domingo, 15 de fevereiro de 2015

DORIS DAY EM SEU PRIMEIRO PAPEL DE DESTAQUE

No, no, Nanette (Tea for two, 1950), de David Butler, não ocupa posição de destaque entre os grandes musicais do cinema. Quanto a isso, nada a lamentar. Mesmo assim, é passatempo agradável e razoavelmente divertido, principalmente aos ouvidos: entre os equívocos gerados pela personagem do título, o espectador de boa vontade é brindado por variado naipe de canções que se tornaram célebres. A peça que deu origem ao filme foi encenada na Broadway em 1924 e adaptada às telas em produções pouco memoráveis, dirigidos por Clarence G. Badger e Herbert Wilcox, respectivamente em 1930 e 1940. A refilmagem por conta do pau-para-toda-obra David Butler é mais dinâmica e resistente à prova do tempo. Também permitiu o primeiro papel de relevo a Doris Day. Ela interpreta uma milionária perdulária, atriz e produtora musical prestes a sofrer as consequências do crash de 1929. A apreciação a seguir foi escrita em 1991.






No, no, Nanette
Tea for two

Direção:
David Butler
Produção:
William P. Jacobs
Warner Brothers
EUA — 1950
Elenco:
Doris Day, Gordon MacRae, Gene Nelson, Eve Arden, Billy De Wolfe, S. Z. Sakall, Bill Goodwin, Patricia Wymore, Virginia Gibson, Mary Elinor Donahue e os não creditados George Baxter, Carol Coombs, Jack Daley, Herschel Daugherty, Abe Dinovitch, Pat Flaherty, Elizabeth Flournoy, Bess Flowers, Art Gilmore, Carol Haney, Harry Harvey, John Hedloe, Crauford Kent, Daria Massey, Johnny McGovern, Michael Miller, Norman Ollestad, Robert 'Buddy' Shaw, Angela Stevens, Dee Turnell.



O diretor David Butler, à esquerda, Doris Day e o ator-coreógrafo Gene Nelson ensaiam para o filme Rouxinol da Broadway (Lullaby of Broadway, 1951).


Doris Day estava com 26 anos quando interpretou Nanette, jovem e perdulária herdeira atacada de incontinência verbal. No cinema, foi o primeiro papel de destaque da atriz. Daí em diante não demoraria a se transformar no símbolo da moral puritana veiculada por Hollywood. Esse futuro, entretanto, não estava previsto no filme de David Butler, sob cujas ordens a atriz voltaria a atuar em Rouxinol da Broadway (Lullaby of Broadway, 1951), Paris em abril (April in Paris, 1953), Lua prateada (By the light of the silvery moon, 1953) e Ardida como pimenta (Calamity Jane, 1953).


Nanette Carter (Doris Day) e Jimmy Smith (Gordon MacRae)


No, no, Nanette, visto 40 anos depois de realizado, revela-se ainda uma agradável e descompromissada comédia musical. Evidentemente, em matéria de talento, não se aproxima em nada dos grandes clássicos do gênero, todos realizados na usina de sonhos da Metro-Goldwyn-Mayer.


O filme resulta da adaptação livre da peça musical de mesmo nome de Frank Mandel e Otto Harbach, encenada nos palcos da Broadway em 1924. Antes de Doris Day as atrizes Bernice Claire, em 1930, e Anna Neagle, em 1940, viveram no cinema a personagem do título em produções pouco memoráveis: Claire em No, no, Nanette, de Clarence G. Badger; Neagle em Não, não, Nanette (No, no, Nanette!), de Herbert Wilcox.


Nanette Carter (Doris Day),  J. Maxwell Bloomhaus (S. Z. Sakall) e Pauline Hastings (Eve Arden)

Nanette Carter (Doris Day) e Jimmy Smith (Gordon MacRae)


No filme de Butler, o velho J. Maxwell Blomhaus (Sakall) conta aos sobrinhos netos como seus pais — Nanette Carter (Day) e o compositor Jimmy Smith (McRae) — se conheceram e se apaixonaram. Um flashback transporta o espectador para o final dos anos 20, quando Blomhaus era tutor de Nanette e curador da fortuna por ela herdada. Infelizmente, toda essa riqueza, cuidadosamente aplicada em inúmeros investimentos, sumirá como água no ralo em virtude do crack de 1929. Bloomhaus não tem coragem de contar para a alegre, espevitada e desligada sobrinha que ela está em situação falimentar. Para piorar, Nanette comprometeu a quantia nada desprezível de 25 mil dólares na montagem de show estrelado por ela e produzido pelo mau caráter Larry Blair (De Wolfe). Juntos no empreendimento estão o músico Jimmy Smith e Tommy Trainor (Nelson), expert em canto e dança, de quem Nanette recebe lições. Enquanto os acontecimentos se desenrolam a moça se afeiçoa a Jimmy e, de outro lado, tenta se desvencilhar das investidas de Larry Blair.


Nanette Carter (Doris Day) e Larry Blair (Billy De Wolfe)

Jimmy Smith (Gordon MacRae) e Nanette (Doris Day)

Jimmy Smith (Gordon MacRae), Nanette Carter (Doris Day) e Tommy Trainor (Gene Nelson)

  
Enquanto isso, Blomhaus tenta encontrar solução para a sinuca financeira da sobrinha e, ao mesmo tempo, controlá-la na vocação de gastadora contumaz, que sempre diz “sim” a tudo. Para ganhar tempo, faz a aposta que justifica o título do filme no Brasil. Nanette deve passar 24 horas respondendo “não” a qualquer proposta e solicitação. A moça aceita o desafio e, para surpresa do tio, vence, não sem provocar embaraços aos parceiros do show. No final, como era esperado, tudo se ajeita da melhor maneira. Entre as confusões, o espectador é brindado com a execução de números musicais na forma de canções que ficaram célebres.


J. Maxwell Bloomhaus (S. Z. Sakall) e Nanette Carter (Doris Day)

William "Moe" Earle (Bill Goodwin), Larry Blair (Billy De Wolfe), Nanette Carter (Doris Day) e Pauline Hastings (Eve Arden)


O diretor Butler não é exatamente um criador, mas o típico pau-para-toda-obra. Em termos mais respeitosos, passa por artesão competente. Dono de filmografia extensa, realizou filmes de todo tipo, principalmente musicais. Começou no cinema como ator em produções de David Wark Griffith[1]. Contratado pela 20th Century-Fox de 1927 a 1938, dirigiu veículos para Will Rogers, Shirley Temple e os Ritz Brothers. Passou curto período na Paramount. Entrou para a Warner Brothers em 1943, onde realizou seus melhores trabalhos, ainda que nenhum deles mereça lugar de destaque na história do cinema: Graças à minha boa estrela (Thank your lucky stars, 1943), Cidade sem lei (San Antonio, 1945), Rouxinol da Broadway, Paris em abril, Lua prateada, Ardida como pimenta, Sob o comando da morte (The Command, 1954), Ricardo Coração de Leão (King Richard and the crusaders, 1954) e Um salto no inferno (Jump into hell, 1955).





Direção de fotografia (Technicolor): Wilfred M. Cline. Direção musical: Ray Heindorf. Roteiro: Harry Clork, com base na peça No, no, Nanette, de Frank Mandel, Otto A. Harbach, Vincent Youmans, Emil Nyitray e dos não creditados Irving Caesar e William Jacobs. Direção de números musicais: LeRoy Prinz. Direção de arte: Douglas Bacon. Montagem: Irene Morra. Som: Dolph Thomas, David Forrest. Decoração: Lyle B. Reifsnider. Figurinos e guarda-roupa: Leah Rhodes. Maquiagem: Al Greenway (não creditado). Penteados: Tillie Starriett (não creditada). Segundo assistente de direção: John Prettyman (não creditado). Assistente de direção: Philip Quinn (não creditado). Contrarregra: G. W. Berntsen (não creditado). Assistente de contrarregra: Gil Kissel (não creditado). Fotografia de cena: Jack Albin (não creditado). Assistente de câmera: Robert Burkett (não creditado). Eletricista-chefe: Frank Flanagan (não creditado). Assistentes de câmera: Gibby Germaine (não creditado), Charles Harris (não creditado). Segundo operador de câmera: George Gordon Nogle (não creditado). Assistente de guarda-roupa masculino: Jack Delaney (não creditado). Joias: Joan Joseff (não creditada). Guarda-roupa masculino: Frank Ricci (não creditado). Guarda-roupa feminino: Marguerite Royce (não creditado). Orquestração: Ray Heindorf (não creditado). Anotação musical: Howard Jackson (não creditado). Consultoria de Technicolor: Mitchell Kovaleski. Coreografia: Eddie Prinz, Al White Jr. e dos não creditados Gene Nelson, Miriam Nelson, LeRoy Prinz. Assistente de coreografia: Eddie Graham (não creditado). Técnico da Technicolor: Paul Hill (não creditado). Assistente de Technicolor: Harry Marsh (não creditado). Continuidade: Alma Young (não creditada). Canções: Charleston (Cecil Moch, Jimmy Johnson); I know that you know (K. Caldwell, Vincent Younians); Crazy rhythm (Irving Caesar, Joseph Mayer, Roger W. Kahn); Tea for two e I want to be happy (Irving Caesar, Vincent Youmans); Do, do, do (Ira Gershwin, George Gershwin); Here in my arms (Lorenz Hart, Richard Rodgers); Oh me, oh my; I only have eyes for you. Sistema de mixagem de som: RCA Sound System. Tempo de exibição: 98 minutos.


(José Eugenio Guimarães, 1991)



[1] EWALD FILHO, Rubens. Dicionário de Cineastas. São Paulo: Global, 1977. p 63-64.

8 comentários:

  1. Nossa é tão bom rever as coisas antigas gostei muito da resenha muito mesmo
    magrafelizpensa.blogspot.com

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  2. Eugenio,

    Um diretor dos meus aureos tempos de cinema à toda, mas que teve carreira curta a partir da década de 1950, me promovendo apenas ver, a partir deste período, o filme em Pauta e Ardida como Pimenta, dois filmes típicos da época e que agrada em cheio a quem era amante da arte.

    De sua fase anterior à década de 1950, consegui apenas ver Cidade Sem Lei, com Errol Flinn.
    No entanto, o que brilha mesmo na pelicula é a beleza da face de Alexis Smith, uma ruiva de traços finos e com fala de criança pedindo mamadeira, mas que na hora que tem de ser mulher não deixa sua beleza enganar a quem quer que seja, agindo e tomando decisões precisas.

    Um faroeste com algum movimento, mas de qualidade apenas média.
    Nada mais que a maioria feitos nas décadas de 1940/1950 e 60.
    Claro que com muitas exceções para tais décadas, já que se criou nestes períodos fitas como Consciencias Mortas, Duelo ao Sol, Ceu Amarelo, Rio Vermelho e, mais para a frente O Matador, Shane, que não nos deixa lhe esquecer, The Big Country, que segue vivissimo até hoje, o grande A Árvore dos Enforcados, dentre muitos mais alguns.

    David Butler deve ter sido mesmo, como falas, um diretor que não chegou a entrar na linha de um Hawks, um Wyler ou um Zinnemann. Porém, fazia, sim, fitas agradáveis e bastante degustáveis e que, na minha visão, se compara a um Richard Thorpe, este um pau para toda obras, mas que nunca dava um pulo da linha B na qualidade de seus filmes.

    jurandir_lima@bol.com.br


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    1. Jurandir,

      David Butler tem creditados, como diretor, 89 títulos, inclusive muita coisa realizada para a TV onde ele praticamente se exilou após a realização de "Um salto no inferno", de 1955. Dele conheço "Ricardo, Coração de Leão" (1954), "Ardida como Pimenta" (1953), "Paris em Abril" (1952), "A tia de Carlitos" (1952), e este "No, no, Nanette".Começou a carreira na direção em 1927. Foi também ator, roteirista e produtor.

      Dos filmes que cita, da lavra de Butler, não conheço, infelizmente, "Cidade sem lei", de 1945. Tento localizá-lo, mas...

      Abraços.

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  3. Excelente reseña Eugenio ¡Bellísima fotografía...!!! Gracias por compartir... ¡Te mando abracitos con cariño...!!! 👍😙😘

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    1. Gracias, Maria Del Socorro! Fico muito feliz em vê-la por aqui. É uma película simples, mas agradável. Abraços e beijos carinhosos para ti.

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