domingo, 21 de setembro de 2014

O TERCEIRO LONGA DO PRECOCE TRUFFAUT É O SEU FILME TESTAMENTO

Alguns cineastas — inclusive os grandes mestres — parecem obedecer ao natural processo de reservar o outono ou inverno de suas carreiras à realização de filmes que podem ser compreendidos como sínteses ou testamentos. Mas o precoce François Truffaut se lançou a esse propósito — inconscientemente, claro! — em seu terceiro longa. Com lugar reservado entre os realizadores que melhor traduziram os mistérios e obsessões do amor, Truffaut tem com Jules e Jim — uma mulher para dois (Jules et Jim, 1961) não só o seu melhor momento. Extraído de um livro de Henri-Pierre Roché, o roteiro anti-convencional permitiu a realização de um filme único: celebra o amor em sua dimensão utópica e o interroga quando é subjugado ao pouco favorável princípio da realidade. Jeanne Moreau, como Catherine, tem desempenho soberano enquanto o filme avança e lança questões sobre as possibilidades e limites do amor como forma de radical alteridade. A apreciação a seguir, de 1985, passou por revisão e ampliação em 1996.







Jules e Jim ‑ uma mulher para dois
Jules et Jim

Direção:
François Truffaut
Produção:
François Truffaut (não creditado)
Les Films du Carrosse, Sédif Productions (S.E.D.I.F.)
França — 1961
Elenco:
Jeanne Moreau, Oscar Werner, Henri Serre, Marie Dubois, Vanna Urbino, Sabine Haudepin, Serge Rezvani, Anny Nelsen, Michel Subor e os não creditados Michel Varesano, Pierre Fabre, Boris Bassiak, Danielle Bassiak, Kate Noelle, Elen Bober, Dominique Lacarrière, Bernard Largemain, Jean-Louis Richard, Christiane Wagner.




François Truffaut com Jeanne Moreau durante as filmagens de Jules et Jim



Como se obedecessem a um processo natural, alguns dos mais importantes cineastas reservaram para o outono e inverno de suas trajetórias a realização de filmes testamento, peças chaves que resumem o essencial de uma obra ou visão de mundo. Howard Hawks fez Onde começa o inferno (Rio Bravo) em 1958, 12 anos antes de concluir uma jornada vitoriosa iniciada em 1926.  John Ford realizou Rastros de ódio (The searchers) em 1956, e, seis anos depois, O homem que matou o facínora (The man who shot Liberty Valance), poderosas súmulas de uma filmografia pontuada de obras-primas, inaugurada em 1917 e encerrada nas proximidades de completar meio século. John Huston, diretor por 34 anos, resumiu o cinema, o inexorável e a aventura em O homem que queria ser rei (The man who would be king, 1975), quando faltavam sete anos para dar termo às atividades. Alfred Hitchcock filmou de 1922 a 1975, mas concentrou obsessões, manias, taras e temores que o perseguiam e aos seus personagens em Um corpo que cai (Vertigo, 1958) e Psicose (Psycho, 1960).


Comparado a Ford, Hawks, Huston e Hitchcock, Truffaut se destaca pela precocidade. Oferece sua síntese no terceiro longa: Jules e Jim — uma mulher para dois é a melhor expressão de uma trajetória iniciada em 1957 e tragicamente interrompida pela inesperada morte 27 anos após. Versa sobre o amor e suas dificuldades. Ou, segundo a ótica de Truffaut, é um tratado sobre o viver. O amor, recorrente na obra do cineasta, recebe tratamento radical. Sob uma perspectiva ampliada, é considerado no que tem de imanente e transcendente. Expressa amizade, sexo, carinho, paixão, violência, libertação, prisão, angústia, sonho, pesadelo, morte, irracionalidade e racionalidade. O roteiro, concebido pelo diretor em parceria com Jean Gruault, adapta o trabalho literário de estreia de Henri-Pierre Roché[1]. O autor contava 66 anos quando o escreveu, em 1945. Truffaut o descobriu em 1953. Ficou impressionado com a idade avançada do romancista, ainda mais por este detalhe não impedir uma narrativa simples, leve, inocente e jovial[2].


Truffaut logo pensou na transposição cinematográfica. Desanimaram-no as dificuldades de adaptação. Como preservar o dinamismo do livro, de modo a não realizar mais uma literatura filmada, a “maldição do cinema francês” que ele, à época — o crítico mais feroz dos vanguardistas Cahiers du Cinèma — particularmente execrava? A solução veio ao assistir Madrugada da traição (Naked dawn, 1955), de Edgar G. Ulmer, western intimista, “espécie de parábola sobre o pecado orginal”[3], cujo argumento, em linhas gerais, assemelha-se à história de Roché: uma mulher se vê atraída por dois homens[4]. Truffaut analisou o filme para a revista Arts. Ao mesmo tempo enalteceu o livro que originará Jules e Jim – uma mulher para dois. É “um dos mais belos romances modernos que conheço”, afirmou[5].


Em 1959, no set de Os incompreendidos (Les 400 coups), seu primeiro longa, Truffaut recebeu a visita de Jeanne Moreau. Emprestou-lhe o livro de Roché. A leitura entusiasmou a atriz. Ela se ofereceu para estrelar o filme tão logo pudesse ser realizado[6]. Conta o cineasta: “...Apanhei nos Cahiers du Cinéma algumas fotos de Jeanne (...), enviei-as a Roché e recebi como resposta: ‘Preciso de toda maneira conhecê-la. Traga-a aqui...’”[7]. Infelizmente, o escritor faleceu cinco meses depois[8].



Jim (Henri Serre), Catherine (Jeanne Moreau) e Jules (Oscar Werner)


Dois anos após Os incompreendidos Truffaut iniciou Jules e Jim – uma mulher para dois — primeira produção de época da Nouvelle Vague. Jeanne Moreau fez Catherine, espécie de síntese entre o sol e a lua. Como um bólido celeste à deriva, irrompe no centro de uma das mais belas amizades do cinema, a que une o alemão Julien/Jules (Werner), louro e baixo, ao francês Jacques/Jim (Serre), moreno e alto. De tão inseparáveis, são identificados respectivamente a Sancho Pança e Dom Quixote. A narrativa, anárquica e dispersiva, não deixa, apesar disso, de ser coerente e bem estruturada. É um filme feérico, pelo menos na primeira metade, plenamente feliz nos resultados alcançados.


Catherine (Jeanne Moreau),  Jim (Henri  Serre) e Jules (Oscar Werner) experimentam a alegria de viver


Em Jules e Jim – uma mulher para dois Truffaut é mais ilustrador que narrador. Na complexa operação de elaboração do roteiro, assinalou as passagens do livro que mais o agradaram, acompanhadas de alguns comentários. Todo esse material, confiado a Jean Gruault, resultou num texto com cerca de duzentas páginas, refeito com flexibilidade pelo diretor, que deixou várias entradas para improvisações. Porém, na elaboração do filme, a câmera importa mais que o roteiro. É a grande estrela, tão incrivelmente móvel e irrequieta, impondo com suas evoluções o ritmo da narrativa. A objetiva, leve, solta, não se submete a nenhuma regra, a nenhum formalismo. Confunde-se com a personalidade livre da voluntariosa Catherine, antes desta confrontar a dureza do princípio da realidade. Depois, o que mais importam são os diálogos, complementados por rápidos e imprescindíveis comentários saídos da voz de Michel Subor, que interfere na história como se fosse o próprio Henri-Pierre Roché na preservação de partes essenciais do livro que não couberam na adaptação. A participação de Subor, somada aos diálogos, carrega as imagens de sentido já que o ilustrador Truffaut praticamente abriu mão de um trabalho consistente de montagem. Na organização do material, Claudine Bouché mais enfileira que ordena as sequências, parecendo pouco se importar com o rigor da racionalidade. Apesar disso, em nenhum momento o mosaico existencial que é Jules e Jim – uma mulher para dois se assemelha a uma colcha-de-retalhos com partes unidas ao léu. Truffaut confessa: foi a montagem mais demorada de sua carreira[9]. A edição exigiu muito dispêndio de energia, a ponto de angustiá-lo. Tanto que temeu morrer antes de concluir o trabalho. O diretor conta a Anne Gillain: “Eu dirigia o meu carro com muito cuidado, amedrontado, dizendo-me que, em caso de acidente, as montadoras jamais se encontrariam. Havia tanta improvisação que ficava muito difícil saber em que ordem as cenas deveriam ser montadas”[10].


Jules e Jim – uma mulher para dois percorre período de aproximadamente vinte anos, de 1912 a 1930, suficiente para o desenvolvimento do mosaico existencial pretendido. No início, os jovens e descompromissados Jules e Jim se conhecem na agitada e encantadora Paris da belle époque. Estabelecem sólida amizade. Impera o princípio do prazer, o viver por viver. Os momentos não conhecem preocupações. São apreciados e aproveitados em intensidade. As imagens feéricas das primeiras cenas — que se prolongam pela primeira parte da história — comunicam liberdade, agilidade, frescor. É tanta movimentação... O espectador chega a pensar que está diante das loucas comédias de correrias e perseguições que tão bem caracterizaram os primórdios do cinema. Jules e Jim, sempre juntos, aprendem tudo um com o outro. Paradoxalmente não se apegam a mais ninguém, a não ser esporadicamente. Therese (Dubois) é um relacionamento rápido de Jules. Gilbert (Urbino), namorada de Jim, deixa-o livre. A amizade, cada vez mais estreita, é tema do livro que Jim escreve.


Pelos slides do amigo Albert (Bassiak), Jules e Jim tomam conhecimento de antigas ruínas romanas às margens do Adriático. São tomados de fascínio pelo misterioso sorriso de uma estátua feminina. Viajam para vê-la. Voltam a Paris, maravilhados com o enigmático semblante da escultura que dentro em pouco se materializará diante deles na forma de Catherine. Uma estátua, expressão petrificada da vida, leva-os ao conhecimento de uma mulher que é a mais perfeita tradução do dinamismo, a própria vida em fruição.



Catherine (Moreau) - súmula da vida em fruição - nos braços de Jules (Serre) e Jim (Werner)


Agora, entre Jules e Jim há Catherine. Forma-se o triângulo. Mas em vez de se enfraquecer, a amizade é fortalecida. A personagem de Moreau é o espelho no qual se fundem as paixões dos amigos. Mas é, ao mesmo tempo, o prisma que separa as personalidades de um e outro, diferenciando-os. Catherine é convergência, divergência, vontade de emancipação. Essa é a melhor definição para essa mulher solar, cujo modo de ser está impresso na canção Le tourbillon de la vie, escrita e musicada por Boris Bassiak. Como um raio de sol ela ilumina, esclarece e permite a eclosão das individualidades, diferenciações que fortalecem ainda mais a amizade de Jules e Jim. Nem o amor, em sua tendência a se fechar no exclusivismo pequeno-burguês, abalará a relação.


Catherine é uma sucessão de impulsos. Abomina a razão e o intelectualismo. É mais coração que cérebro. Sobram-lhe vigor e vontade, fatores que a favorecem na reinvenção da existência de instante em instante, sem que importem leis, convenções, regras e interditos. Não para menos Jules a chama de louca, duas vezes. Transgredir sem culpa: este é o mandamento primeiro e único dessa mulher que faz tábula rasa de todos os princípios. Ela pratica o que tem vontade, na hora que bem entender. Bom exemplo disso é a maneira como encerra a discussão "tola e estafante" de Jules e Jim sobre o significado de uma peça teatral. Ela simplesmente se afasta da dupla e lança-se ao mar. Volta a ser, novamente, o foco das atenções. Catherine é uma força da natureza, conjugação mágica e misteriosa dos quatro elementos básicos: água, fogo, terra e ar, na feliz síntese de Alberto Barbera[11]. Juntos na praia, nas caminhadas, nas brincadeiras, pedalando, Jules, Jim e Catherine parecem as crianças igualmente caras ao cinema de Truffaut.


Catherine (Moreau) é o espelho no qual se fundem as paixões de Jules (Werner)  e Jim (Serre)


Em meio a tanta alegria Jules diz: “Ela não é extremamente bela ou inteligente, mas é uma mulher verdadeira. Por isso a amamos e seus amantes a desejam. Porque ela nos concede a honra de sua presença. Porque a tratamos como rainha”. A mulher verdadeira emoldurada nesse juízo é a personificação da espontaneidade. Catherine é carisma. Mas a fonte de tanta felicidade também resume contradição e calculismo. Tudo isso é do amor; ou da vida, adianta Truffaut.


Enquanto Jules, Jim e Catherine se relacionam de forma revolucionária, à margem da conformidade social, permanecem unidos e felizes. Porém, a vida avança; com ela, o imponderável. No plano interno surgem os primeiros sinais de conformismo, com Jules propondo casamento a Catherine. No plano externo azedam as relações internacionais; estoura a I Guerra Mundial. De um lado e de outro, o princípio da realidade se intromete no meio da beleza. A alegria de viver como em sonho começa a se dissipar. Catherine sente os imprevistos e se fecha em introspecção.


As diferenças nacionais geram separação. Jules e Catherine vão para a Alemanha de suas origens. Jim permanece na França. Os rapazes, convocados, conhecem a face pavorosa da destruição. O que antes, na alegria, era apresentado como eterno, assume caráter de finitude. Nessas condições, segundo uma perspectiva terra a terra, Jules e Jim crescem impulsionados pela adversidade. Mas a amizade prevalece, apesar da distância e das trincheiras infectas. Um teme matar o outro durante o fogo cruzado. Para evitar que isso aconteça, Jules pede transferência para a frente russa.


A guerra e o casamento de Jules e Catherine operam profunda cisão na estrutura narrativa do filme. Formalmente, a segunda metade da história é mais contida. Para os personagens, a alegria contagiante, a vontade de viver como se a existência fosse a concretização de um desejo de pureza infinita, a esperança de permanente inocência e felicidade típicos dos sonhos da juventude encontram inevitavelmente a dureza da vida, a trágica banalidade do cotidiano. A transgressão encontra limite. A realidade se impõe, banindo o anticonformismo e qualquer possibilidade de libertação. Truffaut radicaliza a narrativa de forma trágica: na segunda parte, apenas a morte se apresenta como possibilidade de transcendência.


A guerra baniu a inocência. Os tempos que se abrem, de melancolia e introspecção, exigem tomada de consciência e postura mais responsável perante a vida. A época nova é ruim para Jules e Jim; péssima para Catherine. Passados alguns anos do término do conflito, os dois amigos voltam a se comunicar. Resgatam o que possuíam de mais valioso: a amizade. Sobreviveram. Nisso, foram vitoriosos. Mas a alegria solar terminou. Jules e Catherine moram nos bosques alemães com a filha Sabine (Haudepin), de aproximadamente sete anos.



Sabine (Sabine Haudepin) e Catherine (Jeanne Moreau)


Jim os visita. Não os encontra de imediato. As guerras deixaram marcas no seu espírito. Repórter, aproveita a viagem para preparar uma matéria sobre campos de batalha e cemitérios. Como os amigos, também foi tomado pela introspecção.


As invernais e pouco iluminadas matas alemãs onde residem Jules e Catherine contrastam radicalmente com ensolarada Paris da primeira parte da história. Jim chega com presentes, inclusive o livro que iniciara antes da guerra. Mas sob a sombra da folhagens, encontra o desencanto e a frustração. Salta aos olhos a sisudez de Catherine. O desprendimento, a felicidade e a jovialidade a abandonaram. Jules, por sua vez, escreve um tratado de entomologia. Perto mora Albert, que apresentou a Jules e Jim a estátua que antecipara Catherine. Foi ferido na guerra. Tornou-se um dos muitos homens que a personagem de Moreau busca para saciar frustrações. Jules se ressente com isso. Percebe o afastamento da amada. Quer devolver Catherine à felicidade. Por isso, pede que Jim a ame, contando que ele — Jules — possa vê-la esporadicamente.


O princípio da realidade turva o que antes era a utopia: Catherine (Moreau), Albert (Serge Rezvani), Jim (Serre) e Jules (Werner)


Daí em diante Jules e Jim – uma mulher para dois será uma história de mais desencontros que encontros, dominada pelo princípio da realidade, apesar da oposição de Catherine à resignação. Jim nunca deixou de amá-la. Ela o instala em chalé das proximidades. Tornam-se amantes. Mas Catherine logo percebe em Jim o abandono da liberdade de movimento da juventude. Ele também se congelou nos sentimentos.


Catherine quer recompor o turbilhão da vida, mas não percebe as voltas do tempo. Jim, ao contrário, está ciente das mudanças. Separam-se. Tentam a reaproximação por meio de um filho. Catherine escreve a Jim. Informa que está grávida. Ele não lhe dá crédito. Responde propondo saída tradicional ao impasse: “Catherine, você quis inventar algo de melhor recusando a hipocrisia e a resignação. Você quis inventar o amor. As novas leis são lindas mas é mais viável seguir as antigas. Nos jogamos com a vida e perdemos. É melhor nos conformarmos com as leis existentes”. Nesse vai e vem que instala dúvidas lá e cá, o filho esperado morre antes de nascer.



Jules (Oscar Werner) e Catherine (Jeanne Moreau)



O desencanto se acentua com a chegada dos anos 30. Jules, Jim e Catherine vão ao cinema. O cinejornal exibe a barbárie em processo na Alemanha: livros banidos pelo nazismo são lançados à fogueira. Com essas imagens Truffaut antecipa, acidentalmente, Fahrenheit 451 (Fahrenheit 451), filmado na Inglaterra em 1966. Mas Catherine não quer saber, nem da história, muito menos das realistas certezas de Jim. Compra um carro. Acerca-se do personagem de Serre. O veículo negro circulando na praça arrepia. Prenuncia um fim trágico. Ela chama Jim a uma volta. Resoluta, lança o automóvel ao rio diante do estupefato Jules. Morrem! Não é morte qualquer, mas por amor. É a recusa às imposições da realidade. Por isso, o suicídio de Catherine não é negação ou derrota, mas afirmação dos valores que ela soube simbolizar. É como se dissesse: é melhor morrer de amor do que ver o amor morrer. Portanto, morrer de amor é uma forma de continuar vivendo.


Catherine (Jeanne Moreau) não admite as imposições da realidade


Jules trata dos funerais de Jim e Catherine. Não fica sozinho. Terá Sabine a seus cuidados. Ela, mais que uma lembrança de Catherine, também é um sopro de esperança. Quem sabe, não levará a vida que a mãe gostaria de ter sempre vivido? Parte dessa grande responsabilidade cabe a ele.


Jules e Jim – Uma mulher para dois mexe com delírios e paixões do espectador. Arrebata-o de imediato numa sucessão inteligente de climas, cenários e atuações do elenco em grande forma. Quais as possibilidades do amor? A pergunta lançada por Truffaut encontra resposta ao esbarrar no princípio da realidade devorador da alegria iniciada como utopia. Praticamente Truffaut repete a certeza de Jim: “É melhor nos conformarmos com as leis existentes”, ou, como Georges Sadoul evidencia, o diretor lança a ideia de que o casal não é um conceito satisfatório; melhor seria a abertura das relações, mas, infelizmente não é possível essa solução[12]. Será que não? O próprio Trufaut reserva uma chance à alteridade, tanto que ao longo de quase vinte anos de história os personagens tiveram o envelhecimento físico propositalmente evitado.






Roteiro, adaptação e diálogos: Jean Gruault, François Truffaut, com base em novela de Henri-Pierre Roché. Direção de fotografia (Franscope, preto-e-branco): Raoul Coutard. Música: Georges Delerue. Figurinos: Fred Capel. Montagem: Claudine Bouché. Narrador (voz): Michel Subor. Canção: Le tourbillon de la vie, letra e música de Boris Bassiak. Intérpretes da canção: Jeanne Moreau, Boris Bassiak. Produção executiva (não creditada): Marcel Berbert. Desenho de produção e figurinos: Fred Capel (não creditado). Penteados e maquiagem: Simone Knapp (não creditada). Gerente de produção: Maurice Urbain (não creditado). Assistentes de direção (não creditados): Robert Bober, Florence Malraux, Georges Pellegrin. Operador de câmera (não creditado): Claude Beausoleil. Fotografia de cena (não creditada): Raymond Cauchetier. Eletricista (não creditado): Fernand Coquet. Continuidade (não creditada): Suzanne Schiffman. Fornecimento de cenas de arquivo: Les Films de la Pléiade, Service Cinématographique de l'Armée. Estúdios de gravação: Studios Marignan. Editora do livro de Henri-Pierre Roch: Éditions Gallimard. Tempo de exibição: 105 minutos.


(José Eugenio Guimarães, 1985; revisto e ampliado em 1996)




[1] Autor da novela que dará origem a Duas inglesas e o amor (Les deux anglaises et le continent), filmado por Truffaut em 1971.
[2] BARBERA, Alberto. François Truffaut. Il Castoro Cinema. Florença: La Nuova Italia, n. 27, p. 53, mar.1978.
[3] EWALD FILHO, Rubens. Os filmes de hoje na TV. São Paulo: Global, 1975. p. 119.
[4] GILLAIN, Anne. O cinema segundo François Truffaut. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. p. 128.
[5] Ibidem.
[6] Ibidem.
[7] Ibidem.
[8] Cf. Ibidem.
[9] Cf. Ibidem. p. 125.
[10] Cf. Ibidem.
[11] BARBERA, Alberto. Op. cit. p. 54.
[12] Cf. SADOUL, Georges. Dicionário de filmes. Porto Alegre: L&PM, 1993. p. 409.

8 comentários:

  1. Eugenio,

    Não posso negar as qualidades do Trufautt, embora não me considera um fã seu em qualquer grau.. No entanto, vi dois filmes dele; A Noite Americana e Jules e Jim, todos quando do seu lançamento em Salvador, e mais Contatos Imediatos do 3o. Grau, onde atua, e até muito bem.

    Portanto seus filmes como diretor eu precisaria rever para postar algum comentário mais atual. Com o que tenho em mente sobre o que vi mais de 50 anos atrás, poderia, se tentasse dizer algo, trair minhas colocações.

    jurandir_lima@bol.com.br

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    1. Caro Jurandir,

      Procure conhecer Truffaut, meu amigo. É cineasta de fina sensibilidade. Recomendo de imediato, além do filme em tela: "Os incompreendidos", "Atirem no pianista", "Um só pecado", "Fahrenheit 451", "Beijos proibidos", "O garoto selvagem", "Domicílio conjugal", "Duas inglesas e o amor", "Uma jovem tão bela como eu", "A história de Adele H", "O quarto verde", "O amor em fuga", "O último metrô", "A mulher do lado", "De repente num domingo", "O homem que amava as mulheres", "A idade da inocência"...

      Truffaut morreu muito cedo... Uma pena!

      Grande abraço.

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  2. Jules et Jim é uma daquelas películas quase indescritíveis. Experimenta-se. Como ver Clarice Lispector?Como traduzir Guimarães Rosa de Grande sertão: veredas? Truffaut nos assombra com sua generosidade. O coração do cineasta expande-se em diálogos, tomadas, suicidio, closes, em tanta coisa... Há no filme um artesanato, um à vontade, que nos desloca de nossa realidade mais tacanha e provinciana. Como se fosse meio surreal, o que não é novidade para o espírito surrealista de certos franceses. Anti-cartesiano? Jules e Jim experimenta-se.. E saímos do filme sem sabermos se continuamos sendo o que imaginamos ser ou se outramo-nos. Se eu pudesse me expressar... ali há mais do que cinema, do que um simples filme. Arte com a maiúscula. O amor sem fronteiras, por isso o mergulho do automóvel. Cinema de autor, com certeza. E isso não foi uma moda.Era uma verdade.François Trufautt . Inesquecível, lá nos anos 80. UFF. Experimente. E gostei imenso das pistas que você deu de seu coração, do ensaísta. Obrigado.
    Luis Estrela de Matos

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    1. Caro Luis Estrela;

      Alegro-me com o seu comentário acerca da incessante pulsação de JULES ET JIM. Sim, é um exemplo - raro - de cinema total. É um dos meus filmes fundamentais. Sim, anti-cartesiano. Ele segue o ritmo do coração, seja em seus batimentos normais, disparados ou desacelerados. Poucas vezes uma canção sintetizou tão bem um filme - e a vida - como "Le tourbillon".

      Grande abraço.

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  3. Eugenio,

    Com toda certeza que você tem razão. O que me dizes, um outro colega faz exatamente o mesmo.

    O que ocorre é que não sinto qualquer impulso positivo para ver filmes do Truffaut. Já tentei algumas vezes, mas sempre termino por abandonar o filme.

    De qualquer jeito vou voltar a fazer a tentativa depois desta sua injeção de ânimo.

    Grande abraço

    jurandir_lima@bol.com.br

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    1. Jurandir,

      Faça isso! Um cinéfilo é, antes de tudo, um agente de boa vontade, que está sempre aberto, inclusive à possibilidade de dar o braço a torcer.

      Abraços.

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  4. Caro Eugenio,
    Parabéns pela revisão de filme maravilhoso, eu realmente gosto de um suas frases:
    "celebra o amor em sua dimensão utópica e o interroga quando é subjugado ao pouco favorável princípio da realidade".

    Grande abraço

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    1. Gracias pela visita e comentário, Xus! É um dos mais belos filmes que há!

      Beijos.

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