Antes de tudo há a canção interpretada por Louis Armstrong
desde a década de 30. Emprestou o título a um dos mais notórios filmes
estadunidenses dos anos 40, quando passou a enriquecer o repertório de Frank
Sinatra, Ella Fitzgerald, Billie Holiday, Sarah Vaughn etc. Trata-se de Corpo
e alma (Body and soul, 1947), segundo exercício na direção de Robert
Rossen. O promissor cineasta ganhou triste reputação quando delatou 57 supostos
simpatizantes e militantes do Partido Comunista ao Comitê de Investigação de
Atividades Antiamericanas. Quantidade significativa de membros do elenco e da
equipe técnica também foi convocada pelos inquisidores. Ao que se sabe, todos
suportaram a pressão para colaborar com as investigações pelo ignominioso
mecanismo da delação. A atriz Anne Revere e o roteirista Abraham Polonsky
tiveram as carreiras no cinema praticamente abortadas. Os conhecidos ativistas
das causas sociais, os atores Canada Lee e John Garfield, não suportaram a
pressão e foram fulminados por ataques cardíacos nas respectivas idades de 45 e
39 anos. Corpo e alma é uma das mais realistas peças cinematográficas de
seu tempo. É a primeira a desvendar com sobriedade os bastidores tingidos por
corrupção e violência de um dos mais valorizados esportes dos EUA: o boxe.
Forneceu linha e compasso às principais realizações sobre o tema: Punhos
de campeão (The set-up, 1949), de Robert Wise; O invencível (Champion,
1949), de Mark Robson; Marcado pela sarjeta (Somebody
up there likes me, 1956), de Robert Wise; A trágica farsa (They
harder they fall, 1956), de Mark Robson; Rocky, um lutador (Rocky,
1976), de John G. Avildsen; e, notadamente, O Touro Indomável (Raging
Bull, 1980), de Martin Scorsese. A realização acompanha, ao longo de
dinâmicos e precisos 104 minutos, a ascensão do moralmente frágil lutador
Charley Davis (John Garfield). O sucesso logo chama a atenção de mafiosos que lhe
roubam a alma, a carreira e a administração da própria vida. Segue apreciação
escrita em 1993.
Corpo e alma
Body and soul
Direção:
Robert Rossen
Produção:
Bob Roberts
Enterprise Productions, United
Artists
EUA — 1947
Elenco:
John Garfield, Lilli Palmer, Hazel
Brooks, Anne Revere, William Conrad, Joseph Pevney, Lloyd "Goff"
Gough, Canada Lee e os não creditados Larry Anzalone, Al Bain, Steve Benton,
Eddie Borden, Paul Bradley, James Burke, George M. Carleton, James Carlisle,
Wheaton Chambers, Mary Currier, Sayre Dearing, Joe Devlin, Artie Dorrell, Al
Eben, Ceferino García, Herschel Graham, Joe Gray, Virginia Gregg, Stuart Hall,
John Indrisano, Sheldon Jett, Milton Kibbee, Mike Lally, Glen Lee, Theodore
Lorch, Wilbur Mack, George Magrill, Pat McKee, Sid Melton, Harold Miller,
Forbes Murray, William H. O'Brien, Charles Perry, Paul Power, Mike Ragan, Bob
Reeves, Frank Riggi, Cyril Ring, Shimen Ruskin, Tim Ryan, Art Smith, Larry
Steers, Bert Stevens, Dan Tobey, Sid Troy, George Tyne, Sailor Vincent, Peter
Virgo, John Wald, Ulysses Williams.
Uma carreira marcada pela delação: o diretor Robert Rossen |
O atualmente
esquecido Corpo e alma está entre os mais notórios títulos da produção
cinematográfica estadunidense dos anos 40. Referencial, fornece linha e
compasso a vários filmes centrados em dramas do boxe. A obra mestra O
Touro Indomável (Raging Bull, 1980), segundo admitiu
o próprio diretor Martin Scorsese, é claramente influenciada pela realização de
inspiração faustiana extraída por Robert Rossen do roteiro original de Abraham
Polonsky, principalmente na execução realista das tomadas no ring e da ambientação sombria e corrupta
em torno dos embates, determinante à trajetória dos personagens. Também marcou Punhos
de campeão (The set-up, 1949), de Robert Wise; O invencível (Champion,
1949), de Mark Robson; Marcado pela sarjeta (Somebody
up there likes me, 1956), de Robert Wise; A trágica farsa (They
harder they fall, 1956), de Mark Robson; e, inclusive, Rocky,
um lutador (Rocky, 1976), de John G. Avildsen.
Corpo e alma é o primeiro
filme a se abrir às práticas corruptas no boxe, praticadas notadamente por
mafiosos. O pugilista, à medida que inicia a escalada rumo ao topo, chama a
atenção de apostadores e monopolizadores dos bastidores das atividades e
carreiras. Logo se torna um joguete manipulado por gângsters que controlam
patrocínios, salários, contratos e promoções. Submetido às cruéis engrenagens do
esporte — inúmeras vezes considerado a mais perfeita metáfora do sonho
americano graças à ilusão que converte o boxeador em indivíduo singular,
apoiado apenas em seu caráter e força de vontade para ascender socialmente após
o difícil começo nas camadas economicamente mais desfavorecidas —, o boxeador termina
restringindo a vida às entranhas do pesadelo.
Outras
singularidades fazem Corpo e alma obra referencial, a
partir de antecedentes originados nos anos 30. É dessa década a melodia que se
tornou marca registrada da realização, de autoria dos compositores Johnny
Green, Edward Heyman e Robert Sour. Mereceu as primeiras interpretações por
Louis Armstrong. Após 1947 foi incorporada aos repertórios de Frank Sinatra,
Ella Fitzgerald, Billie Holiday, Sarah Vaughn e inúmeros outros.
Dois atores de Corpo
e alma, com passagens pelo pugilato, também se lançaram à atuação nos
anos 30: Canadá Lee e John Garfield.
Carreiras truncadas pela perseguição macartista: Canada Lee, intérprete de Ben Chaplin, e John Garfield no papel Charley Davis |
Garfield estreou
no cinema em Quatro filhas (Four daughters, 1938), de Michael Curtiz.
Sempre foi reconhecido por se posicionar abertamente em favor das causas
sociais consideradas polêmicas, principalmente dos negros destituídos de
direitos com os quais era frequentemente visto. Marcou presença em filmes
engajados: Tornaram-me um criminoso (They made me a criminal, 1939), de
Busby Berkeley; Juarez (Juarez, 1939), de William Dieterle; Cruel
é o meu destino (Dust be my destiny, 1939), de Lewis
Seiler; e, entre outros, o ousado melodrama noir
O
destino bate à porta (The postman always rings twice,
1946), de Tay Garnett. Manteve-se à esquerda após Corpo e alma com A luz
é para todos (Gentleman's agreement, 1947), de
Elia Kazan; Resgate de sangue (We were strangers, 1949) — a mais
obscura realização de John Huston, praticamente um prenúncio da revolução
cubana —; e Por amor também se mata (He ran all the way, 1941), de John
Berry.
O negro Canadá
Lee fez carreira no boxe de 1926 a 1933, na categoria peso-pesado. Entrou para
o teatro ao perder a capacidade física para lutar. Em 1936 atuou na célebre
montagem de Orson Welles para Macbeth, de William Shakespeare, totalmente
interpretada por elenco negro. Militante da causa pela ampliação dos direitos
civis, teve rápida passagem pelo cinema, restrita a quatro filmes além de Corpo
e alma: Keep punching (1939), de John Klein; Um barco e nove destinos
(Lifeboat,
1944), de Alfred Hitchcock; Fronteiras perdidas (Lost
boundaries, 1949), de Alfred L. Werker; e Os deserdados (Cry,
the beloved country, 1951), de Zoltan Korda.
Em Corpo
e alma Garfield é o boxeador Charley Davis. Lee compõe o campeão Ben
Chaplin, apeado do posto depois de muito explorado pela máfia do boxe. Davis é
judeu remediado egresso dos bairros pobres de Nova York. De vocabulário
limitado, optou pelo esporte para ajudar a mãe, após perder o pai em atentado. Aparentemente
é a imagem do self made man, não
fossem alguns fatores mais que circunstanciais. Porém, a grande surpresa do
filme, considerada a época da realização, é o papel interpretado por Lee. Apesar
de negro, Chaplin não é reduzido a estereótipo como era comum na época. Circula
entre os brancos; é tratado como igual. Em momento algum é admoestado pela cor.
É um dos personagens mais dignos do filme. Devido às contingências, torna-se
treinador de Charley Davis — que o derrotou —, para quem cumpre o papel de boa
consciência.
Acima e abaixo: o pugilista Charley Davis (John Garfield) |
Lee e Garfield
terão as carreiras tragicamente abreviadas em 1952, vitimados por fatais
ataques cardíacos quando contavam, respectivamente, com 45 e 39 anos. Devido ao
ativismo social, entraram na alça de mira do Comitê de Investigação de Atividades
Antiamericanas ― o macartismo. Suportaram as perseguições, mas ao preço da debilitação
física e psicológica. Com eles, significativa parte do elenco e da equipe de
realização de Corpo e alma foi convocada a depor e, logicamente, a colaborar
com o Comitê: o roteirista Abraham Polonsky, o diretor Robert Rossen, o
produtor Bob Roberts, o diretor de fotografia James Wong Howe e os atores Anne
Revere, Lloyd Gough, Joseph Pevney, Art Smith e Shimen Ruskin. À exceção de um,
todos suportaram o peso das arbitrariedades dos inquisidores apoiados pelo FBI.
Não se prestaram ao indigno papel de delatores e, por isso, tiveram as
carreiras prejudicadas.
Anne Revere,
responsável pelo papel de Anna Davis em Corpo e alma — mãe de Charley Davis
e símbolo da genitora no cinema estadunidense ao longo das décadas de 30 e 40—
ainda atuaria em oito filmes até 1951, quando se tornou blacklisted. Só voltou a interpretar em 1956, mesmo assim para
séries de TV. Retornou ao cinema em 1970, em Macho Callahan (Macho
Callahan), de Bernard L. Kowalsky, e Dize-me que me amas (Tell
me that you love me, Junie Moon), de Otto Preminger. Faleceu em 1990,
aos 87 anos.
A blacklisted Anne Revere no papel de Anna Davis, mãe do pugilista Charley Davis (John Garfield) |
Abraham Polonsky estreou
como roteirista em Corpo e alma e se lançou na direção em 1948 com o promissor noir A força do mal (Force
of evil). Membro do Partido Comunista desde a década de 30, entrou para
a lista negra em 1951. Daí a 1969, sobreviveu basicamente como roteirista de TV.
Em 1957 fez a direção não creditada de Oedipux rex, de Tyrone Guthrie.
Dirigiu Romance de um ladrão de cavalos (Romansa konjokradice) em
1971 e faleceu aos 88 anos em 1999.
Infelizmente, o
diretor Robert Rossen roeu a corda da dignidade. Roteirista dos marcantes Heróis
esquecidos (The roaring twenties, 1939), de Raoul Walsh, Um
passeio ao sol (A walk in the sun, 1945), de Lewis
Milestone, entre outros, foi filiado ao Partido Comunista de 1937 a 1947.
Estreou na direção com Dama, valete e rei (Johnny
O'Clock), feito no mesmo ano de Corpo e alma. Ainda realizaria o
corajoso A grande ilusão (All the king's men, 1949), quando
passou a ser investigado pelo Comitê. Em 1951 dirigiu Touros bravos (The
brave bulls) e se tornou blacklisted.
Não suportou o peso do ostracismo. Após dois anos resolveu colaborar. Delatou 57
pessoas suspeitas de associação ou simpatia ao Partido Comunista e pode retomar
a carreira de cineasta. Morreu aos 57 anos, em 1966, três anos depois de
dirigir o praticamente impecável Desafio à corrupção (The
hustler, 1961).
Corpo e alma recebeu na
corrida ao Oscar de 1948 o prêmio de Melhor Montagem (Francis D. Lyon e Robert
Parrish), além de indicações a Melhor Ator para John Garfield e Melhor Roteiro.
Do Círculo de Críticos de Nova York, em 1947, Garfield ficou na segunda posição
dentre os indicados a Melhor Interpretação Masculina.
Charley Davis é,
ao que se sabe, inspirado em personagens reais. De início, Corpo e alma seria a
biografia do tricampeão de boxe Barney Ross. Porém, este confessou publicamente
o vício em morfina decorrente do tratamento de graves ferimentos conseguidos
durante a Segunda Guerra Mundial. Diante disso, por temer consequências
negativas para a bilheteria, a Enterprise Productions transformou a história em ficção. Essa
alternativa levou Ross a abrir processo judicial contra a companhia, ação que
lhe rendeu a indenização de 60 mil dólares. No entanto, o papel do protagonista
também pode estar calcado na carreira de Benjamin Leiner, mais conhecido por
Benny Leonard, campeão dos pesos leves da década 20. Charley Davis é o primeiro
papel de John Garfield como ator independente, após toda uma carreira
contratado pela Warner Brothers.
Charley Davis (John Garfield) é acossado por dilemas de consciência |
A direção,
afinada com o roteiro, embala a realização em leve atmosfera noir, condizente com o tema e a
ambientação. A conotação faustiana decorre do frágil código moral de Charley
Davis. Após as primeiras vitórias, conduz a carreira em crescente e descuidada busca
pelo sucesso e dinheiro, do qual significativa parte é usufruída por terceiros
que o manobram, impondo-lhe a quase completa derrocada moral. A narrativa se ordena
como conjunto de orgânicos flashbacks
desde a abertura. Davis, campeão mundial, está na véspera da decisiva disputa
pelo título e pela honra. Roberts (Gough), especulador que o controla, obriga-o
a entregar a luta ao adversário em troca de polpuda compensação financeira. Além
disso, incomoda-o a recente morte do amigo e treinador Ben Chaplin, decorrente
de sequelas agravadas no ring.
Impossibilitado de dormir, abandona o campo de treinamento em busca de apoio
moral e expiação às culpas acumuladas. A mãe e a namorada Peg (Palmer) o
recebem friamente. Tenta consolo com Alice (Brooks), interesseira cantora de
cabaré e amante do agente Quinn (Conrad). A população em geral ainda o
idolatra, principalmente os mais pobres que o viram ascender na carreira. Nele
apostam as parcas economias, ampliando-lhe o dilema moral. Charley rememora os
dramáticos momentos da morte do pai (Art Smith), a decisiva amizade com Shorty
Polaski (Pevney), o namoro com a culta e cosmopolita Peg, o começo da carreira
sob a chancela de Quinn, a ascensão meteórica, a inevitável entrada em cena do
manipulador Roberts, a fatídica luta pelo título com Ben Chaplin, a trágica
morte de Shorty, a perda da própria alma e os antecedentes do novo combate pelo
campeonato mundial com o provocador Jack Marlowe (Dorrell, não creditado).
A namorada de Charley Davis, Peg, é interpretada por Lili Palmer |
O filme tem
muitas qualidades. Uma das principais é a interpretação de Garfield. Vive um
sujeito aparentemente decente apanhado na armadilha do sucesso rápido e do
dinheiro fácil. Sobre isso Robert Rossen conduz a direção para obter o que
sempre soube fazer de melhor: extrair composições sólidas de personagens
frágeis no caráter, cujas escolhas acarretam em sofrimento pessoal e para
terceiros. O filme estampa a luta de um homem perdido na selva de trilhos
tortuosos que não domina. Apesar de tudo, é um tipo que não se quebra, como uma
força da natureza. Terá a oportunidade de se provar e revelar o valor que ainda
possui. Corpo e alma, drama pontuado de conotações morais, é mais que
um mero filme de boxe. Garfield interpreta um personagem crível, esculpido pela
dubiedade, obrigado a fazer escolhas nem sempre as mais socialmente acertadas.
Vacila constantemente à medida que o filme avança. Ao contrário da maioria dos
dramas hollywoodianos do período, não é um filme chapado, preto no branco, o
que também justifica a filiação noir.
O atormentado
Charley Davis é, provavelmente, o melhor papel da carreira de Garfield. O ator
oferece uma interpretação nuançada, que lhe valeu a segunda indicação ao Oscar[1].
É o títere que se julga esperto, no controle das situações, até se ver
afetivamente sozinho e destituído de todos os apoios. Percebe que jamais terá
paz enquanto não retomar o controle sobre a própria vida e em circunstâncias consideradas
decentes, custe o que custar. O embate final com Marlowe, combinado para ser uma
marmelada, chega a transmitir a sensação de entrega do personagem às variáveis
intervenientes durante o desenrolar de longos 15 assaltos que também funcionam como
estações de prestação de contas com a consciência diante de uma plateia desconfiada
e impaciente. Termina por romper o acordo imoral e vence a contenda, em honra
de si próprio, da mãe, de Peg e dos sacrifícios que custaram as vidas de Ben e
Shorty. Sabe que a ousadia foi arriscada. Porém, adianta corajosamente para
Roberts: "O que vai fazer comigo? Irá me matar? Ora, todo mundo
morre".
Abraham Polonsky,
habituado às observações do cotidiano e aos jargões presentes no vocabulário
das camadas sociais mais pobres, necessitadas de constante trabalho para viver,
escreveu um roteiro cortante, preciso e conciso. Tudo flui com dinamismo e autenticidade,
ainda mais quando o foco é desviado para os dilemas do protagonista num cenário
em que imperam a natureza fria e gananciosa das apostas, do dinheiro e dos
acordos de bastidores.
Apesar de ser um
filme sobre o boxe, não há tantas lutas assim. De início, são bastante
resumidas. O que vale é a vida que germina fora das cordas. Porém, há dois
combates captados com cruel e inédito realismo. O primeiro, quando Charley
Davis se bate com Ben Chaplin pelo título de campeão mundial. Não o informaram
que o adversário sofria de grave coágulo no cérebro. Os golpes desferidos por
Davis, em primeiro plano, miram praticamente a cabeça do oponente. O sangue e o
inchaço no rosto de Chaplin são plenamente visíveis. Pela primeira vez o
caráter selvagem do pugilato é exibido sem retoques, distanciamento e meios-tons.
O operador James Wong Howe utilizou câmeras na mão enquanto se movimentava sobre
patins para cobrir o ring e os
movimentos da contenda de ponta a ponta, muitas vezes sem solução de
continuidade. Luzes claras e intensas pairam sobre a objetiva e conferem um
dado cirúrgico à encenação devido à fotografia de alto contraste conseguida. Logo
se evidencia de onde veio a inspiração para a devassa do ring por Martin Scorsese
e o diretor de fotografia Michael Chapman em O Touro Indomável.
Porém, a tensão
em crescendo se apresenta na luta decisiva, perto do epílogo. Começa friamente.
Porém, a consciência de Charley Davis está em processo de prestação de contas
com ele mesmo enquanto os assaltos evoluem até o último regularmente permitido.
A inquietação do público se une ao estado de vigília dos apoiadores próximos ao
ring e aos golpes no centro do palco,
que vão aumentando de intensidade. Há a sensação de que James Wong Howe filma uma
batalha em progressão segundo o clima dos mais dinâmicos noticiários. Marlowe
sente que há algo de errado e o resultado em seu favor não será cavado tão
facilmente, o que se confirma no decisivo e último round quando Charley Davis avança embebido em fúria e adrenalina.
Os cortes curtos, da montagem de Francis D. Lyon e Robert Parrish, transformam
a disputa em sucessão de frenéticos instantâneos. Merecidamente fizeram jus ao
Oscar da categoria. É uma das edições mais bem acabadas do cinema.
Peg (Lili Palmer) e Charley Davis (John Garfield) |
A participação de
Lili Palmer merece comentário à parte, pois é algo que bem reflete as bases
morais do puritanismo da terra do Tio Sam. A personagem Peg é pintora, solteira
e mora em apartamento que divide com uma amiga escultora. Evidentemente, não
poderia ser uma estadunidense da gema. Mulheres do país, até então, não viveriam
dessa forma, tão livre e supostamente desregrada. A saída do roteiro, como
acontecia em muitos filmes da época, foi a de atribuir origem ou influência
francesa à garota. A atriz, geralmente desvalorizada, está bem como mais um
anjo ou boa consciência de Charley. Ama o lutador pelo que é, sem maiores
considerações por dinheiro e origens. Somente a debilidade moral do parceiro
perturba a relação.
Anne Revere está
no melhor do território ao qual o cinema estadunidense a relegou. É mais uma
vez A MÃE vivida com muita garra e personalidade.
Impressão muito
boa também causa o desempenho de Joseph Pevney como o intenso, otimista, leal e
correto Shorty. Atuou em apenas seis filmes de 1946 a 1950, dentre os quais A rua
sem nome (The street with no name, 1948), de William Keighley, e Mercado
de ladrões (Thieve's highway, 1949), de Jules Dassin. A partir de 1950 se
lançou na direção de cinema e TV. Nesta atividade, encerrada em 1985, ostenta
filmografia das mais extensas, que o creditam como realizador de 91 filmes e
séries[2].
Corpo e alma foi refilmado em
1981 por George Bowers. Manteve os títulos original e brasileiro.
Roteiro: Abraham Polonsky. Direção de fotografia (preto-e-branco): James Wong Howe. Música: Hugo Friedhofer. Canção: Body and soul, música de
Johnny Green, letra de Edward Heyman, Robert Sour, Frank Eyton. Planejamento de guarda-roupa: Marion
Herwood Keyes. Supervisão de montagem: Francis
D. Lyon. Montagem: Robert Parrish. Direção de montagem: Gunther V.
Fritsch. Assistente de direção:
Robert Aldrich. Letras das canções:
Frank Eyton, Johnny Green, Edward Heyman, Robert Sour. Direção de arte: Nathan Juran. Decoração:
Edward J. Boyle. Engenheiro de som:
Frank Webster. Direção musical: Emil
Newman, Rudolph Polk. Gerente de
produção executiva: Joseph C. Gilpin. Maquiagem:
Gustaf M. Norin. Gravação de som:
Sound Services Inc. Fotografia de cena:
Durward Graybill (não creditado). Assistente
de montagem: Michael Luciano (não creditado). Orquestração (não creditada): Gil Grau, Jerome Moross. Instrutor de boxe: John Indrisano (não
creditado). Instrutor de diálogos:
Don Weis (não creditado). Continuidade:
Don Weis (não creditado). Estúdio de
mixagem de som: Western Electric Recording. Tempo de exibição: 104 minutos.
(José Eugenio Guimarães, 1993)
[1] Perdeu para Ronald Colman por Fatalidade (A
double life, 1947), de George Cukor. A primeira indicação ao Oscar
aconteceu em 1939, como ator coadjuvante por Quatro filhas (Four
daughters, 1938), de Michael Curtiz. Nessa ocasião, o vencedor foi
Walter Brennan em Romance do Sul (Kentucky, 1938), de David Butler.
Hola Eugenio.
ResponderExcluirLa verdad es que las películas de boxeo a pesar del inicial rechazo de muchos espectadores han dado grandes obras al cine, supongo que Toro Salvaje sea la mejor de ellas.
No conocía la película de la que nos hablas hoy, y supongo que como yo algunos aficionados al cine.
Eso le da un valor añadido a tu blog, pues rescata películas para que no caigan en el olvido.
Aunque a veces siento la inseguridad de que internet algún día colapse y puedan borrarse muchos documentos.
Supongo que sería una sensación parecida a los escritos que permanecen en bibliotecas y por causas de un incendio desaparezcan.
Volviendo a Cuerpo y Alma, me has despertado el interés por verla y disfrutar de esta combinación de deporte y cine negro.
Un abrazo, obrigado.
Miguel,
ExcluirIsto a que se referiu, de um possível colapso da Internet num futuro não muito distante, também me preocupa. Internet, apesar de seus muitos problemas - dentre os quais a divulgação de muito lixo -,é uma ferramenta que serve a regimes democráticos. Não vejo muito futuro para a democracia nos próximos anos, ainda mais com a elevação da ordem neoliberal, que é monopolista, e sua íntima associação com regimes autoritários de direita.
Creio que você não terá dificuldades para localizar a película. A influência de BODY AND SOUL sobre TORO SALVAJE ("Ranging Bull"), de Scorsese, é mais que evidente. Reveja este filme e, depois, assista BODY AND SOUL para confirmar. Sim, concordo com você: TORO SALVAJE é, atualmente, a melhor pelicula sobre boxe.
Voltando à insegurança da Internet... É o problema que aconteceu com a nossa boa amiga. Bueno! Menos mal. Parece que os entraves foram resolvidos, conforme notícias que recebi pela manhã de hoje.
Abraços.
Hola querido Eugenio,todo parece indicar que Cuerpo y alma posee una intensa trama sobre el Boxeo que deja traslucir lo que hay tras los bastidores de este deporte...Me ha gustado tu reseña.muy completa,muy profesional,es un honor ser seguidora de tu blog,besitos cielo
ResponderExcluirCorrecto, Maria Del Socorro.
ExcluirDe entre las películas que abordaron el boxeo, esta es de las más adultas. No sólo por el pioneirismo o por la denuncia de las relaciones del crimen organizado con el deporte. Pero, principalmente, por sus dimensiones humanas y por hacerse influyente para las demás películas que abordaron la actividad.
Besos, abrazos y saludos, querida.