Uma das realizações mais incensadas e premiadas do cinema
estadunidense dos anos 50 é A um passo da eternidade (From
here to eternity, 1953), de Fred Zinnemann. Será para sempre lembrada
pelo provocante e libidinoso beijo entre Karen Holmes (Deborah Kerr) e o Sargento
Milton Warden (Burt Lancaster). Também há o antológico e comovedor momento do
crepúsculo, quando o soldado Robert E. Lee Prewitt (Montgomery Clift) executa
ao clarim o Toque do silêncio em homenagem à memória do companheiro de
farda Angelo Maggio (Frank Sinatra). A produção resulta de concisa e eficaz
adaptação do alentado romance autobiográfico de James Jones pelo roteirista
Daniel Taradash. Conta uma história marcada por questões de consciência, responsabilidade
individual, convicções, escolhas e paradoxos. A ação se desenrola na zona de
influência do Campo Militar de Schofield em Honolulu, capital do Havaí, às
vésperas do fulminante ataque surpresa da Força Aérea do Japão à base naval de
Pearl Harbor. A um passo da eternidade teve realização marcada por atritos entre
Harry Cohn — truculento fundador e todo poderoso presidente da Columbia
Pictures — com o diretor. Não fossem as intermediações e intervenções do
produtor Buddy Adler e de Daniel Taradash em favor de Fred Zinnemann, não seria
o clássico indiscutível hoje conhecido e reverenciado. Os tensos bastidores das
filmagens são dignos de um documentário com pretensões investigativas,
inclusive para tentar desvendar os mistérios em torno da escolha do então
decadente cantor Frank Sinatra, execrado por Cohn, para o elenco. O
poderoso chefão (The godfather) — livro de Mario Puzo
e filme de Francis Ford Coppola — oferece para tanto uma explicação bancada
pela Máfia e banhada em muito sangue da cabeça decepada de um cavalo. Segue
apreciação escrita em 1980.
A um passo da
eternidade
From
here to eternity
Direção:
Fred
Zinnemann
Produção:
Buddy
Adler
Columbia
Pictures Corporation
EUA — 1953
Elenco:
Montgomery
Clift, Burt Lancaster, Deborah Kerr, Frank Sinatra, Donna Reed, Ernest Borgnine,
Arthur Keegan, Barbara Morrison, Tim Ryan, Merle Travis, John Dennis, Jack
Warden, Philip Ober, Mickey Saughnessy, Harry Bellaver e os não creditados Jean
Willes, Claude Akins, Robert Karns, Robert J. Wilke, John Bryant, Joan Shawlee,
Angela Stevens, Mary Carver, Vicki Bakken, Margaret Barstow, Delia Salvi,
Willis Bouchey, Alvin "Al" Sargent, William Lundmark, Weaver Levy,
Tyler McVey, George Reeves, Vicki Bakken, John L. Cason, Mack Chandler, John
Davis, Allen Pinson, Brick Sullivan, Carey Leverette, Carleton Young, Don
Dubbins, Douglas Henderson, Edward Laguna, Fay Roope, Freeman Lusk, Guy Way,
James Jones, Joe Roach, John D. Veitch, Joseph D. Sargent, Kristine Miller,
Louise Saraydar, Manny Klein, Moana Gleason, Norman Wayne, Patrick Miller, Robert
Healy, Robert Pike, Al Silvani, Elaine DuPont, Henry Beau, June Horne, Lars
Hensen, Norman Wright.
Bastidores de A um passo da eternidade Ernest Borgnine, caracterizado como o Sargento Judson, é orientado pelo diretor Fred Zinnemann |
A um passo da
eternidade está entre as mais laureadas realizações. Da Academia de
Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood conquistou oito Oscars nas
categorias de Filme, Ator Coadjuvante (Frank Sinatra), Atriz Coadjuvante (Donna
Reed), Direção[1],
Roteiro Adaptado, Fotografia em Preto e Branco, Som e Montagem. Arrebatou os
prêmios para Filme, Direção e Ator (Burt Lancaster) do Círculo de Críticos de Nova
York e os Globos de Ouro de Direção e Ator Coadjuvante (Frank Sinatra). Outras
distinções vieram do Writers Guild of America para o Roteiro e do Directors
Guild of America pela Direção Extraordinária em Cinema. Por fim, entre
outras condecorações, foi Hors concours
no Festival de Cannes de 1954 com o Prêmio Especial do Júri para Fred
Zinnemann.
Orçado em dois
mil e quatrocentos dólares, foi, por 23 anos, o filme de maior bilheteria da
Columbia. Atualmente o posto é ocupado por Contatos imediatos do terceiro grau
(Close
encounters of the third kind, 1977), de Steven Spielberg. O grande
público atraído por ocasião do lançamento obrigou sala exibidora de Nova York a
adotar expediente inédito e radical: sessões contínuas durante todo o dia,
solução prolongada durante semanas.
Os bastidores da
produção estão entre os mais tumultuados. Poucos acreditavam na possibilidade
de sucesso. Do começo ao fim o relacionamento de Fred Zinnemann com Harry Cohn,
big boss da Columbia, foi marcado por
atritos. O chefe não confiava na capacidade do diretor. Dele execrou e sabotou o
trabalho anterior: o sensível Cruel desengano (The
member of the wedding, 1952), fracasso de bilheteria confinado aos
programas duplos nas salas de pior categoria. Por isso, queria outro para tocar
o projeto. Sequer se importava com o fato de Zinnemann ter realizado o irretocável
Matar
ou morrer (High noon) um ano antes.
Felizmente, o
roteirista Daniel Taradash e o produtor Buddy Adler eram contrários a Cohn. Protegeram
Zinnemann de todos os ataques. Taradash ameaçou abandonar o projeto se ele fosse
dispensado. O diplomático Adler, por sua vez, intermediou as partes. Às vezes
recebia as pesadas broncas de Cohn. Também garantiu a integridade do filme:
devolveu-o a Zinnemann, que o remontou após a desastrada e devastadora edição
coordenada pela Columbia a mando do big
boss.
Zinneman venceu
quase todas as batalhas por A um passo da eternidade. Além de
permanecer à frente do projeto, lançou mão de locações autênticas e garantiu a
participação da maior parte dos atores desejados. Cohn pretendia filmar em
estúdios e ter outros nomes no elenco. Graças aos esforços do diretor, o drama
existencial ligeiramente crítico ao militarismo, extraído da novela de James
Jones, ganhou os contornos dos rostos de Burt Lancaster, Montgomery Clift e
Frank Sinatra. A associação é automática: o trio é imediatamente lembrado diante
de qualquer menção a A um passo da eternidade.
A única derrota
de Zinnemann se deu em torno de Julie Harris. Caberia à protagonista de Cruel
desengano o papel da dancing-girl
Alma “Lorene” Burke. Por causa da péssima carreira comercial desse filme, Cohn a
vetou e, nesse caso, nada o faria voltar atrás. Donna Reed a substituiu. Seus olhos
tristes serviram bem à composição da personagem.
A dançarina Alma 'Lorene' Burke (Donna Reed) e o soldado Robert E. Lee Prewitt (Montgomery Clift) |
Joan Crawford e
Rita Hayworth recusaram os convites para interpretar a frustrada Karen, esposa
do Capitão Dana Holmes (Ober). Os motivos da negativa de Hayworth não são
conhecidos. Quanto a Crawford, as razões são absolutamente fúteis: alegou
desapreço pelo figurino, logo após ser rechaçada na pretensão de ter, no
registro de imagens, um operador de câmera de sua inteira confiança. Felizmente,
Deborah Kerr entrou em cena com a pronta aprovação de Zinnemann, Taradash e
Adler. Cohn, voto vencido, considerava-a excessivamente britânica e
aristocrática para representar uma esposa infeliz e infiel.
Se dependesse de
Cohn, o papel de Robert E. Lee Prewitt seria de Aldo Ray ou John Derek, nunca
de Montgomery Clift. Este foi a mais que sensata opção de Zinnemann desde as
primeiras leituras do roteiro. Com Burt Lancaster — sempre preferido pelo trio
roteirista-diretor-produtor para viver o Sargento Milton Warden — aconteceu
algo parecido. O chefe queria Robert Mitchum ou Edmond O’Brien.
Porém, é na
escalação de Frank Sinatra que residem as maiores controvérsias e fofocas a
respeito de A um passo da eternidade. Na época, a carreira do cantor estava
por um fio. Suas cordas vocais, desde 1950, enfrentavam inexplicável
sangramento. Impedido de cantar, Sinatra procurou ficar em evidência na
carreira de ator, desenvolvida sem maiores compromissos desde a estreia nas
telas em Noites de rumba (Las Vegas night, 1941), de Ralphy
Murphy. A seguir, firmou parceria com Gene Kelly em musicais como Marujos
do amor (Anchors aweigh, 1945), de George Sidney, e Um dia em Nova York (On
the town, 1949), de Stanley Donen e Kelly. Em 1951 estrelou Ao
compasso da vida (Meet Danny Wilson), de Joseph
Pevney, como um personagem que logo lhe soaria familiar: um cantor auxiliado
por mafiosos na escalada ao sucesso.
O soldado Angelo Maggio, interpretado por Frank Sinatra |
Ao tomar
conhecimento do roteiro de A um passo da eternidade, Sinatra
moveu céus e terra para conseguir o papel de Angelo Maggio, reservado para Eli
Wallach. Começam aí os conflitos de informações. Não se sabe qual versão da
história é a verdadeira ou se fazem parte de um mesmo processo. Há quem diga que
Ava Gardner, esposa de Sinatra, implorou pessoalmente pelo marido junto a Harry
Cohn. Para outros, todos os esforços partiram do interessado. Algumas fontes
afirmam que Cohn não nutria a menor simpatia por Sinatra. Só cedeu às
insistências do cantor quando ficou evidente que Wallach não poderia
participar, pois estava comprometido em tempo quase integral com a peça O
caminho real, de Tennessee Williams, dirigida por Elia Kazan. Também há
quem alegue que Sinatra se tornou opção irresistível quando aceitou o reduzido salário
de 8 mil dólares, ninharia comparada aos 150 mil de Clift e 120 mil de
Lancaster. De todo modo, para muita gente boa, teria obtido o papel por obra e
graça da Máfia. A organização criminosa resolveu o impasse com métodos pouco
ortodoxos de convencimento. A história foi recontada em O poderoso chefão (The
godfather), livro de Mario Puzo e filme de Francis Ford Coppola levado
às telas em 1971: o intransigente produtor Jack Woltz (John Marley) não
pretendia reservar lugar no elenco de seu mais novo filme ao decadente cantor
Johnny Fontane (Al Martino). Até acordar ensopado pelo sangue de precioso
cavalo de estimação. Entre os lençóis encontra a cabeça do animal.
Seja qual for a
verdade, Sinatra deu conta do recado. O papel de Angelo Maggio lhe garantiu a volta
por cima. Ganhou merecidamente o Oscar[2]
por uma interpretação tocante, larga e arrebatadora. Daí em diante estaria
sempre em evidência.
Resolvido o problema das cordas vocais, firmou-se
definitivamente como The Voice. Em
1955, novamente cortejado pelo Oscar, foi indicado a Melhor Ator pelo
convincente desempenho de Frank Machine, carteador viciado em entorpecentes
injetáveis por O homem do braço de ouro (The man with the golden arm), de
Otto Preminger.
O roteiro é o
principal trunfo de A um passo da eternidade. Tem por base a extensa novela
autobiográfica de James Jones, com cerca de 800 páginas perpassadas por
linguagem forte e adulta. Muitas passagens, à época, foram consideradas infilmáveis
por problemas técnicos ou morais. Daniel Taradash reduziu o texto ao essencial.
Extraiu um roteiro de 161 páginas ao qual conferiu maior visibilidade aos
personagens principais: os soldados Prewitt e Maggio, o sargento Warden, as mulheres
Karen Holmes e Alma “Lorene” Burke. Infelizmente, não havia como ignorar as
interdições do Código de Produção e o puritanismo de amplos segmentos das
plateias estadunidenses. O realismo original foi amaciado. Diálogos e situações
passaram por filtro moralizador.
As personagens
femininas foram sensivelmente retocadas, principalmente na redução de suas aspirações
à independência. Tiveram ampliadas as pretensões por casamentos estáveis e
economicamente compensadores, exigências da censura e do American way of life. Karen, impedida de se realizar na
maternidade, conforma-se à situação de esposa infeliz. Tem quarto separado do
marido e, ainda assim, recusa vida nova ao lado do pouco ambicioso e acomodado amante
Sargento Warden. No livro, Karen tem um filho e está impossibilitada de
conceber outros. Infeliz no casamento, cultiva vida francamente desregrada e
manifesta a vontade de se estabelecer por conta própria, longe do Havaí. Alma
Burke, no filme, é apenas uma dancing-girl
necessitada de dinheiro e desejosa de contrair casamento com alguém que lhe dê
respeitabilidade e estabilidade. Manifesta os mesmos anseios nas páginas de
James Jones, mas ganha a vida como prostituta.
Pior foram as
concessões aos militares, preço a pagar pelas filmagens em locações — as
dependências do quartel no qual James Jones serviu durante a Segunda Guerra
Mundial. Buddy Adler, ex-oficial com boas relações nas forças armadas,
conseguiu a liberação das instalações. Em troca, a Divisão de Cinema do
Departamento de Defesa dos Estados Unidos exigiu alterações nas cenas que
punham em xeque a integridade do Exército. Tais passagens são evidentes. Soam
falsas aos olhos e inteligência do espectador: o Capitão Dana Holmes, algoz de
Prewitt, é afastado definitivamente do Exército. No romance, a punição é
acompanhada com a promoção a Major. O violento e sádico sargento
"Fatso" Judson (Borgnine) morre no filme pelas mãos de Prewitt. No
livro, sobrevive e é condecorado. Também não foram admitidas cenas reveladoras
do tratamento recebido na prisão pelo personagem interpretado por Frank Sinatra.
Apesar das
concessões, A um passo da eternidade causou impacto ao apresentar passagens
ousadas para a época. As plateias prendiam a respiração e ficavam no mais
completo silêncio diante das cenas da praia, com Karen Holmes e o Sargento
Warden. A ousadia chega ao ápice quando os dois, em trajes de banho, estirados
na areia e sob o impacto das ondas, trocam um dos beijos mais provocantes do
cinema. A tomada, de poucos segundos, dura o suficiente para se fixar nas
retinas e mentes dos espectadores. Para realizá-la, a produção gastou um dia
inteiro dentre os 41 despendidos na filmagem de todo o material. Tanto tempo,
provavelmente, deve ser creditado à natural e explicável inibição dos atores.
Hoje, uma das cenas antológicas do cinema pode parecer inocentemente angelical.
Ao espectador dos anos 50 não é menos picante o minúsculo short — mais parecido
a um atual bermudão de uso casual — vestido por Karen ao receber Warden em casa
e durante dia chuvoso. Vê-se também, por parcos segundos, os grandes olhos do
sargento mirando indiscretamente as pernas da esposa de Holmes.
No entanto, a
direção competente, o roteiro bem costurado e as excelentes interpretações não
incluem o filme na categoria de obra máxima, como pretendem os fãs mais
ardorosos. A passagem do tempo conduziu A um passo da eternidade ao seu
devido lugar. É um clássico, sem a menor dúvida. Está entre as realizações que
marcaram época. Essa reclassificação faz mais bem que mal ao trabalho de Fred Zinnemann.
Remove os atributos de obra inovadora e paradigmática que só lhe conferem ares
pretensiosos. É uma produção honesta, com história densa, muito bem contada e
cinematograficamente bem delineada segundo o academicismo tão bem representado
pelo diretor. Zinnemann é e sempre foi um excelente armador de histórias na
forma de imagens. Nunca ousou romper com a "cartilha" padronizada
pela linha de montagem hollywoodiana. Quando teve liberdade e ousadia para se
comunicar em linguagem mais pessoal e inventiva fez Matar ou morrer, uma peça
magistral. Entretanto, mesmo conformado aos limites do academicismo, sempre trouxe
à luz filmes maravilhosos como Perdidos na tormenta (The
search, 1948), Cruel desengano, Uma
cruz à beira do abismo (The nun's story, 1959), O
homem que não vendeu sua alma (A man for all seasons, 1966) e Júlia
(Julia,
1977).
A ação de A um
passo da eternidade acontece em 1941, no Campo Militar de Schofield,
Honolulu, capital do Havaí. Nada importante acontece no lugar. Na tela se
movimentam seres comuns, às voltas com pequenos dramas de ordem individual e
interesse reduzido. Em poucos meses os japoneses entrarão em cena. A base naval de Pearl
Harbor está nas proximidades. A narrativa termina sob o impacto do ataque
nipônico. Daí em diante tomará lugar um drama coletivo de maior escala e
visibilidade. Este, sim, fará sentido à História. Deixará para trás, apartadas
da memória, as questiúnculas menores até há pouco encenadas acerca dos dramas
pessoais vividos por seres anônimos.
O roteiro gira
basicamente em torno do cotidiano pouco atraente do Sargento Milton Warden e dos
praças Robert Prewitt e Angelo Maggio, bem como de Karen Holmes e Alma Burke. Levam
existências apagadas, restritas às questões amorosas, profissionais,
individuais e éticas.
O beijo que marcou época: Karen Holmes (Deborah Kerr) e o Sargento Milton Warden (Burt Lancaster) |
Warden, há muito
afastado da ação, manifesta conformismo às atividades burocráticas. É o faz
tudo do omisso Capitão Holmes. O oficial pensa somente na própria promoção.
Espera consegui-la pelo acúmulo de vitórias de sua unidade em torneios de
pugilismo restritos às forças armadas. As lutas, conforme acredita, geram
prestígio para o Exército. Ao egoísmo e irresponsabilidade de Holmes decorre a
infelicidade da esposa, a solitária Karen, por quem Warden é atraído. Os dois
ensaiam um romance, mas não conseguem conciliar os rumos que elegeram para suas
vidas.
A um passo da
eternidade trata exatamente disto: opções e predileções. Prewitt tem
as suas e se recusa a tergiversar com ordenações da consciência. Às
determinações maiores do comando e da corporação, contrapõe a autonomia individual.
Acredita piamente que um homem deve seguir o próprio destino se pretende ser
considerado como tal. Paradoxalmente, nada é mais grave para a instituição
militar. Esta não reconhece indivíduos e consciências, apenas cumpridores de
ordens. Prewitt ama o exército, tanto que se engajou por 30 anos. É ex-campeão
de boxe na categoria peso-médio. Chega a Schofield pressionado pela culpa por ter
provocado a cegueira de um amigo durante o treinamento. Depois disso, parou de
lutar. Porém, Holmes lhe facilitou a transferência atento à perícia demonstrada
no ringue. Diante da determinada recusa do cadete pelas lutas, tenta dobrá-lo de
todas as formas. Prewitt é escalado para os serviços mais duros e difíceis. Recebe
"tratamento especial" do grupo de sargentos boxeadores (Shaughnessy, Bellaver,
Reeves, Ryan e Dennis): provocações, ofensas, sabotagens, agressões, punições
arbitrárias e a proibição de tocar o clarim, instrumento que domina com rara
sensibilidade e perícia.
Prewitt extravasa
carência. Por isso, o papel só poderia ser de Montgomery Clift com sua expressão
reveladora da falta de tudo. Encontra alma gêmea em “Lorene” Burke, espécie de
“senhorita corações solitários” e dançarina do New Congress Club — local ao qual
todos os soldados acorrem em busca de companhia feminina. Ensaiam um romance. Porém,
à semelhança de Warden e Karen, não conseguem conciliar as opções de vida.
Angelo Maggio é o
melhor amigo de Prewitt. Alegre, expansivo, despreocupado, irresponsável e
temperamental, entra em choque com os rigores e métodos da hierarquia militar. Seu
comportamento ameaça o equilíbrio da instituição. É enquadrado exemplarmente, por
meios os mais truculentos e brutais. A sorte de Maggio é lançada quando fere a
susceptibilidade do sádico Sargento Judge, carcereiro da prisão à qual é
recolhido depois de desacatar, bêbado, dois policiais.
O sádico Sargento 'Fatso' Judson (Ernest Borgnine) |
Warden, Prewitt e
Maggio fizeram escolhas irrecusáveis e delas não abrem mão. Marcam encontro com
o destino escolhido pelas vidas solitárias que resolveram viver. Dos três,
Warden corre menos riscos. Conforme diz ao final, um homem deve saber jogar, não
apenas seguir de forma cega as determinações da consciência — como fizeram
Prewitt e Maggio. Estes nunca encontraram o ponto de equilíbrio. São jogadores
individuais. Diferentes de Warden, não conciliaram os apelos do individualismo
com os compromissos institucionais. Para eles o destino chega cedo demais.
Maggio morre vitimado pelas torturas recebidas na prisão. Enquanto sofria,
zombava da estupidez do algoz. Prewitt toma as dores do amigo e parte para a
vingança. Fere-se gravemente e busca abrigo na casa de Alma. Ainda fragilizado,
resolve se reapresentar ao ouvir a notícia do ataque japonês a Pearl Harbor.
Morre em consequência da própria teimosia, atingido pelo tiro da sentinela do
campo ao ignorar o pedido de identificação.
A tragédia
termina com Karen e Alma, por acaso juntas no convés do navio que as conduz ao
continente. Lançam os últimos olhares ao Havaí. Partem sozinhas, acompanhadas
unicamente pelas próprias frustrações, ao encontro dos destinos que escolheram
para cumprir. Karen, certamente, continua ligada a Holmes, agora desligado do
Exército após a punição por abuso de autoridade. Alma continua à espera de um
homem rico para conseguir respeitabilidade e segurança. Leva de lembrança o
bocal do clarim de Prewitt, dado por Warden. Não resiste à tentação de
descrever o companheiro morto para Karen. Inventa; transforma-o no tipo de homem
que sempre desejou.
Uma sequência
ficará para sempre na memória. Não é a da praia, entre Karen e Warden, mas a do
entardecer, quando Prewitt executa ao clarim o Toque do silêncio em
homenagem a Maggio. O som chega aos homens pesarosos nos alojamentos. “Aposto
que é Prewitt” — diz um deles. A melodia extasia a todos. Warden, no escritório
do comando, calmamente apaga a luz da escrivaninha e se levanta atraído pela
música. Prewitt, em primeiro plano, está tomado por lágrimas. É um momento
sublime, perfeitamente realizado. O som conjugado à iluminação, às imagens dos
soldados e à perspectiva dos ambientes comove a ponto de provocar arrepios.
Angelo Maggio (Frank Sinatra) morre amparado por Robert E. Lee Prewitt (Montgomery Clift) |
Também é digna de
nota a sequência com Warden e Prewitt bêbados e sentados à beira da estrada. Tratam
de assuntos simples e ao mesmo tempo complexos, como o amor. Maggio interrompe
a conversa ao surgir repentinamente, evadido da prisão e com o corpo dilacerado,
à beira da morte.
Prewitt (Montgomery Clift) toca o clarim em homenagem a Angelo Maggio (Frank Sinatra) |
A um passo da
eternidade poderia ter recebido outro Oscar: o de Melhor Ator para
Montgomery Clift. Apesar de indicado, perdeu contra todas as previsões para
William Holden por Inferno 17 (Stalag 17, 1953), de Billy Wilder.
O Sargento Milton Warden (Burt Lancaster) e Karen Holmes (Deborah Kerr) |
Na França, a
realização recebeu título horrível: Tant qu'il y aura des hommes —
"Enquanto houver homens", na tradução.
Roteiro: Daniel Taradash, com base na novela From
here to eternity, de James Jones. Costumes:
Jean Louis. Direção musical: Morris
Stoloff. Canção: Re-enlistment
blues, de James Jones, Fred Karger e Robert Wells. Música de fundo: George Dunning. Orquestração: Arthur Morton. Engenheiros
de som: Lord Cunningham, John P. Livadary. Supervisão de som: John P. Livadary. Penteados: Helen Hunt. Maquiagem:
Clay Campbell, Robert J. Schiffer (não creditado). Assistente de direção: Earl Bellamy. Decoração: Frank Tuttle. Direção
de fotografia (preto e branco): Burnett Guffey, Floyd Crosby (não
creditado). Direção de arte: Cary
Odell. Montagem: William A. Lyon. Consultor técnico: General de Brigada
Kendall J. Fielder. Instrutor de boxe:
Mushy Callahan (não creditado). Produção
de elenco: Maxwell Arnow (não creditado). Dublê: John L. Cason (não creditado). Fotografia de cena: Irving Lippman (não creditado). Operador de câmera: Val O'Malley (não
creditado). Joias: Joan Joseff (não
creditada). Consultoria musical em
música da Polinésia: Michael Goldsen (não creditado). Músico: Johnny Williams (percursão/não creditado). Publicidade (não creditada): Joe Hyams,
Walter Shenson. Reconhecimento à:
International Alliance of Theatrical Stage Employees (IATSE). Agradecimento especial ao: U. S. Army
(não creditado). Sistema de mixagem de
som: Estereofônico em três canais pela Western Electric Recording. Tempo de exibição: 118 minutos.
(José Eugenio Guimarães, 1980)
[1] Em 1966, por O homem que não vendeu sua alma
(A
man for all seasons), Fred Zinnemann recebeu o segundo Oscar por Melhor
Direção.
[2] Sinatra tinha certeza da
premiação. Sabia também que as chances seriam maiores se fosse indicado na
categoria de ator coadjuvante. Como tal, pediu para ser reconhecido.
Montgomery Clift, Burt Lancaster, Deborah Kerr, Frank Sinatra, Donna Reed vaya reparto querido Eugenio, a saber cuanto costaría hoy en día en dolares reunir a un elenco tan extraordinario de actores para una magnífica película. Me han gustado mucho todos los detalles que has dado de como se llevo a cabo por ejemplo la contratación de actores y si que sorprende que Rita Hayworth rechazara el proyecto o no fuera contratada. Y el mítico beso, otra de las secuencias para la historia de la cinematografía universal. También destacable el empeño de Frank Sinatra por participar. Un abrazo y gracias por tan esplendida reseña.
ResponderExcluirMesmo sabendo que não se trata de uma obra-prima como muitos gostariam que fosse, caro Miguel Pina, FROM HERE TO ETERNITY está entre aquele seleto e reduzido grupo de filmes aos quais oferecemos com todo o prazer os olhos para uma revisão sempre prazerosa. E, como você bem destacou, é elenco é um dos principais motivos.
ExcluirGracias.
Abraços e saludos