O filme é Missão: matar, produção brasileira
de 1972 com direção de Alberto Pieralisi. Está entre os títulos injustamente
olvidados do cinema nacional. Tenho nítidas lembranças das campanhas
publicitárias que precederam o lançamento. A produção, caprichada para os critérios
da época, foi fartamente anunciada em todas as mídias como "Um filme
brasileiro de padrão internacional". Missão: matar tem pretensões cosmopolitas.
Apesar de ambientado e filmado no Rio de Janeiro, poderia se passar em qualquer
grande centro urbano. Diferente de outros policiais do cinema brasileiro rodados
na capital do então estado da Guanabara, a "Cidade Maravilhosa" surge
apenas como passivo e despersonalizado pano de fundo a uma intriga sobre herança
que evolui para a tentativa de assassinato de personalidade estrangeira do
corpo diplomático. Tarcísio Meira, principal estrela das novelas da TV Globo,
vivia o auge de uma popularidade logo canalizada para o cinema. Interpreta José
da Silva, perspicaz detetive de elite da polícia brasileira com a missão de descobrir
e imobilizar o matador profissional Nácio Moreira Mendes (Luís de Lima). O
roteiro, adaptado às cores locais por João Bethencourt, é de autoria do estadunidense
Robert L. Fish e foi extraído de sua novela Always kill a stranger. Também
escreveu o livro do qual elaborou o roteiro de Bullitt, levado ao cinema
em 1968 por Peter Yates. Segue apreciação de 1974.
Missão: matar
Direção:
Alberto Pieralisi
Produção:
André Fodor
Taurus Filmes
Brasil — 1972
Elenco:
Tarcísio Meira, Luís de Lima, Yvonne
Buckingham, Rubens de Falco, Eva Christian, Marcello Aguinaga, Nádia Maria,
Allan Lima, Rodolpho Arena, Regério Fróes, Francisco da Silva, Luiz Ernesto,
Eunice Teixeira, Lícia Magna, Nydia de Paulo, Anna Maria Maranhão, Larry Carr,
John Mason, Condessa Antje Herald, Ewa Proctor, As Cigarras, Naila Graça Melo,
Sanin Cherques, Amauri Guariba.
O ator Tarcísio Meira no papel de João Coragem na novela da TV Globo Irmãos Coragem (1970) |
Apesar do formato
em tudo diferente, Missão: matar honra a vasta tradição do cinema policial brasileiro.
Pouco valorizado e referenciado, o gênero se afirma desde os anos 50. Em geral,
não trata apenas de crimes. Também faz a crônica das gritantes contradições da
vida urbana no país, principalmente nos grandes centros. É um cinema de
denúncia, nem sempre explícita — devido às vicissitudes políticas nacionais. Alguns
exemplos do filão: Dominó negro (1950), de Moacyr Fenelon; Amei um bicheiro (1952),
de Jorge Ileli e Paulo Wanderley; Na senda do crime (1954), de Famílio
Bollini Cerri; e Veneno (1954), de Gianni Pons, são, pelo que sei, marcos iniciais
de uma onda que se propagará com mais intensidade pela década seguinte, desde Cidade
ameaçada (1960), de Roberto Farias. A seguir vieram Mulheres
e milhões (1961), de Jorge Ileli; Assassinato em Copacabana (1962), de
Eurípides Ramos; Assalto ao trem pagador (1962), de Roberto Farias; Tocaia
no asfalto (1962), de Roberto Pires; Crime no Sacopã (1963),
de Roberto Pires; Boca de Ouro (1963), de Nelson Pereira dos Santos; A
morte por 500 milhões (1965), de Antonio Orellana; Paraíba, vida e morte de um
bandido (1966), de Victor Lima; Mineirinho vivo ou morto (1967), de
Aurélio Teixeira; Perpétuo contra o Esquadrão da Morte (1967), de Miguel Borges; A lei
do cão (1967), de Jece Valadão; O anjo assassino (1967), de Dionísio
Azevedo; O caso dos Irmãos Naves (1967), de Luís Sérgio Person; Máscara
da traição (1968), de Roberto Pires; Massacre no supermercado
(1968), de J. B. Tanko; Os viciados (1968), de Braz Chediak;
O
Bandido da Luz Vermelha (1968), de Rogério Sganzerla, Os
raptores (1968), de Aurélio Teixeira; Tempo de violência
(1969), de Hugo Kuznet; O matador profissional (1969), de
Jece Valadão; Sete homens vivos ou mortos (1969), de Leovigildo Cordeiro; Vida
e glória de um canalha (1969), de Alberto Salvá; Pedro Diabo ama Rosa Meia Noite
(1970), de Miguel Faria Jr.; e Nenê Bandalho (1971), de Emílio Fontana.
Quando do
lançamento, Missão: matar foi fartamente anunciado como "Um filme
brasileiro de padrões internacionais". Segundo as previsões, inauguraria
uma série de aventuras dedicadas ao detetive José da Silva, interpretado por
Tarcísio Meira. A carreira do ator estava no auge graças à visibilidade
conquistada em decorrência das novelas protagonizadas para a TV Globo,
principalmente A rosa rebelde (1969), na qual viveu o espanhol Sandro de
Aragon no contexto histórico das guerras napoleônicas; Irmãos Coragem (1970),
talvez seu maior sucesso, quando fez o garimpeiro João Coragem; logo seguida por
O
homem que deve morrer (1971), que lhe permitiu interpretar o misterioso
Ciro Valdez. Deu partida à carreira cinematográfica em 1963, no papel de Nestor
em Casinha
pequenina, veículo para Amácio Mazzaropi com direção de Glauco Mirko
Laurelli. Em 1966 foi coadjuvante no obscuro A desforra, de Gino
Palmisano. A partir de 1969 as presenças na tela grande ficaram mais constantes.
Meira estrelou Máscara da traição com a esposa Glória Menezes e Cláudio Marzo,
realização marcante para a época, merecedora de várias chamadas publicitárias
na TV. Atuou como matador profissional em Verão de fogo (OSS 117 prend des vacances,
1970), coprodução entre Itália, França e Brasil dirigida por Pierre Kalfon. Seguem-se
Quelé
do Pajeú (1970), de Anselmo Duarte; As confissões de Frei Abóbora
(1971), de Braz Chediak; Missão: matar; Independência ou morte
(1972), de Carlos Coimbra; e O marginal (1974), de Carlos Manga. Até
o momento, infelizmente, não vingaram outras aventuras cinematográficas centradas
no detetive José da Silva.
Tarcísio Meira como o policial brasileiro de elite José da Silva |
Em comparação às
demais tramas dos filmes policiais brasileiros, Missão: matar é único.
Percorre faixa inteiramente própria. O padrão é o de uma aventura de tons
cosmopolitas, ambientada nas áreas urbanas do Rio de Janeiro. A metrópole — com
sua exuberante paisagem natural e o conjunto formado pelo Aterro do Flamengo —
se oferece apenas como passivo pano de fundo a uma trama no mais das vezes
vibrante e bem urdida, envolvendo assassinato a soldo por problemas de herança
e com repercussões na área diplomática. A história poderia se passar em
qualquer país do mundo sem sofrer alterações de monta.
As origens da
história sequer são brasileiras. O diretor Alberto Pieralisi, responsável por
bem sucedida adaptação de obra homônima de Monteiro Lobato, O
comprador de fazendas (1951), assinou em 1970 duas comédias de
conotações eróticas com muito sucesso nas bilheterias: Memórias de um gigolô e O
enterro da cafetina. Para Missão: matar se apoiou em roteiro que
Robert L. Fish extraiu de sua novela Always kill a stranger. O material
foi adaptado por João Bethencourt às cores locais cariocas. Fish, sob a alcunha
de Robert L. Pike, também é autor de Mute witness, livro vertido para
cinema por Alan Trustman e Herry Kleiner. Resultou em Bullitt (Bullitt,
1968), de Peter Yates.
Tarcísio Meira dá
conta do recado como o sempre atento, perspicaz e tranquilo detetive José da
Silva, membro da elite policial brasileira. É um dos mais eficazes agentes da
Polícia Federal. Tem direito à vida boa permitida pela prática dos esportes marítimos,
condução de carros esportivos do último tipo, cerco de belas mulheres e
residência segundo os padrões da granfinagem. É praticamente um cruzamento de
James Bond com Frank Bullitt. Desconfia que um assassino profissional
brasileiro, foragido no exterior, viaja em cargueiro prestes a atracar no Rio
de Janeiro. Avistou-o rapidamente, na amurada da embarcação, quando praticava
esqui aquático no litoral carioca. De início, gravou-lhe apenas a fisionomia,
ponto de partida a um retrato falado. Após algumas reviravoltas provocadas por
motivos meramente circunstanciais, Silva descobre a identidade do notório Nácio
Moreira Mendes (Lima). Apesar de o navio ter alterado o curso para Salvador,
por ordem da Capitânia dos Portos, o assassino executou manobra médica que
exigiu sua urgente remoção por helicóptero para a cidade mais próxima: o Rio de
Janeiro. Aí recebe do advogado Sebastião Pinheiro (Aguinaga) a incumbência de
se passar por Dr. Carvalho, médico hospedado no Hotel Serrador, de frente para o
Monumento ao Soldado Desconhecido no Aterro do Flamengo. Deverá, no prazo de
uma semana, assassinar do quarto que ocupa, com fuzil de mira automática, o
diplomata argentino Juan Dorcas (de Falco) durante solenidade de abertura de reunião
da Organização dos Estados Americanos (OEA).
O assassino profissional Nácio Moreira Mendes (Luís de Lima) |
Sebastião Pinheiro (Marcello Aguinaga) e a amante Iracema Freire Campos (Yvonne Buckingham) |
Nácio Moreira Mendes (Luís de Lima) no disfarce de Dr. Carvalho |
Já informado da
presença de Nácio Moreira Mendes no Rio de Janeiro, José da Silva — após
sucessivos cruzamentos de informações — consegue associá-lo à reunião da OEA e
à missão para o qual foi contratado. As investigações do detetive valorizam
acima de tudo a inteligência com o mínimo de dispêndio da ação física. Ponto
para o diretor Alberto Pieralisi, por prender adequadamente a atenção do
espectador tão somente com diálogos e narrativa pausada. Em apoio a José da
Silva chega ao Brasil o investigador Wilson (Carr), dos serviços de inteligência
dos Estados Unidos. É praticamente uma espécie de Felix Leiter, agente da CIA e
amigo de James Bond, interpretado por diferentes atores nos filmes sobre as
peripécias do espião inglês do MI6. Juntos, Silva e Wilson tentam descobrir o
paradeiro de Mendes e tomam providências para garantir segurança aos
representantes da OEA, principalmente ao diplomata argentino.
Os momentos à
liberação da ação física ficam restritos praticamente ao final, quando da
descoberta de Nácio e da perseguição automobilística que lhe move José da Silva
pelas ruas do Rio de Janeiro. Percebe-se, nestes momentos, a intenção de
reeditar sequências idênticas às de Bullitt, o que de certa forma foi
conseguido — apesar das limitações técnicas.
Wilson (Larry Carr), agente dos serviços de inteligência dos EUA |
Iracema Freire Campos (Yvonne Buckingham) |
A telefonista Moema (Nádia Maria) |
Os detetives Ramos (Rogério Froés), José da Silva (Tarcísio Meira) e o agente estadunidense Wilson (Larry Carr) |
O filme ganharia
mais fluidez se alguns personagens excessivamente estereotipados e totalmente
desnecessários fossem riscados pela edição, principalmente a atirada telefonista
Moema (Nádia Maria) no inútil esforço de se passar por engraçada como se fosse uma
espécie de Eve Moneypenny (Louis Maxwell), secretária de M (Bernard Lee) —
chefe de James Bond (Sean Connery e Roger Moore) no MI6. Lícia Magna, no papel
de inconveniente e inacreditável camareira do hotel, também merecia o chão da
sala de corte, pois só atrapalhou o desenvolvimento de uma sequência marcada
pela tensão. Entretanto, rendeu muito bem a participação da inglesa Yvonne
Buckingham como Iracema Freire Campos, amante do advogado Sebastião Pinheiro e complemento
ao disfarce de Nácio ao se passar por esposa do Dr. Carvalho no Hotel Serrador.
Em geral, é um filme que flui agradavelmente. Tem o mérito de prender o
interesse com longas sequências de atmosfera que servem simplesmente ao alongamento
da história, no entanto firmadas na boa interação dos atores com a paisagem
urbana. Neste ponto, destacam-se acima de tudo os momentos nos quais o Dr.
Carvalho deixa o hotel para espairecer e conferir autenticidade ao disfarce,
misturado aos populares e também ao ostensivo aparato policial que percorre as
ruas em busca do assassino.
Produção executiva: André Fodor. Assistente
de direção: John Procter, Rubens de Azevedo. Gerente de produção: Sanin Cherques. Roteiro: Robert L. Fish, baseado em sua novela Always kill a stranger,
adaptada por João Bethencourt. Diálogos:
João Bethencourt. Direção de fotografia
(Eastmancolor): José Rosa. Cenografia:
Emeric Lanyi. Vestuário: Natália
Alves. Montagem: Raymundo Higino. Música, direção musical e arranjos:
Guto Graça Mello. Assistentes de
produção: Hélio de Oliveira, Yeda Rocha, Geraldo Gonzaga, Guido Cavour. Som: Juarez Dagoberto Costa. Victor
Raposeiro, José Tavares. Assistência de
câmera: José Assis de Araujo Dutra. Fotografia
de cena: José Rosa, Kazmer Takács. Eletricista-chefe:
Antenor da Silva Souza. Eletricistas:
Ulisses Moura, Ademar Silva. Maquinista:
Waldir Monteiro de Souza. Assistente de
montagem: Ronaldo Marques. Créditos:
Embrafilme, Líder. Cabelereiro: Célia
Armand. Maquiagem: Josefina de Oliveira.
Tempo de exibição: 92 minutos.
(José Eugenio Guimarães, 1974)
Puxa! Eu ainda nem tinha nascido! Só conheço o Tarcísio Meira.
ResponderExcluirAbraços.
Hehehehe!, Marcelle! Você é muito nova. Eu estava, em 1972 - quando o filme foi feito - com 16 anos. Dois anos depois tive a oportunidade de assisti-lo.
ExcluirAbraços.
Estupendo Eugenio, no puedo opinar demasiado pues no conozco el cine brasileño en profundidad, pero la película ha despertado mi interés.
ResponderExcluirCon la lista de películas brasileñas que has redactado, también he aprendido algunos títulos que desconocía.
Un abrazo y gracias.
Olá, Miguel!
ExcluirEste filme pode ser visto no Youtube. Porém, para quem não fala o português, é pouco recomendável. O som está muito baixo e o estado geral da imagem não é dos melhores. Em todo caso, é este o link: https://www.youtube.com/watch?v=gn2uIa9kAnA.
Gracias e saludos.
Outro filme raríssimo do diretor Pieralisi é O 5° poder cuja única cópia pode ser assistida @ https://www.youtube.com/watch?v=amcp7zgJHyw&t=451s. Caso gostem do galã Tarcísio Meira em ação , assistam o filme ,dirigido por Roberto Pires, "Máscara da traição" (1969) @ https://www.youtube.com/watch?v=2HDJhZK_mFE.
ResponderExcluirInteresante reseña, saludos desde Argentina.
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