Um satélite artificial cai em lugarejo do Novo México. O
assunto poderia morrer aí, como notícia corriqueira sobre acidente espacial sem
maiores consequências. Porém, o escritor de ficção científica Michael Crichton
se aproveitou do fato para dar asas à imaginação. Escreveu a novela The
Andromeda strain, traduzida no Brasil para O enigma de Andrômeda. Convertida
em roteiro cinematográfico por Nelson Glading, ganhou as salas de exibição pela
tarimba de Robert Wise, realizador experiente no tratamento de temas relacionados
ao fantástico, sejam os do terror ou da ficção científica. Apesar de
prejudicado pelo excesso de didatismo, o filme O enigma de Andrômeda, de
1971, cumpre bem a proposta de “brincar” com as áreas sombreadas da ciência. Ao
mesmo tempo, denuncia os obscuros interesses do complexo militar — capaz de se
valer de todos os meios, inclusive os mais ilícitos, para obter formas de vida
alienígena com o propósito de transformá-las, depois de pesquisadas e controladas,
em armas biológicas. A apreciação a seguir, de 1974, passou por revisão e
ligeira ampliação em 1989.
O enigma de
Andrômeda
The Andromeda strain
Direção:
Robert Wise
Produção:
Robert Wise
Universal,
Robert Wise Productions
EUA — 1971
Elenco:
David
Wayne, James Olson, Arthur Hill, Kate Reid, Paula Kelly, George Mitchell, Ramon
Bieri, Kermit Murdock, Richard O'Brien, Eric Christmas, Peter Hobbs, Mark
Jenkins, Joe Direda, Peter Helm, Frances Reid, Carol Reindel, Ken Swofford,
Richard Bull, John Carter e os não creditados Walter Brooke, Michael Pataki,
Ford Rainey, Quinn K. Redeker, Alma Platt, Bart La Rue , Bill Dunbar, Carl B.
Morrison, Clark Savage, Cliff Medaugh, David McLean, Dee Carroll, Don Ellis,
Don Messick, Duke Cigrang, Emory Parnell, Francisco Ortega, Garry Walberg, Gary
Waynesmith, Georgia Schmidt, Gilchrist Stuart, Glenn Langan, Harold Dyrenforth,
Ivor Barry, James W. Gavin, Jamie Lamb, Jan Burrell, Jason Johnson, Joan Swift,
Joe Billings, Johnny Lee, Judy Farrell, Lance Fuller, Len Wayland, Lisa
Daniels, Lorna Thayer, Michael Bow, Michael Crichton, Midori, Patty Bodeen, Paul
Ballantyne, Ray Harris, Reuben Singer, Rhodie Cogan, Robert 'Bob' Olen, Robert
L. Hughes, Robert Soto, Russ Whiteman, Sandra de Bruin, Sandra Ego, Sheila Jo
Guthrie, Susan Brown, Theodore Lehmann, Tom McDonough, Victoria Paige Meyerink,
Walker Edmiston.
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O diretor Robert Wise, ao centro, durante as filmagens de O enigma de Andrômeda |
O enigma de
Andrômeda — roteiro de Nelson Glading extraído da novela homônima
de Michael Crichton — é eficaz cruzamento entre ficção científica e suspense.
Segundo o prólogo, um fato serviu como ponto de partida à história: a queda de
um satélite artificial em Piedmont, lugarejo do Novo México. Daí em diante,
libera-se a boa imaginação à qual Robert Wise empresta linha e compasso.
Transforma O enigma de Andrômeda em libelo que acusa a quase sempre
obscura associação entre política — no caso, interesses militares — e ciência.
Para o grande público o cineasta é somente o responsável por um dos maiores
sucessos de bilheteria de todos os tempos: o musical A noviça rebelde (The
sound of music, 1965). Entretanto, para o cinéfilo mais exigente, a
filmografia do diretor registra momentos mais importantes, principalmente no
largo espectro do cinema fantástico ao qual pertence O enigma de Andrômeda.
Na década de 40
Wise estréia na direção ao realizar para o produtor Val Lewton A
maldição do sangue de pantera (The curse of the cat people, 1944), codirigido
por Gunther Fristch. Pouco depois, também para Lewton, faz O túmulo vazio (The
body snatcher, 1945). São produções rápidas e baratas, transformadas
pelo tempo em clássicos do horror de sugestão. De 1951 é O dia em que a Terra parou
(The
day of the Earth stood still), ficção científica simples e memorável, ousada
por veicular subversiva mensagem pacifista em época conturbada pela exacerbação
do conflito ideológico entre URSS e EUA. Longe da melhor forma, Wise volta à
ficção científica em 1979, desta vez em ritmo de grande espetáculo: Jornada
nas estrelas: o filme (Star trek: the motion picture) é a
primeira aventura da saga que prolonga no cinema a famosa série televisiva que
transporta o Capitão Kirk (William Shatner) e o Dr. Spock (Leonard Nimoy) além
da fronteira final, onde homem algum jamais esteve.
Em O
enigma de Andrômeda, a queda do satélite Scoop 7 na minúscula Piedmont
mobiliza a base aérea de Wademberg, Califórnia. A equipe de resgate encontra
cenário desolador e trágico. Aparentemente, pereceram todos os 68 habitantes
locais. Logo a base perde contato com os membros da missão, também afetados
pelo fatal e estranho mal que dizimou a comunidade. É fevereiro de 1971. As
autoridades agem rapidamente. O assunto, tratado de forma sigilosa, é
considerado de risco à segurança nacional. Para elucidar o mistério são
convocados os cientistas Jeremy Stone (Hill), Ruth Leavitt (Reid), Mark Hall
(Olson) e Charles Dutton (Wayne), reunidos no Projeto Wildfire — segura e
ultrassecreta estação de pesquisa construída no centro do deserto de Nevada.
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Mark Hall (James Olson) e Jeremy Stone (Arthur Hill) comprovam a mortandade generalizada em Piedmont |
Protegidos por
trajes especiais, Stone e Hall constatam, em Piedmont, o estranho fenômeno de
pulverização do sangue da população falecida. Entretanto, contra todas as
previsões, encontram sobreviventes: Jackson (Mitchell), idoso e embriagado; e,
chorando de fome, Manuel Rios (Soto), bebê de seis meses. Por que não foram
afetados pelo desconhecido mal? São conduzidos a Wildfire e examinados por Hall.
Em paralelo, Stone, Leavitt e Dutton realizam minucioso e microscópico exame
nos compartimentos do Scoop 7. Descobrem que o satélite está infestado por
vírus desconhecido. O organismo, batizado de Andrômeda, mata por trombose
intravascular aguda. Apresenta estrutura cristalina ao contrário da costumeira,
de aminoácidos. Sobrevive em qualquer meio; cresce simultaneamente por divisão
e mutação; e se reproduz em velocidade jamais vista. O mais espantoso:
Andrômeda funciona como reator, pois consome tudo sem nada desperdiçar; transforma
matéria em energia e também faz o processamento contrário. Por isso, não é
recomendada a explosão atômica para descontaminar a área de Piedmont. A
radioatividade liberada só serviria para alimentar e desenvolver ainda mais o
descontrolado organismo.
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Acima e abaixo: Mark Hall (James Olson) e Jeremy Stone (Arthur Hill) encontram sobreviventes em Pidmont: o alcoolizado Jackson (George Mitchell) e o bebê Manuel Rios (Robert Soto) |
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O bebê Manuel Rios (Robert Soto) com a cientista Ruth Leavitt (Kate Reid) |
Porém, o segredo mais aterrador em torno do fenômeno, revelado por
Stone, deixa a equipe estupefata. O satélite Scoop 7 desenvolvia missão militar
secreta. Teve lançamento com o propósito de buscar no espaço um germe
agressivo, resistente e poderosamente letal. “Domesticado”, seria transformado
em arma biológica. O centro de pesquisas de Wildfire foi construído para investigar
e desenvolver o microorganismo em condições de segurança e controle. A
população de Piedmont serviu de cobaia para se verificar o potencial letal da
estrutura alienígena.
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Os cientistas Jeremy Stone, Charles Dutton, Ruth Leavitt e Mark Hall, interpretados, respectivamente, por Arthur Hill, David Wayne, Kate Reid e James Olson |
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Ruth Leavitt (Kate Reid), Charles Dutton (David Wayne), Mark Hall (James Olson) e Jeremy Stone (Arthur Hill) |
Entretanto, as coisas parecem sair de controle. Um acidente aéreo
expõe a fragilidade do centro de pesquisa à ação devastadora de Andrômeda. O
avião que fez o voo de reconhecimento sobre Piedmont sofre misterioso acidente.
As últimas comunicações da tripulação revelam a pulverização dos tubos do
equipamento de oxigenação do piloto, confeccionados em polycron ¾ fibra sintética similar
à pele humana. Com esse material são feitos e revestidos os dispositivos de
manipulação e observação do Scoop 7 e de Andrômeda em Wildfire. Falhas
de comunicação do isolado centro de pesquisa com o exterior impedem que a equipe
tenha conhecimento da notícia. Para pânico geral, o alarme de contaminação soa
no laboratório. Dutton é infestado pelo microorganismo, agora liberado e sem
controle. Consequentemente, entra em ação o sistema automático de destruição da
estação. Mas Hall descobre os motivos da dupla sobrevivência em Piedmont. Jackson ,
alcoolizado, tinha o sangue com elevados teores de acidez; o bebê Manuel Rios,
de tanto chorar, estava com a corrente sanguínea alcalinizada. Não morreram
porque os efeitos letais de Andrômeda só se manifestam em níveis neutros de pH[1].
A descoberta permite salvar a vida de Dutton. Resta reverter a explosão do
centro de pesquisa. Hall corre contra o relógio e o sistema de defesa para
desativar o sofisticado mecanismo de segurança que levará Wildfire pelos ares e,
provavelmente, espalhará pelo exterior o vírus totalmente descontrolado. Após
alguns minutos de exasperante suspense tudo termina bem. Mais tarde, já
neutralizado em seus efeitos, Andrômeda é lançado nas águas alcalinas do
oceano.
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Mark Hall (James Olson) examina o bebê Manuel Rios (Robert Soto) e o bêbado Jackson (George Mitchell) |
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Mark Hall (James Olson) termina a corrida para salvar Wildfire da destruição |
Apesar de
eficiente, O enigma de Andrômeda tem andamento prejudicado por excesso de
didatismo. Precioso tempo é desperdiçado com a desnecessária e minuciosa descrição
das sofisticadas medidas de segurança de Wildfire e com o lento processo de desinfecção
dos cientistas Stone, Leavitt, Hall e Dutton, que leva praticamente um dia
inteiro. Muitos momentos são dominados pela frieza do nada empolgante aparato
técnico das máquinas e computadores. Apesar desses senões, a história tem
desenvolvimento claro e instigante. A tarimba do diretor é revelada no hábil e
angustiante suspense final, com Hall em acelerada corrida para impedir a
destruição do centro de pesquisa. A eficácia desta sequência deve muito à
montagem, quesito no qual Robert Wise é mestre. Associado a Mark Robson,
coordenou a edição de Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941), de
Orson Welles, considerado por muitos o mais importante filme de todos os
tempos. Na montagem de O enigma de Andrômeda, Wise teve o
respaldo dos experts Stuart Gilmore e
John W. Holmes.
Roteiro: Nelson Gidding, baseado em novela de Michael
Crichton. Direção de fotografia
(Panavision 70mm, Technicolor): Richard H. Kline. Montagem: Stuart Gilmore, John W. Holmes. Música: Gil Mellé. Figurinos:
Helen Colvig. Decoração: Ruby R.
Levit. Desenho de produção: Boris
Leven. Direção de arte: William H.
Tuntke. Aporte científico: Cal Tech
(California Institute of Technology), The Jet Propsulsion Laboratory. Assistente
de direção: Ridgeway Callow. Consultoria técnica: Dr. Richard Green,
George Hobby, William Koselka. Efeitos
fotográficos especiais: Douglas Trumbull, James Shourt. Engenheiro musical: Allan Sohl, Gordon
Clark. Gerente de produção: Ernest
B. Wehmeyer. Ilustrador de produção:
Thomas Wright. Maquiagem: Bud Westmore,
Richard Blair (não creditado). Penteados:
Larry Germain, Carol Scarlatti (não creditado). Som: James Shourt, James R. Alexander, Allan Sohl, Gordon Clark,
Waldon O. Watson, Ronald Pierce. Supervisão de script: Marie Kenney. Créditos
e efeitos óticos: Universal Title, Attila de Lado. Estagiário em assistência de direção: Walter Dominguez (não
creditado). Segundo assistente de
direção: James Fargo (não creditado). Terceiro
assistente da contrarregra: Frank Barbero (não creditado). Segundo assistente da contrarregra:
Jack Hamilton (não creditado). Contrarregra:
Ed Keyes (não creditado). Técnicos de
som (não creditados): Jack Danskin, William Griffith, Joseph Kite. Efeitos especiais: Whitey McMahon (não
creditado). Supervisão matte em efeitos
visuais: Albert Whitlock. Técnico de
efeitos visuais: John Whitney Sr. (não creditado). Dublê: Paul Stader (não creditado). Assistentes de câmera (não creditados): Eric D. Andersen, Mike
Benson, Joseph Praskins, Karl Reed, Kenneth Smith. Fotografia fixa: Larry Barbier (não creditado). Operador de câmera: James R. Connell
(não creditado). Eletricista-chefe:
Everett Lehman (não creditado). Técnico
de iluminação: Doug Mathias (não creditado). Confecção de trajes masculinos (não creditados): Robert Ellsworth,
George Harrington. Confecção de trajes
femininos: Grace Kuhn (não creditada). Músicos
(não creditados): Gil Melle (sintetizador), Brian Moffatt (percussão), Dave
Parlato (baixo), J. Peter Robinson (piano), Gretel Shanley (flauta). Capitão de transportes: Sol Goldberg
(não creditado). Responsável por
sequências com animais: W. M. Blackmore, pela The American Humane
Association. Publicidade: Harold
Mendelsohn (não creditado). Fornecimento
de equipamentos científicos: Central Research Labs, Concord Electronics, Du
Pont Instrument Products Division, Honeywell Corp., Korad Lasers, Perkin-Elmer,
R.C.A., Technicon Corp., Van Waters & Rogers. Equipamentos de TV: Hollywood Vídeo. Transcrição de efeitos de vídeo para filme: Image Transform (não
creditado). Agradecimentos da produção
a: Project Scoop at Vandenberg Air Force Base, Korad Lasers, Perkin-Elmer,
Wildfire Laboratory. Sistema de mixagem de som: Stereo em 6 canais pela Westrex Recording System. Tempo de exibição: 131 minutos.
(José Eugenio Guimarães, 1974; revisto e ampliado
em 1989)
[1] pH ou potencial hidrogeniônico. Serve, em química,
para aferir o caráter ácido ou alcalino (básico) de substâncias. Seu número referencial
é o 7. Uma substância com pH abaixo de 7 é ácida; acima disso, alcalina. Se o
pH for igual a 7, a
substância é neutra.
Excelente y completa reseña, te felicito por ella amigo Eugenio.
ResponderExcluirMe apunto la película para poder verla, me gusta este género cinematográfico, además su director Robert Wise siempre despierta interés.
Saludos y muchas gracias.
También me gusta mucho de la ficción científica, Miguel, aún más cuando el género se lanza en la discusión de objetivas posibilidades humanas y con el destino del mundo al cual estamos limitados. "El enigma de Andrômeda" es parte de un bueno y adulto ciclo de la ficción científica. Espero que consiga verla.
ExcluirSaludos y abrazos.
Eugenio,
ResponderExcluirJá ouvi falar por demais nesta pelicula. Nunca tive oportunidade de vê-la.
Comentar uma fita deste artesão de altissima qualidade é algo necessáro. Mas falar de sua obra é quase que sem necessidade, dado ao nivel altissimo ao qual submetia tudo o que fazia.
Leio mais sobre esta obra sua e nem preciso me convencer de que tudo aqui está dito sob a mais sincera e pura veracidade no atinente ao criador de peliculas como as que cito abaixo.
Percebo que ele teve em mãos, pelo que acabo de ler, um muito bom material para a criação de uma pelicula.
O relato deixa claro o quanto de material bom ele tinha para a elaboração de seu filme. O roteiro pode ter dado algumas escapulidas, mas creio que o grande homem do cinema soube administrar tudo ao seu bel modo condutivo.
O Wise merece tudo de proveitoso e qualitativo por tudo o que fez. O diretor parecia ter uma varinha mágica, pois jamais vi uma fita sua que não fosse digna de elogios ou de, no minimo, "um bom filme".
Seu nome não sobreviveu mesmo apenas de A Noviça Rebelde/65 e Amor Sublime Amor/61. Mas, ainda assim, estas duas peliculas bastariam para uma assinatura definitiva e eterna.
No entanto, ele criou com sua classe e ciencia sobre a arte; O Canhoneiro de Iang Tse/66, fita para ser revista ou vista por quem ainda não a conhece. Fez ainda Marcado Pela Sarjeta/56, emprestando ao Newman, no meu ver, sua melhor presença nas telas.Quero Viver/58 e ainda O Dia Em Que A ?Terra Parou/51, fitas de altissimas qualidades e onde em seu filme de 1951 a mensagem para uma reflexão do que os EUA e a URRS faziam com o mundo, deixando-o de orelhas em pé com aquela tansão eterna.
Mas ele, insatisfeito, achou que deveria connhecer outro estranho gênero para ele; o western. E eis que o simples, porém dono de teor honroso e direção primorosa, Honra a Um Homem Mau/56. Já vinha em 1948 do sofrivel Sangue na Lua, mas redimiu-se consideravelmente com o filme do Cagney e a Papas. Este á mais um western que recomendo por seu alto nivel construtivo.
E ainda não podemos esquecer O Mar é Nosso Tumulo/58, que me parece ter sido a despedida de Gable no cinema e Helena de Troia/56, que me parece ser 1956 o ano em que mais esteve ativo no cinema.
Um grande homem do cinema com mais uma pelicula sua, Andrômena, que exijo ver para voltar a apreciar sua classe ao criar algo que tem como destino a visão publica.
jurandir_lima@bol.com.br
Já é a segunda postagem de um filme dirigido por Robert Wise, neste blog, Jurandir. O primeiro foi o western "Sangue na lua", com Robert Mitchum.
ExcluirÓtimo resenha!!!
ResponderExcluirMuito obrigado por sua apreciação meu caro.
ExcluirAbraços.