domingo, 12 de abril de 2015

ALAN LADD É AGENTE DA MODERNIZAÇÃO EM WESTERN DE GORDON DOUGLAS

É de 1976 uma das primeiras apreciações fílmicas de minha lavra. Aborda o western Encontro com o Diabo (The big land, 1956), do discreto, eficaz e esquecido Gordon Douglas. É o responsável por quase uma centena de títulos trazidos à luz entre 1935-1984. Sua filmografia abarca quase todos os gêneros consolidados pelo cinema estadunidense. As aventuras ambientadas no velho Oeste não ficam de fora. Atualmente, Douglas é mais lembrado pela antológica ficção científica O mundo em perigo (Them!, 1954), um alerta sobre as pavorosas consequências do uso da energia nuclear. Encontro com o Diabo não é particularmente memorável, mas permite boa fruição. Alan Ladd interpreta Chad Morgan, ex-oficial confederado em tentativa de integração aos EUA que emergem da Guerra de Secessão. Cansado do apelo às armas, luta contra o fim dos monopólios tomando parte do esforço de construção de cidades, ampliação da malha ferroviária e consolidação dos mercados. Quem brilha, no entanto, é Edmond O'Brien na pele do confiante Joe Jagger, arquiteto recuperado do alcoolismo. Ultimamente é mais conhecido como A grande terra, tradução literal do título original.






Encontro com o Diabo
The big land

Direção:
Gordon Douglas
Produção:
Alan Ladd (não creditado)
Warner Brothers, Jaguar Productions
EUA — 1956
Elenco:
Alan Ladd, Virginia Mayo, Julie Bishop, Edmond O’Brien, Anthony Caruso, John Qualen, Don Castle, David Ladd, Jack Wrather Jr., George J. Lewis, James Anderson, Don Kelly, Charles Watts e os não creditados John Doucette, Russell Ash, John Ayres, Paul Bryar, Kit Carson, James Cornell, Steve Darrell, Tex Driscoll, Barney Elmore       , Art Felix, Duke Fishman, Mel Ford, Clem Fuller, Sugar Geise, Elaine Gilbert, Robert Haines, Chick Hannan, Jack Henderson, Bob Herron, Whitey Hughes, Les Johnson, Stacy Keach Sr., Gayle Kellogg, Fred Kelsey, Alana Ladd, Mike Lally, Perk Lazelle, Al Lloyd, John McKee, David McMahon, William Meader, Frank Mills, Lew Morphy, Robert Robinson, Henry Rowland, Danny Sands, James Seay, Charles Sherlock, Tom Smith, Robert R. Stephenson, Clarence Straight, Guy Teague, Blackie Whiteford, Robert Williams.



O diretor Gordon Douglas entre June Allyson e Alan Ladd no set de Voando para o além (The McConnell story, 1955)



Western prejudicado pela falta de vigor narrativo, resultando no desperdício de belíssimo tema. Encontro com o Diabo  exibido pela televisão como A grande terra, tradução literal do título original  é morno. Entretanto, deixa-se ver sem contraindicações, como quase todos os exemplares do gênero.


Alan Ladd faz Chad Morgan, ex-oficial confederado. Com o fim da Guerra Civil tenta se integrar ao novo desenho do país. Torna-se negociante de gado que conduz do Texas ao Missouri. Entretanto, o especulador Brogue (Caruso), monopoliza as compras e avilta os preços. Morgan evita o apelo às armas para resolver a questão. Está cansado de tiros e mortes. Suas motivações não são compreendidas pelos companheiros, aos quais passa por traidor e covarde. Acredita na democratização dos mercados, via incentivo à concorrência, como a melhor solução. Para isso é necessário atrair mais compradores. Porém, como?



Acima e abaixo: Chad Morgan (Alan Ladd) 


Morgan salva o alcoólatra Joe Jagger (O’Brien) de linchamento por roubo de whisky. Juntos rumam para o Kansas. A falta de bares no trajeto e o “estimulante” convívio com um abstêmio obrigam Joe ao controle do vício. Hospedam-se na propriedade do velho Sven Johnson (Qualen). Ele substituiu a exploração pecuária pelo cultivo de trigo e convenceu os vizinhos a segui-lo. Mas enfrentam a precariedade dos transportes para o rápido e volumoso escoamento da produção. Sven sonha com a estrada de ferro passando próximo às fazendas. Porém, a sazonalidade do trigo não é atrativa aos empresários da ferrovia. Mas, pensa Morgan: se houvesse, também, o fornecimento permanente de gado do Texas? Se nas proximidades das fazendas existisse uma cidade, um novo mercado?


Alan Ladd como Chad Morgan e Edmond O'Brien no papel de Joe Jagger

  
Para erguer a cidade os fazendeiros entram com os fundos necessários. O planejamento e a coordenação da construção ficam a cargo de Jagger, na verdade arquiteto com carreira prejudicada pela bebida. Recuperado, terá a chance de demonstrar valor. Morgan arregimenta os criadores no Texas. A ampliação da ferrovia é resolvida pelo empresário Tom Draper (Castle), atraído pelo negócio.


Quem mais se entusiasma é Helen (Mayo), namorada de Draper. Alegra-a a recuperação do irmão Joe, curado e trabalhando com afinco. Fica particularmente grata a Morgan, por quem se apaixona. O problema é Brogue. O especulador pretende assegurar o monopólio regional da compra de gado. Tenta barrar a construção da cidade. Incendeia o canteiro de obras. Aterroriza os compradores atraídos pelas possibilidades do novo mercado. Assassina Jagger, que tentou contê-lo.


Joe Jagger (Edmond O'Brien) com a irmã Helen (Virginia Mayo)


Morgan chega com a boiada. Encontra a cidade amedrontada. Para piorar, a volúvel Helen o responsabiliza pelo abandono e morte de Joe. Enquanto tenta apaziguar os ânimos, um proposital estouro do gado atravessa as ruas. Por pouco, Sven e o neto Olaf (Wrather Jr.) não são mortos. Diante dos fatos, Morgan decide não mais fugir ao chamado das armas. Em nome de Jagger e dos sonhos em construção, enfrenta e mata o especulador.


Remodelando a paisagem: Chad Morgan (Alan Ladd), Helen Jagger (Virginia Mayo) e Joe Jager (Edmond O'Brien)

  
Em Encontro com o Diabo Alan Ladd não faz o personagem acuado pelo avanço da civilização como o Shane que interpretou para George Stevens em Os brutos também amam (Shane, 1953). Ao contrário, é empreendedor, agente do progresso. Percebe a modernização do país e se integra ao processo. Une-se as classes produtoras, participa do esforço de democratização do interior bravio, deseja o diálogo às armas. Perde o amigo Jagger, mas conquista o amor de Helen.                            


 Chad Morgan (Alan Ladd) e Helen Jagger (Virginia Mayo)


Draper tenta reagir à perda da namorada mas é contido por Sven, que o chama à razão com dizeres de significação moral: “Quando vim para o Oeste perdi meu filho; todos nós, depois, perdemos o Sr. Jagger. Sempre perdemos bens preciosos quando construímos algo de valor”.


Alan Ladd não recebeu crédito como produtor de Encontro com o Diabo. Interpreta Chad Morgan com pouca convicção. Frágil também é a personagem de Virginia Mayo, como, aliás, boa parte das figuras femininas dos westerns convencionais. Apesar de tudo, é sua personagem que confere à realização alguma veracidade no tocante aos sentimentos e humanidade.


Virginia Mayo como Helen Jagger

  
Mas quem de fato marca presença é Edmond O'Brien. Seu Joe Jagger é pleno de vitalidade. Em certos momentos, a ele pertence a história, não somente por se apresentar como elemento decisivo à condução da ação, mas também pelas qualidades do ator, em tudo superior ao chapado e por demais uniforme Alan Ladd. Jagger, em sua determinação — venceu a alcoolismo, tomou a frente das operações de construção, tentou conter o especulador — lembra um pouco o patético e trágico Stonewall Torrey interpretado por Elisha Cook Jr. em Os brutos também amam. Diferencia-os o caráter e a racionalidade, mais firmes no personagem de O'Brien.


Gordon Douglas dirigiu vários westerns de produção rápida como Encontro com o Diabo: A lei é implacável (The Doolins of Oklahoma, 1949), O tesouro do bandoleiro (The Nevadan, 1950), A vingança de Jesse James (The great Missouri raid, 1951), Resistência heroica (Only the valiant, 1951), O rifle de 15 tiros (Fort Dobbs, 1958), O terror do Oeste (The fiend who walked the West, 1958), A lei do mais valente (Yellowstone Kelly, 1959), Ouro que o destino carrega (Gold of the Seven Saints, 1961) e O revólver de um desconhecido (Chuka, 1967). Também se responsabilizou pelos mais ambiciosos Rio Conchos (Rio Conchos, 1964), A última diligência (Stagecoach, 1960) — refilmagem de No tempo das diligências (Stagecoach, 1939), de John Ford — e Barquero (Barquero, 1970). Alcançou maior notoriedade em 1954, ao marcar o cinema de ficção científica com o clássico O mundo em perigo (Them!), sobre as pavorosas consequências da utilização da energia nuclear.


Sven Johnson (John Qualen), de pé e ao centro, coordena reunião de fazendeiros


John Qualen se especializou em papéis de imigrante sueco como o fazendeiro Sven Johnson. No mesmo ano de Encontro com o Diabo interpretou Lars Jorgensen em Rastros de ódio (The searchers, 1956), de John Ford. Em 1962 assumiu a identidade de Peter Eriksson em O homem que matou o facínora (The man who shot Liberty Valence), também de Ford.





Roteiro: Martin Rackin, David Dortort, com base em novela de Frank Gruber adaptada por David Dortort. Direção de fotografia (Warnercolor): John F. Seitz. Música: David Buttolph. Figurinos: Marjorie Best. Montagem: Thomas Reilly. Produção associada: George C. Berthelon. Supervisão de maquiagem: Gordon Bau. Direção de arte: Malcolm C. Bert. Assistente de direção: William Kissell. Decoração: William L. Kuehl. Orquestração: Gus Levene. Som: Francis E. Stahl. Edição de som (não creditada): Billy Mauch, Don Olson, Arthur H. Pullen. Dublê: Paul Baxley (não creditado). Direção musical: David Buttolph (não creditado). Tempo de exibição: 92 minutos.


(José Eugenio Guimarães, 1976)

5 comentários:

  1. Eugenio,

    Fazer comentários, falar de uma fita vista é um verdadeiro deleite, principalmente quando se é amante da Arte 7a. como eu.

    No entanto, é muito dificil se falar de um filme visto há mais de 50 anos, como é este caso, e como o é muitos outros.

    Relembro tranquilamente que vi este filme com o Ladd, além de o mesmo constar de meus velhos alfarrábios.
    Entretanto, não recordo de nada que possa colocar num comentário sobre o mesmo, a não ser que é uma fita muito mediana e feita por um cineasta muito mediano também, no caso o Gordon Douglas.

    Assim, dando uma ligeira opinião sobre o diretor, posso afirmar que sua melhor direção, mesmo sendo em parceria com Irving Rapper, foi em O Milagre/59, um belissimo filme de época, com Roger Moore e Caroll Baker.

    No mais sempre o tive como um diretor de filmes de Segunda Linha, igual a muitos outros, nos trazendo uma ou outra obra de mais ressalto raramente, como foram os casos de A Última Diligencia/66 (uma tentativa malfadada de reviver o classico No Tempo das Diligencias/39), Rio Conchos/64 e O Revolver de Um Desconhecido/67, fita não muito amada por vários criticos, mas que não a tenho em patamar assim tão negativo.

    jurandir_lima@bol.com.br

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    1. Bom dia, Jurandir!

      De "Encontro com o diabo" é filme guardo poucas lembranças, a não ser as que foram explicitadas no texto que serviu à sua apreciação. Vi algumas coisas do diretor. Confesso que desconheço essa parceria que o uniu ao Irving Rapper em "O milagre". Verei se encontro esse título. Comecei a conhecer Gordon Douglas quando era garoto. O primeiro filme dele, submetido aos meus olhos, foi, talvez, a comédia menos engraçada protagonizada por Jerry Lewis: "Um biruta em órbita". A obra do diretor que ficou mesmo em minha memória foi a ficção científica "O mundo em perigo", que me deixou sem dormir por noites a fio. "Revólver de um desconhecido" é filme que preciso rever.

      Abraços.

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  2. Eugenio,

    Pois é.
    O Gordon Douglas o dirigiu mesmo, tendo o Irving Rapper como parceiro e este recebido sozinho, ao que me recorde no momento, os créditos, já que o nome do segundo é muito pouco exibido nos comentários que observo.

    Apenas soube da contribuição do Douglas muito tempo depois, em artigos que andei lendo.

    Agora mesmo acabo de fazer um comentário do mesmo no InterFilmes, onde cito poucas palavras, mas não deixo de expor a grandiosidade deste verdadeiro espetáculo.

    Cate-o para ver e não se arrependerá. Aliás, até deixo um recado no meu comentário para quem o tiver me ceder uma copia, se assim for possível.

    Caso me atendam, serás o primeiro a quem enviarei copia da minha copia para conhecer um filme sensacional, muito bem feito e morto nas memórias dos exibidores.

    Grande abraço

    jurandir_lima@bol.com.br

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    1. Agradeço mais uma vez pela sua boa vontade, Jurandir. Listei esse filme para procurar, mas ainda não tive como fazê-lo. Estou novamente descontrolado devido ao encerramento do semestre letivo e quase todo o meu tempo está voltado para isso. Quero entrar de férias e ver se consigo ajeitar a minha vida, cheia de compromissos atrasados, inclusive com você, meu caro.

      Abraços.

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  3. Caro Eugênio,
    li atentamente esta sua matéria sobre The Big Land, Alan Ladd e Gordon Douglas, e concordo com as colocações e conclusões, além de ter observado também o conteúdo dos comentários, muito bons, por sinal. Mas penso que Gordon Douglas, mesmo com altos e baixos em sua carreira, teve mais pontos positivos que negativos. Quando o Jurandir diz que ele foi um "diretor de filmes de segunda linha, igual a muitos outros", li e percebi que isto é o que eu escreveria. Mas não sei se estamos sendo muito rigorosos com ele. Douglas trabalhou muito: fez quase 100 filme e foi ator também, além de escrever roteiros (poucos). The Big Land não é realmente um filme memorável. Aliás, assim como Douglas, o ator Alan Ladd também foi muito irregular. Acredito que por ter sido dirigido por George Stevens em Shane, conseguiu desempenhar o melhor papel de sua carreira. Realmente fez o personagem de forma muito convincente, mesmo sendo de baixa estatura, menor que Van Heflin, Jack Palance e Ben Johnson, com os quais tem várias cenas no filme. Mas, particularmente, me lembro de Gordon Douglas (na época fui examinar quem era o diretor) por três de seus filmes: Em cada Sonho um Amor, com Elvis Presley, Ouro que o Destino Carrega, com Clint Walker e Roger Moore, e A Lei do mais Valente, também com Walker e com John Russell (no papel de um guerreiro índio). Gostei desses filmes. Não são grandes espetáculos, mas o filme de Elvis Presley é extremamente agradável, e os dois westerns com Clint Walker, sempre revejo de vez em quando. Enfim, fazendo uma avaliação mais crítica, mesmo os grandes diretores (Stevens, Hitchcock, Ford, Hawks, Wyler, Mann, Sturges, Boetticher, e outros) tiveram seus momentos menores. Douglas realmente está num nível mediano, mas teve bons momentos como os que citei, além dos citados por vc e Jurandir: "O Milagre", muito bom, e "O Mundo em Perigo". Gostei muito, também, de "Um Raio em Sol Sereno" (parece que ele gostou de trabalhar com Roger Moore), mas sou suspeito para falar desse filme, visto que, muito jovem, eu era apaixonado pela Angie Dinkinson !!!
    No final de sua carreira, certamente como vc sabe, ele fez uma espécie de continuação de "No Calor da Noite" (Noite sem Fim), com Sidney Poitier. que não teve o mesmo "calor" do primeiro, mas considero uma realização segura.
    São essas minhas observações, Eugênio. Um grande abraço. Vida longa para este seu excelente blog.

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