Do cineasta francês Georges Lautner — o descobridor de
Mireille Darc — conheço apenas a coprodução franco-italiana A
trilha de Salina (Road to Salina/Sur la route de Salina/Quando
il sole scotta, 1969), drama psicológico conduzido com relativa
frouxidão. Mais curioso e instigante é o pano de fundo: o relevo escuro,
vulcânico e banhado de sol das Ilhas Canárias, suporte à recriação de fictício
lugarejo mexicano no qual se ocultam segredos inconfessáveis. O principal
cenário, onde quase tudo acontece, é o misto de posto de gasolina, restaurante
e hospedaria de Mara (Rita Hayworth) — mãe transtornada pelo inexplicável
desaparecimento do filho Rocky Salerno (Marc Porel) há cerca de quatro anos. Ao
lugar chega por acaso o jovem andarilho Jonas (Robert Walker Jr.), imediatamente
apanhado em misteriosa teia de eventos graças à envolvente sensualidade de
Billie (Mimsy Farmer) e ao poder de convencimento do muito interessado vizinho
Warren (Ed Begley). Carências afetivas, solidão, incesto, manipulação, sentimento
de posse e assassinato são os ingredientes da inusitada trama contada em A
trilha de Salina. Considerada a época da realização, a trilha musical é
das mais magnéticas e contemporâneas: ouvem-se composições de Christophe, Ian
Anderson (do grupo Jethro Tull), Clinic (Alan Reeves, Phil Trainer, Philip
Brigham) e Bernard Gérard & Orquestra. Junta-se a esse atrativo a funcional
direção de fotografia de Maurice Fellous e Alain Boisnard, em tudo condizente com
a aridez do cenário. Segue apreciação escrita em 1974.
A trilha de Salina
Road to Salina/Sur la route de Salina/Quando il sole
scotta
Direção:
Georges Lautner
Produção:
Robert Dorfmann, Yvon Guézel
Les Films Corona, Selenia
Cinematografica, Transinter Films, Aliance Films, Fono Roma
França, Itália — 1969
Elenco:
Ed Begley, Bruce Pecheur, Rita
Hayworth, Mimsy Farmer, Robert Walker Jr., Sophie Hardy, David Sachs, Marc
Porel, Ivano Staccioli, Albane Navizet, Dada Galloti, Jaime, Ellie, Oswaldo
D'Allo, El Pollo, Sierra, Dada Gallotti.
O diretor Georges Lautner |
Produção
ambientada no México, porém rodada na singular paisagem vulcânica das Ilhas
Canárias. Apesar do diretor francês e regime de produção franco-italiano, os
diálogos são originalmente em
inglês. Conta imprevisível e misteriosa história de alto teor
erótico, repleta de reviravoltas e estruturada em flashbacks. Envolve incesto, identidades
trocadas, assassinato e desaparecimento. Valeu à jovem atriz Mimsy Farmer, em
1971, o Prêmio Especial David di Donatello pela interpretação de Billie Salerno.
O roteiro, escrito pelo diretor a partir da novela Sur la route de Salina,
de Maurice Cury — adaptada e dialogada por Pascal Jardin e Jack Miller —, prende
razoavelmente a atenção, por mais absurdas que pareçam determinadas situações e
diálogos. A trilha musical, das mais instigantes, tem as contemporâneas e
onipresentes contribuições — ao menos na primeira metade da exibição — de
Christophe, Ian Anderson (do grupo Jethro Tull), Clinic (Alan Reeves, Phil
Trainer, Philip Brigham) e Bernard Gérard & Orquestra. Junta-se a esse atrativo
a funcional direção de fotografia de Maurice Fellous e Alain Boisnard,
condizente com a aridez lunar do cenário.
No papel de Mara Salerno, Rita Hayworth tem a penúltima vez no cinema |
Mimsy Farmer com a controladora e possessiva Billie |
Cansado de
perambular sem rumo pelo deserto, o faminto e sedento Jonas (Walker Jr.) vai ao
encontro de destino dos mais improváveis. Depara-se, para alívio imediato, com as
instalações de Mara (Hayworth) — misto de restaurante, pousada e posto de
gasolina situado a poucos quilômetros da cidade litorânea de Salina. Sujo,
suado e sedento, resolve se valer das convidativas instalações hídricas locais.
É surpreendido pela proprietária que o toma por alguém familiar: o filho Rocky
Salerno (Porel), misteriosamente desaparecido há quatro anos. Atônito e
penalizado com a situação da mulher de aparência carente e desvairada, Jonas entra
no jogo. Considera que nada tem a perder com a inusitada circunstância. Ainda
mais quando se apresenta a irrecusável oportunidade de descansar sobre teto
seguro e desfrutar de alimentação gratuita por alguns dias, até decidir pela
volta à estrada. Porém, não será tão simples. As conjunções se fazem mais surreais
quando Billie, filha de Mara, entra em cena. Também reconhece no andarilho o irmão
desaparecido.
O andarilho Jonas (Robert Walker Jr.) é "reconhecido" por Mara (Rita Hayworth) |
Jonas (Robert Walker Jr.) e Billie (Mimsy Farmer) |
A esta altura,
tanto Jonas como o espectador estão tomados pela perplexidade. Principalmente
por haver algo mais que a simples e efusiva demonstração de alegria da parte de
Billie com o reencontro. Entre a garota e o suposto irmão se evidencia relação
de profunda intimidade, muito além do esperado amor fraternal. A completa
desinibição da mana com o estupefato "mano" não se apresenta
problemática para ela. Na praia, desnudam-se completamente e as interdições
firmadas pelo tabu do incesto são derrubadas com a maior naturalidade. Manipuladora
e possessiva, Billie se oferece completamente ao estranho, apesar do visível
descontentamento da mãe. Mara é impotente para frear situação aparentemente
bizarra, consolidada desde os tempos em que Rocky se fazia presente.
Acima e abaixo: Jonas (Robert Walker Jr.) nas malhas da possessiva Billie (Mimsy Farmer) |
Algumas questões
de imediato se apresentam. Mãe e filha sabem que Jonas não é Rocky? O que
pretendem? A quem querem enganar? Que havia de fato entre Billie e o irmão? Até
onde vai a alienação de Mara? Os aspectos insólitos da trama se ampliam quando
o prestativo vizinho Warren (Begley), afetivamente interessado por Mara e não
correspondido, toma ciência dos acontecimentos. Apesar de manifestar
desconfiança, pede ao rapaz para levar adiante a encenação em prol do equilíbrio
emocional da personagem vivida por Rita Hayworth, mesmo sabendo das relações pouco
convencionais firmadas entre os irmãos antes e agora. Jonas desconfia que
Warren sabe mais do que aparenta. Quais as intenções do vizinho? O que aconteceu
ao verdadeiro Rocky (Porel)? Por que e como desapareceu sem deixar vestígios?
Até quando o recém-chegado se deixará levar no papel de cúmplice relativamente
passivo de uma eventualidade cada vez mais envolvente, desconfortável e
inexplicável? Ainda mais após descobrir, por fotografias, que em nada se parece
com o desaparecido? Tudo fica mais nebuloso quando Linda (Hardy), filha de
Warren, não o reconhece como Rocky, de quem foi noiva até o misterioso
desaparecimento.
Billie (Mimsy Farmer) |
Mara (Rita Hayworth) |
Apesar de
curiosa, a história tem desenvolvimento frágil. Os atrativos decorrem da
ambientação, principalmente em virtude dos raros e insólitos cenários revelados
pelas boas tomadas externas: a paisagem ensolarada e de relevo acidentado esculpido
por rochas vulcânicas, as praias de areias negras e as cenas de extração de
sal. Como criador de climas, Georges Lautner é displicente. Os atores dão a
impressão de estarem largados aos próprios imperativos. Os mais convincentes são
os veteranos Ed Begley e Rita Hayworth, respectivamente na derradeira e
penúltima aparição em
cinema. Não demoraria para a protagonista de Gilda
(Gilda,
1946), de Charles Vidor, ser totalmente engolfada pela doença de Alzheimer. A invulgar
beleza de Mimsy Farmer é ressaltada pela movimentação lânguida da atriz, o que
também serve para ocultar as deficiências da interpretação. Robert Walker Jr. compõe
um personagem envolvido pelos ares da indiferença, absolutamente pouco
condizentes com a situação na qual foi envolvido e, desgraçadamente, o dominará
por completo. Será demasiado tarde quando os segredos forem revelados, com A
trilha de Salina deixando o perfil de drama psicológico para se tornar
um caso de polícia. Felizmente, tudo termina antes da concretização dessa
opção.
Diretor de segunda unidade: Paul Nuyttens. Roteiro: Georges Lautner, baseado na novela Sur la route de Salina,
de Maurice Cury, adaptada e dialogada por Pascal Jardin, Jack Miller. Direção de fotografia (Panavision, Eastmancolor):
Maurice Fellous, Alain Boisnard. Cenografia:
Jean D'Eaubonne. Música: Bernard
Gérard, Christophe, Clinic, Ian Andersen. Montagem:
Michèle David. Produção de elenco:
Harvey Clermont. Figurinos: Jean
Bouquin, Marie-Thérèse Le Guillochet. Gerentes
de unidade: Francisco Ariza, Paco Escobar, Lucien Lippens. Gerente de produção: Louis Wipf. Assistentes de direção: Robin Davis,
Vicente Escrivá hijo, Claude Vital. Assistente
da direção de arte: Adolfo Cofiño. Gravação
de som: Louis Hochet, René Longuet. Associado
à edição de combinação de sons: John Marshall (não creditado). Operador de câmera da segunda unidade:
Alain Boisnard. Assistente de câmera:
Roland Dantigny. Fotografia de cena:
Alain Dejean. Operador de câmera:
Yves Rodallec. Assistente de montagem:
Elisabeth Guido. Direção musical:
Bernard Gérard. Administração da
produção: Michel Chauvin. Continuidade:
Annie Maurel. Tempo de exibição: 91
minutos.
(José Eugenio Guimarães, 1974)
Hola Eugenio, ciertamente me produce interés ver esta película en primer lugar por comprobar como se trasladaron desde México hasta las Islas Canarias los escenarios reproducidos. Otros aspectos como la música y la trama desarrollada también me han generado cierto interés. De interés ver a Rita tan cambiada desde Gilda.
ResponderExcluirUn gran evaluación de la película. Felicitaciones. Fuerte abrazo.
Hola, Miguel,
ExcluirMe gustaría mucho revisar esta película. De ella, sólo tengo pálidos recuerdos. Sé que estaba profundamente tocado por la visión, bastante deteriorada, de Rita Hayworth. El tiempo en su paso es incluso implacable y cruel. Sin embargo, la película es de hecho instigadora, aunque sea insatisfactoria en su totalidad. El telón de fondo es una atracción aparte. Recuerdo, todavía hoy, que algunos pasajes no han sido completamente comprendidos por mí. Estaba con apenas 18 años en 1974. Tener esa edad en esa época es muy diferente de tenerla en los días de ahora. En comparación, éramos completamente tontos e ingenuos.
Saludos e abraços.