado em 26 maio 1994.
[3] 1921 é o ano atribuído pelo IMDb. Cf. http://www.imdb.com/title/tt0013341/?ref_=fn_nm_nm_1a.
Acessado em 26 maio 1994. Outras
fontes atestam que se trata de realização de 1917, a exemplo de: CHAURAIS,
Cristiane de Paulo. O Gordo e O Magro: Laurel and Hardy. São Paulo: Nova Sampa
Diretriz, s.d.
[4] Dirigiu a dupla em Dois palermas em Oxford (A
chump at Oxford, 1940).
Hola Eugenio, esto es lo que viene a ser una carrera de más a menos con una triste despedida. He visto algunas películas de ellos y me lo he pasado bien. Pero no, la de la reseña de hoy que por lo que citas deja mucho que desear. Buena documentación fotográfica. Un abrazo y gracias por tu evaluación.
ResponderExcluirUm lamentável fim de carreira, Miguel Pina. É um filme muito triste, ainda mais para aqueles que conheceram a dupla no auge. Entretanto, apesar de tudo merece ser visto por nós, cinéfilos. É um momento muito particular e revelador da história do cinema.
ExcluirAbraços.
Essa vida, estranha vida...que fim triste para a dupla.
ResponderExcluirBjs, Eugenio.
Sim, Sandra. Para os que acompanharam a dupla, tão ágil em seu momento de auge, é um filme constrangedor. Stan e Laurel não mereciam este canto de cisne.
Excluironde acho ele dublado ?
ResponderExcluirFrancamente, não sei, Guga! No Youtube há algumas cópias, todas com som original e sem legendas. Ao menos é o que deduzo da busca de fiz. Quando vi o filme, há alguns anos, a fita em VHS tinha a opção dublada. Creio que você o encontrará nas lojas, em DVD ou em BR, com a opção dublada também disponível.
ExcluirAbraços.