O ator, produtor e irmão mais novo de Shirley MacLaine,
Warren Beatty, não convenceu Cary Grant a abandonar a aposentaria para reviver
Mr. Jordan, interpretado por Claude Rains em Que espere o céu (Here
comes Mr. Jordan, 1941), de Alexander Hall. Também não obteve sucesso
na pretensão de escalar para o elenco o boxeador e campeão mundial dos
pesos-pesados Cassius Marcellus "Muhammad Ali" Clay Jr. Por causa
dessa impossibilidade e devido à insegurança para interpretar um lutador de
boxe, preferiu alterar a modalidade esportiva praticada por Joe Pendleton
(Robert Montgomery) no filme de Hall. O personagem se tornou jogador de football, esporte familiar a Beatty, na
realização que lhe possibilitou estrear na direção — coadjuvado por Buck Henry
— com relativo sucesso em O céu pode esperar (Heaven
can wait, 1978). É praticamente uma retomada ao pé da letra do título
de 1941, porém, afinada às demandas sociais e políticas dos anos 70. A história
é conhecidíssima. Por excesso de zelo de um anjo da guarda apressado, Joe
Pendleton — agora vivido por Warren Beatty — é despachado para o céu quando lhe
faltavam muitos anos para viver. Para reparar o grave equívoco, o gerente
celestial Mr. Jordan (James Mason) é obrigado a descer ao plano dos mortais.
No entanto, devolver uma alma à existência terrena não depende de simples milagres.
A tarefa exigida se revelara divertidíssima e das mais complicadas. Apesar da
hesitação de Warren Beatty — esperada em um filme de estreia — O céu
pode esperar é comédia das mais alegres e fluidas, plenamente
valorizada pelo elenco. Ainda assim, deixa saudades da realização de Alexander
Hall. Uma circunstancial compensação à recusa de Cary Grant: sua esposa Dyan Cannon
interpreta a assassina Julia Farnsworth. Segue apreciação escrita em 1980,
revista e atualizada em 1993.
O
céu pode esperar
Heaven can wait
Direção:
Produção:
Paramount
Pictures
EUA — 1978
Elenco:
Warren
Beatty, Julie Christie, James Mason, Jack Warden, Dyan Cannon, Vincent
Gardenia, Charles Grodin, Buck Henry, Joseph Maher, Hamilton Camp, Arthur
Malet, Stephanie Faracy, Jeannie Linero, Harry D. K. Wong, George J. Manos,
Larry Block, Frank Campanella, Bill Sorrells, Dick Enberg, Dolph Sweet, R. G.
Armstrong, Ed V. Peck, John Randolph, Richard O'Brien, Joseph F. Makel, Will
Hare, Lee Weaver, Roger Bowen, Keene Curtis, William Larsen, Morgan Farley,
William Bogert, Robert E. Leonard, Joel Marston, Earl Montgomery, Bernie Massa,
Peter Tomarken, William Sylvester, Lisa Blake Richards, Charlie Charles, Nick
Outin, Jerry Scanlan, Jim Boeke, Marvin Fleming, Deacon Jones, Les Josephson,
Jack T. Snow, Curt Gowdy, Al DeRogatis, Robert C. Stevens, Allison Caine,
Penelope Milford e os não creditados Joe Corolla, Charlie Cowan, Garrett Craig,
Paul D'Amato, Robert Fortier, Bryant Gumbel, Jim Healy, Chick Hearn, Elliott
Reid, Byron Webster.
Buck Henry e Warren Beatty, atores e diretores de O céu pode esperar (Heaven can wait) |
O ator e produtor
Warren Beatty estreia na direção — coadjuvado pelo ator e roteirista Buck Henry
— com a refilmagem de Halfway to heaven, peça de Harry
Segall levada às telas pela primeira vez em 1941, por Alexander Hall: Que
espere o céu (Here comes Mr. Jordan). Roteirizada
por Sidney Buchman e Seton I. Miller, estrelada por Robert Montgomery, Claude
Rains, Edward Everett Horton, James Gleason, Evelyn Keyes, Rita Johnson e John
Emery, é um clássico do fantástico e uma das mais agradáveis e despretensiosas
comédias do cinema estadunidense. Conta a história do boxeador Joe Pendleton
(Montgomery), levado ao céu antes do cumprimento do tempo de vida regulamentar pelo
excesso de zelo do mensageiro celeste interpretado por Edward Everett Horton.
Descoberto o equívoco, não há como corrigi-lo da melhor maneira: o corpo que
servia de morada ao espírito apressadamente liberado foi cremado. Para solucionar
o imbróglio entra em cena o Senhor Jordan (Rains), gerente de uma das estações
de entrada nos domínios paradisíacos. Já que nem tudo depende de milagres, a
solução é rodar o mundo em busca de novo suporte para o boxeador. Isso não
oferece dificuldades, pois mortes sempre acontecem. Porém, Pendleton está no
auge da forma física e não lhe agradam as opções disponíveis.
Produção das mais
competentes, Que espere o céu guarda o encanto da época em que foi realizado.
Hoje, o cinema não sabe mais fazer filmes assim. A história, otimista e ingênua,
brinca à vontade com as possibilidades do "outro mundo". Parece
oferecer um oportuno contraponto ao momento de cruéis incertezas decorrentes da
Segunda Guerra Mundial.
A refilmagem O céu
pode esperar é roteirizada por Beatty, Elaine May e o não creditado
Robert Towne. Estourou nas bilheterias dos Estados Unidos e Canadá. Fez boa
carreira no circuito exibidor brasileiro. Nos diversos locais em que foi
exibida, recebeu, em geral, aclamação entusiasmada de parcelas significativas
da crítica vivamente interessadas na estreia do irmão mais novo de Shirley MacLaine
na direção. A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood também
percebeu qualidades na produção. Indicou-a nove prêmios Oscar em 1978: Filme,
Direção, Roteiro Adaptado, Ator (Beatty), Ator Coadjuvante (Warden), Atriz
Coadjuvante (Cannon), Direção de Arte, Música Original e Direção de Fotografia.
Acima e abaixo: Warren Beatty como o jogador de football Joe Pendleton |
Ninguém previa
tão boa repercussão, muito menos Warren Beatty. Ele, certamente, pretendia
somente mostrar capacidade na direção. Foi além do esperado. Se os resultados
finais não são extraordinários, geraram, no entanto, diversão equilibrada e
descompromissada, bem dosada no humor ameno e envolvente. O ator, produtor,
diretor e roteirista passou no teste. O céu pode esperar é comédia como há
muito não se via. A surpresa confere à realização um ar de novidade e explica,
em parte, o grande sucesso de público, principalmente entre os espectadores
menos exigentes e afeitos à diversão ligeira e desinteressada. Entretanto,
provavelmente por insegurança, Beatty se conteve demasiado e evitou correr
riscos com ousadias. Praticamente refilma Que espere o céu ao pé da letra. O surpreendente
número de indicações aos prêmios da Academia apenas inflou artificialmente o
valor de uma obra correta, mas não merecedora de tanto. A realidade se
confirmou quando da entrega das premiações. Apenas a direção de arte levou a
estatueta[1].
O elenco é o
melhor trunfo de O céu pode esperar. Todos rendem bem, mas perdem na comparação
com os integrantes do elenco de 1941. Perto de Robert Montgomery, Beatty parece
muito comedido. Do mesmo mal padece James Mason: seu Mr. Jordan não é páreo
para o desempenho de Claude Rains. Dyan Cannon no papel de Julia — esposa perua
e assassina de Leo Farnsworth, titular do primeiro corpo a receber o espírito
de Joe Pendleton — e Charles Grodin — o amante cúmplice e infiel secretário Tony
Abbott — rendem bem embora pudessem ter melhor aproveitamento diante do que
ofereceram Rita Johnson e John Emery. Já o atrapalhado mensageiro celestial interpretado
por Buck Henry deixa saudades do insuperável Edward Everett Horton. Porém, a maior
perda no filme de Beatty e Henry reside no personagem de Max, o treinador de football: o bom Jack Warden está muito
distante do velho, saudoso, excelente e esquecido ator característico James
Gleason. Julie Christie como Betty Logan — por quem Joe se apaixona —
infelizmente não diz a que veio e perde para Evelyn Keyes. A intérprete de Lady
Triminghan em O mensageiro (The go-between, 1971), de Joseph Losey,
oferece desempenho muito abaixo das possibilidades.
Falecido antes do tempo de vida regulamentar, Joe Pendleton (Warren Beatty) tenta resolver a situação com seu desastrado anjo da guarda (Buck Henry) |
Joe Pendleton (Warren Beatty) entre Mr. Jordan (James Mason) e anjo da guarda (Buck Henry) |
Em O céu
pode esperar Joe Pendleton é zagueiro de football do Rems. Beatty alterou a atividade do personagem por falta
de afinidade com o boxe — esporte privilegiado na realização de Alexander Hall
— e pela impossibilidade de contar com a participação de Cassius "Muhammad
Ali" Clay no elenco. Também não era estranho à modalidade esportiva que
escolheu para o filme. Praticou-a intensamente durante o tempo da universidade.
Pendleton teria a
grande chance de provar o talento ao público em partida decisiva e próxima. Infelizmente,
é atropelado quando se exercitava na bicicleta[2].
A cena seguinte já o revela nas paragens celestes, acompanhado do anjo
receptador de almas (Henry). Porém, o plano de vida do personagem só previa o
falecimento em 50 anos, em 30 de março de 2025. Para piorar, é impossível retornar
ao corpo que sempre conheceu — imediatamente recolhido, velado e cremado.
Depois de muita procura, o espírito do atleta se materializa provisoriamente na
estrutura física do corrupto e ganancioso milionário Leo Farnsworth, assassinado
pela esposa Julia em conluio com Tony. Não era a melhor opção. Todavia, o
espírito de Joe ficou fascinado com Betty Logan. Esta procurava o magnata para resolver
pendências relacionadas às atividades predatórias de uma refinaria da Exo-Grey
— empreendimento do falecido — na cidade inglesa de Pagglesham.
Joe transforma a
raposa Leo Farnsworth em milionário altruísta, simplório, desajeitado e inapto
para negócios. Atende às reivindicações de Betty. Porém, não esqueceu o football, paixão primeira, e a fixação
amadora pelo saxofone tal qual o personagem vivido por Robert Montgomery em Que
espere o céu. Convoca Max Corkle, treinador do Rems ainda pesaroso com
o passamento do pupilo preferido. Depois de muitas explicações, convence-o de
que não morreu e revela a pretensão de retomar a posição que ocupava no time.
Aparvalhado, sem saber o que fazer diante do inusitado desejo, Max apenas se
compromete a deixar Joe/Leo fisicamente em forma. Este , para
garantir a vaga, só encontra uma saída: adquirir o time pela irrecusável
quantia de 67 milhões de dólares. Só não esperava que Julia e Tony voltassem à
carga nos planos de assassinato, desta vez com um disparo mortal que o lança,
sem testemunhas, no fundo de um poço.
Mr. Jordan (James Mason) e Joe Pendleton (Warren Beatty) |
Joe está
novamente sem "suporte" para a alma. Antes de resolver onde aportar,
acompanha com Mr. Jordan as investigações que tentam desvendar o
desaparecimento de Leo. A polícia convoca as últimas pessoas vistas com o milionário:
Julia, Tonny, Betty e Max. Considera inconsistentes as sinceras explicações do desatilado
treinador e tende a aceitar as falsas alegações da esposa, incriminadoras da
personagem vivida por Julie Christie. É quando o jardineiro (Wong) encontra o
cadáver do patrão e tudo se esclarece. Enquanto corriam as investigações, o
Rems disputava partida decisiva. Na vaga do zagueiro falecido jogava Jarrette,
ferido gravemente ao disputar a bola. Falece durante os socorros. Joe revive no
corpo do substituto, agora definitivamente e ciente de que perderá todas as
lembranças até então acumuladas. Mesmo assim, Betty não saiu de sua vida. Já na
pele do novo suporte, reencontra-a no corredor do vestiário quando ela
procurava por Max sem saber exatamente por quais motivos. Travam rápido diálogo
e saem juntos do estádio. Começo de novo idílio? Ou seria a continuação de
outro? Só Mr. Jordan sabe a resposta.
Jack Warden como o estupefato treinador Max Corkle |
O céu pode
esperar é comédia antenada com as causas ecológicas que
adentravam decisivamente nas arenas sociais e políticas no momento da
realização. Apesar de contar história ligada ao além, tem o mérito de não se
fazer prisioneira dos efeitos especiais ou de depender do massivo aparato
tecnológico que, à época, começavam a contaminar boa parte da produção hollywoodiana.
Recorre ao mínimo em trucagens.
Alguns críticos
abalados na capacidade de contextualização consideraram anacrônico o tema. Alegaram
que destoava dos céticos e desencantados anos 70. No que tange ao privilégio
concedido aos assuntos relacionados ao BEM e ao céu, o filme de Beatty e Henry
pode ser exceção. Por outro lado, a década foi oportuníssima para as questões
do MAL e relativas ao inferno. No período foram realizados, entre outros, O
exorcista (The exorcist, 1973), de William Friedkin, e A profecia
(The
omem, 1976), de Richard Donner. Nestes, o diabo apronta.
Acima e abaixo: Betty Logan (Julie Christie) e Joe Pendleton reincorporado como Leo Farnsworth (Warren Beatty) |
Os herdeiros
diretos de O céu pode esperar surgiram logo ao final dos anos 80: Além
da eternidade (Always, 1989), de Steven Spielberg; O céu
se enganou (Chances are, 1989), de Emile Ardolino; Um romance do outro mundo
(Truly,
madly, deeply, 1990), de Anthony Minghela; e Ghost, do outro lado da vida
(Ghost,
1990), de Jerry Zucker, todos ligados ao além pelo lado do BEM.
As melhores
consequências do aprendizado de Beatty em O céu pode esperar se concretizariam
em 1981, quando o ator/produtor/diretor empreendeu a segunda realização
cinematográfica: Reds (Reds) é ótima e digna incursão do
cinemão hollywoodiano ao universo da Revolução Russa de 1917. Retoma Dez
dias que abalaram o mundo, memórias do jornalista estadunidense John
Reed — testemunha ocular do susto tomado pelo Ocidente liberal com a chegada
dos comunistas de Lênin ao poder.
Roteiro: Warren Beatty, Elaine May, Robert Towne (não
creditado), com base na peça Halfway to heaven, de Harry Segall. Direção de fotografia (Movielab Color,
Panavision): William A. Fraker. Música:
Dave Grusin. Desenho de produção: Paul
Sylbert. Direção de arte: Edwin
O'Donovan. Figurinos: Richard Bruno.
Figurinos de Julie Christie e Dyan
Cannon: Theadora Van Runkle. Montagem:
Robert C. Jones, Don Zimmerman. Decoração:
George Gaines. Maquiagem: Lee
Harmon. Penteados: Lynda Gurasich. Edição musical: Milton Lustig. Edição de efeitos sonoros: Dick Oswald.
Gerente de unidade de produção:
Charles H. Maguire. Assistente de
direção: Howard W. Koch Jr. Segundo
assistente de direção: Graig Huston. Mixagem
sonora: Tommy Overton. Mixagem da
regravação: John K. Wilkinson. Associado
à administração da produção: David L. MacLeod. Assistente para Warren Beatty: Helen Feibelmann. Consultoria técnica: Les Josephson,
Frank O'Neill. Supervisão de script:
Karen Wodkey. Contabilidade da produção:
Sam Bernstein. Contrarregra: Allan
Levine. Operador de câmera: Nick
McLean. Fotografia de cena: Peter
Sorel. Eletricista chefe: Doug Pentek.
Assistente de câmera: Art Brooker. Efeitos especiais: Robert MacDonald. Assistentes de montagem: Elyane
Bretherton, T. Battle Davis. Produção de
elenco: Pat Mock. Guarda-roupa
masculino: Mike Hoffman. Guarda-roupa
feminino: Arlene Encell. Transportes:
Jim Davis. Títulos: Wayne
Fitzgerald. Produção executiva:
Howard W. Koch Jr., Charles H. Maguire. Executivo
no cargo de gerente da produção: Lindsley Parsons Jr. (não creditado). Direção da segunda unidade: Craig R.
Baxley (não creditado). Estagiário do
Directors Guild of America: Richard H. Prince (não creditado). Capataz do departamento de arte: Ralph
Votaw (não creditado). Ruídos de sala:
Ken Dufva (não creditado). Assistente de
efeitos especiais: Ken Speed (não creditado). Coordenação de dublês: Craig R. Baxley (não creditado). Dublês (não creditados): Craig R. Baxley (p/ Warren
Beatty), David Sharpe, Dick Ziker. Eletricista: Norman Lang (não creditado). Técnico
de iluminação: John Reynolds (não creditado). Segundo assistente de câmera: Robert Samuels (não creditado). Primeiro assistente adicional de câmera:
Richard Walden (não creditado). Joalheria:
Joan Joseff (não creditada). Empresa de
guarda-roupa: Sports Studio. Empresa
de confecção de figurinos: Sportsrobe (não creditada). Tempo de exibição: 101 minutos.
(José Eugenio Guimarães, 1980; revisão e
atualização em 1993)
[1] Juntos com a direção de arte
também são premiados o desenho de produção e a decoração. Nas demais categorias
às quais concorreu, O céu pode esperar perdeu para O franco atirador (The
deer hunter) o Oscar de Melhor Filme, que também premiou Michael Cimino
(Diretor) e Christopher Walken (ator coadjuvante). A estatueta de Melhor Ator ficou
com Jon Voight por Amargo regresso (Coming home), de Hal Ashby. Maggie
Smith foi eleita Melhor Atriz Coadjuvante por California suite (California
suite), de Herbert Ross. Nos quesitos roteiro adaptado, música original
e fotografia, os agraciados foram, respectivamente, Oliver Stone por O
expresso da meia-noite (Midnight express), de Alan Parker;
Giorgio Moroder pelo mesmo título; e Nestor Almendros por Cinzas no paraíso (Days
of heaven), de Terrence Malick.
[2] Em Que espere o céu o
personagem sofre acidente de avião.
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