Vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim de 1976, o
demolidor Oeste Selvagem (Buffalo Bill and the indians, or
Sitting Bull's History Lesson) é produção arriscada do iconoclasta
Robert Altman e monumental fracasso de bilheteria. As opções formais que
presidem a encenação, apesar de problemáticas, não lhe diminuem a coragem e o
valor. A partir de 1883, com a redução das possibilidades permitidas pelo
processo geralmente denominado de Conquista do Oeste, o personagem de William
Frederick Cody, o Buffalo Bill, resolveu se encapsular num mundo à parte: um
empreendimento misto de teatro e circo, o Buffalo Bill's Wild West Show, erguido
com o apoio de capitalistas criteriosos. Nesse espaço, encarregou-se de
oferecer às massas versões cuidadosamente arranjadas de variados eventos sobre
a incorporação da fronteira ocidental dos Estados Unidos ao processo
civilizatório. Tudo é suficientemente ordenado e controlado para admitir apenas
a reconstituição de "verdades" históricas em estreita sintonia com a
dignidade dos mitos nacionais, particularmente de Buffalo Bill, interpretado
por Paul Newman. Nesse mundinho bem delimitado, Altman acompanha, de forma
episódica, o cotidiano de um embusteiro narcisista e megalômano, alçado por um
conjunto bem orquestrado de artimanhas e circunstâncias históricas a símbolo do
espírito nacional estadunidense. No entanto, as coisas se complicam quando
outro testemunho da Conquista do Oeste é incorporado, com diferentes intenções,
ao Buffalo Bill's Wild West Show: Sitting Bull (Touro Sentado), o chefe de
guerra Sioux, um dos responsáveis pela derrota do General Custer em Little Big Horn.
A apreciação a seguir é de 1992.
Oeste Selvagem
Buffalo
Bill and the indians, or Sitting Bull's History Lesson
Direção:
Robert
Altman
Produção:
Robert
Altman
Dino De
Laurentiis Corporation, Lion's Gate Films, Talent Associates-Norton Simon
EUA — 1976
Elenco:
Paul
Newman, Burt Lancaster, Geraldine Chaplin, Joel Grey, Harvey Keitel, Will
Sampson, Shelley Duvall, Kevin McCarthy
Allan F.
Nicholls, John Considine, Robert DoQui, Mike Kaplan, Bert Remsen, Bonnie
Leaders, Noelle Rogers, Evelyn Lear, Denver Pyle, Frank Kaquitts, Ken Krossa,
Fred N. Larsen, Jerri Duce, Joy Duce, Alex Green, Gary MacKenzie, Humphrey
Gratz, Pat McCormick e os não creditados Dennis Corrie, E. L. Doctorow, Patrick
Reynolds.
O diretor Robert Altman |
William Frederick
Cody, o Buffalo Bill, é, provavelmente, o personagem da história estadunidense
com maior presença nas telas. Segundo os registros, foi assunto de aproximadas 30
produções entre 1894 a
1976. Tais realizações cuidavam, invariavelmente, de enaltecer o mito de cuja
edificação ele foi parte diretamente interessada. A lenda começou a sobrepujar
os fatos quando ainda era relativamente jovem. Em 1894 — um ano antes de os Irmãos
Lumière inventarem o cinema da forma como ainda o conhecemos —, interpretou a
si próprio em filmetes exibidos em maquinários para fruição individual: Buffalo
Bill e Annie Oakley, dirigidos por W. L. Dickson.
Praticamente é
impossível estabelecer limites entre a ficção e a realidade ao longo de uma
biografia repleta de aventuras, iniciada para valer aos 10 anos, quando se
tornou chefe da família em decorrência da morte do pai. Aos 15 integrava o Pony
Express — o correio a cavalo — na ligação entre São José, no Missouri, a
Sacramento, na Califórnia. Durante a Guerra Civil teve papel preponderante como
batedor das forças da União. Em 1863, antes de terminado o conflito secessionista,
participou das campanhas militares contra Comanches e Kiowas. Três anos depois,
contratado pela firma Goddard Brothers, tornou-se caçador de bisões para
alimentar os operários que construíam a linha ferroviária entre o Kansas e a
Costa Oeste. Nesse período ganhou o apelido que o acompanhou pelo resto da vida
e, segundo os relatos, abateu em menos de 17 meses perto de 4 mil animais.
Reincorporou-se ao Exército de 1868
a 1872. Realistado em 1876, participou com o General
George Armstrong Custer das campanhas contra Sioux e Cheyennes. Reza a lenda
que matou e escalpelou o chefe Mão Amarela após derrotá-lo em combate corporal.
A fama estava nacionalmente consolidada quando ganhou o suporte de uma série de
novelas populares escritas por Ned Buntline, fartamente consumidas pelo público
e sabiamente capitalizadas em proveito próprio. Em 1872 interpretou a si mesmo
em peça teatral que lhe exaltava as façanhas. Já não tinha controle algum sobre
aspectos factuais e lendários de sua vida quando se lançou, em 1883, como
principal estrela de um espetáculo permanente e itinerante de conotações
teatrais e circenses que o glorificavam nos inúmeros feitos dos quais teria
participado na conquista do Oeste: o Buffalo Bill's Wild West Show. É essa a etapa
abordada pelo filme de Robert Altman. William Frederick Cody faleceu em 1917,
aos 70 anos, quando já tinha firmado notoriedade como autor de edições
populares sobre a vida na fronteira ocidental dos EUA.
Ned Buntline,
interpretado por Burt Lancaster em Oeste Selvagem , seria o equivalente
brasileiro ao escritor de literatura de cordel. Além de popularizar e
engrandecer as peripécias de William Frederick Cody, também escreveu sobre Wild
Bill Hickok, Jesse James e Billy the Kid. Não fosse por ele, o mito não
alcançaria a projeção nacional que conheceu. Na realização de Altman, o
personagem renasce na estampa de Paul Newman. É um aproveitador suficientemente
arguto. Soube se cercar de empresários e agenciadores espertos, suficientemente
financistas e gananciosos, que o transformaram em máquina de ganhar dinheiro em
cima das linhas artesanalmente forjadas pelo autor. Este nada recebeu pela
utilização da obra, sequer uma referência. Velho e necessitado, passa todo o
filme nas áreas periféricas do Buffalo Bill's Wild West Show à espera de inútil
oportunidade para falar com a estrela. Já ao final, diante do astro fanfarrão,
megalômano e oportunista que ajudou a enriquecer, resolve partir apegado à
dignidade que lhe resta, apesar de nada possuir — conforme alega. Esta é apenas
a estocada final desferida pelo iconoclasta e impiedoso desmistificador Robert
Altman no personagem que melhor sintetizou, durante anos, o caráter nacional
estadunidense. O homem que deu rosto ao país, emblema da grandeza do pioneiro
conquistador e desbravador, é reduzido à posição de grotesca e patética fraude legitimada
por páginas de almanaques impressos para consumo imediato das massas mal
alfabetizadas e predispostas a crer em qualquer versão carregada de nobreza e
heroísmo, firmada com o mínimo de convicção.
William Frederick Cody, o Buffalo Bill, é interpretado por Paul Newman |
Buffalo Bill (Paul Newman) e Ned Buntline (Burt Lancaster) |
Altman rodou Oeste
Selvagem em 1976, exatamente um século após a grande vitória da Confederação
Sioux liderada por Sitting Bull (Touro Sentado) e Crazy Horse (Cavalo Louco)
sobre o Sétimo Regimento de Cavalaria do General Custer em Little Big Horn.
Venceu o Urso de Ouro no Festival de Berlim daquele ano. O roteiro escrito pelo
diretor em parceria com o habitual colaborador Alan Rudolph é livremente adaptado
da poliédrica peça teatral Indians, de Arthur Kopit. Trata-se
de avantajado tratado sobre o terrível processo de extermínio das tribos que
habitavam as terras do Oeste, chamadas de "livres" pelo colonizador
branco.
As filmagens
tiveram lugar em Alberta, Canadá, onde se armou o grande cenário do Buffalo Bill's
Wild West Show. É um espaço de manipulação controlada da história, à semelhança
do laboratório científico e repleto de subdivisões nas quais se reconstituem,
sob a supervisão de diligentes e atentos especialistas em entretenimento de
massas, vários aspectos espetaculares da conquista do Oeste. Pode-se dizer que
os números encenados no Buffalo Bill's Wild West Show compõem os primeiros
momentos daquilo que se convencionou chamar, com mais propriedade, de show business. Aliás, o termo é
constantemente utilizado pelos gerentes e encenadores, inclusive pela principal
estrela. Todos sabem: quem controla o show
business delimita a verdade da forma que bem entender e a oferece bem
embalada e explicada ao público. É uma nova versão, mais profissional, do panis et circenses romano. As encenações
de números da conquista da fronteira ocidental dos Estados Unidos decorrem de escolhas
e rituais emanados de uma perspectiva acintosamente branca e puritana. Tal
característica determina a veracidade dos fatos, bem como o modo de recriá-los
e exibi-los. Logo no começo há o ensaio de um quadro que simula o massacre de
famílias pioneiras por índios aguerridos, diante dos olhares atentos do
produtor Nate Salisbury (Grey) e do agente publicitário Major John Burke
(McCarthy). Ambos verificam a veracidade das mortes, o posicionamento dos
atores, a adequação dos vestuários, a cavalgada dos índios e cowboys...
Enfeitam a cena para configurá-la como real, de acordo com as especificações em
voga do mercado de consumo. Então, a própria história não precisa ser conforme
os fatos. Ou depende, pois o factual é recriado a todo momento segundo a bilheteria,
as vaias, os aplausos e suspiros do público.
Nat Salisbury (Joel Grey) - produtor do espetáculo -, a atiradora Annie Oakley (Geraldine Chaplin) e Buffalo Bill (Paul Newman) |
O ano da
encenação é 1885. Nesse período a conquista do Oeste estava perto de se efetivar.
Não havia mais índios a combater, os rebanhos de bisões estavam
consideravelmente reduzidos, as grandes propriedades de criação de gado monopolizaram
as terras e cursos de água com a consequente expulsão do farmer, a ferrovia aposentou as diligências e cavalos para vencer grandes
distâncias, a lei e a ordem enquadraram pistoleiros e demais refratários. O
mundo conhecido por Buffalo Bill estava nos estertores. Pode apenas ser
recuperado pela encenação mais farsesca e segundo conveniências as mais lucrativas.
De certo modo, agora mais que nunca, o Oeste encenado no show de Buffalo Bill é
uma das engrenagens que azeitam a insaciável máquina de reprodução do
capitalismo. Além de ser um laboratório, também é como a fábrica padronizadora de
mercadorias produzidas com o mínimo de variações. O Buffalo Bill's Wild West
Show vende ao público um Oeste engarrafado, ou um enlatado como Hollywood e a
televisão farão com mais propriedade e profissionalismo muitos anos depois.
Buffalo Bill
reina inconteste neste Oeste de mentira. Tudo é feito para agradá-lo, o que
significa torcer e retorcer os fatos para adequá-los à realidade conforme a
crença geral. Assim, tão bem delimitado às cercanias de um teatro ou parque
temático, o herói não deixa de ser um personagem de tragédia, mesmo que o
empreendimento fílmico o perceba como manipulador, mentiroso, fanfarrão e
arrogante — um fantoche que transformou em monumento glamouroso toda uma verdade
histórica carregada de miséria, sofrimento, matança e extermínio. Bill sabe que
existiu, num tempo não muito distante, uma realidade que contou com sua
contribuição para ser completamente dizimada. Chega a lamentar quando toma
conhecimento da redução dos cerca de dez mil membros de uma tribo de guerreiros
imponentes a pouco mais de uma centena de subjugados. Mas também tem
compromissos maiores com negociantes que o transformaram em mito totalmente
desconectado com o tempo histórico. Esses souberam, como poucos, manipulá-lo no
ego ao mesmo tempo agigantado, infantil e inseguro. É um homem que vive à base
de álcool. Só assim consegue suportar tanto peso de culpas e responsabilidades.
Entretanto, importam mais as aparências e mentiras transformadas em
convenientes verdades, disponibilizadas ao consumo de gente simples, pronta a
fantasiar a realidade com presepadas, desfiles de passo marcado ritmados pela
banda de música, tiros sempre certeiros e bandeiras desfraldadas. O mundo no
qual Bill agora vive é erguido diariamente ao som de fanfarras e toques de
alvorada. Porém, o personagem é quase sempre surpreendido na observação
incrédula de gigantescas pinturas que o exibem sobre cavalos garbosos. Nesses
momentos de quase delírio, ele parece perguntar sobre a adequação de tantos
aparatos e adereços que o ornamentam, ainda mais se postos em comparação à vida
que realmente teve, repleta de eventos propositalmente esquecidos e outros recriados
segundo interesses da ocasião. Na verdade, ele parece saber que é um nada, um homem
que participou de acontecimentos desprezíveis cujas lembranças não pode normalmente
suportar. Diante disso, precisa do auxílio de um esforço de produção que o
sustente, para inseri-lo na história como vencedor e herói. Apesar de
internamente frágil, ferido e impotente, precisa se apresentar orgulhoso e dono
de si, conforme se espera de alguém alçado ao posto de condutor nacional. Tem a
imperiosa necessidade de parecer real, suficientemente crível para ser ovacionado
pelas massas que o idolatram. Os aplausos aferem a verdade do personagem e dos
eventos recriados.
Controlar o mundo
de mentiras aparentes do Buffalo Bill's Wild West Show, para torná-lo crível, é
a função de William Frederick Cody. Em 1885 as encenações estão mais populares
e lucrativas. A bola não pode cair. O tino comercial dos empresários e da
estrela articula, então, uma cartada com ares de golpe de mestre. Tirar da
prisão militar o chefe Sioux que derrotou Custer e o incorporar às encenações.
Talvez Buffalo Bill achasse, também, que Sitting Bull fosse se sentir envaidecido
por fazer parte de um mundo que glorifica a vitória transformada em
empreendimento honrado, heróico e lucrativo. No entanto, a partir daí as coisas
começam a desandar, pois o silencioso, velho e fisicamente diminuto chefe interpretado
por Frank Kaquitts não perdeu a autoestima, o senso da honra pessoal e o
compromisso que o legitimam perante o que resta da nação Sioux.
Sitting Bull, o chefe Sioux, é interpretado por Frank Kaquitts |
Em verdade,
Buffalo Bill pensava que consolidaria sua participação na conquista do Oeste ao
receber das autoridades a custódia sobre Sitting Bull. Acreditou que lidaria
com um selvagem ignorante, pronto a aceitar docilmente a visão distorcida da
história apresentada às plateias. Recebe o chefe índio com a arrogância do
vencedor. Trata-o como assassino de Custer e de incontáveis mulheres e crianças
indefesas. Porém, as intenções do perplexo chefe são outras. Aceitou se juntar
ao show para conquistar alguns dividendos para os Sioux, como terras, alimentos
e agasalhos. Sonhou que teria a oportunidade de conversar pessoalmente com Grover
Cleveland, Presidente dos Estados Unidos com visita programada ao Buffalo
Bill's Wild West Show, e encaminhar algumas reivindicações. Demonstra uma
dignidade desconcertante e um conhecimento da verdade histórica que membro
algum da companhia possui. Recusa as acomodações que lhe foram direcionadas e o
papel de mero coadjuvante de um espetáculo circense. Desse modo não atuará em
reconstituição alguma do massacre do Sétimo de Cavalaria. Talvez até o fizesse,
desde que tivesse liberdade de encenar os antecedentes da história: as
constantes violações de tratados da parte dos brancos e as incursões de
militares às aldeias, que resultavam, invariavelmente, em matanças generalizadas.
É uma pretensão que não terá respaldo, somente o horror de Bill e toda a companhia.
A exceção é a exímia atiradora Annie Oakley (Chaplin), uma das atrações do show
e amiga pessoal de Sitting Bull.
Geraldine Chaplin no papel de Annie Oakley |
Orgulhoso, Sitting
Bull não fala diretamente com quem quer que seja. Dá a impressão de que desconhece
o inglês. Quem o assessora nas comunicações é o intérprete e mestiço Halsey (Sampson).
Devido ao porte imponente e firmeza de voz, foi inicialmente confundido com o
chefe. Provocou assim um primeiro e tremendo erro de interpretação da parte dos
brancos. Estes invariavelmente se viam enganados e sem ação diante dos costumes
e atitudes independentes do chefe Sioux. Bill e companhia nada conhecem da
especificidade cultural da tribo, a não ser a grosseira e equivocada expressão “selvagem”,
indistintamente utilizada para recobrir e uniformizar todas as ricas
identidades indígenas. Sempre que Sitting Bull solicita por alterações nas
mentiras encenadas — “Ele só quer mostrar a verdade ao povo”, diz Oakley a Bill
—, a estrela da casa afirma que o chefe nada entende de show business ou que possui sentido equivocado da história. No
entanto, William Frederick Cody sabe bem que o velho chefe está certo ao
recusar o papel de caricatura e ao afirmar que "O homem branco roubou a
verdade". Tem ciência de que, em nome do mito, do espetáculo e da
lucratividade, não há como alterar o script.
A história contada por Bill está errada. Porém, ele é o vencedor, o proprietário
do show e tem nos bastidores os controladores do dinheiro que, em última
instância, ditam as regras. Querendo ou não, o mito está impresso e assim
continuará. De um lado, há Sitting Bull afirmando que seu povo foi trucidado de
forma desumana e desigual; do outro há um patético personagem na desconfortável
representação do espírito estadunidense, recoberto por uma aura de heroísmo
conquistada na luta contra uma gente passada à história como se fosse
naturalmente vocacionada ao assassínio e à selvageria, sem possibilidades de
ter lugar reservado no mundo dito civilizado.
Buffalo Bill (Paul Newman) e Halsey (Will Sampson) |
Enfim, cumpriu-se
o vaticínio de Sitting Bull. O Presidente Cleveland de fato visita o Buffalo
Bill's Wild West Show. Porém, de nada valeram as quebras de protocolo
provocadas pelo líder Sioux e seu intérprete para conseguir uma audiência com o
supremo mandatário da nação. Sequer permitiram que expressassem as
reivindicações pretendidas, momento no qual o chefe revelaria a capacidade de
se expressar em
inglês. Rejeitado e desprezado por Cleveland, simplesmente deu-lhe
as costas para não mais ser visto com vida. Devolvido à prisão, terminou assassinado
numa mal explicada tentativa de fuga. Ainda assim, seu fantasma comparece nos
momentos finais para se posicionar no papel de enigmático, mudo e inquieto
ouvinte das desculpas esfarrapadas e pouco heróicas do conquistador. Bill
delira por meio de palavras pomposas, carregadas de efeitos, mas totalmente
ocas em sentido. O Sitting
Bull membro do Buffalo Bill's Wild West Show teve o desprazer de ver mais uma
vez como o vencedor branco e civilizado taxativamente se expressa diante
daqueles a quem recusam a voz e o próprio direito de viver; que só poderiam ser
utilizados nos papéis de coadjuvantes menores e subalternos de um espetáculo
circense.
Buffalo Bill (Paul Newman) e Sitting Bull ( Frank Kaquitts) |
Oeste Selvagem funciona em seus
propósitos demolidores ao revelar as falsidades das fundações sobre as quais os
Estados Unidos se ergueram e encontraram legitimação. Buffalo Bill, qual grande
amálgama do espírito nacional, é muitas vezes visto como um tipo expropriado do
seu próprio eu, e vocacionado aos papéis de embusteiro arrogante, palhaço
vaidoso e vendedor de emoções baratas. O mito é impiedosamente apeado do
pedestal e reduzido a pó. Altman devolve a dignidade aos índios como poucos
cineastas revisionistas tiveram a ousadia de fazer. Porém, em seu todo, a peça
cinematográfica não é das melhores. Talvez para melhor se distanciar do mito e
facilitar o acerto de contas crítico, o cineasta ordenou uma composição que se
perde em muitos planos abertos, que afastam totalmente os personagens do
espectador. Há excesso de aridez e falta de emoção nesta importante visão
iconoclasta de Buffalo Bill e da história estadunidense. Desse modo, a
narrativa se torna monótona. Também há as repetições com propósitos enfáticos,
que resultam em passagens redundantes e esticam o tempo de exibição além do
razoável. Outro problema: o diretor já desprezava o personagem por antecipação
e, aparentemente, fez um filme apenas para tripudiar sobre a lenda. Porém, até
que ponto isso é justificável, por mais desprezível que fosse o Buffalo Bill
histórico? Seria apenas um conjunto merecedor de escárnio em sua totalidade?
Certamente, não foi por suas próprias determinações conscientes que o
personagem se fez. Nenhum indivíduo teria tamanho poder. Há também as
circunstâncias sociais e históricas envolvidas na consolidação de uma das
conquistas mais sangrentas da história, em meio à qual William Frederick Cody
encontrou os motivos que lhe deram sentido e o tornaram um tipo particular de
homem, gostemos dele ou não. Porém, parece que o diretor toma a persona como uma construção que se basta
nela mesma, desprovida de circunstâncias temporais e espaciais. Praticamente o
reduz a uma abstração.
Bullfalo Bill (Paul Newman) |
Evidentemente,
como já aconteceu com outras produções iconoclastas do cinema estadunidense, Oeste
Selvagem fracassou nas bilheterias. Provavelmente, não pelo simples
motivo de atacar Buffalo Bill. Os anos 70 foram suficientemente
desmistificadores e a esse processo o público estava fartamente habituado.
Porém, para acertar Bill e o mito, Altman também mirou em toda uma coletividade
ingênua e acrítica, que se contentava apenas com prazeres primários, propensa que
estava a aceitar tudo que lhe fosse empurrado, ainda mais em belas embalagens.
Obviamente, então, as plateias contemporâneas se viram espelhadas no simplismo
dos conterrâneos que habitavam a América 100 anos antes. Isto foi fatal para o
retorno mais generoso nas bilheterias.
Produção executiva: David Susskind, Dino De Laurentiis, Robert
Eggenweiler, Tommy Thompson. Roteiro:
Alan Rudolph, Robert Altman, com base na peça Indians, de Arthur Kopit.
Produção associada: Scott Bushnell,
Jac Cashin. Música: Richard Baskin. Direção de fotografia (cores): Paul
Lohmann. Montagem: Peter Appleton,
Dennis M. Hill. Desenho de produção:
Anthony Masters. Direção de arte:
Jack Maxsted. Decoração: Dennis J.
Parrish. Figurinos: Anthony Powell. Maquiagem: Monty Westmore. Gerente de unidade: Les Kimber. Segundo assistente de direção: Rob
Lockwood. Assistente de direção:
Tommy Thompson. Arte cênica: Rusty
Cox. Contrarregra: Dennis J.
Parrish. Assistente de contrarregra:
Graham Sumner. Assistente de decoração:
Graham Sumner. Som: Chris
McLaughlin, James E. Webb, Rob Young (não creditado). Edição de som: Richard Oswald, William A. Sawyer. Mixagem da regravação: Richard Portman.
Efeitos especiais: Logan Frazee, Terry D. Frazee, John Thomas,
Bill Zomar, Joe Zomar. Dublês (não creditados): John Forster, Greg Walker. Assistentes de câmera: Arthur Brooker, Robert Reed Altman (não
creditado). Operadores de câmera:
Edmond L. Koons, Jack L. Richards. Eletricista-chefe:
J. Michael Marlett. Direção de
fotografia do featurette: Peter Appleton (não creditado). (uncredited). Primeiro assistente de câmera: Ronald
Vidor (não creditado). Assistente de
figurinos: J. Allen Highfill. Guarda-roupa:
Jules Melillo. Aprendizes de montagem:
Stephen Altman, Mark Eggenweiler. Assistentes
de montagem: Tony Lombardo, Tom Walls. Produtores
na Broadway: Lyn Austin, Oliver Smith, Roger L. Stevens. Confecção do cinturão de Buffalo Bill:
John Bianchi. Continuidade: John
Binder. Apresentação: Dino De
Laurentiis. Pesquisa: Maysie Hoy. Planejamento dos créditos: Dan Perri. Lutas: John Scott. Operador do titan boom: Norman Walke. Assistente de produção: Joe Thornton (não creditado). Efeitos especiais: Makeup Effects
Laboratories (não creditado). Sistema de
som: Lion's Gate 8 Track Sound. Personificação
de índios e cowboys: Stoney Indian Reserve, Calgary Stampede. Serviços de produção: Cody Production
Co. Sistema de mixagem de som:
Stereo em 4 canais. Tempo de exibição:
123 minutos.
(José Eugenio Guimarães, 1992)
Espectacular análisis y evaluación, pero no solo de la película, sino del contexto general histórico de la época. Esta crítica debería ser leída en las escuelas de cine para que los alumnos comprendieran el valor de un análisis cinematográfico.
ResponderExcluirRespecto a los fracasos en taquilla personalmente soy un descreído, pues hay grandísimas películas que fracasaron en taquilla y ahora son filmes de culto.
El reparto de esta película es espectacular, una invitación a volverla a ver con atención.
Un abrazo Eugenio y gracias por compartir tus grandes reseñas de cine.
Para que vea, Miguel Pina, cómo son las cosas... Sorteei el comentario a esta película, que escribí en 1992. Como fue el escogido, debería ser publicado, pues así funcionan las cosas en mi blog. Reli el texto y no me agradó. Aún así, publiqué, contrariado. Creí que faltaban más cosas, principalmente algún comentario sobre el elenco, la fotografía y sobre el proceso de las filmagens. Sin embargo, para mi alegría y bien venida sorprendida, usted es la segunda persona a decirme que es uno óptima apreciación. Agradezco por demás. Tenemos que aprender la no ser tan duros con lo que hacemos.
ExcluirGrande abraço. Saludos e gracias.